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Luiz Carlos Azedo: Terrivelmente boicotado
Grupo de senadores tem defendido que Bolsonaro desista da indicação de Mendonça e escolha outro nome para o STF
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (igreja evangélica pentecostal), acusou os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, e das Comunicações, Fábio Faria, de boicotarem a indicação do ex-ministro da Justiça e ex-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal (STF). Aliado de Jair Bolsonaro, desde o fim de semana Malafaia vinha ameaçando denunciar os ministros. Mendonça é pastor da igreja presbiteriana Esperança, em Brasília. Indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para o STF é uma promessa de campanha do presidente da República.
Para aumentar o desconforto de Mendonça, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, ontem, arquivou o mandado de segurança requerido pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO), para impor ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que pautasse a sabatina de Mendonça. Nunca um candidato ao STF passou por tanto desconforto no Senado. Alcolumbre recebeu a indicação em julho do ano passado e a mantém na gaveta, apesar de todas as pressões, por razões que ainda não são de todo conhecidas.
Sabe-se que o ex-presidente do Senado está insatisfeito com Bolsonaro desde as eleições passadas, quando seu irmão, Josiel Alcolumbre, seu primeiro suplente no Senado, perdeu a disputa para a Prefeitura de Macapá. Mesmo com o apoio do então prefeito Clécio Luís (sem partido) e do governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), foi derrotado pelo médico Dr. Furlan (Cidadania), ex-deputado apoiado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede). Alcolumbre atribuiu a derrota à demora do governo federal em restabelecer a energia no Amapá, que sofreu um “apagão” às vésperas das eleições.
Plano B
Há mais coisas entre o paraíso e o Senado, porém. Um grupo de senadores tem defendido a tese de que Bolsonaro deveria desistir da indicação e escolher outro nome para a vaga de Marco Aurélio Mello, que se aposentou. Preferem o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, que teria amplo apoio, inclusive na oposição. Alagoano e adventista, Martins foi um dos nomes que chegou a ser considerado por Bolsonaro, porque contaria com a simpatia do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), aliado do Palácio do Planalto, e também de parlamentares do MDB, partido com a maior bancada no Senado — principalmente o senador Renan Calheiros (AL), seu conterrâneo, relator da CPI da Covid.
Uma das críticas de Malafaia a Ciro Nogueira deve-se ao fato de ter se aproximado de Calheiros, “o cara que quer destruir Bolsonaro por interesses políticos”, segundo o líder religioso. No domingo, no Guarujá (SP), Bolsonaro perdeu a paciência com Alcolumbre: “Quem não está permitindo a sabatina é o Davi Alcolumbre (…) Teve tudo o que foi possível durante os dois anos comigo e, de repente, ele não quer o André Mendonça. Quem pode não querer é o plenário do Senado, não é ele. Ele pode votar contra. Agora, o que ele está fazendo não se faz. A indicação é minha”, disse.
“Se ele quer indicar alguém para o Supremo, pode indicar dois. Ele se candidata a presidente no ano que vem e, no primeiro semestre de 2023, tem duas vagas para o Supremo”, desafiou Bolsonaro. É muita ironia: a indicação de um ministro para o STF por ser evangélico é fruto de uma mentalidade teocrática, isto é, de uma concepção religiosa de Estado, porém, a não realização da sabatina monstra claramente que as regras do jogo laico estão prevalecendo no Congresso. Os ministros citados por Malafaia — Ciro Nogueira, Flávia Arruda e Fábio Faria — são os principais operadores políticos do governo. Bolsonaro não tem força para demitir esses três sem desarticular completamente sua base parlamentar.
Luiz Carlos Azedo: As almas mortas e a montanha
Milhões de pacientes passaram pelas enfermarias. O que mudou no modo de vida e na forma de pensar dessas pessoas?
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
“Diga- me, mãezinha, têm morrido camponeses seus? — Nem me fale paizinho — dezoito homens! Disse a velha com um suspiro. — E tudo gente boa que morreu, bons trabalhadores. É verdade que nasceram outros depois, mas o que valem? É tudo criançada; mas o fiscal chegou, mandando pagar a taxa por alma, da mesma forma. Os homens estão defuntos, mas eu tenho que pagar como se estivessem vivos.”
No livro Almas mortas, o escritor ucraniano Nikolai Gogol ironiza a servidão russa na época do czar Pedro, o Grande, que resolveu cobrar impostos sobre todas as almas. Cobrava até de quem não era católico, apesar de não ser nada religioso. Os proprietários de terras eram obrigados a pagar os impostos pelo número de servos, inclusive os que haviam morrido. Pável Ivánovitich Tchítchicov, o personagem central do romance, resolve ganhar dinheiro com isso.
Charmoso, educado, sagaz e boa pinta, usa de convencimento para enganar pequenos proprietários. Aproveita-se da burocracia russa ineficiente, e do regime de servidão e da miséria, para hipotecar almas como se todas estivessem vivas e, com isso, obter lucro. Se o proprietário vende uma alma, para Tchitchicov, o vendedor não perde nada. Pelo contrário, ele economiza no imposto que teria que pagar e ainda ganha uma quantia em rublos. Quanto ao comprador, essas almas mortas passarão a fazer parte do seu patrimônio.
O plano de Tchitchicov é simples. Ao comprar almas mortas a partir de pequenos proprietários de terra, esses servos permanecem em livros dos fazendeiros até o próximo recenseamento e, muito embora mortos, são tributáveis. Ao comprá-los, aliviam a carga fiscal dos proprietários. Seu plano é instalar esses servos mortos nas listas fiscais de uma propriedade distante, em que ele vai, então, ser capaz de obter uma hipoteca generosa do governo e sair com uma pequena fortuna. Certos aspectos da pandemia de covid-19 aqui no Brasil lembram o romance de Gogol.
Ultrapassamos a marca de 600 mil mortes por covid-19, mantendo, porém, uma média de 500 óbitos por dia. Na sexta-feira, quando atingimos esse patamar, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, deu uma entrevista coletiva minimizando o fato, para destacar que: (1) o governo está empenhado em viabilizar a terceira dose da vacina contra a covid-19 e (2) um número muito maior de pessoas diagnosticadas com a doença se recuperou. De fato, cerca de 20,6 milhões de pessoas tiveram covid-19 e sobreviveram; no momento, 285.032 estão enfermas.
O trauma coletivo
A forma burocrática da entrevista e a falta de empatia do ministro estão em linha com a política sanitária do governo federal. Contaminado na viagem do presidente Jair Bolsonaro à ONU, mesmo sem sintomas, teve que fazer três semanas de quarentena em Nova York, para voltar ao Brasil. Sua desastrosa atuação durante a pandemia também está sendo investigada pela CPI do Senado. Os senadores deverão concluir seus trabalhos nas próximas semanas e, segundo o relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), as consequências serão inquéritos civis e criminais, a serem conduzidos pelo Ministério Público, a Polícia Federal e o Tribunal de Contas da União (TCU). O relator proporá a demissão do ministro Queiroga e/ou a abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, por crime de responsabilidade. Estamos no Brasil, a um ano das eleições, e o nosso país, como dizia o maestro Antônio Carlos Jobim, não é para principiantes: nada de demissão nem impeachment.
Nossa realidade vai além das obras de ficção. Muita incompetência e espertezas macabras foram desnudadas pela CPI da Saúde, porém, nada se aproxima tanto da história de Gogol como o caso macabro da Prevent Sênior, empresa que se especializou no atendimento de idosos, em cuja estratégia de tratamento, além do “kit cloroquina”, nos casos graves, segundo denúncias de médicos e pacientes, os “cuidados paliativos” seriam uma espécie de eutanásia não consentida, para dizer o mínimo. O trauma coletivo da pandemia no Brasil é irreversível, principalmente para os familiares e amigos desses 600 mil mortos por covid-19.
Graças ao SUS, milhões de pacientes passaram pelas enfermarias dos hospitais, alguns com longas internações. O que mudou no modo de vida e na forma de pensar dessas pessoas? O escritor alemão Thomas Mann, cuja mãe era brasileira, ao descrever as polêmicas entre pacientes num sanatório de Davos, nos Alpes suíços, fez um mosaico do que estava acontecendo na Europa à beira da I Guerra Mundial. N’A montanha mágica, a tuberculose muda a noção de tempo durante a internação, enquanto a vida segue o curso trágico da História e médicos charlatães oferecem aos ricos pacientes falsas opções de cura. Naquela época não existia a penicilina; hoje, temos também as vacinas contra a covid-19.
Luiz Carlos Azedo: Diga ao povo que saio
Há um rosário de decisões de Guedes que o beneficiaram financeiramente, sem que tivesse que fazer uma nova aplicação em sua conta no exterior
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Tem coisas no Brasil difíceis de entender. Por exemplo: Dom Pedro I, que proclamou a Independência, é homenageado com uma das menores ruas do Centro Histórico do Rio de Janeiro, nossa capital de 1763 até 1960, quando a sede do governo foi transferida para Brasília. Começa na Praça Tiradentes, ao lado do Teatro Carlos Gomes, e termina na Rua do Senado, com 141 endereços, 112 residências, 24 estabelecimentos comerciais, três prédios inacabados e 227 moradores, com uma renda média de R$ 1,143. Dependendo do prédio, o preço de um apartamento varia de R$ 3 mil a R$ 8 mil o metro quadrado.
Como já começamos a contagem regressiva para o Bicentenário da Independência, vale o desagravo. Essa lembrança veio em razão do trocadilho do título da coluna com a decisão de Pedro I de não regressar a Lisboa, contrariando as ordens das Cortes Portuguesas, em 9 de janeiro de 1822: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto. Digam ao povo que fico”. O Dia do Fico, referência à frase célebre, foi uma preparação para a proclamação da Independência, em 7 de setembro de 1822.
Havia muita ambição e esperteza embarcadas naquela rebeldia. Liderar a Independência era a única maneira de manter o Brasil sob controle da Casa de Bragança — com ela, a monarquia, o regime escravocrata, o tráfico de negros escravizados e o projeto de reunificação da Coroa, que levaria Dom Pedro I a abdicar do trono em 7 de abril de 1831 e voltar para Portugal para lutar pelo trono para a filha primogênita Maria da Glória. Em contrapartida, herdamos a integridade territorial e o Estado brasileiro, com suas principais instituições. Não foi pouca coisa.
Ambição e esperteza é o que não faltam nas altas esferas do poder. Por exemplo, não conseguia entender a longa permanência do ministro da Economia, Paulo Guedes, no comando da pasta. A vida toda foi um economista ultraliberal. Na campanha eleitoral, fez a cabeça do presidente Jair Bolsonaro e virou o Posto Ipiranga da economia, com apoio do mercado financeiro, para fazer as reformas liberais, entre elas a tributária e a administrativa. Com o passar do tempo, não fez as reformas e fracassou. Nossa economia registra uma brutal desvalorização do real, inflação alta, desemprego em massa e estagnação
econômica. Outros liberais, diante da guinada populista iminente do governo Bolsonaro, já teriam entregado o cargo, como alguns fizeram em sua equipe.
Agora já sabemos a explicação para o “Fico” do ministro da Economia: enquanto o povo come osso, Guedes ganha muito dinheiro com a crise, porque a desvalorização do real engorda suas economias em dólar, que ontem fechou a R$ 5,48. A conta de Guedes num paraíso fiscal no exterior foi revelada, no último fim de semana, pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). O Ministério da Economia informou que toda a atuação privada de Paulo Guedes foi “devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes”, mas há controvérsias. Eticamente, ganhar dinheiro com a desvalorização do real é incompatível com o cargo de ministro da Economia. No popular, é muita cara de pau.
Imposto de Renda
Por essa razão, Guedes foi convocado a dar esclarecimentos à Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara, e convidado também pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado a explicar a existência de sua empresa offshore, que não paga imposto no Brasil. Guedes abriu a empresa em 2014, ou seja, no ano da reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff. O horizonte econômico era de recessão e aumento da inflação. Até aí, tudo bem — toda vida ganhou dinheiro no mercado financeiro. Em 2016, porém, o governo criou facilidades para que todos repatriassem os recursos enviados para o exterior, mas Guedes não encerrou suas operações com a offshore. Deixou o dinheiro lá fora, no paraíso fiscal, mesmo depois de virar ministro da Economia.
Há um rosário de decisões de Guedes que o beneficiaram financeiramente, sem que tivesse que fazer uma nova aplicação em sua conta no exterior. O artigo 5o do Código de Conduta do setor público veda “investimento em bens cujo valor e cotação pode ser afetado por sua decisão”. Quando nada, o câmbio sempre será atingido por declarações ou atos do ministro da Economia, bem como do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que também tem conta numa offshore no exterior. É uma “não conformidade”.
Tudo isso acontece num momento crucial para o governo, que está em dificuldades para financiar o chamado Auxílio Brasil, programa de transferência de renda que Bolsonaro quer aprovar, para substituir o Bolsa Família. O problema é que o governo não tem dinheiro, tenta viabilizar o projeto com recursos do Imposto de Renda, que pretende modificar com esse objetivo, deixando de fora as contas offshore, é claro. O jabuti no IR, porém, subiu no telhado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já mandou recado de que não vai misturar alhos com bugalhos.
Luiz Carlos Azedo: A desagregação do centro para uma terceira via
É cada vez mais difícil o surgimento da chamada terceira via, uma candidatura que unifique o centro político
Todas as pesquisas confirmam o cenário de polarização para as eleições presidenciais de 2022, entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), favorito na disputa, em torno de 40% de intenções de votos, e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), cuja reeleição está cada vez mais difícil, com teto nos 30% dos votos. O governador de São Paulo, João Doria, não sai da faixa dos 3% de intenções de votos, como candidato do PSDB. Se o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, fosse o candidato do PSDB, também não haveria grande modificação.
O candidato de oposição que aparece com melhor pontuação é o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), que se mantém em terceiro lugar, variando de 5% a 11%, dependendo da pesquisa. Entretanto, o pedetista não consegue ampliar suas alianças ao centro. A estagnação nas pesquisas eleitorais dificulta a vida de Doria, na medida em que o gaúcho Eduardo Leite corre na mesma faixa, o que aumenta o isolamento interno do governador paulista nas prévias do PSDB.
É cada vez mais difícil o surgimento da chamada terceira via, uma candidatura que unifique o centro político. A fragmentação é muito grande. No primeiro cenário, com Doria, pontuam, nas pesquisas, José Luiz Datena (PSL), com 4%; Henrique Mandetta (DEM), 3%; Rodrigo Pacheco (DEM), 2%; Aldo Rebelo (sem partido) e Alessandro Vieira (Cidadania), com 1% cada. No segundo cenário, com Leite como candidato do PSDB, Mandetta tem 3%;
Datena, 2%; Pacheco, Aldo e Alessandro, 1%. Esses cenários não podem ser engessados — estamos a um ano das eleições. Entretanto, mostram grande descolamento dos partidos de centro de suas bases eleitorais tradicionais.
A novidade no quadro partidário é a anunciada fusão do DEM com o PSL, partido pelo qual Bolsonaro se elegeu, mas, depois, rompeu. Com a fusão, passarão a se chamar União Brasil, com o número 44, escolhas feitas com base em pesquisas qualitativas. Será o maior partido da Câmara, com 81 deputados, o que garante para a nova legenda R$ 320 milhões de fundo eleitoral e R$ 138 milhões de fundo partidário. A nova legenda tem, ainda, sete senadores, quatro governadores e 554 prefeitos. Entretanto, não consegue alavancar seus pré-candidatos: Mandetta tem apenas 3% de intenção de votos, e Pacheco varia entre 1% e 2%, dependendo da sondagem.
Expectativas
O PSDB vive um momento de grande divisão interna. De certa forma, a disputa entre os tucanos paralisa os demais atores políticos de centro, que aguardam a escolha do candidato da legenda. Quem quer que seja o escolhido, terá dificuldade para unificar o partido. Além disso, os aliados tradicionais também estão se colocando como alternativa, com seus próprios candidatos. O PSDB deixou de ser uma força agregadora do centro. Quem vencer as prévias precisará fazer um grande esforço para reconstruir suas alianças tradicionais.
Outro ator importante na construção de uma alternativa de centro é o PSD, de Gilberto Kassab, que assedia o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Kassab atraiu para a legenda o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que ensaia disputar o governo fluminense, e o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que pretende voltar ao Palácio dos Bandeirantes. Com habilidade, Kassab trabalhou nos últimos anos para reunir 35 deputados, 11 senadores, dois governadores e 654 prefeitos.
Entretanto, o PSD corre o risco de ficar na mesma situação do MDB, que não tem, até agora, um projeto de candidatura própria, embora a senadora Simone Tebet (MS) pleiteie a vaga e o ex-presidente Michel Temer tenha voltado à ribalta. O MDB tem 16 senadores, 34 deputados, três governadores e 784 prefeitos. Tanto o PSD quanto o MDB podem derivar para a candidatura de Lula, o que aumentaria as suas chances de vencer no primeiro turno. O petista anda trabalhando nos bastidores para montar seus palanques regionais e não desistiu de suas velhas alianças, inclusive com o Centrão.
Cristiano Romero: A mais difícil e a mais urgente das reformas
Todos querem mudança tributária há trinta anos
Cristiano Romero / valor Econômico
Os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não sepultaram a possibilidade de aprovação da reforma tributária nesta legislatura, mas inovaram ao indicar que o tema, por bem ou por mal, será apreciado até dezembro. Como ocorreu nos últimos 30 anos, a reforma institucional mais demandada pelos agentes econômicos _ inclusive, os contribuintes pessoas físicas _ pode não sair do papel. E a razão é uma só: é impossível conciliar todos os interesses envolvidos nesse tema.
Razões para justificar mudanças no regime tributário brasileiro não faltam. O sistema taxa mais o consumo do que a renda, na contramão das economias avançadas. No 8º país que mais concentra renda no planeta, onde existem mais de 50 milhões de pessoas miseráveis (dependentes de programas de transferência de renda para sobreviver) e a maioria da população é pobre, essa regra ajuda a perpetuar uma de nossas maiores chagas.
Trata-se de uma “brasileirice” sem tamanho, típica de uma sociedade dilacerada pela cultura escravagista por mais de 500 anos: neste imenso pedaço de terra abençoado, mas esquecido por Deus, os pobres pagam mais imposto que os ricos. E isso ocorre porque, por razões óbvias, essa parcela da população consome mais, isto é, despende fatia maior de sua renda com bens de consumo e, quando a maré permite, serviços.
Incidem sobre o consumo três tributos _ o ICMS (estadual) e dois federais (PIS e Cofins) _, todos sobre a mesma base de cálculo, o faturamento das empresas que vendem os produtos. As alíquotas do ICMS são as mais elevadas. No caso de serviços como telefonia e energia, superam o patamar de 40%! Não nos esqueçamos do IPI, imposto que incide sobre a produção de bens industriais.
As “brasileirices” (sinônimo de jabuticaba) que condenam este país a não ser nação não param por aí. Neste território riquíssimo em recursos naturais onde vive um dos maiores contingentes de cidadãos pobres do mundo, indivíduos de classe média e os ricos podem deduzir, da base de cálculo do Imposto de Renda, tudo _ isso mesmo, tudo _ o que gastam em hospitais particulares e planos de saúde, inclusive, no exterior.
PRESIDENTES DA CÂMARA E DO SENADO
O raciocínio por trás dessa maldade é o seguinte: como a Constituição de 1988 assegura, a todos os viventes nesta extensão de terra no hemisfério sul da Terra, acesso universal a serviços públicos de saúde, é razoável que os transeuntes tenham o direito de requerer dedução das despesas que tiverem com serviços particulares de saúde. O cinismo _ uma “brasileirice” da qual ninguém fala, do mesmo quilate das férias de dois meses de juízes e procuradores _ chega ao paroxismo quando os defensores da vilania alegam que “a dedução é um direito, uma vez que o sistema de saúde estatal ainda não consegue atender a toda a demanda.
Se alguém tem alguma dúvida de por que o país a que chamamos de Brasil não dá certo, não precisa ir muito longe. Como os pobres não têm dinheiro para serem atendidos em hospitais particulares, eles não têm direito a deduzir nada da base de cálculo do Imposto de Renda. Os cínicos, neste momento da tertúlia, rompem qualquer fronteira do bom senso civilizacional: “Ora, pobres não pagam Imposto de Renda, logo, eles não precisam deduzir os gastos com saúde”.
Era só o que faltava: o sonho dos pobres no Brasil, agora, é pagar Imposto de Renda! Na verdade, eles já pagam, pois, já é obrigado a isso quem percebe pouco mais de R$ 2 mil por mês. Em termos menos edulcorados, o que esse sistema injusto e concentrador de renda faz é tirar bilhões de reais que deveriam financiar a saúde pública, que segundo a Carta Magna é para todos, inclusive, estrangeiros que estejam de passagem pelo país, e transferi-los para hospitais particulares e grandes empresas de planos de saúde.
Mesmo tendo consciência de que o Sistema Único de Saúde (SUS) pode ter uma gestão melhor, deveríamos considerar nas duras críticas que fazemos ao serviço público o fato de que o próprio Estado abre mão de bilhões de reais para beneficiar meia dúzia de grupos de interesse específico.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os americanos perceberam-se mais importantes do que achavam antes do conflito. Essa constatação mudou tudo. Logo, viram que, para sua economia crescer na velocidade desejada, eles precisavam de uma matéria-prima _ petróleo (energia) _ que eles possuíam, mas não na quantidade necessária.
Ora, o jeito foi sair pelo mundo em busca de fornecedores “confiáveis”_ um dos principais, a Venezuela, que, até o início deste século, fornecia 20% do petróleo consumido pelos Estados Unidos. A fome americana por óleo era tanta que moldou a geopolítica mundial a partir dali. Internamente, a decisão foi desonerar o preço do combustível consumido por empresas e famílias americanas, afinal, o país precisava crescer. Taxar excessivamente a gasolina para financiar o Estado, como fizeram outros grandes produtores de petróleo (México, Venezuela, Nigéria, Arábia Saudita), seria contraproducente: aumentaria a presença do governo na atividade econômica, tornando-o ineficiente por definição; estimularia a corrupção; desestimularia o desenvolvimento de outros setores; por fim, diminuiria a produtividade, uma vez que não haveria, de forma geral, incentivos para o desenvolvimento de uma economia dinâmica.
Quando achou que tinha chegado a sua hora de reluzir na economia mundial, depois de se deitar em berço esplêndido por quatro séculos e meio, a Ilha de Vera Cruz também não tinha petróleo suficiente. Mas, o que se viu desde então foi a taxação sempre elevada dos combustíveis. Como facilitar o crescimento da atividade?
Em entrevista à Maria Fernanda Delmas, diretora de redação do Valor, Lira e Pacheco expuseram o drama infindável da reforma que não se realiza. “É óbvio que a reforma tributária guarda uma série de divergências. É sem dúvida a proposta com maior dificuldade de conciliação, de entendimento do que é bom para o país”, disse Pacheco.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/brasil/coluna/a-mais-dificil-e-a-mais-urgente-das-reformas.ghtml
Luiz Carlos Azedo: O espetáculo na pandemia
Líderes da CPI precisam levar em conta as mudanças de cenário e não perder o foco e evitar um carnaval midiático
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Ninguém tem dúvida de que a CPI da Covid no Senado tornou-se o epicentro da disputa política entre governo e oposição na conjuntura marcada pelo novo coronavírus. Entretanto, a pandemia está sendo domada, na medida em que a vacinação avança, enquanto o desemprego e a alta da inflação, dos juros e da cotação do dólar começam a ser os fatores de maior repercussão na vida da população. Ou seja, a urgência política está mudando e a comissão começa a perder o protagonismo que tinha, apesar de o elevado número de óbitos por covid-19 ter se tornado um trauma que enluta mais de 600 mil famílias. É muita gente.
O depoimento do empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, ontem, na CPI, ilustra a nova situação, na sequência das espantosas revelações da advogada Bruna Morato, na terça-feira, cujo relato da rotina de ameaças a médicos da operadora de saúde Prevent Senior durante a pandemia foi estarrecedor. Enquanto Morato denunciou a falta de autonomia dos profissionais, a exigência da prescrição de remédios ineficazes e o envolvimento da empresa em um “pacto” com o chamado “gabinete paralelo” do Palácio do Planalto, Hang fez de seu depoimento um case de marketing político e comercial ao confrontar a CPI, porque sustentou as posições negacionistas de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, e ainda aproveitou para fazer propaganda de sua cadeia de lojas de departamentos.
Segundo o relator da CPI, senador Renan Calheiros(MDB-AL), Hang orientava o presidente sobre condutas para o enfrentamento da pandemia e fazia parte do chamado “gabinete paralelo”, supostamente o estado-maior da política de enfrentamento da pandemia executada pelo Ministério da Saúde na gestão do general Eduardo Pazuello. A grande contradição de seu depoimento foi o fato de não ter questionado o atestado de óbito de sua mãe, que morreu de covid-19, quando estava sob os cuidados da Prevent Sênior — a informação não consta como causa mortis no documento. O empresário admitiu que autorizou a utilização do chamado kit covid durante o tratamento, porém atribuiu a subnotificação a um erro do plantonista e não à intenção de omitir o fato da opinião pública.
Outras prioridades
Mais importante do que o conteúdo do depoimento, porém, foi o circo armado pelo “velho da Havan” e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) na própria CPI, cuja sessão foi das mais tumultuadas. Hang foi evasivo e driblou perguntas feitas pelos senadores sobre a operadora de saúde Prevent Senior, o que irritou o presidente da comissão, senador Omar Azis (PSD- AM), e o chamado grupo dos sete, formado por senadores de oposição e independentes. A maior utilidade do depoimento foi revelar que a atuação de empresários bolsonaristas na pandemia, a estratégia adotada pela Prevent Sênior e a política de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde estavam em linha com o propósito de Bolsonaro de manter a economia funcionando a qualquer custo, mesmo que o preço a pagar fosse o alto número de óbitos, como acabou acontecendo.
A chamada “sociedade do espetáculo” é considerada uma forma perversa de ser da sociedade de consumo. Trata-se da multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum. É um fenômeno contemporâneo, que vem sendo estudado há mais de 50 anos, cuja característica principal é a transformação das relações entre as pessoas em imagens e espetáculo, como acontece nas redes sociais. Não existe mais um limite entre a realidade e o espetáculo.
É aí que os líderes da CPI precisam levar em conta as mudanças de cenário e tomar cuidado para não perderem o foco. O objetivo da comissão não é promover um carnaval midiático, no qual os critérios de verdade e validade acabam diluídos pela retórica do conflito político, como aconteceu na sessão de ontem. Talvez seja a hora de os integrantes da CPI priorizarem a elaboração de um relatório robusto, no qual os responsáveis pela tragédia humanitária em que se converteu a pandemia sejam apontados com rigor, bem como os crimes cometidos, devidamente tipificados e comprovados. Ou seja, é preciso partir para os “finalmentes”.
Luiz Carlos Azedo: Lira passa o trator nos servidores
Deputados do Centrão dominam a Câmara e não estão preocupados com a opinião pública, porque suas bases eleitorais são fidelizadas graças às verbas do Orçamento
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O texto base da reforma administrativa, aprovada pela comissão especial da Câmara, ontem, desagrada tanto aos setores liberais que defendem a modernização do Estado brasileiro quanto aos seus opositores de esquerda, porque não tem coerência e mantém privilégios. Para os especialistas, também desconstrói pilares importantes da meritocracia, princípio que deve nortear o serviço público. O texto foi resultado de negociações de bastidor conduzidas pelo relator, deputado Arthur Maia (DEM-BA), com apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tratorou os servidores e a oposição.
Desde setembro do ano passado, a reforma administrativa estava encalhada na Câmara. Seu objetivo é alterar as regras para os futuros servidores dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, estados e municípios. Ainda há muitos destaques a serem votados na própria comissão. Somente após a conclusão dessas votações, a proposta será encaminhada ao plenário, onde precisará ter pelo menos 308 votos a favor, em dois turnos de votações.
A oposição havia obstruído a votação na quarta-feira, mas, ontem, pela manhã, o presidente da Câmara trabalhou pessoalmente para garantir o quórum, cobrando lealdade de seus aliados. Mais uma vez, a proposta deixa de fora o Judiciário e o Ministério Público. Entre as medidas aprovadas estão a terceirização de atividades do governo cessão de dependências públicas e servidores para empresas concessionárias; ampliação do prazo de contratação de não-concursados para 10 anos; transformação de oficiais de Justiça em carreira de Estado; a aposentadoria integral e pensão por morte em serviço para policiais legislativos, distritais, rodoviários federais e ferroviários federais e agentes penitenciários e socioeducativos; redução de jornada e salário de servidores em até 25%.
Passam a ser consideradas carreiras exclusivas de Estado, nas quais é proibida a contratação temporária, aquelas ligadas à manutenção da ordem tributária e financeira, à regulação, à fiscalização, à gestão governamental, à elaboração orçamentária, à inteligência de Estado, ao controle, à advocacia pública, à defensoria pública, bem como à atuação institucional do Ministério Público e dos Poderes Legislativo e Judiciário. As mudanças valem apenas para os novos servidores, para os quais não haverá férias superiores a 30 dias por ano; progressão automática e adicionais por tempo de serviço; aumentos ou indenizações com efeitos retroativos; aposentadoria compulsória como forma de punição. Houve forte reação das associações de servidores, que já pressionam os parlamentares para evitar que o texto seja aprovado como está em plenário.
Péssima imagem
O modus operandi da Câmara tem desgastado o Congresso. Pesquisa do Datafolha, divulgada ontem, mostra que a imagem do Legislativo está mais negativa: para 44% dos brasileiros, o trabalho de deputados federais e senadores é ruim ou péssimo. Realizada entre 13 a 15 de setembro, a pesquisa ouviu 3.667 pessoas com mais de 16 anos em 190 cidades. Em julho, desaprovavam os congressistas 38%. Naquela rodada, somente 14% achavam o trabalho no Congresso bom ou ótimo, índice que oscilou negativamente para 13%. Consideram o trabalho regular 40%, ante 43% há dois meses. Não souberam opinar 3%.
Há outras insatisfações com o Congresso. O Datafolha mostrou que 56% dos brasileiros desejam a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro, ato que é privativo do presidente da Câmara. A reprovação ao trabalho parlamentar é maior entre aqueles mais instruídos (53% para quem tem curso superior) e mais ricos (57% entre os que ganham mais de 10 salários mínimos). O trabalho é mais bem avaliado, porém, por aqueles que aprovam o governo Bolsonaro (22% da amostra total, ante 24% de regular e 53%, de ruim ou péssimo): 23% de ótimo e bom. No seu melhor momento, a atual legislatura tinha 22% de aprovação, 41% de avaliação regular e 32% de reprovação.
Os deputados do Centrão dominam a Câmara e não estão muito preocupados com as pesquisas, porque suas bases eleitorais são fidelizadas graças às verbas do Orçamento da União, por meio de emendas parlamentares que garantem o apoio de prefeitos das cidades onde têm bases eleitorais. Essas verbas, porém, hoje, são controladas por Arthur Lira, que consegue aprovar o que quer quando cobra lealdade de seus aliados, mesmo contra o posicionamento dos respectivos partidos.
Luiz Carlos Azedo: Efeitos da bolha chinesa para o Brasil
Uma crise chinesa agora seria muito ruim para o Brasil. Em primeiro lugar, aumentaria a cautela dos investidores — no nosso caso, agravada pela crise fiscal
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O discurso do presidente Jair Bolsonaro, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), confirmou o que aqui já se sabia, embora tenha assombrado o mundo: nosso governante vive num país imaginário, que governa para uma bolha de eleitores que acreditam na sua ficção. O país real, porém, foi tangenciado quando Bolsonaro falou do agronegócio e de infraestrutura, os dois setores do seu governo que, numa análise fria e não-maniqueísta, vão bem, obrigado. Uma segunda bolha no horizonte, porém, pode formar uma tempestade perfeita: a crise de liquidez da Evergrande, uma das principais imobiliárias chinesas e a incorporadora mais endividada do mundo. Uma crise na economia da China é tudo o que o Brasil não precisa neste momento, pelo poder desarticulador que teria tanto nas nossas exportações de commodities agrícolas e de minérios quanto nos investimentos em infraestrutura.
A empresa é segunda maior do mercado chinês. Fundada em 1996, opera projetos de construção em 280 cidades, além de atuar no mercado de veículos elétricos, na mídia e no entretenimento. Tem até um clube de futebol profissional: o Guangzhou Evergrande, no qual jogam os brasileiros Alan Carvalho, Aloísio, Elkeson, Fernando e Ricardo Goulart. Sediada em Shenzhen, a Evergrande tem dívidas no valor de mais de US$ 300 bilhões (cerca de R$ 1,61 trilhão), equivalentes a 2% do PIB chinês. Credores exigem o pagamento até amanhã de US$ 84 milhões (R$ 450 milhões) de seus títulos offshore, e outros US$ 47,5 milhões de dólares (cerca de R$ 255 milhões) na próxima semana.
Na segunda-feira, houve certo pânico no mercado, embora fosse feriado na China. O preço das ações da empresa caiu 10% na Bolsa de Hong Kong. O índice Hang Seng Imobiliário caiu 7%, chegando aos piores patamares desde 2016. As perdas foram replicadas nos mercados europeu e norte-americano. A Bolsa brasileira fechou a segunda-feira em queda de 2,33% após operar o dia inteiro em baixa, mas, ontem, se acalmou. No fundo, há uma grande interrogação em relação à economia chinesa, que deve crescer menos do que a Índia neste ano — 6,7% e 5,7%, respectivamente.
A dívida total da China é mais de 300% de seu Produto Interno Bruto. O presidente Xi Jinping desde 2017 tenta controlar a dívida do país. A China caminha para um novo modelo de crescimento baseado em serviços, consumo e no setor privado, menos dependente do Estado, mas ainda está longe disso. A interrogação sobre a Evergrande decorre de que o Banco Central chinês vem numa linha de restrição de créditos. Em contrapartida, a economia chinesa é muito robusta, o governo tem grande poder de intervenção na economia e, no ano passado, investidores estrangeiros injetaram mais de US$ 150 bilhões no mercado financeiro chinês.
Infraestrutura
A China é o principal parceiro comercial do Brasil. Isso tem um impacto enorme na nossa estrutura produtiva, cuja infraestrutura foi montada para o Atlântico e precisa ser redirecionada para o Pacífico. Além de serem grandes consumidores de nossos minérios e produtos agrícolas, os chineses têm todo interesse em investir no Brasil, inclusive na infraestrutura. O programa de US$ 100 bilhões em novos investimentos e os US$ 23 bilhões em outorgas, na área de infraestrutura, com a privatização de 34 aeroportos e 29 terminais portuários, além de investimentos privados da ordem de US$ 15 bilhões em ferrovias, destacados por Bolsonaro na ONU, estão alavancados pela balança comercial com a China.
Uma crise chinesa agora seria muito ruim para o Brasil. Em primeiro lugar, aumentaria a cautela dos investidores de um modo geral — no nosso caso, agravada pela crise fiscal, que provoca elevação de juros e alta do dólar. Hoje, na reunião do Copom, segundo o mercado, os juros devem subir mais 1 ponto percentual. No Congresso, a agenda que está sendo implementada pelo Centrão não tem nenhum compromisso com o equilíbrio fiscal e com a segurança jurídica. Cálculos de especialistas estimam uma explosão no deficit público, que pode chegar a R$ 1,5 trilhão em 10 anos. Reforma do Imposto de Renda, PEC dos precatórios, vale-gás, Refis, desoneração da folha, subsídio ao diesel, fundo social de privatizações compõem a pauta bomba.
Cristovam Buarque: O rumo para o país está na escola
História de outros países mostra que a educação não ficou boa porque eles ficaram ricos, mas que ficaram ricos porque a educação era boa
Cristovam Buarque / Correio Braziliense
Em coluna no Correio Brasiliense, Luiz Carlos Azedo, além da honra de colocar-me ao lado de Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, me provocou com o título “Onde perdemos o rumo”, na véspera do bicentenário da Independência: estancados na economia, com pobreza e violência nas ruas e democracia fragilizada.
Nascemos sob o rumo insustentável da economia baseada no trabalho escravo para produção agrícola e mineradora, voltada para exportação. Atravessamos assim 350 dos 500 anos da história, e até hoje temos a economia semi-primária e semi-escravocrata. Fomos governados por populismo ou ditadura, com sistemático desrespeito ao equilíbrio fiscal, insensibilidade às necessidades sociais e urbanas, permanente concentração de renda, depredação ambiental. Tentamos rumo baseado em fazendas, minas, lojas, indústrias, estradas, hidrelétricas, uma nova capital, nunca em escolas.
Perdemos o rumo quando o quase Imperador gritou “Independência ou Morte” em vez de “Independência e Escola”; ou por esperarmos 350 anos para erradicar o escravismo e a Princesa assinar a Lei Áurea com o único artigo abolindo a escravidão, sem estes outros: “a terra pertence a quem nela produz” e “fica estabelecido um sistema nacional de educação para todos”. A bandeira republicana adotou o lema escrito “Ordem e Progresso”, em vez de “Educação é Progresso”, e até hoje não abolimos o analfabetismo: 12 milhões de adultos não reconhecem a própria bandeira.
Perdemos o rumo ao demorarmos 420 anos para criar nossa primeira universidade; ao implantarmos industrialização ineficiente, que tirou recursos da infraestrutura social e provocou inflação para cobrir custos do protecionismo; ao adotarmos o desenvolvimento sem sustentabilidade monetária, ecológica, fiscal, urbana, cultural ou política; e por até hoje não montarmos um Estado eficiente, democrático e republicano. Mas a causa principal do nosso descaminho tem sido o desprezo endêmico à educação em geral e a aceitação da desigualdade, conforme a renda e o endereço do aluno.
Chegamos ao terceiro centenário da independência, na Era do Conhecimento, sem uma população que leia e escreva bem português, fale outros idiomas, saiba matemática e ciências, conheça os problemas do mundo, use modernas ferramentas digitais e domine um ofício profissional. Perdemos o rumo ao imaginar que a boa educação é consequência do crescimento e da democracia, em vez de entendermos que crescimento sustentável e democracia sólida são consequências da educação.
A história de outros países mostra que a educação não ficou boa porque eles ficaram ricos, mas que ficaram ricos porque a educação era boa. Foi assim na Europa Ocidental e na América do Norte, desde o século XIX; na Irlanda, Coréia do Sul e Finlândia, desde meados do século XX. Foi a educação de qualidade que lhes deu base para elevar a renda social e distribuí-la com justiça, ainda que também graças à abertura comercial, finanças públicas equilibradas e instituições democráticas sólidas, capazes de liberar o talento das pessoas educadas. Cada vez mais a educação será o vetor do progresso econômico, a plataforma da distribuição de renda e da justiça social, a argamassa do regime democrático e o enlace para a sustentabilidade. Sem levar isso em conta, não encontraremos o rumo para o futuro que desejamos e para o qual temos potencial.
A educação é tão importante que, por falta dela, ainda não conseguimos perceber sua importância; agimos como pessoa perdida que não sabe para que serve o mapa que tem em mãos. Os traficantes usavam força para não deixar os escravos saltarem ao mar, porque os viam como mercadoria de valor, mas nós não damos condições para nossas crianças permanecerem em escola com qualidade até o fim do ensino médio, porque não as vemos como principal instrumento da criação de riqueza para o país.
Por isso, não aceitamos que o rumo está em escola de máxima qualidade para todos: não acreditamos que o Brasil pode ter uma educação das melhores do mundo, nem que seja possível no Brasil a educação ter a mesma qualidade para todos, independentemente da renda e do endereço da criança.
Temos recursos para implantar um Sistema Único de Educação de Base com qualidade. Não podemos adiar este rumo. É possível financeira e tecnicamente, também politicamente se entendermos que educação é o vetor do progresso, e moralmente, se percebermos a indecência e estupidez de não garantir que a qualidade seja a mesma para todos.
*Professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/09/4950612-cristovam-buarque-o-rumo-esta-na-escola.html
Luiz Carlos Azedo: Naufrágio em dique seco
O projeto de construção do submarino nuclear brasileiro, uma parceria com a França, nunca agradou aos Estados Unidos e ao Reino Unido
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Jair Bolsonaro participou, ontem, de reunião bilateral com o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, em Nova York, onde estão para participar da 76a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), hoje. Em vídeo divulgado nas redes sociais do presidente da República, o premier afirma que havia prometido visitar o Brasil, mas a pandemia da covid-19 impediu a viagem. O tema da covid-19 dominou o encontro.
Entretanto, quem quiser que se engane, o pano de fundo das relações estratégicas entre o Reino Unido e o Brasil são a forte presença comercial chinesa no continente, o controle do Atlântico Sul, área de influência dos ingleses, e o acordo militar com a França para construção do submarino nuclear brasileiro. Além disso, o Brasil apoia as pretensões da Argentina no sentido de recuperar a soberania sobre as Ilhas Malvinas (Falkland Islands), arquipélago localizado na plataforma continental da Patagônia, porém um território ultramarino britânico.
De abril a junho de 1982, a Argentina tentou recuperar o controle do território, mas levou uma surra da Marinha inglesa, com apoio logístico dos Estados Unidos e constrangida neutralidade brasileira. A derrota na Guerra das Malvinas colocou em xeque a doutrina de segurança nacional dos países da América do Sul, inclusive o Brasil, pois supunha-se que o aliado principal contra qualquer outra potência de fora do subcontinente eram os EUA. O conceito de “Amazônia Azul” e a decisão de construir um submarino nuclear em parceria com a França, para aumentar o nosso poder de dissuasão em águas territoriais, têm tudo a ver com o petróleo da camada pré-sal e a Guerra das Malvinas.
Na semana passada, Reino Unido e EUA protagonizaram um novo acordo militar com a Austrália, ou seja, no Pacífico e no Índico, no qual se comprometeram a fornecer submarinos nucleares àquele país da Oceania. Parlamentarista, a Austrália faz parte dos Reinos da Comunidade de Nações (Commonwealth realms), cuja chefe de Estado é a Rainha Isabel II (Elizabeth II). O acordo detonou o contrato de US$ 65 bilhões da Austrália com a França para compra de 12 submarinos franceses com propulsão convencional.
Após o anúncio do acordo militar entre Austrália, EUA e Reino Unido, a China também reagiu e considerou a aliança uma ameaça “extremamente irresponsável” à estabilidade regional. Pequim reivindica soberania sobre parte do Mar da China Meridional, muito rico em recursos naturais e importante rota comercial. Por isso, rejeita as pretensões territoriais de outros países da região, como Vietnã, Malásia ou Filipinas.
Submarino brasileiro
Acontece que o projeto de construção do submarino nuclear brasileiro, uma parceria com a França, nunca agradou aos EUA e ao Reino Unido. Os franceses forneceram tecnologia para construção do casco do submarino, um grande desafio. O reator nuclear, porém, foi todo desenvolvido pela Marinha brasileira (usará combustível com apenas 6% de urânio, contra um mínimo de 15% dos franceses e 90% dos norte-americanos).
O Almirantado “economiza arroz” para viabilizar o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) e o Programa Nuclear da Marinha (PNM), mas o projeto está naufragando em dique seco, com cortes de 31% e 49%, respectivamente, no seu orçamento. Para garantir a continuidade mínima do projeto, a Marinha precisa recuperar R$ 267,5 milhões que seriam destinados ao Prosub, mas foram vetados por Bolsonaro.
O Brasil possui quatro submarinos da classe Tupi (Tupi, Tamoio, Timbira, Tapajó), um da série Tikuna e o Riachuelo, da classe Sporpene, o primeiro do Prosub. O Humaitá, em fase de testes, é o segundo. Terceiro e quarto, respectivamente, o Tonelero estava programado para ser lançado em dezembro deste ano, enquanto o Angostura, em dezembro de 2022. O valor total dos quatro submarinos convencionais é de 100 milhões de euros, o equivalente a R$ 630 milhões em câmbio atual. Somados, é mesmo valor do submarino movido por energia nuclear, cujo nome será Álvaro Alberto, o almirante que liderou o programa nuclear brasileiro. O cobertor, porém, é curto. A esquadra está sucateada e precisa de novas fragatas e navios-patrulha também em construção.
Luiz Carlos Azedo: O refúgio de Bolsonaro
O Palácio do Planalto faz mistério sobre o roteiro político do presidente da República na ONU, mas o próprio nos deu uma dica: “Podem ter certeza, lá teremos verdades
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A tradição é o Brasil ser o primeiro país a se manifestar na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), desde 1955, logo após os discursos de abertura do presidente da Assembleia e do secretário-geral da Organização. Nos últimos 65 anos, essa ordem somente não foi seguida três vezes. “Certos costumes surgiram durante o debate geral, incluindo o costume da ordem dos primeiros oradores”, explica a própria ONU. Nossos presidentes da República gostam de comparecer à abertura dos trabalhos do mais importante organismo de cooperação e governança global. Trata-se de uma vitrine para o mundo, um momento de reconhecimento e demonstração de prestígio internacional para o nosso país.
Entretanto, Bolsonaro está no pior momento de seu governo para a opinião pública nacional e internacional. Decidiu comparecer à abertura da Assembleia Geral, na terça-feira, para dizer algumas “verdades” sobre o país. Viaja, neste domingo, acompanhado pela primeira-dama, Michelle, e chegará “causando” porque, até hoje, não se vacinou contra a covid-19. Durante a semana, isso criou a maior celeuma, porque a Prefeitura de Nova York, cidade onde está localizada a sede da ONU, restringe a circulação de pessoas não vacinadas.
A própria ONU exige o atestado de vacina para participar da Assembleia Geral. Porém, diante do impasse, decidiu flexibilizar o protocolo e aceitar a presença de chefes de Estado que não tomaram a vacina, desde que apresentem um atestado de que estão saudáveis, ou seja, não sejam portadores do vírus da covid-19. É o tipo de atitude que queima o nosso filme já no desembarque. Nova York é uma cidade multiétnica e cosmopolita, na qual os brasileiros não passam batido: são 300 mil residentes na metrópole.
O projeto final do belíssimo prédio da sede da ONU, selecionado por uma equipe de arquitetos de diversos países, liderada por Wallace Harrison, é de autoria de Oscar Niemeyer com a colaboração de Le Corbusier. Construída entre 1949 e 1952, fica no setor leste de Manhattan, às margens do Rio East, em terrenos comprados por Nelson Rockefeller por US$ 8,5 milhões e doados por seu herdeiro à administração local. Era um antigo matadouro. A comissão selecionou o projeto de Niemeyer por sua leveza, ao definir prédios distintos para os diferentes órgãos das Nações Unidas em vez de um só edifício, como propôs Le Corbusier.
O Secretariado foi erguido às margens do Rio East, tendo a Assembleia Geral logo à direita, criando uma ampla praça cívica na frente. A sede da ONU é uma verdadeira galeria de arte, com obras de grandes artistas, entre os quais Cândido Portinari. Os monumentais painéis de Guerra e Paz estão expostos no salão dos delegados. Encomendados pela United Nations Association of the United States of America, como um presente às Nações Unidas, foram projetados em Nova York. Portinari, porém, teve problemas com o visto (era acusado de ser comunista), por causa da Guerra Fria, voltou para o Brasil e pintou os painéis no Rio de Janeiro.
Refúgio
Bolsonaro poderá circular pelo prédio da ONU, mas não poderá frequentar a área interna de nenhum restaurante da cidade. Não chega a ser um problema. O presidente da República gosta de ambientes populares e pode até criar um factoide na vida mundana dos brasileiros em Nova York. Na zona central da cidade, o Little Brazil, rua entre a 5a e a 6a Avenidas, tem bons restaurantes brasileiros, entre os quais os famosos Via Brazil, Ipanema e Emporium. Todos têm leite condensado, caipirinha, feijoada e picanha, além de mesas nas calçadas. Dependendo do dia da semana, rola um pagode no Samba Kitchen & Bar. Fora do quadrado, o Miss Favela, no Brooklyn, a US$ 45 por cabeça o menu completo, tem música ao vivo e clima de boteco.
Deixemos a gastronomia de lado. O Palácio do Planalto faz mistério sobre o roteiro político de Bolsonaro na ONU, mas o próprio nos deu uma dica, na semana passada: “Podem ter certeza, lá teremos verdades, realidade do que é o nosso Brasil e do que nós representamos verdadeiramente para o mundo”, disse. Na última sexta-feira, nosso presidente não participou do Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima, evento online promovido pelo presidente Joe Biden como preparação da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 26, marcada para ocorrer entre os dias 1 e 12 de novembro. Os presidentes da Argentina, Alberto Fernández, e do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, participaram.
Bolsonaro deve voltar ao Brasil logo após a abertura da Assembleia Geral. Não tem reunião agendada com nenhum outro chefe de Estado. Pelo rumo da prosa, como a maioria dos governantes de países emergentes e periféricos quando estão enfraquecidos, apelará para o discurso nacionalista, um refúgio bem conhecido na diplomacia. É uma forma de mascarar seu negacionismo em relação à pandemia da covid-19, à grave crise hídrica e ao desmatamento na Amazônia, além de dificuldades econômicas e a atual instabilidade política que criou.
Luiz Carlos Azedo: Muito barulho por nada
A reprovação ao governo Bolsonaro oscilou dois pontos para baixo em relação ao levantamento de julho: 53% consideram o governo ruim ou péssimo”
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Graças às redes sociais, a participação da sociedade na política se ampliou muito, com certas características da forma como as pessoas se articulam na internet, ou seja, as chamadas de “tribos” — quando se agrupam por interesses permanentes — ou “bolhas”, no caso das correntes de opinião política encapsuladas em grupos de pressão. Tanto as mudanças econômicas, financeiras e tecnológicas aceleradas pela globalização, como a revolução nos costumes, por exemplo, são fatores de maior diversidade social e pluralismo político.
A expressão “maioria silenciosa” se refere às pessoas politicamente acomodadas que, de um modo geral, têm posições conservadoras, mas não manifestam opinião publicamente. Esse conceito surgiu nos Estados Unidos, como muitos outros, durante o governo de Richard Nixon, quando, em 1969, ele pediu à população americana mais apoio ao envio de tropas para lutar no Vietnã. Havia, com razão, muita resistência à intervenção norte-americana no Sudeste Asiático, mas Nixon conseguiu o apoio da maioria da sociedade. Desde então, conquistar o apoio dessa parcela da sociedade passou a ser uma das principais preocupações dos políticos.
A eleição de Donald Trump foi um momento de mudança na relação dos políticos com essa “maioria silenciosa”, que deixou de sofrer a influência predominante dos grandes meios de comunicação para ser pautada por minorias ativas nas redes sociais, em parte formada por setores que, até então, não tinham como se expressar nos movimentos civis e sociais. Tais grupos são muito barulhentos e conseguem pautar as políticas públicas, e até os meios de comunicação. Esse fenômeno voltou a ocorrer, com sinal trocado, na campanha que levou o democrata Joe Biden à vitória.
Um marco dessa mudança foi o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que hoje tem caráter internacional, mas surgiu na comunidade negra dos EUA, que luta contra a violência racista. Emergiu em 2013, com o uso da hashtag #BlackLivesMatter em redes sociais, após a absolvição de George Zimmerman, que atirou fatalmente no adolescente negro Trayvon Martin. O movimento ficou conhecido por suas manifestações de rua após a morte, em 2014, de dois afroamericanos. Em maio de 2020, o movimento ganhou repercussão mundial com a morte de George Floyd, durante uma ação policial em Minneapolis. Milhares de pessoas foram às ruas protestar a favor da vida das pessoas negras no mundo todo. Foi então que Trump começou a perder as eleições.
Pesquisa
Como estamos na esfera de influência do chamado americanismo, esse fenômeno também ocorre no Brasil, obviamente com características próprias, entre as quais o peso da questão ética no posicionamento da sociedade em relação à política. Em grande parte, a vitória do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, foi uma deriva da eleição de Trump e da forte rejeição provocada pela Operação Lava-Jato à política tradicional e ao envolvimento dos grandes partidos em escândalos de corrupção. Agora, as pesquisas estão mostrando um movimento em sentido inverso, em decorrência do desempenho do governo Bolsonaro em diversas áreas: crise sanitária, alta inflacionária, crise hídrica, ameaças à democracia etc.
A pesquisa DataFolha divulgada ontem é uma comprovação disso. A reprovação ao governo Bolsonaro oscilou dois pontos percentuais em relação ao levantamento feito em julho: 53% consideram o governo ruim ou péssimo, o pior índice do mandato — na última pesquisa, eram 51%. O percentual dos que consideram o governo bom ou ótimo caiu de 24% para 22%, enquanto a parcela que o considera reguar manteve-se em 24%. A pesquisa ouviu 3.667 pessoas com mais de 16 anos, dos dias 13 a 15 de setembro, em 190 municípios brasileiros. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.
O mais importante é que o levantamento foi feito após as manifestações do 7 de Setembro, convocadas por Bolsonaro, que foram muito maiores do que as de oposição moderada, realizadas no dia 12 passado. A alta de preços da gasolina, do gás e dos alimentos, e a existência de 14,4 milhões de desempregados pesaram na balança da pesquisa, inclusive na classe média e entre os evangélicos, onde o presidente da República perdeu muito apoio. Em resumo, a chamada “maioria silenciosa” mudou de lado.