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Brigar com vice é mau negócio. O Brasil não precisa de mais esse rolo

Elio Gaspari /O Globo

Em apenas dois meses, Bolsonaro ameaçou não realizar eleições, insultou senadores da CPI, disse que faltou maconha nos protestos contra seu governo e queixou-se da Receita Federal por ter ido “com muita sede ao pote” num projeto que não é dela, mas do ministro da Economia do seu governo. É compreensível que uma pessoa capaz de acreditar que a cloroquina remedeia a Covid-19 e que as vacinas são experimentais acredite em bizarrices. Ex-aluno da Academia Militar das Agulhas Negras, somou -4 com +5, obteve um +9 e viu no desempenho econômico do seu governo “um milagre”: “É inacreditável”.

Atitudes inacreditáveis, porém pontuais, são uma coisa, mas presidente atacando seu vice publicamente é coisa perigosa, que, além de tudo, traz falta de sorte. Bolsonaro disse que seu vice, Hamilton Mourão, “por vezes atrapalha”. Comparou-o a um cunhado: “Você casa e tem de aturar (...), não pode mandar o cunhado embora”. Ao contrário do que acontece com seus cunhados, quem escolheu Mourão para vice foi ele. Aturá-lo faz parte da ordem constitucional.

Fernando Henrique Cardoso e Lula tiveram nos vices Marco Maciel e José Alencar colaboradores exemplares. Nos últimos 50 anos, dois presidentes encrencaram com seus vices: Dilma Rousseff e João Baptista Figueiredo. Ambos se deram mal. Ela foi retirada do cargo, e Michel Temer tomou-lhe o lugar. Figueiredo saiu do palácio por uma porta lateral, enquanto o vice Aureliano Chaves tomava posse no ministério escolhido por Tancredo Neves. Indo mais longe, Jânio Quadros não se dava com João Goulart e renunciou achando que ele não seria empossado. No mínimo, brigar com vice não dá sorte.

Mourão foi escolhido às pressas (o preferido era o príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança ) e acreditou que teria uma função relevante no governo, talvez cuidando da infraestrutura. Esqueceu-se da lição de Stanislaw Ponte Preta, o inesquecível personagem do jornalista Sérgio Porto: “Vice acorda mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada”.

Mourão está acima da média da equipe de Bolsonaro e poderia ter ajudado em tarefas mais meritórias do que embarcar para Angola numa missão municipal. Ademais, ele só foi colocado na chapa porque traria consigo um apoio militar. Fosse qual fosse o tamanho desse apoio, também não dá sorte perdê-lo. Sobretudo numa fase durante a qual, para um militar, a associação com Bolsonaro pode trazer vantagens, mas cobra prestígio.

O pior que pode acontecer a um país com mais de 550 mil mortos numa pandemia e 14,7 milhões de vivos desempregados é ter um capitão na Presidência desentendido com um general na Vice. Mourão e Bolsonaro não conseguiram criar uma relação parecida com as dos dois presidentes da ditadura que tiveram vices militares. O almirante Rademaker (vice de Emílio Médici) e o general Adalberto Pereira dos Santos (vice de Ernesto Geisel) dormiam até tarde e foram felizes para sempre.

É sabido que o presidente e seu vice afastaram-se. Contudo uma separação pública de Bolsonaro e Mourão conduzirá inevitavelmente a um reflexo no meio militar. Quando esse veneno entra nos quartéis, a desintoxicação custa caro e demora anos para cicatrizar.


'Posto Ipiranga' de Bolsonaro, Paulo Guedes virou apêndice

Vera Magalhães, O Globo

Pouco importa que Paulo Guedes encontre justificativas para qualquer disparate que saia da cabeça de Jair Bolsonaro. Ou que regateie quanto aceita perder de aparato de seu ministério não para gerar empregos no país, mas para empregar Onyx Lorenzoni.

Esses sinais externos de esvaziamento são apenas isso, sintomas. O cerne do momento vivido pelo ministro da Economia — não de hoje, mas há tempos — é que a sua política, aquela reformista, liberal, privatizante, vendida na campanha e até hoje enunciada em entrevistas cada vez mais desprovidas de capacidade de convencer mesmo os dispostos a acreditar, morreu na bacia das almas do pragmatismo político.

Bolsonaro nem tenta mais disfarçar: disse que a Casa Civil é o ministério mais importante do governo. E ele está sendo dado numa bandeja de prata ao partido que é o expoente mais poderoso do antes excomungado Centrão.

Para isso, Bolsonaro não hesitou em despachar o general Ramos e em arrancar mais um naco do poder e da imagem pública do seu antes “Posto Ipiranga”.

Guedes deve saber, em algum recôndito de sua consciência ainda não capturado pelo bolsonarismo que a tudo corrompe, que seu papel hoje no arranjo para manter o presidente vivo é acessório, quando não francamente indesejável.

Bolsonaro precisará dar um cavalo de pau na política fiscal para pagar um Bolsa Família que pretende rebatizar e com que espera recuperar a corrosão de intenções de voto que sofre em praticamente todo o Brasil, mas sobretudo nas camadas mais pobres e na Região Nordeste, a mais dependente dos programas de transferência de renda, perenes ou emergenciais.

Nessa hora, o papel de Guedes será o do Grilo Falante no desenho do Pinóquio: o chato que fica advertindo que não vale a pena se desviar do caminho da escola, que o boneco de madeira deve ser bonzinho e não mentir nem matar aulas.

Bolsonaro já está totalmente entregue à tutela de Nogueira e companhia, a quem já deu tanto poder que, quando e se resolver se impor, não terá como fazê-lo.

Com o ministro da Economia, o presidente aprendeu que pode sempre apertar o torniquete, porque ele aceita. Percebem? Enquanto Ciro, Arthur Lira e outros do antes rechaçado establishment político dão as cartas e jogam de mão, a Guedes e até mesmo aos militares sobra o bagaço da laranja.

E fazer cara de paisagem e fingir que acreditam que cada redução de suas prerrogativas e de sua margem de atuação interna se deve a novas diretrizes administrativas, como se algum dia a era bolsonarista tivesse sido um governo — com metas, planejamento, norte —, e não, desde sempre, um projeto de acomodação familiar, empulhação ideológica e aparelhamento do Estado até não sobrar praticamente nada intocado.

As tarefas de um Guedes subalternizado em relação ao Centrão serão pagar a conta do Bolsa Família, se possível encontrar uma mágica para conter a inflação de itens básicos, como combustíveis, gás e conta de luz, e fazer vista grossa a um possível jogo de cena no “veta, não veta” ao fundão eleitoral de R$ 5,7 bilhões.

Tudo isso dentro de um Orçamento já capturado pelo mesmo Centrão, que administra uma gorda fatia por meio das emendas do relator — outra excrescência que Guedes topou metabolizar porque o chefe assim decidiu.

É claro que o ministro usará qualquer soluço positivo da economia, ou o avanço de agendas pontuais de sua pasta no Congresso, para construir para si e para o público a história de que vai tudo bem, conforme o previsto, e de que há liberalismo depois do arco-íris ou de uma cada vez mais cara e custosa reeleição do capitão.

Mas episódios como a reacomodação ministerial deste julho conturbado mostram que o ministro que seria o coração e o cérebro do governo agora foi reduzido a um apêndice. E que aceita o papel, ainda com um sorriso amarelo no rosto.


O pacto com o Centrão

Bolsonaro não vai matar a fome de elefantes com alface. O PP é o antigo PDS, originário da Arena, partido do regime militar, mas o Centrão tem outras legendas

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O presidente Jair Bolsonaro confirmou, na manhã de ontem, depois de duas horas e meia de conversa, a indicação do senador Ciro Nogueira (PI), presidente doPP, para o estratégico cargo de ministro-chefe da Casa Civil do Palácio do Planalto. Entre suas tarefas, estão a coordenação dos principais programas do governo, a participação nas decisões sobre remanejamento de verbas do Orçamento, a construção de alianças regionais e a articulação com o Congresso Nacional, na qual terá dois objetivos prioritárias: domar a CPI da Covid no Senado, em que os governistas estão em minoria, e articular a aprovação do voto impresso na Câmara. São duas missões quase impossíveis, a esta altura do campeonato.

O repertório de mudanças bem-sucedidas no Palácio do Planalto, em momentos de apuros, não é pequeno. Entretanto, também houve fracassos. Um deles ocorreu no governo Collor, quando o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, assumiu a recém-criada Secretaria de Governo. Collor tentara manter seu governo afastado do jogo político-partidário e, por meio de medidas provisórias, viabilizar seu programa. Entretanto, no início de 1992, o recrudescimento da inflação, o crescimento do desemprego e as denúncias envolvendo membros do governo levaram-no a buscar uma base parlamentar que lhe assegurasse apoio.

Havia duas hipóteses: ceder alguns postos ao PSDB, que fracassou; ou trazer para o governo o PDS (atual PP), o PTB e o PL, a solução adotada. Entretanto, Pedro Collor, irmão do presidente, denunciou a existência de vasto esquema de corrupção no interior do governo, que teria sido montado por Paulo César Farias, o PC, ex-tesoureiro de sua campanha presidencial. Em consequência, uma CPI no Congresso começou a investigar o governo. Na ocasião, Bornhausen afirmou: “As CPIs nunca deram em nada”. No final de agosto, porém, aconselhou Collor a renunciar ao mandato. O resto da história todos já sabem.
Outro fracasso foi a indicação de Michel Temer, vice-presidente da República, como articulador político do governo, após a vitória do deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) na disputa pela Presidência da Câmara, contra o petista Arlindo Chinaglia (SP), candidato da presidente Dilma Rousseff, que interferiu na eleição e foi derrotada. Temer assumiu em 7 de abril de 2017, após as manifestações ocorridas no mês anterior, quando milhares de pessoas foram às ruas pedir o impeachment de Dilma. As funções da Secretaria de Relações Institucionais passaram à alçada da Vice-Presidência. Temer procurou acalmar os ânimos, porém, quatro meses depois, deixou a articulação, alegando ter sofrido boicote em seu trabalho. Ainda se reuniu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e lideranças do PMDB, na tentativa de aproximar o partido do governo.

Sede de poder
Dilma fizera uma reforma ministerial em 5 de outubro, cortando oito da 39 pastas e ampliando o espaço do PMDB, que passou de seis para sete ministérios, incluindo a pasta da Saúde; Ciência, Tecnologia e Inovação; dos Portos; Agricultura; Minas e Energia; Turismo e Secretaria de Aviação Civil já eram controlados pelo PMDB. Entretanto, em 2 de dezembro, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) acatou um dos pedidos de abertura do processo de impeachment de Dilma. Dias depois, Eliseu Padilha deixou o governo e, em seguida, Michael Temer enviou carta à presidente da República na qual afirmou: “Passei os quatro anos de governo como vice decorativo… Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”. O desfecho da crise todos também conhecem.

O presidente Bolsonaro não vai matar a fome de elefantes com alface. Tudo bem que o PP seja o antigo PDS, originário da Arena, o partido do regime militar, mas o Centrão tem outras legendas gulosas. A repactuação do “sistema de poder” entre os militares, as oligarquias nordestinas, as igrejas evangélicas e setores empresariais que apoiam o governo, sobretudo do agronegócio, depende de três variáveis: uma redistribuição de cargos na Esplanada, principalmente nos ministérios “capilarizados”; a retomada do crescimento econômico e um horizonte eleitoral nos estados no qual Bolsonaro consiga resgatar sua expectativa de poder nas eleições de 2022.

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Quem tem medo do impeachment?

Engrossa a adesão de centro-esquerda e centro-direita à tese do afastamento de Bolsonaro, mas, em contrapartida, cresce a resistência da esquerda tradicional 

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Existe uma explicação para a surpreendente troca de ministros na Casa Civil, com a entrada do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, no lugar do general Luiz Ramos, transferido para a Secretaria-Geral da Presidência: Bolsonaro está com medo do impeachment, já não confia na liderança e na capacidade política do grupo de generais que o cerca e teme a deriva das Forças Armadas em apoio ao vice, Hamilton Mourão, um general de quatro estrelas escanteado pelo presidente da República. Entregar o coração do governo ao Partido Progressista — herdeiro da antiga Arena e do PDS, partidos que apoiaram o regime militar — foi a maneira que encontrou para evitar que a legenda governista embarque no impeachment, diante do desgaste de Bolsonaro e da pressão das ruas a favor do afastamento.

Os generais palacianos que mandavam e desmandavam no Palácio do Planalto levaram um baile dos políticos do Centrão, que se aproveitam do enfraquecimento do governo para abocanhar fatias maiores de poder e do Orçamento da União. O último lance dessa disputa de bastidor foi o vazamento da suposta ameaça feita pelo ministro da Defesa, Braga Netto, de que não haveria eleição sem voto impresso. O novo ministro da Casa Civil teria sido o portador do recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que vazaria a informação para as jornalistas Vera Rosa e Andreza Matais, do jornal O Estado de S. Paulo.

A dúvida é se o vazamento foi combinado entre os dois políticos ou não. Resultado: o general acabou na berlinda, mesmo tendo desmentido a informação, porque insistiu em defender a tese de que as urnas eletrônicas não são seguras, o que é uma forma de tumultuar o processo eleitoral, além de uma atitude inadequada para quem ocupa o cargo de ministro da Defesa. Nos bastidores da política de Brasília, todos sabem que Braga Netto põe pilha na radicalização de Bolsonaro e, para agradá-lo, constrange os comandantes militares, com exceção do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, bolsonarista convicto. A disputa entre os militares e os políticos do Centrão pelo controle político dos ministérios será a grande contradição interna do governo até as eleições.

A mudança coincide com o crescimento das manifestações de protesto contra o governo em todo o país, em parte, porque o avanço da vacinação permite que as pessoas se sintam mais seguras nas ruas, mas principalmente por causa dos quase 550 mil mortos por covid- 19 e do desmonte das políticas públicas. Esses protestos passaram por três estágios: no primeiro momento, foram manifestações convocadas pela esquerda mais radical e alguns sindicatos; depois, entraram em cena os partidos de esquerda tradicional e as centrais sindicais; agora, está se ampliando, com maior participação dos partidos de centro-esquerda, como PSDB e Cidadania, e os movimentos cívicos Vem Pra Rua, MBL, Agora,Acontece, Livres etc. Mas há contradições também na oposição.

Polarização eleitoral
O que une os protestos de rua é o “Fora Bolsonaro”, ou seja, a oposição ao governo; o impeachment de Bolsonaro empolga o senso comum oposicionista, mas não é unanimidade. Há setores que não concordam com a tese, porque afastar Bolsonaro significa entregar o governo ao general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, e abrir espaço para a consolidação da hegemonia militar, além de facilitar o surgimento de uma candidatura conservadora competitiva, que pode ser a dele próprio e/ou de outro candidato. Esse posicionamento parte sobretudo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de opinião sobre as eleições de 2022.

Esse favoritismo do petista engrossa a adesão de setores de centro-esquerda e centro-direita à tese do impeachment, mas, em contrapartida, aumenta a resistência da esquerda tradicional ao afastamento, pois prefere um embate eleitoral com Bolsonaro. Há uma espécie de “me engana que eu gosto”. Uns fingem que querem o impeachment e só jogam para a arquibancada; outros dizem que são contra, mas, se houver necessidade de se livrar de Bolsonaro para permanecer no poder, não hesitarão em entrar na conspiração no Congresso, como já aconteceu antes com os presidentes Collor de Mello e Dilma Rousseff.

No terceiro ano de mandato, o governo Bolsonaro fracassa em três frentes: a econômica, a social e a sanitária. Até agora, não tem volume de entregas administrativas para garantir a própria reeleição. Bolsonaro confia o governo aos aliados do Centrão para sobreviver e chegar às eleições como alternativa de poder, na polarização com Lula. Para isso, precisa evitar o surgimento de um candidato competitivo de centro. Isso coincide com os interesses eleitorais de Lula, que também não quer uma “terceira via” que possa ameaçá-lo no segundo turno. Na velha dialética, essa é a lei da “unidade dos contrários”.

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Luiz Carlos Azedo: O general linha-dura

Braga Netto assumiu a Defesa para pressionar os demais Poderes e resgatar a tutela militar sobre as instituições. O que consegue, porém, é desgastar as Forças Armadas

Desde que assumiu o Ministério da Defesa, o general Braga Netto tem atuado para alinhar as Forças Armadas aos objetivos políticos do presidente Jair Bolsonaro. Extrapola, porém, as atribuições do cargo, ao se pronunciar sobre temas políticos que não dizem respeito nem demandam o posicionamento do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Como na desequilibrada nota contra a CPI da Covid, que foi emitida em nome dos comandantes militares, sem que saio menos um deles, com certeza, tenha sido consultado. Mesmo quando nega ter pressionado o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a aprovar a proposta de voto impresso, sob risco de as eleições não serem realizadas, Braga Netto se manifesta sobre o assunto de forma inapropriada, pois é prerrogativa do Congresso decidir a questão sem se submeter a chantagens. Na prática, a nota reverbera de forma ambígua as suspeitas e ameaças do presidente Jair Bolsonaro ao pleito.

Pode ser que Braga Netto esteja confundindo os papéis de antigo ministro da Casa Civil, no qual desempenhava importantes missões políticas, e de ministro da Defesa, que não deve se imiscuir nas relações entre os Poderes. Em vez de se espelhar no figurino dos ex-ministros da Defesa Joaquim Silva e Luna, o primeiro militar a ocupar um cargo criado para ser exercido por civis, e de seu antecessor Fernando Azevedo e Silva, que se recusou a desempenhar esse papel, Braga Netto vestiu a fantasia dos generais linha-dura que pontificaram durante o regime militar — até o presidente Ernesto Geisel demitir o general Sílvio Frota, seu ministro do Exército.

Apesar dos desmentidos à matéria publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, de autoria das jornalistas Vera Rosa e Andreza Matais, houve a conversa do interlocutor de Braga Netto com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que não desmentiu a informação, tergiversou. Nos bastidores do Congresso, comenta-se que o portador do recado fora ninguém menos do que o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que assumirá a Casa Civil no lugar do general Luiz Ramos. Mente-se muito na política, embora a mentira acabe quase sempre desnudada. Mente-se muito mais nos jogos de guerra. Os militares chamam isso de contrainformação, cujo objetivo é impedir ou dificultar o acesso à informação verdadeira, mediante, principalmente, a divulgação de informações diversionistas. O Palácio do Planalto trabalha nessa linha, não preza a transparência nem a informação de interesse público.

Por exemplo, o YouTube acaba de retirar do ar 15 lives do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia da covid-19, por conterem informações falsas. O general Braga Netto, como chefe da Casa Civil e coordenador do governo no combate à pandemia, foi um dos construtores da narrativa negacionista e das desastradas ações do Executivo que defendiam o uso maciço da cloroquina e outros medicamentos ineficazes no combate ao coronavírus. Essa narrativa, até hoje, está presente nas redes sociais e somente fracassou porque o Brasil já registra 546 mil mortes pela doença. Mais cedo ou mais tarde, Braga Netto será chamado a depor na CPI do Senado, que investiga a atuação do Ministério da Saúde na pandemia, por sua atuação na Casa Civil.

Melar as eleições
A polêmica sobre o voto impresso é um case de contrainformação. A narrativa de Bolsonaro falseia a realidade com objetivo de melar as eleições de 2022, caso seja derrotado, como tentou o ex- presidente dos Estados Unidos Donald Trump, em quem se espelhou, ano ser derrotado pelo presidente Joe Biden. Quanto maior o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas de opinião e a desaprovação do governo, mais recrudescem os ataques de Bolsonaro à urna eletrônica, em que pese nunca ter apresentado provas de fraude na apuração das eleições de 2018, que afirma, fantasiosamente, ter ganhado no primeiro turno.

Braga Netto substituiu o general Fernando Azevedo para pressionar os demais Poderes e resgatar a tutela militar sobre as instituições republicanas. O que vem conseguindo, porém, é desgastar as Forças Armadas, como no episódio da não-punição do exministro da Saúde Eduardo Pazuello por ter participado e se manifestando no desfile de motociclistas bolsonaristas no Rio de Janeiro, mesmo estando na ativa. A politização das Forças Armadas e seu envolvimento na política em si é uma ameaça à democracia. O presidente Bolsonaro tenta cooptar militares da ativa para seu projeto autoritário ao requisitá-los para exercer funções civis no governo; de igual maneira, ao estimular pronunciamentos como o do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista.

Entretanto, não existe um ambiente favorável a um golpe de Estado no país, muito pelo contrário, cresce a campanha pelo impeachment. Por isso, a retórica do presidente da República contra a segurança da urna eletrônica e as pressões de Braga Netto para aprovação do voto impresso soam como uma espécie de déjà-vu político. Esse morde-assopra é uma tática conhecida de contrainformação, que os militares utilizam em tempos de guerra, para testar suas cadeias de comando e a capacidade de resistência do inimigo. Por essa razão, tanto o Judiciário quanto Congresso precisam exercer com firmeza suas prerrogativas constitucionais, entre as quais, decidir sobre o sistema de votação e limitar a presença de militares da ativa em cargos civis.

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Luiz Carlos Azedo: A CPI da necropolítica

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado começa suas oitivas hoje, com os depoimentos dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. O primeiro foi defenestrado pelo presidente Jair Bolsonaro, que ficou enciumado da popularidade do médico ao liderar o Sistema Único de Saúde (SUS) na pandemia. O segundo pediu demissão rapidinho e se recusou a endossar as teses negacionistas do presidente da República. O cenário de atuação da pandemia é emoldurado por 400 mil cruzes, que podem chegar a 500 mil, antes de a comissão concluir seu trabalho, no prazo de 90 dias.

Mais de 300 requerimentos de informações já foram aprovados na CPI, mas esses dois depoimentos têm o poder de dar o rumo de suas investigações. Os dois ex-ministros são médicos e têm plena dimensão das razões que nos levaram à tragédia sanitária atual. Os passos seguintes serão ouvir o general Eduardo Pazuello, amanhã, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na quinta-feira. Ambos terão que dar respostas convincentes aos integrantes da CPI.

Pazuello é um caso perdido, coleciona decisões e atitudes equivocadas. Se mantiver a costumeira soberba, estará no sal. Queiroga é médico, porém, ainda está enrolando o paraquedas. Manteve a maioria dos militares que assessoravam Pazuello. Sem confrontar o negacionismo do general, está se atrapalhando com a campanha de vacinação, sobretudo devido aos erros do antecessor. Pode complicar a vida de Pazuello ou se complicar, se fizer o contrário.

Ontem, Queiroga anabolizou o número de vacinados no Brasil, durante encontro na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp): “Hoje já temos imunizados com as duas doses cerca de 18% da população brasileira. Isso é um dado importante, e vamos avançar mais”. Mais fake news, impossível: a segunda dose foi aplicada em 15.869.985 pessoas, ou seja, 7,49% da população do país. Com a primeira dose, são 31.875.681 de imunizados, o que equivale a 15% da população.

Criar falsas expectativas é uma especialidade do Ministério da Saúde, que corre atrás dos atrasos na vacinação desde o início do ano. Nesta semana, oito capitais interromperam a imunização por falta de vacinas: Aracaju, Belo Horizonte, Belém, Campo Grande, Porto Alegre, Porto Velho e Recife. Entretanto, apesar do ritmo lento, a vacinação vem reduzindo o número de mortos na população de risco. As medidas de distanciamento social nos estados e municípios contribuíram para reduzir a taxa de transmissão do vírus para menos de 1, o que está se refletindo na queda do número de casos e de mortos.

Tragédia social
O problema é que o patamar ainda está muito alto: o país registrou 1.210 mortes pela doença nas últimas 24 horas e totalizou 407.775 óbitos desde o início da pandemia. Com isso, a média móvel de mortes nos últimos sete dias chegou a 2.407. Em comparação à média de 14 dias atrás, a variação foi de -16%, confirmando a tendência de queda. Se Bolsonaro tivesse bom senso, estimularia a adoção de duas ou três semanas de lockdown nos municípios mais importantes do país e jogaria o índice de contaminação no chão.

O que acontece é o contrário, o presidente Bolsonaro estimula aglomerações, como as que ocorreram no domingo, e se recusa a tomar a vacina, bem como a usar máscaras. Sabota sistematicamente os esforços das autoridades de saúde para conter a pandemia. Do ponto de vista estratégico, essa atitude foi um erro que pode lhe ser fatal nas eleições de 2022. Num país continental como o Brasil, uma crise sanitária dessa envergadura desorganiza a economia e destrói atividades produtivas, deixando ao relento e com fome milhões de pessoas. São os frutos envenenados da “necropolítica”. Esse conceito do filósofo negro e historiador camaronense Achille Mbembe define a política de governo que escolhe quem deve viver e quem deve morrer. Infelizmente, traduz a situação em que vivemos.

Até breve. Em férias, deixarei de assinar a coluna por quatro semanas.

Blog do Azedo / Correio Braziliense
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Luiz Carlos Azedo: Apagão de emprego e capital

O pastor anglicano Thomas Malthus era um pessimista, em meio ao otimismo iluminista do final do século 18. Atribuía aos impulsos sexuais o crescimento da população e, em decorrência, o aumento da pobreza. Era um darwinista social, como o ministro da Economia, Paulo Guedes, que acha absurdo as pessoas quererem viver até os 100 anos e os filhos de porteiros sonharem com aquele canudo de papel do samba O pequeno burguês, grande sucesso de Martinho da Vila.

Somente Thomas Malthus explica a naturalidade com que o presidente Jair Bolsonaro e Guedes estão lidando com a crise sanitária e os 400 mil mortos pela covid-19 já contabilizados no Brasil. A teoria econômica malthusiana sustentava-se na tese de que a produção de alimentos não acompanharia o crescimento da população; porém, com a má alimentação e as doenças, haveria um reequilíbrio, com a redução da expectativa de vida e da taxa de natalidade. Mais semelhança com pensamento dominante no Palácio do Planalto e no Ministério da Fazenda, impossível.

Entretanto, àquela época, a teoria malthusiana já havia sido ultrapassada pelo desenvolvimento do capitalismo, cujas inovações permitiram a maior produção de alimentos, de bens e de serviços. Hoje, a população inglesa é três vezes maior e 10 vezes mais rica do que há 200 anos. Mesmo na China, que até recentemente proibia os casais de terem mais de um filho, em decorrência do fracasso do “Grande salto para a frente” de Mao Zedong (45 milhões de chineses morreram de fome), o problema alimentar foi resolvido. Em grande parte, graças ao Brasil, que se tornou seu maior fornecedor de grãos e proteínas.

Com a pandemia, no entanto, milhões de brasileiros estão mergulhados na miséria absoluta, sem ter nem o que comer em casa por falta de renda. São números acachapantes: 14,4% de desempregados e redução da massa salarial da ordem de 7,4%,uma perda de R$16,8 bilhões, entre o trimestre encerrado em fevereiro de 2021 e o mesmo período do ano passado, segundo o Instituto Brasi- leiro de Geografia e Estatística (IBGE). A menor queda foi na agrope- cuária (-0,8%). A administração pública, porém, teve aumento surreal nos rendimentos, de 5,3%. Tem algo errado aí.

Empreendedores
As atividades de alojamento e alimentação perderam 1,5 milhão de empregos, maior queda percentual (-27,4%). A indústria fechou cerca de 1,3 milhão de postos (-10,8%), mesmo número dos serviços domésticos (-20,6%). O comércio perdeu 1,98 milhão de vagas (-11%). Somente a agropecuária (226mil) e o setor público (374 mil) elevaram o número de vagas. Durante a pandemia, houve um aumento de 2 milhões de desempregados; ou seja, a situação já era muito grave no mercado formal antes disso, com 12,4 milhões de desempregados. Um dado chama muita atenção: a perda de rendimento de empregadores (-5,4%) e dos trabalhadores domésticos (-3,6%).

O agravante é que nada será como antes, porque a covid-19 acelerou transformações no mundo do trabalho que vieram para ficar, com a substituição de mão de obra por mais tecnologia e a adoção do trabalho avulso e remoto. Além disso, 10,5 milhões de pessoas deixaram de procurar emprego, dos quais 1,2 milhão passaram a compor o grupo de desalentados, que chegou ao patamar recorde de quase 6milhões, um aumento de 27% em um ano.

Empresas com mais capacidade de investimentos aproveitam a oportunidade para avançar sobre os concorrentes e obter ganhos de produtividade. Entretanto, tão grave quanto o desemprego é o apagão de capital de micro, pequenos e médios empreendedores, que encerraram suas atividades e queimaram suas economias para sobrevivência das suas famílias. Guedes, entretanto, vê na pandemia uma oportunidade de ouro para descontruir políticas públicas, sem pôr nada no lugar, porque suas teorias ultraliberais estão tão ultrapassadas quanto as teses malthusianas.

Fonte:

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Luiz Carlos Azedo: Governo dispensa adversários

Guedes imprimiu as próprias digitais na resistência do governo à aquisição das vacinas durante o ano passado, prato cheio para a CPI da Covid

No mesmo dia em que a CPI da Covid foi instalada no Senado, cerimônia na qual o seu relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou que seu trabalho será orientado pela ciência e não pelo negacionismo, doa a quem doer, o ministro da Economia, Paulo Guedes, em reunião do Conselho de Saúde Complementar, voltou a alimentar especulações de que o novo coronavírus é um produto de laboratório da China. De quebra, menosprezou a vacina produzida pelo Instituto Butantan, a CoronaVac, de origem chinesa, ao afirmar que a principal vacina utilizada para conter a pandemia no Brasil, aplicada em 80% dos imunizados até agora, é menos efetiva do que o imunizante da Pfizer, produzido nos Estados Unidos, embora ele próprio tenha utilizado a vacina chinesa.

Guedes não sabia que a reunião estava sendo gravada, mas isso não atenua a gravidade do que falou, pela importância do cargo que ocupa e pelo fato de que a China é o principal parceiro comercial do Brasil e o nosso maior fornecedor de insumos para produção de vacinas: “O chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva do que a americana. O americano tem 100 anos de investimento em pesquisa. Então, os caras falam: ‘Qual é o vírus? É esse? Tá bom, decodifica’. Tá aqui a vacina da Pfizer. É melhor do que as outras”, disse Guedes. Sua declaração ocorre num momento delicadíssimo, em que o Brasil precisa desesperadamente de insumos chineses para produzir tanto a vacina do Butantan quanto a que está sendo fabricada pela Fiocruz, a AstraZeneca.

As insinuações de que o vírus da covid-19 seria um produto de laboratório da China, que teria saído do controle — ou que tenha sido disseminado pelo governo chinês numa suposta “guerra biológica” contra o Ocidente —, são disseminadas intensamente nas redes sociais pelos grupos negacionistas, tendo sido reverberadas, no ano passado, pelo filho do presidente da República, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), então presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o que provocou um incidente com o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming.

Como Guedes fez agora, na ocasião, Eduardo Bolsonaro atribuiu à China responsabilidades pela pandemia. “Quem assistiu a Chernobyl vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. A culpa é da China”, escreveu em seu perfil no Twitter, em 18 de março do ano passado. A embaixada foi dura na resposta: afirmou que o filho do presidente da República havia “contraído vírus mental” ao retornar de viagem aos Estados Unidos. E que o alinhamento do governo brasileiro com o então presi- dente norte-americano, Donald Trump, estaria “infectando amizades” entre as populações de Brasil e China.

Atraso na vacinação
O embaixador da China repudiou veementemente as declarações de Eduardo Bolsonaro e exigiu pedido de desculpas. O então chanceler Ernesto Araújo pôs mais lenha na fogueira, ao defender o filho do presidente: “É inaceitável que o embaixador da China endosse ou compartilhe postagem ofensiva ao chefe de Estado do Brasil e aos seus eleitores”, disse. Bolsonaro bancou a posição do filho e, sigilosamente, pediu à China, em março e em novembro de 2020, a troca do embaixador chinês no Brasil. Pequim ignorou os pedidos e manteve o diplomata no posto. Araújo acabou defenestrado do cargo, por causa da eleição do democrata Joe Biden para a Presidência dos Estados Unidos.

Um dos assuntos que serão investigados pela CPI da Covid é o atraso na compra de vacinas. O presidente Jair Bolsonaro chegou a vetar a aquisição da CoronaVac. “Da China, nós não compraremos. É decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população, pela sua origem. Esse é o pensamento nosso”, disse, em outubro passado. Bolsonaro também recusou a oferta de 70 milhões de doses da vacina da Pfizer, que seriam entregues em dezembro. Desenvolvida por um casal de cientistas turcos radicado na Alemanha, criadores da Biontech, a vacina poderia estar sendo aplicada no Brasil desde janeiro. Com sua declaração, Guedes imprimiu as próprias digitais na resistência do governo à aquisição das vacinas durante o ano passado, prato cheio para a CPI da Covid.

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Luiz Carlos Azedo: Breve manual de geração de crises

A construção de uma blindagem para o presidente Jair Bolsonaro, contra as acusações da oposição na CPI da Covid, virou um caso antológico de “fogo amigo”

Faz parte das atividades de qualquer governo se prevenir contra as crises. Ou seja, se preparar para quando elas ocorrerem, procurando neutralizar seus efeitos negativos e construir saídas positivas. Por isso mesmo, o gerenciamento de crise tem um roteiro bastante conhecido pelos profissionais que lidam com avaliação de risco e comunicação institucional. O beabá é o seguinte: (1) avaliar ambiente interno e externo; (2) realizar um brainstorm para mapear os riscos; (3) medir o grau de probabilidade de ocorrência de risco e seu impacto; (4) definir resposta ao risco mapeado, controles e plano de ação; (5) executar o controle e o plano de ação; (6) validar e testar os mecanismos de controle interno; (7) divulgar a matriz de risco entre seus atores; (8) monitorar os riscos e reavaliar ambiente interno e externo.

Portanto, chega a ser hilário o vazamento do questionário distribuído pela Casa Civil na Esplanada dos Ministérios para se preparar para as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, o que seria uma etapa inicial do gerenciamento de risco. Sob responsabilidade do general Luiz Ramos, ministro da Casa Civil, encarregado de coordenar as ações da equipe ministerial, o documento foi elaborado para organizar a defesa do governo Bolsonaro das acusações de negligência na pandemia, mas alguém “mui amigo” tornou público o roteiro.

Nada menos do que 23 possíveis erros graves do governo foram identificados, alguns dos quais estavam fora das cogitações da CPI até agora, que ainda discute um plano de trabalho do qual constam 18 alvos de investigação. Genocídio de populações indígenas, militarização do Ministério da Saúde, descumprimento das orientações do Tribunal de Contas da União (TCU), falta de coordenação da aplicação dos recursos federais pela União, negligência na compra de vacinas, minimização da gravidade da pandemia, ausência de incentivos às medidas restritivas, promoção do tratamento precoce sem comprovação científica, militarização da Saúde; só faltou tipificar os crimes de responsabilidade cometidos.

Assim, o que era para ser a construção de uma blindagem para o Palácio do Planalto, protegendo o presidente Jair Bolsonaro das acusações da oposição, virou um caso antológico de “fogo amigo”, antes mesmo de a CPI ser instalada. Hoje, na primeira reunião da comissão, que será presidida pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), o mais velho de seus integrantes, pode haver certa disputa entre governo e oposição, mas está praticamente certo que o senador Omar Azis (PSD-AM) presidirá a CPI, enquanto Renan Calheiros (MDB-AL) será o relator, apesar dos contratempos criados por uma decisão judicial de primeira instância.

Flanando
O roteiro elaborado pela Casa Civil tem uma planilha que assinala com um xis a responsabilidade de cada ministério envolvido na questão. Por exemplo, quando afirma que “o governo federal fabricou e disseminou fake news sobre a pandemia por intermédio de seu gabinete do ódio”, responsabiliza a Advocacia Geral da União (AGU) e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) pelas respostas à questão. Atribui ao Ministério da Defesa, ao Ministério da Ciência e Tecnologia e à Secretaria de Governo a defesa dos generais Eduardo Pazuello, Braga Netto e demais militares, porque “não apresentaram diretrizes estratégicas para o combate à covid”.

O Palácio do Planalto também entregou na bandeja para a CPI a convocação dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Cidadania, João Roma, ao elencar o atraso do pagamento do auxílio emergência como uma das falhas do governo a serem investigadas. Futuro relator da CPI, Renan Calheiros até ironizou: “O governo teria economizado mais seguindo esse roteiro antes, em vez de tentar barrar a CPI”. Ex-presidente do Senado, Calheiros é o principal alvo das articulações governistas, que tentam impedir na Justiça que assuma o cargo.

À impossibilidade de evitar a escolha de Renan Calheiros, a estratégia dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro é desacreditá-lo como relator, ao mesmo tempo em que os senadores da base governista, que estão em minoria na comissão, tendam a mudar o foco das atenções para governadores e prefeitos. O problema é que o Palácio do Planalto parece seguir um manual de geração de crises. Fica difícil para os governistas, por exemplo, defender o general Pazuello quando ele é flagrado sem máscara em um shopping de Manaus, como se fosse um imprudente flâneur paisano, num périplo descontraído e mundano.

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Luiz Carlos Azedo: Ajoelhou, tem que rezar

Bolsonaro precisa dar demonstrações práticas de que mudou a política ambiental. A mais aguardada é a demissão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles

A narrativa ambiental do presidente Jair Bolsonaro mudou da água para o vinho, ontem, na Cúpula do Clima convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que não assistiu a seu discurso, mas mandou o porta-voz americano para o Clima, John Kerry, dizer que gostou do pronunciamento. Bolsonaro prometeu adotar medidas que reduzam as emissões de gases e pediu “justa remuneração” por “serviços ambientais” prestados pelos biomas brasileiros ao planeta.

De certa forma, surpreendeu o próprio Biden. Bolsonaro disse que “não poderia estar mais de acordo” com o apelo dos EUA sobre metas mais ambiciosas para o clima. Não mencionou o Plano Amazônia apresentado na semana passada, mas voltou a mencionar a eliminação do desmatamento ilegal, por meio do Código Florestal, reiterando a promessa da carta que enviara a Biden na semana passada. Anunciou, também, que o Brasil reduzirá emissões em 37%, em 2025, e 40%, até 2030, alcançando a neutralidade climática em 2050, ou seja, 10 anos antes da meta prevista pelo Brasil. São objetivos ambiciosos, porém ficarão por conta dos futuros governos. O problema é o agora.

Não faltaram referências à inclusão dos povos indígenas e comunidades tradicionais em questões de bioeconomia, bem como à melhoria nas condições de vida da população da Amazônia. Bolsonaro disse que os mercados de carbono são essenciais para impulsionar investimentos climáticos e anunciou a participação do Brasil na Convenção sobre Diversidade Biológica, na China, em outubro. Aproveitou para pedir ajuda financeira, ao falar da necessidade de pagamentos justos por serviços ambientais.

O problema do Brasil é que o discurso de Bolsonaro não corresponde aos fatos até agora. Mesmo que a intenção seja mudar de rumo, não é possível reconstruir da noite para o dia o que foi destruído, desestruturado ou desorganizado em termos de política ambiental nos últimos dois anos e quase meio. Bolsonaro precisa dar demonstrações práticas de que realmente mudou a política ambiental. Politicamente, a ação mais aguardada é a demissão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o homem que estava “passando a boiada” na Amazônia.

Questão de prática

Dificilmente, com Salles à frente do ministério, até por causa dos desgastes que sofreu com os interlocutores internacionais, ambientalistas e cientistas da área, o Brasil conseguirá ter acesso expressivo ao fundo de US$ 1 bilhão criado por Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia para preservação ambiental. Por causa da extinção do conselho que dirigia o Fundo da Amazônia, anunciada no início da gestão do ministro Salles, Alemanha e Noruega interromperam as doações do fundo, que tem uma reserva de R$ 2,9 bilhões para combater o desmatamento das florestas, congelada por causa da mudança do modelo de gestão dos recursos feita por Salles.

Presidente do Conselho Nacional da Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão não participou do encontro. Foi uma sinalização negativa de empoderamento do ministro Salles, que está na mesma situação em que já ficaram o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o ex-chanceler Ernesto Araújo: “se ferraram” cumprindo cegamente as ordens negacionistas do presidente da República. E acabaram com a cabeça entregue numa bandeja para seus críticos.

Bolsonaro subordinou as ações do governo aos interesses de setores radicais de sua base eleitoral, como pecuaristas, madeireiros, garimpeiros e grileiros. O impacto do desmonte da política ambiental no desmatamento, na invasão de terras indígenas e nos indicadores de violência no campo escandalizou o mundo. O pecado original foi a aposta de Bolsonaro no negacionismo e poder do ex-presidente Donald Trump, seu aliado principal. Com a eleição do democrata Joe Biden, que reposicionou os Estados Unidos na cena mundial, se tornou mesmo um “pária” internacional. Os Estados Unidos voltaram a ser protagonistas na luta contra o aquecimento global. O isolamento do governo brasileiro exigiu uma mudança de rumo.

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Luiz Carlos Azedo: Reabrir as escolas, por que não?

Saúde, Trabalho, Universidade Em quase todos os lugares do mundo, as escolas públicas foram as últimas a fechar e as primeiras a reabrir durante a pandemia; aqui no Brasil, é o contrário

Depois de sete horas de disputa em plenário, na terça-feira, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que regulamenta a reabertura de escolas e faculdades durante a pandemia (PL 5.595/20), mas a polêmica continua. O texto torna a educação básica e superior serviços essenciais, ou seja, não podem ser interrompidos durante a crise sanitária. O texto seguirá para o Senado, onde a discussão deve pegar fogo. A proposta inverte a equação: proíbe a suspensão de aulas presenciais durante pandemias e calamidades públicas, exceto se houver critérios técnicos e científicos justificados pelo Poder Executivo quanto às condições sanitárias do estado ou município.

O fato de a relatora do projeto ser a polêmica deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), facilitou a vida dos setores de esquerda que se opõem à abertura das escolas, apesar de ter incorporado emendas que estabelecem protocolos para o retorno escolar. Autora da proposta, a deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF) destaca que “o texto foi alterado para garantir segurança de professores e alunos”. Outros deputados de perfil conservador e liberal patrocinaram a aprovação. “Esse projeto é de suma importância para (…) aquela mãe ou para aquele pai que não tem onde deixar o seu filho, (…) que é analfabeto e que não pode colaborar com a educação domiciliar, (…) que não tem conexão, computador e, como muitos disseram aqui, não tem água nem luz, às vezes”, argumentou a deputada Aline Sleutjes (PSL-PR).

Tiago Mitraud (Novo-MG) criticou a mobilização sindical contra a proposta: “É ter as crianças fora da sala de aula, mais uma vez, ter que se submeter aos interesses das corporações dos sindicatos”. Ex-relatora do Fundeb, respeitada educadora, Professora Dorinha (DEM-TO), porém, critica o projeto. “A nossa preocupação é que a educação seja prioridade de investimento, de política, de formação”, disse. A líder do PSol, a deputada Talíria Petrone (RJ) endossa a crítica: o texto “prioriza interesses privados, e não, investimentos na adaptação da infraestrutura educacional para a pandemia ou para expansão de acesso à internet pelos alunos”.

Califórnia

Um dos argumentos contra o projeto é o de que o Brasil é muito desigual, e as escolas das periferias e pequenos municípios não têm condições de seguir os protocolos. Entretanto, há inúmeros exemplos de escolas em locais remotos com alto desempenho escolar. Por isso, lembrei-me do best seller A quarta revolução, a corrida global para reinventar o Estado, de John Micklethwait e Adrian Wooldridge. Lós Angeles tem 687 mil alunos, ao lado de 23 outros distritos escolares californianos com 20 alunos ou menos.

O glamour hollywoodiano da Califórnia, por causa de Beverly Hills e do Vale do Silício, esconde milhares de condados, cidades e distritos, nos quais se reproduz o abismo existente entre Palo Alto, com suas empresas de alta tecnologia, e a burocrática Sacramento, a capital do estado com a terceira Constituição mais longa do mundo. Milhares de leis estaduais e locais de iniciativa popular engessam três quartos do orçamento público.

Os lobbies mais poderosos da Califórnia são: o dos agentes penitenciários (republicano), que aumentaram os empregos nos presídios e a população carcerária, com a duplicação das penas para criminosos reincidentes, e o dos professores da rede pública (democrata), cujo sindicato gastou US$ 210 milhões em campanhas políticas, entre 2000 e 2010, para conquistar uma taxa de demissão de 0,3%, ou seja, não importa o desempenho, professores são “imexíveis”. Há 50 anos, a Califórnia tinha o melhor sistema de ensino dos Estados Unidos; hoje, disputa com o Mississipi os maiores índices de analfabetismo e gastos per capita. Quem manda na rede de ensino público não são seus gestores, são os sindicatos de professores.

Em quase todos os lugares do mundo, as escolas públicas foram as últimas a fechar e as primeiras a reabrir durante a pandemia; aqui no Brasil, é o contrário. Tem alguma coisa errada. Os prejuízos para as crianças fora da escola não são tangíveis, vão muito além dos boletins escolares. E são justamente as mais pobres que mais precisam voltar às salas de aula.

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Luiz Carlos Azedo: A conta do Orçamento

Como a conta não fecha, os cortes nos orçamentos dos ministérios, principalmente nas despesas de custeio, podem paralisar as políticas públicas

Não é de agora que o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem sendo fritado em fogo brando no Congresso, com o doce constrangimento do presidente Jair Bolsonaro, que conseguiu desmoralizar seu Posto Ipiranga junto aos agentes econômicos. O mercado só não pede para tirar o ministro porque não sabe o rumo que o substituto adotará. Como Bolsonaro costuma surpreender na troca de ministros, os agentes econômicos preferem não arriscar, e Guedes vai ficando, cada vez mais enfraquecido. Agora, está engolindo um acordo com o Centrão que representa gastos acima do teto do Orçamento de 2021 da ordem de R$ 132,5 bilhões. Publicamente, Guedes minimiza o fato, mas sua equipe e os especialistas sabem fazer as contas.

A narrativa do governo é de que foi preservada a responsabilidade fiscal e o compromisso com a área da saúde. Bolsonaro deve sancionar o Orçamento hoje ou amanhã. A redução de gastos com despesas obrigatórias, que foram subestimadas, e o aumento do valor das emendas parlamentares pelo Senado levaram os técnicos do Ministério da Economia a propor o veto integral ao Orçamento aprovado pelo Congresso, mas Guedes não bancou a posição. Bolsonaro é o grande interessado nas emendas parlamentares destinadas à realização de obras, por razões eleitorais.

A saída que Guedes encontrou para Bolsonaro não ser enquadrado na Lei de Responsabilidade Fiscal foi salomônica: retirar do Orçamento os gastos extras com a pandemia da covid-19, ou seja, R$ 20 bilhões para enfrentamento da doença; R$ 10 bilhões para renovação do Benefício Emergencial; e mais R$ 5 bilhões para o Pronampe, para socorrer pequenas e médias empresas. Com R$ 44 bilhões do auxílio emergencial e outras despesas com a saúde, que foram considerados créditos extraordinários, o rombo pode chegar a R$ 132 bilhões.

Fuga pra frente
O deficit fiscal previsto para 2021 já é de R$ 247,1 bilhões. Com o extra-teto de R$ 132 bilhões, o Orçamento de 2021 será uma grande fuga para a frente, que pode causar mais inflação e redundar numa nova recessão. No fundo, Bolsonaro foi complacente com os seus aliados no Senado, que aumentaram o volume de emendas parlamentares de R$ 16 bilhões para R$ 47 bilhões. Nas negociações, até agora, só se chegou a um acordo para vetar R$ 10 bilhões. Sobram R$ 21 bilhões a serem expurgados pelos vetos de Bolsonaro, nas despesas discricionárias do governo, e pelo contingenciamento de gastos.

Como a conta não fecha, a expectativa em relação aos vetos e contingenciamentos se volta para os cortes que serão feitos nos orçamentos dos ministérios, principalmente nas despesas de custeio, que podem paralisar as políticas públicas. O sinal de que os cortes serão direcionados, principalmente, para a área social foi o cancelamento do Censo Demográfico de 2021, por falta de verbas. Sem estatísticas confiáveis, todo o planejamento do governo fica comprometido. A área de Defesa também será atingida, com cortes de investimento no reaparelhamento de Exército, Marinha e Aeronáutica, originalmente em torno de R$ 8,2 bilhões, porque Bolsonaro considera os militares muito bem contemplados na reforma da Previdência, com os aumentos de salários e a ocupação de cargos no governo.

Não estava nos planos do Executivo que a pandemia da covid-19 chegasse às proporções que atingiu. Mesmo assim, com o negacionismo de Bolsonaro pondo em risco a sua reeleição, essa lógica continua presidindo as ações do governo. Sua aposta é de que a execução orçamentária, com o auxílio emergencial e as obras públicas, alavanque a economia e possibilite a geração de empregos e a retomada da economia informal. O problema é que a vacinação da população está muito atrasada. A variante brasileira da covid-19 tem atingido duramente a população mais jovem e de meia idade, os prejuízos econômicos são imensuráveis. A conta da pandemia, além do grande número de mortos, que já chega próximo dos 400 mil, inclui o desemprego em massa e o apagão de capital de pequenos e médios empreendedores.