governo jair bolsonaro
‘Despreparado para o exercício do governo’, diz Alberto Aggio sobre Bolsonaro
Em artigo publicado na revista mensal da FAP, professor da Unesp avalia o que chama de ‘Ano 2’ do presidente
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mostra-se “despreparado para o exercício do governo, sequer consegue ganhar uma posição no contexto dramático de combate à pandemia, empreendendo ‘gestão’ desastrosa que não evitou os mais de 180 mil mortos em menos de 12 meses”. A afirmação é do historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio, em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de dezembro.
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Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Em seu artigo, Aggio também critica incapacidade do governo diante de “questões mais estruturais como as reformas tributária e administrativa que vão ficando para as calendas”.
“Sem liderança e sem rumo, a filiação de Bolsonaro a algum partido do Centrão tornou-se disputa rasa, quase um leilão, com vistas a um transformismo que garanta ao presidente um ‘novo’ protagonismo em 202’”, diz o professor da Unesp, em outro trecho de sua análise na Política Democrática Online de dezembro. “Num cenário ainda difuso, já se pode divisar, contudo, outros transformismos em projeção, todos visando alcançar o poder nas próximas eleições”, assevera.
Se, no Ano 1, o governo foi uma usina de péssimas ideias, no Ano 2 a imagem é de desolação, de acordo com o artigo do historiador. “2022 já começou e aos brasileiros importa superar a pandemia que nos assola bem como a crise que desorganiza a nação depois da sanha destruidora que se instalou no poder”, afirma Aggio, para acrescentar: “Só assim se poderá conceber em que termos avançaremos para o futuro, depois da breve – assim esperamos – ‘era Bolsonaro’”.
Em seu artigo, o professor da Unesp lembra que, no final do ano passado, publicou um artigo com o título “Bolsonaro, Ano 1”. “Mobilizei, intencionalmente, a demarcação temporal recorrendo àquilo que Benito Mussolini estabeleceu para a Itália quando instituiu o fascismo. Contava-se a sequência dos anos da ‘Era Fascista’, com início em 1922, ano da tomada do poder com a ‘Marcha sobre Roma’. Como todo aspirante a ‘revolucionário’, Mussolini acalentava a ideia de alterar o tempo histórico”, explica.
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Revista da FAP analisa o resultado das eleições em direção diferente a da polarização de 2018; acesso gratuito no site da entidade
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O recado das urnas em direção oposta à da polarização de dois anos atrás, o desastre da gestão governamental de Bolsonaro que gerou retrocesso recorde na área ambiental e a incapacidade de o presidente exercer sua responsabilidade primária, a de governar, são destaques da revista Política Democrática Online de dezembro. A publicação mensal foi lançada, nesta quinta-feira (17), pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza a íntegra dos conteúdos em seu site, gratuitamente.
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No editorial, a publicação projeta o que chama de “horizonte sombrio”. “Na situação difícil que se desenhou em 2020, é preciso reconhecer que o governo obteve vitórias inesperadas. Conseguiu, de maneira surpreendente, eximir-se da responsabilidade pelas consequências devastadoras, em termos de número de casos e de óbitos, da progressão da pandemia em território nacional”, diz um trecho.
Em entrevista exclusiva concedida a Caetano Araújo e Vinicius Müller, o professor do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo), José Álvaro Moisés, avalia que existe, no Brasil, um vácuo de lideranças democráticas e progressistas capazes de interpretar o momento e os desafios do país e que possam se opor com chances reais de vencer Bolsonaro nas eleições de 2022.
Moisés, que é coordenador do Grupo de Trabalho sobre a Qualidade da Democracia do IEA (Instituto de Estudos Avançados) da USP, o grande desafio da oposição para superar o Bolsonarismo é o de se constituir em uma força com reconhecimento da sociedade. Isso, segundo ele, para garantir a sobrevivência da democracia e, ao mesmo tempo, adotar estratégias adequadas para a retomada do desenvolvimento do País.
Outro destaque é para a análise do historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio, que avalia que “o Ano 2 – como dizem os jovens – ‘deu mal’ para Bolsonaro”. Ao final de 2020, diz o autor do artigo, o destino o presidente é cada vez mais incerto, com popularidade declinante e problemas políticos de grande magnitude. “Com a derrota de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas, perdeu seu principal referente ideológico”, afirma Aggio.
“O isolamento internacional do País é sem precedentes, depois de desavenças com a China e a União Europeia. Sob pressão, Bolsonaro estará forçado a uma readequação na política externa. Não haverá futuro caso não se supere a redução do Brasil a ‘País pária’ na ordem mundial, admitido de bom grado pelo chanceler Ernesto Araujo”, acrescenta o professor da Unesp.
Ex-ministro da Reforma Agrária, Defesa Nacional e Segurança Pública e ex-deputado federal, Raul Jungmann analisa, em seu artigo, a necessidade de dialogar e liderar as Forças Armadas na definição de uma defesa nacional adequada ao Brasil. Isso, segundo ele, “é um imperativo da nossa existência enquanto nação soberana”. “Construir essa relação, levar a sério nossa defesa e as FFAA, assumir as responsabilidades que cabem ao poder político e as nossas elites, é também uma questão democrática, incontornável e premente”, assevera.
O conselho editorial da revista Política Democrática Online é formado por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.
Veja lista de todos os conteúdos da revista Política Democrática Online de dezembro:
- José Álvaro Moisés: ‘O Bolsonarismo entrou em crise porque ele não tem conteúdo nenhum’
- Cleomar Almeida: Vítimas enfrentam longa via-crúcis no combate ao estupro
- Charge de JCaesar
- Editorial: Horizonte sombrio
- Rodrigo Augusto Prando: A politização da vacina e o Bolsonarismo
- Paulo Ferraciolli: RCEP, o maior tratado de livre-comércio do mundo
- Paulo Fábio Dantas Neto: Em busca de um centro – Uma eleição e dois scripts
- Bazileu Margarido: Política ambiental liderando o atraso
- Jorio Dauster: Do Catcher ao Apanhador, um percurso de acasos
- Alberto Aggio: Bolsonaro, Ano 2
- Zulu Araújo: Entre daltônicos, pessoas de cor e o racismo
- Ciro Gondim Leichsenring: Adivinhando o futuro
- Dora Kaufman: Transformação digital acelerada é desafio crucial
- Henrique Brandão: Nelson Rodrigues – O mundo pelo buraco da fechadura
- Hussein Kalout: A diplomacia do caos
- João Trindade Cavalcante Filho: O STF e a democracia
- Raul Jungmann: Militares e elites civis – Liderança e responsabilidade
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Forças de oposição devem fortalecer leque de alianças para segundo turno das eleições
Editorial da revista Política Democrática Online de novembro observa falta de apoio de Bolsonaro nas disputas municipais
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Forças de oposição devem prosseguir na convergência programática, no fortalecimento de um amplo leque de alianças para o segundo turno das eleições, em torno do eixo político hoje fundamental: defesa da saúde, da vida e da democracia. O posicionamento é do editorial da revista Política Democrática Online de novembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza, em seu site, todos os conteúdos da publicação, gratuitamente.
De acordo com o texto, de maneira geral, a tendência das eleições deste ano seguiu o rumo da redução das atividades presenciais, do corpo a corpo com o eleitor, das reuniões nos espaços públicos e privados. “A propaganda por meio do rádio e da televisão não parece, contudo, haver recuperado pelo menos parte da relevância perdida em 2018. Em contraste, a campanha por meio das redes sociais continua a prosperar”, observa.
O editorial da revista Política Democrática Online também aponta que, no tocante ao movimento das intenções de voto, capturado na sequência das pesquisas divulgadas até o momento, emergem dos dados disponíveis hipóteses interessantes. “Todas, evidentemente, a serem objeto de verificação após o confronto com os resultados finais do pleito”, afirma um trecho.
O aparente paradoxo de a popularidade do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), ainda elevada, não rende dividendos eleitorais no pleito municipal, conforme destaca o editorial. “O cenário insólito de nenhum candidato com apoio ostensivo do presidente lograr êxito nas capitais parece próximo de se realizar. Em contraste, os prefeitos em exercício transitam com facilidade nas campanhas, seja em benefício próprio, nos casos de tentativa de reeleição, seja no posicionamento de seus candidatos na liderança das pesquisas ou, ao menos, num dos lugares do segundo turno”, diz.
Segundo o editorial, tudo indica que prevaleceu no eleitorado a tendência ao pragmatismo, à separação prudente das esferas nacional e municipal da política. “O programa de transferência de renda em vigor, reconhecido como fundamental para enfrentar a crise em curso, é atribuído, corretamente ou não, a uma decisão do presidente e retribuído com avaliações positivas nas pesquisas de popularidade”, afirma.
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Rubens Ricupero avalia potencial de eleição de Joe Biden para mudar o mundo
Política Democrática Online destaca coalizão para reforma estrutural nas polícias
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Rubens Ricupero avalia potencial de eleição de Joe Biden para mudar o mundo
Em artigo na revista Política Democrática Online de novembro, diplomata brasileiro diz que presidente eleito terá mais latitude para liderar busca de vacina na OMS
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Presidente honorário do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, sediado em São Paulo, Rubens Ricupero diz que, após a corrida presidencial nos Estados Unidos, “a conclusão mais importante se refere ao potencial que a eleição de [Joe] Biden tem para mudar o mundo”. Em artigo exclusivo que produziu para a revista Política Democrática Online de novembro, ele avalia os impactos do resultado das urnas tanto na esfera interna quanto em nível internacional.
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A publicação mensal é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania, com colaboração de renomados especialistas, professores, pesquisadores e consultores de mercado. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Em seu artigo, Ricupero, que também é jurista, historiador e diplomata brasileiro, diz que os efeitos da eleição de Biden devem mudar não somente os Estados Unidos.
“Na esfera interna, não será fácil, sem controlar o Senado, aumentar impostos das corporações, aprovar pacote trilionário de estímulo, alterar a ideologia da Suprema Corte”, observa o jurista. “Já na área externa, Biden terá mais latitude para voltar ao Acordo de Paris, converter o meio ambiente em prioridade central, liderar a busca de vacina na OMS, convocar a prometida Cúpula em favor da Democracia, restituir à diplomacia e ao multilateral o papel central na política externa. Se não fizer mais nada, já terá transformado a agenda mundial de modo decisivo”, destaca.
No artigo publicado na revista Política Democrática Online, Ricupero avalia que o crescimento da economia e do emprego antes da pandemia ajudou o governo de Donald Trump. No entanto, segundo o historiador, o fiasco em lidar com a Covid-19 prejudicou amplamente o atual presidente dos Estados Unidos, embora não seja claro que tenha alienado os idosos, como se antecipava na Flórida.
De acordo com Ricupero, o acirramento do conflito racial em torno dos protestos do “Black Lives Matter” mobilizou o eleitorado negro, que foi importante para eleger Biden e sua vice, Kamala Harris, negra e a primeira mulher a ocupar o posto no país. “Ao mesmo tempo, a violenta destruição de estátuas e as demandas radicais de corte nos recursos das polícias ocasionaram reação adversa de medo e ressentimento”, pondera o autor.
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Política Democrática Online destaca coalizão para reforma estrutural nas polícias
Com análises sobre política, economia e cultura, edição de novembro foi lançada nesta quinta-feira (12)
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Necessidade de coalizão para se enfrentar a questão da governança das polícias, embate entre favoráveis e contrários à volta às aulas presenciais e a união de forças progressistas e de centro que levaram à derrota da Donald Trump são os principais destaques da revista Política Democrática Online de novembro. Lançada nesta quinta-feira (12), a publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos em seu site, gratuitamente.
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No editorial, a publicação diz que “o país ingressou na reta final de uma campanha eleitoral atípica”. Segundo o texto, tudo indica que prevaleceu no eleitorado a tendência ao pragmatismo, à separação prudente das esferas nacional e municipal da política. “Nessa conjuntura, cabe às forças de oposição prosseguir na convergência programática, no fortalecimento de um amplo leque de alianças para o segundo turno das eleições, em torno do eixo político hoje fundamental: defesa da saúde, da vida e da democracia”, afirma, em um trecho.
Na entrevista exclusiva concedida à Política Democrática Online, o antropólogo e filósofo Luiz Eduardo Soares, defensor da desmilitarização das polícias militares, avalia que somente uma coalizão pode dar ao país as condições políticas para que se faça uma reforma estrutural nessas corporações policiais. "Só uma coalizão pode proteger os governos que se disponham a agir, e não adianta pensar nas forças armadas como uma solução mágica, porque se não o Rio já teria resolvido, por exemplo, o problema com as milícias", diz.
A reportagem especial destaca os efeitos da segunda onda da Covid-19 na Europa sobre a decisão de governadores para retorno, ou não, às aulas presenciais nas redes públicas de ensino no país. Oito meses após o fechamento das escolas por causa da pandemia do coronavírus, em março deste ano, 16 redes públicas estaduais de ensino retomaram parte das aulas presenciais ou têm previsão de retorno às salas de aula, ainda em 2020. Em outros oito Estados, governadores já se posicionaram pela volta dessas atividades somente no ano que vem, diante do risco de a nova onda do coronavírus na Europa aumentar ainda mais o número de casos no Brasil.
Em seu artigo, o diplomata aposentado Rubens Ricupero aponta os principais reflexos das eleições nos Estados Unidos. “Na esfera interna, não será fácil, sem controlar o Senado, aumentar impostos das corporações, aprovar pacote trilionário de estímulo, alterar a ideologia da Suprema Corte”, diz. “Já na área externa, Biden terá mais latitude para voltar ao Acordo de Paris, converter o meio ambiente em prioridade central, liderar a busca de vacina na OMS, convocar a prometida Cúpula em favor da Democracia, restituir à diplomacia e ao multilateral o papel central na política externa. Se não fizer mais nada, já terá transformado a agenda mundial de modo decisivo”.
Além desses assuntos, a revista Política Democrática Online também tem análises sobre economia, cultura e nova composição do STF (Supremo Tribunal Federal). A publicação é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado e tem o conselho editorial formado por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.
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RPD || Reportagem Especial: Risco de nova onda do coronavírus divide governos sobre volta às aulas presenciais
Maioria dos estados já decidiu pelo retorno gradativo às atividades nas escolas; profissionais da Educação criticam medida
Cleomar Almeida
Oito meses após o fechamento das escolas por causa da pandemia do novo coronavírus, em março deste ano, 16 redes públicas estaduais de ensino retomaram parte das aulas presenciais ou têm previsão de retorno às salas de aula, ainda em 2020. Em outros oito estados, governadores já se posicionaram pela volta dessas atividades somente no ano que vem, diante do risco da segunda onda de Covid-19 na Europa aumentar ainda mais os efeitos trágicos no Brasil. Professores e governos travam briga até na Justiça.
O sinal verde para a volta às aulas tem como parâmetro portaria do Ministério da Educação (MEC) publicada em julho e que define diretrizes para a retomada das atividades presenciais. Entre elas, está a obrigatoriedade do uso de máscaras, distanciamento social de 1,5 metro e afastamento de profissionais que estejam em grupos de risco. No entanto, governos estaduais e municipais têm autonomia para definição do calendário pedagógico a fim de reorganizar as aulas nas escolas.
Nos estados que já reabriram as salas de aula gradativamente, as escolas devem seguir uma série de protocolos sanitários estabelecidos em portarias dos governos e continuarem oferecendo ensino a distância aos alunos que optarem por essa modalidade. Nessa lista estão Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
Em geral, os governadores sustentam suas decisões na diminuição do número de casos de Covid-19 nos respectivos estados. As estruturas hospitalares emergenciais passaram a ser desmobilizadas. Dos leitos clínicos e de UTI do Sistema Único de Saúde (SUS) abertos a partir do início da pandemia, 65% já foram fechados. Por outro lado, o Brasil é o segundo país com mais mortes – atrás dos Estados Unidos – e o terceiro com maior quantidade de contaminações registradas – atrás dos Estados Unidos e da Índia.
A segunda onda de Covid-19 na Europa é um alerta importante aos governadores que decidiram optar por cautela e autorizar retorno às aulas presenciais somente em 2021 ou após a confirmação de uma vacina para imunizar a população. Nesse grupo, estão Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Roraima. Bahia e Rondônia ainda não firmaram posição sobre o assunto.
Em Goiás, o governador Ronaldo Caiado (DEM), aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), contraria autorização de volta às aulas presenciais do próprio Comitê de Operações Emergenciais de Enfrentamento ao Coronavírus (COE), nas unidades de educação básica e superior. Para ele, as atividades escolares só devem ser normalizadas após a vacina. “Garantir vacinação antes do retorno às aulas é fundamental para evitar uma segunda onda da doença no Brasil”, afirmou ele.
De acordo com a imprensa internacional, a segunda onda de infecção pelo novo coronavírus em alguns países da Europa foi impulsionada pelo retorno antecipado às aulas, como ocorreu na França e Espanha. Ao voltar à escola e ter contato com outras pessoas, as crianças aumentam o potencial de proliferação do vírus. Hoje, os países estão sentindo o impacto dessa medida com a volta do toque de recolher e recessões maiores.
Em Roraima, apesar de manter aulas remotas neste ano, o governo estadual determinou o retorno dos professores ao trabalho presencial, exceto os que forem de grupo de risco. A diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Roraima (Sinter), Josefa Matos de Freitas, e a Organização dos Professores Indígenas de Roraima (Opir) criticaram a medida. “Não é justo com o servidor ter que voltar, porque a pandemia nem acabou nem melhorou", disse a diretora.
No Distrito Federal e em Minas Gerais, a decisão sobre o retorno, ou não, às atividades presenciais está travada em imbróglio judicial. O governador Ibaneis Rocha (MDB) recorreu da decisão da Vara da Infância e Juventude do DF que determinou o retorno às aulas. “Essa é uma decisão que não caberia à Justiça. Mais uma vez, é a Justiça tentando governar", criticou. Ele argumentou falta de condições sanitárias adequadas e teve apoio do Sindicato dos Professores (Sinpro).
Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) trava outra briga com a Justiça, mas para garantir a retomada das atividades presenciais nas escolas. O Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido do Estado, concedendo liminar ao Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-Ute). A categoria também disse que a medida do governo contraria as regras de isolamento e que não há dados que indiquem redução de contágio pela doença, nem diminuição do número de mortes no estado.
Em outubro, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou parecer que permitia a fusão dos anos letivos de 2020 e 2021, em um currículo adaptado, e estendia a permissão das aulas remotas por mais um ano, até dezembro de 2021. O documento ainda não foi homologado pelo MEC.
Contrários ou favoráveis ao retorno das aulas presenciais, todos os governos estão suscetíveis a reverem suas decisões, a qualquer momento, caso a situação do país melhore ou piore na pandemia. O Brasil tem taxa de cerca de 84 mil testes a cada 1 milhão de pessoas. O número é baixo se comparado a outros países como o Reino Unido, que tem 453 mil testes a cada 1 milhão de habitantes, ou mesmo ao Chile, com 209 mil testes a cada 1 milhão de habitantes.
Alunos estão mais desmotivados e com menos aproveitamento
A dinâmica das aulas remotas tem levado estudantes a ficarem ainda mais desmotivados e diminuírem o aproveitamento nos estudos com o passar dos meses, segundo pesquisa sobre educação na pandemia. Os dados foram obtidos pelo Instituto Datafolha, a pedido da Fundação Lemann, Itaú Social e Imaginable Futures. Especialistas alertam para o risco de aumento de evasão escolar.
O levantamento aponta que o percentual de alunos sem motivação para estudar passou de 46%, em maio, para 54%, em setembro, conforme dados mais recentes. Segundo a pesquisa, outra grande barreira para os estudos na pandemia é a dificuldade de se organizar para estudar em casa. O índice de pessoas que confirmaram essa reclamação passou de 58% para 68%, no mesmo período.
A pesquisa ouviu 1.021 pais ou responsáveis de alunos de escolas públicas municipais e estaduais, de 6 a 18 anos, entre 16 de setembro e 2 de outubro. O chefe de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Ítalo Dutra, mostra preocupação com a perda do vínculo escolar durante a pandemia.
“Nós fechamos as escolas sem planejamento. Na maioria dos Estados, o que vimos foi recesso, férias e depois ensino remoto. E essas atividades evidenciaram as desigualdades educacionais que o país tem”, disse. “Em São Paulo, menos da metade dos alunos tinha acesso ao conteúdo online em maio, e estamos falando do estado mais conectado e rico do país. A não manutenção desse vínculo pode impactar no abandono escolar”, alertou.
O diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne, destaca o risco de estes alunos desistirem da escola. “A evasão e o abandono escolar terão reflexo sobre o estudante, sua família e a sociedade, aumentando ainda mais a desigualdade”, disse ele. “O modelo criado na correria para dar conta de uma paralisação de dois ou três meses, e que acabou se estendendo para o ano inteiro, mostra desgaste”, avaliou Mizne.
Segundo a pesquisa, 92% dos estudantes receberam atividades para fazer em casa em setembro, contra 74% em maio. O índice aumentou em todas as regiões do país, especialmente no Norte, que passou de 52%, em maio, para 84%, em setembro. No entanto, o desgaste dos estudantes apontado na pesquisa indica o desafio para o ano letivo de 2021, que deverá ocorrer de forma híbrida, com aulas remotas e presenciais, além de rodízio das turmas.
Em julho, a pesquisa Pnad Contínua 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou pela primeira vez dados sobre o abandono escolar, além das análises sobre taxas de escolaridade. O país aumentou a proporção de pessoas de 25 anos ou mais com ensino médio completo, passando de 45%, em 2016, para 47,4%, em 2018, e 48,8%, em 2019. No entanto, segundo o levantamento, 69,5 milhões dos adultos (51,2%) não concluíram essa etapa educacional.
De acordo com o IBGE, entre os principais motivos para a evasão escolar estão a necessidade de trabalhar (39,1%) e a falta de interesse (29,2%). Entre as mulheres, aparecem como causa gravidez (23,8%) e atividades domésticas (11,5%).
Busca por emprego faz maioria dos alunos deixar de estudar
Aliada à baixa atratividade das aulas remotas e à perda de renda das famílias, a busca por emprego pressionou 56% dos alunos a abandonarem os estudos durante a pandemia causada pelo novo coronavírus. É o que mostra a pesquisa nacional TIC Covid-19, divulgada no dia 5 de novembro.
O levantamento ainda aponta que alunos mais pobres lideram a lista dos que não acompanharam as aulas remotas. Do total, 29% estão na classe D e E; 20%, na classe B; e 11%, na classe AB. A pesquisa foi realizada entre 10 de setembro e 1º de outubro, com 2.728 pessoas de 16 anos ou mais, usuários de internet, que estudam ou estudavam desde a educação básica até o ensino superior.
A pandemia de Covid-19 também gera alerta sobre a falta de preparo das escolas para garantir o direito à educação aos alunos. No total, 32% dos entrevistados declararam que deixaram de estudar porque a instituição de ensino não ofereceu aulas ou atividades do curso.
Outras barreiras apareceram para os alunos que tiveram conteúdos disponibilizados pelas escolas, como dificuldade para tirar dúvidas com professores (38%), baixa qualidade da conexão ou inexistência dela (36%), falta de estímulo para estudar (33%) e baixa qualidade das aulas (27%).
Em relação a equipamentos de conexão, a pesquisa revela que a maioria dos alunos acompanha as aulas online pelo celular (37%). Outros declaram que usam notebook (29%), tablet (1%) ou televisão (1%).
RPD || Entrevista Especial: Herança da ditadura, polícias militares são refratárias à democracia, diz Luiz Eduardo Soares
O antropólogo e filósofo Luiz Eduardo Soares, defensor da desmilitarização das polícias militares, avalia que somente uma coalizão pode dar ao país as condições políticas para que se faça uma reforma estrutural nessas corporações policiais
Por Caetano Araujo e Arlindo Fernandes Oliveira
Um dos 579 alvos de um dossiê elaborado pelo Ministério da Justiça do governo do presidente Jair Bolsonaro, a partir do monitoramento secreto de um grupo descrito como “militantes antifascistas”, o escritor, dramaturgo, antropólogo, cientista político e pós-doutor em Filosofia Política Luiz Eduardo Soares é o entrevistado especial desta 25ª edição da revista Política Democrática Online.
Luiz Eduardo Soares, que já foi Secretário Nacional de Segurança Pública, vem propondo debates sobre segurança pública, polícias e justiça criminal no Brasil há mais de 30 anos. Para ele, a transição para a democracia no Brasil não foi completa porque as polícias militares mantiveram-se no tempo da ditadura e são agentes na desigualdade e no racismo estrutural que ainda assola o país, diariamente.
"Nós precisaríamos de uma grande coalizão e entender a necessidade de enfrentar a questão da governança das polícias e do que eu chamei um enclave institucional, alterando posturas do Ministério Público, da Justiça etc…", avalia Soares. "E não me referi à desmilitarização, ao ciclo completo, à carreira única, a todas essas propostas relativas à reforma das próprias instituições policiais. Elas se dariam no contexto de uma grande coalizão reformadora", completa.
Soares tem vinte livros publicados, como “Elite da Tropa” (com André Batista e Rodrigo Pimentel), editado em 2006 pela Objetiva, “Elite da Tropa II” (com os mesmos coautores e Claudio Ferraz), publicado pela Nova Fronteira, em 2010, “Espírito Santo” (com Rodney Miranda e Carlos Eduardo Ribeiro Lemos), editado pela Objetiva, em 2008, além de “Rio de Janeiro; histórias de vida e morte”, publicado em 2015 pela Cia. das Letras, e os romances “Experimento de Avelar”, premiado pela Associação de Críticos Brasileiros em 1996, e “Meu Casaco de General”, este, finalista do Prêmio Jabuti em 2000. Foi professor da Unicamp e do IUPERJ, além de visiting scholar em Harvard, University of Virginia, University of Pittsburgh e Columbia University.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu à Revista Política Democrática Online.
Revista Política Democrática Online (RPD): Sua longa trajetória de estudo e atuação na área da segurança pública assegura-lhe autoridade indiscutível para avaliar como estamos hoje no Brasil. Em uma palavra: temos saída?
Luiz Eduardo Soares (LES): Essa é uma pergunta que exigiria muito mais do que o espaço de uma única entrevista. Em síntese, diria que uma possível saída envolve uma expectativa favorável relativamente à história brasileira e à história da democracia no Brasil. Isto é, se não houver saída para essas questões atinentes à segurança pública e à justiça criminal, não haverá saída para a democracia no Brasil. São duas faces da mesma moeda, mais do que isso, são dimensões interconectadas organicamente, e a incompreensão sobre esses laços, esses nexos, essa articulação profunda entre as problemáticas está no centro das nossas dificuldades, está no centro dos motivos pelos quais nós não fomos capazes como nação, até agora, de produzir uma alternativa.
E por que eu então digo isso? Porque temos um quadro que é, de fato, dantesco. Os qualificativos, os adjetivos não são puramente retóricos. Posso ser mais objetivo: no Rio de Janeiro, no ano passado, registraram-se 1.814 mortes provocadas por ações policiais. Isso corresponde a 40% dos homicídios dolosos perpetrados na cidade do Rio e a 30% daqueles cometidos no Estado. Temos ao longo dos anos um verdadeiro banho de sangue, em que as vítimas são sempre, com raríssimas exceções, negros, jovens habitantes dos territórios vulneráveis etc. E o que ocorre é que a polícia mais numerosa, que está presente em todo o país, 24 horas por dia, com algumas exceções, é a polícia militar. Ela é pressionada por todos os interlocutores, atores sociais – mídia, opinião pública, políticos etc. – a produzir resultados que, em geral, se confundem com prisão. Ocorre que ela é proibida constitucionalmente de investigar; resta-lhe prender em flagrante delito. Quais são os crimes passíveis de prisão em flagrante? Não são os mais importantes, mas serão eles o foco dos investimentos policiais. Portanto, aos vieses de classe, cor e território, acrescenta-se mais este crivo seletivo. Na prática, o alvo será o varejo das substâncias ilícitas.
Vejam, em vez de prevenir e investigar homicídios, os crimes mais graves, nós estamos lotando o sistema penitenciário com jovens não violentos e não ligados de fato a facções, não envolvidos com práticas criminosas profissionalizadas, com as consequências nefastas em todos os níveis e de todas as ordens, por conta de um casamento perverso entre uma lei de drogas absolutamente irracional e um modelo policial que foi determinado pelo artigo 144. E aí chegamos ao coração da matéria, o porquê dessa vinculação com a questão democrática. Sabemos muito bem que a promulgação da nossa Carta em 19988 foi o fruto histórico e extraordinariamente importante que correspondeu a uma conquista da sociedade brasileira, uma conquista democrática, singular em nossa trajetória; entretanto, ela se deu a partir de negociações, como aliás é típico da história brasileira. As negociações que nos deram o privilégio da liberdade e de um novo horizonte democrático também encontraram limitações oriundas da sua própria natureza.
Uma das limitações – absolutamente estratégica e crucial – foi a imposição, por parte de representantes do antigo regime, de uma reserva estratégica, que se manteria impermeável ao processo de mudança desatado pela dinâmica de democratização. Que reserva é essa? Que área institucional é essa? É a segurança pública. Esse foi o legado à democracia de estruturas organizacionais forjadas na ditadura. A ditadura não inventou a violência policial, as práticas conhecidas e nem as instituições como as conhecemos, mas as reordenou, reorganizou e qualificou. Qualificar aqui tem sentido negativo e problemático. Essas instituições reformadas, reorganizadas e retemperadas pela ditadura, instituições muito problemáticas que têm passado obscurantista, autoritário, que dialoga com o pior da nossa tradição escravagista etc., essas instituições foram legadas pela ditadura acriticamente, por assim dizer.
Ou seja, nós, na democracia, herdamos as estruturas organizacionais. Ora, as estruturas organizacionais não vêm como organogramas vazios, elas vêm carregadas de seres humanos, homens e mulheres, com suas práticas, suas modalidades próprias de composição de identidade, lealdade, seus valores, suas visões de mundo e práticas. O fato é que os valores tradicionais, as visões de mundo cultuadas no período ditatorial permaneceram, foram reiterados e fortalecidos no convívio diário entre gerações, porque é na rua que essa cultura se reproduz, que a socialização se dá.
RPD: Qual seria a estratégia possível para alterar essa situação, ou seja, como é possível falar em desmilitarizar a polícia e descriminalizar o varejo da droga? Quais seriam os passos institucionais? O que o movimento cívico deveria pleitear para caminhar nessa direção?
LES: Algo importante e fundamental. Aprofundo os argumentos anteriores para derivar do diagnóstico mais complexo, digamos, essa resposta que é absolutamente decisiva. Voltamos à velha e sempre indispensável questão: o que fazer? As polícias que constituímos são um universo heterogêneo e dividido internamente por segmentos, perspectivas diferentes. Não dá para falar de uma unidade monolítica com cerca de 800 mil pessoas. Seria uma simplificação grosseira. Mas é necessário reconhecer que segmentos dominantes e perspectivas que predominam nesse enclave são fortemente, sempre foram, refratários à cultura democrática e à Constituição. E mais, à autoridade civil, pública, republicana, política – no sentido amplo da palavra. Nenhum governador do período democrático governou as polícias.
Houve variações, alterações aqui e ali, essa dificuldade evidentemente apresentou oscilações de acordo com contextos, conjunturas, circunstâncias, capacidade de mobilização das lideranças intermediárias etc., mas a governança democrática republicana não se realizou. E isso por conta de um arranjo muito peculiar em que o Ministério Público, que é responsável constitucionalmente pelo controle externo da atividade policial, não cumpriu sua missão constitucional, atitude abençoada pela Justiça por várias razões, o que contribuiu para a rotinização da tragédia. Vivemos uma ameaça para a democracia. Vamos concretizar tudo isso.
As polícias de modo geral e a cultura policial militar e civil – ressalvadas as variações internas, as tensões, as diferenças – eram bolsonaristas avant la lettre, antes de Bolsonaro, independentemente de Bolsonaro. Bolsonaro ocupa o lugar de messias nesse sebastianismo rústico, que deriva dos valores cultivados lá na ponta, na prática, valores que justificam execuções extrajudiciais e que se regem por princípios. Cito aqui palavras que estão sempre presentes nas redes sociais policiais com suas fotos que exaltam a violência, tais como: só há justiça com caos e destruição. Nosso papel é entrar nas favelas e destruir, nosso compromisso é fazer essa guerra. Como disse um coronel comandante da PM fluminense há não muitos anos, as polícias são inseticidas sociais.
Ou seja, a visão é essa: seu papel não é cumprir a lei, a violência policial não decorre do rigor excessivo no cumprimento da legalidade; as polícias não têm compromisso com a legalidade. Nós, os defensores dos direitos humanos é que somos legalistas, nós e aqueles policiais que resistem em nome do Estado Democrático de Direito a esse furor, a esse ímpeto, a esses valores que se apresentam como uma espécie de tsunami, atropelando todas as resistências internas legalistas.
E como isso é possível? Há várias mediações aí; de outra forma, não seria possível. E duas merecem destaque.
A primeira, que está na gênese da corrupção policial e das milícias, é a autorização para matar; não para usar a legítima defesa, evidentemente, mas para matar porque, quando se concede autorização para matar, se concede também ao policial na ponta a liberdade para não matar e vender a vida, negociar a sobrevivência do suspeito. E aí se cria uma moeda que degrada a instituição, suscita articulações entre crime e polícia, diluindo fronteiras. Não raro, policiais, por essa via, vão se associar ao velho esquema dos esquadrões da morte, da pistolagem a soldo ou vão provocar insegurança para vender segurança e daí por diante. Portanto, engana-se quem acredita que liberando as polícias para matar elas serão mais efetivas contra o crime. É justamente o contrário. Tolerar práticas policiais ilegais abre as portas para a degradação institucional e o fortalecimento do crime.
A segunda mediação que deve ser entendida é a segurança privada informal e ilegal, um verdadeiro processo metastático absolutamente impune. Os governos lavam as mãos: o segundo emprego suplementa os salários insuficientes, às vezes baixíssimos, pagos à massa policial, e permite que o orçamento seja mantido nos termos pré-definidos sem grandes pressões, vale dizer, sem suscitar movimentos grevistas. É o que eu chamaria de “gato orçamentário”, usando a expressão popular que rotula uma conexão entre o legal e o ilegal. Daí porque os governos, não só do Rio, mas também de outros Estados, acabam tolerando a prática da segurança privada ilegal informal por parte de seus policiais. No fundo, lançam um manto de proteção sobre um conjunto vasto de atividades, as quais incluem desde esforços honestos – embora ilegais – de tantos que apenas buscam oferecer melhores condições às suas famílias, até as milícias. É essencial compreender este ponto: as milícias crescem à sombra dessa negligência sistemática, que atravessa as décadas inalterada.
As polícias são um enclave que se reproduz e que é refratário à democracia e ao poder republicano. Temos de reconhecer esse fenômeno, que está no centro das questões democráticas brasileiras, o que leva a reconhecer também sua magnitude, sua complexidade e, claro, a dificuldade de enfrentá-lo. Não seremos capazes de fazer frente a esse desafio sem a participação da sociedade, do Ministério Público, da Justiça. Em uma palavra: sem uma discussão e uma compreensão aprofundada por parte da sociedade, de maneira que tudo isso se torne não um programa de partido, mas uma questão de Estado. E, para tanto, impõe-se ampla coalizão, para, inclusive, proteger os governos que se disponham a agir. Sabemos que o preço a pagar seria muito caro e sabemos também que não adianta pensar nas Forças Armadas como uma solução mágica. Fosse assim, o Rio já teria resolvido seu problema com as polícias e as milícias. Tivemos a intervenção federal em 2018, nada mudou. Até hoje, os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes não conhecem solução.
RPD: No governo Temer, por iniciativa do ministro Raul Jungmann e de outros, foi aprovado no Congresso o chamado Sistema Nacional de Segurança Pública (SUSP), que teria esse propósito de promover uma articulação. Qual é sua avaliação do modelo proposto e de sua execução?
LES: O SUSP foi apresentado por mim, quando Secretário Nacional, no primeiro mandato de Lula, em 2003. Além de amigo pessoal de Raul Jungmann, velho companheiro, a despeito das enormes divergências que nós tivemos em função do que considero um golpe contra a presidente Dilma e da ilegitimidade do governo Temer, reconheço que ele fez um trabalho respeitabilíssimo, extremamente sério e muito superior ao que nós costumamos ter, e ao que temos hoje. Raul demonstrou quão importante pode ser uma contribuição federal. E tomou a iniciativa de retomar o fio da meada, que estava parado no Congresso Nacional, desfiado e reduzido.
O SUSP foi, por fim, aprovado. Qual é o problema do SUSP? Ele é fundamental como modelo de orientação, mas não pode ser convertido, como foi, em peça legal, infraconstitucional. Por quê? Porque, a qualquer momento, qualquer instituição envolvida pode denunciar inconstitucionalidade por sentir-se coagida a colaborar com outras, uma vez que a autonomia está dada constitucionalmente. Trata-se, portanto, de uma legislação que colide com a institucionalidade, uma espécie de puxadinho, improvisos que nós vamos fazendo porque não temos vontade política ou capacidade de operar mudanças estruturantes e estruturais. Esse puxadinho não pode dar certo.
Mencionei a necessidade de uma grande coalizão para se enfrentar a questão da governança das polícias, do que chamei um enclave institucional, alterando posturas do Ministério Público, da Justiça etc., mas faltou adicionar o tema da desmilitarização e das demais reformas necessárias, relativas à criação de ciclo completo e de carreira única nas instituições policiais. Elas se dariam no contexto de uma grande coalizão reformadora. Insisto nessa conexão entre o macro e o micro, por assim dizer, para mostrar que essas são questões interligadas. Defendo a proposta, que ajudei a elaborar, apresentada pelo então senador Lindbergh Faria, em 2013, a PEC 51, que é também bandeira do movimento policiais antifascismo.
Desmilitarização é um conceito que tende a assustar, quando se simplificam seu sentido e seu alcance. Tive sempre muito sucesso na persuasão de oficiais da polícia militar com espírito patriótico e senso de responsabilidade. Para além de ideologias e retóricas, eles reconhecem a imprescindibilidade de cortar o laço que prende a instituição policial ao Exército até hoje. E esse laço se traduz não só em uma dependência em termos de autoridade, propriamente, mas também na necessidade legal de copiar o modelo de organização.
Transpor a organização do Exército para uma polícia só seria razoável se as funções fossem análogas, mas a função da polícia ostensiva, constitucionalmente, não é defender a soberania nacional por meios bélicos, mas impedir, prevenindo e reprimindo, violações a direitos; é garantir direitos, é prestar um serviço público à cidadania. E as experiências internacionais mostram que as polícias mais bem sucedidas são aquelas que operam com alguma autonomia na ponta, de forma descentralizada, dialogando com as comunidades, com flexibilidade organizacional que lhes permita adaptações plásticas às especificidades locais etc. É todo o avesso do que nós temos. O modelo verticalizado e rígido, que faz sentido no Exército, não faz na polícia porque, entre outras razões, subtrai subjetividade, poder decisório dos policiais na ponta. Eles não podem ser definidos como soldados a cumprir ordens que vêm do Estado-Maior, distante das realidades locais. É impossível funcionar dessa maneira.
RPD: Durante a gestão do Presidente Geisel, o Presidente Jimmy Carter teve enorme influência na área dos direitos humanos, no Brasil e no mundo. Diante da vitória de Biden, poderiam os Estados Unidos voltar a exercer influência importante na área dos direitos humanos no Brasil, influência que, decerto, se poderia estender à área do meio ambiente?
LES: Eu diria que sim, sem dúvida, esses contextos produzem impacto. É claro que isso depende de construção política. Fóruns internacionais não têm incidência direta no Brasil, mas, com um jogo geopolítico distinto e algum amparo para o discurso universal dos direitos humanos, talvez se crie algum constrangimento para o governo brasileiro. Como sabemos, a palavra do Presidente, o gesto, as iniciativas do Presidente, mesmo quando não são aprovadas no Congresso, têm efeitos. Os exemplos são graves: a supressão de culpa no caso de mortes provenientes de ações policiais, o excludente de licitude; a flexibilização do acesso às armas e munições; a redução dos controles de rastreamento. Essas posturas incitam a violência, sobretudo a violência policial e tendem a promover as milícias, estimulando sua participação crescente no universo político. A esperança é, portanto, que uma mudança no cenário internacional, no cenário geopolítico, possa facilitar negociações internacionais com fóruns que gerem algum tipo de comoção, como no caso ambiental, por exemplo, e termine influindo nas políticas defendidas pelo governo. Talvez seja um wishful thinking, mas enfim…
RPD || Editorial: O eleitor pragmático e as tarefas da oposição
O país ingressou na reta final de uma campanha eleitoral atípica. O primeiro pleito a se realizar na vigência da proibição de coligações nas eleições proporcionais sofreu, em cheio, o impacto da pandemia. Mudaram o calendário e a sistemática da votação, para aumentar a segurança de mesários, fiscais e eleitores. Mudaram também as estratégias dos candidatos, na divulgação de suas ideias e na procura do voto.
De maneira geral, a tendência seguiu o rumo da redução das atividades presenciais, do corpo a corpo com o eleitor, das reuniões nos espaços públicos e privados. A propaganda por meio do rádio e da televisão não parece, contudo, haver recuperado pelo menos parte da relevância perdida em 2018. Em contraste, a campanha por meio das redes sociais continua a prosperar.
No tocante ao movimento das intenções de voto, capturado na sequência das pesquisas divulgadas até o momento, contudo, emergem dos dados disponíveis hipóteses interessantes, todas, evidentemente, a serem objeto de verificação após o confronto com os resultados finais do pleito.
Vemos configurado de forma clara o aparente paradoxo de a popularidade do Presidente da República, ainda elevada, não render dividendos eleitorais no pleito municipal. O cenário insólito de nenhum candidato com apoio ostensivo do Presidente lograr êxito nas capitais parece próximo de se realizar. Em contraste, os prefeitos em exercício transitam com facilidade nas campanhas, seja em benefício próprio, nos casos de tentativa de reeleição, seja no posicionamento de seus candidatos na liderança das pesquisas ou, ao menos, num dos lugares do segundo turno.
Tudo indica que prevaleceu no eleitorado a tendência ao pragmatismo, à separação prudente das esferas nacional e municipal da política. O programa de transferência de renda em vigor, reconhecido como fundamental para enfrentar a crise em curso, é atribuído, corretamente ou não, a uma decisão do Presidente da República e retribuído com avaliações positivas nas pesquisas de popularidade. O combate à pandemia, por sua vez, é considerado tarefa dos prefeitos e todos aqueles com desempenho minimamente aceitável nesse quesito disparam nas pesquisas de intenção de voto. Nesse quadrado da política, o eleitor parece nortear-se pela garantia da segurança, para sua saúde e sua vida.
Nessa conjuntura, cabe às forças de oposição prosseguirem na convergência programática, no fortalecimento de um amplo leque de alianças para o segundo turno das eleições, em torno do eixo político hoje fundamental: defesa da saúde, da vida e da democracia.
RPD || Rubens Ricupero: Decifrando as lições da eleição americana
A extrema direita sofreu um golpe notável ao perder o controle do poder na maior potência do mundo e a união de todas as forças progressistas e de centro foi o que permitiu a derrota da Trump, avalia Rubens Ricupero
Muito do que se predisse da eleição americana não se realizou. Mais uma vez as pesquisas se enganaram feio, a mídia voltou a subestimar Trump, a onda Democrata se revelou uma marolinha. Os Democratas não conquistaram o Senado (até agora), perderam espaço na Câmara, não ganharam na Flórida nem no Texas.
Qual foi o efeito eleitoral do alinhamento de Trump ao programa Republicano de reduzir impostos para os ricos e tentar derrubar o Obamacare? Essa traição das promessas da campanha explicaria sua derrota em Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Como entender, então, que, em West Virginia, bastião de brancos pobres, ele tenha vencido por 7 a 3?
Teremos de esperar análises da classe social dos eleitores para ver até que ponto se manteve fiel a Trump o setor de operários industriais brancos prejudicados pela globalização.
Biden afirma que a eleição foi uma disputa pela alma da América. Nesse caso, o resultado indica que o país teria duas almas. Uma, urbana, moderna, educada, das grandes cidades das costas Leste e Oeste, foi conquistada por Biden. A outra, conservadora, com menor grau de educação, das zonas rurais e pequenas cidades do Oeste, Sul e Meio-Oeste, permaneceu com Trump.
O crescimento da economia e do emprego antes da pandemia ajudou o governo. Já o fiasco em lidar com a Covid-19 o prejudicou amplamente, embora não seja claro que tenha alienado os idosos, como se antecipava na Flórida.
O acirramento do conflito racial em torno dos protestos do “Black Lives Matter” mobilizou o eleitorado negro. Ao mesmo tempo, a violenta destruição de estátuas e as demandas radicais de corte nos recursos das polícias ocasionaram reação adversa de medo e ressentimento.
Essa enumeração incompleta dos fatores que influíram sobre os resultados serve para mostrar o risco de extrapolar para realidades diferentes o que deriva das especificidades americanas. Feita a ressalva, que lições de interesse geral seria possível extrair da derrota de Trump?
A primeira talvez seja sobre o autoritarismo de extrema direita, que dava a impressão de onda irresistível do futuro. Embora tenha revelado resistência insuspeitada, é indiscutível que sofreu golpe notável ao perder o controle do poder na maior potência do mundo. Movimentos similares na Europa, no Brasil e outras regiões tampouco se saíram bem na pandemia, o que sugeriria que o pico da tendência está ficando para trás.
A segunda conclusão decorre do exemplo. O que permitiu derrotar o apelo populista de Trump foi a união de todas as forças progressistas e de centro. Sem o apoio de Bernie Sanders e de Elizabeth Warren, num extremo, e de Republicanos desiludidos, no outro, teria sido difícil vencer. Esse é um dos méritos do bipartidarismo americano, que obriga a concentração de forças rivais no seio de coligações heterogêneas.
Em comparação, o sistema brasileiro de múltiplos partidos e eleição em dois turnos atua em sentido oposto, estimulando a dispersão de candidaturas no primeiro turno, o que dificulta e deixa pouco tempo para a união no segundo.
Uma terceira observação tem a ver com o tipo de vínculo quase religioso que une o líder carismático a seus fiéis fanatizados. Trump não trouxe de volta empregos industriais perdidos para a China, não reduziu o déficit comercial, não reverteu o declínio do carvão, fracassou na luta contra a pandemia.
Nada disso impediu que seu núcleo de apoio continuasse leal. É que o carisma depende muito mais da identificação entre líder e seguidores que dos resultados concretos das políticas. Haveria nisso alguma lição para os que descansam na crença de que o fiasco econômico de Bolsonaro bastará para derrotá-lo?
A conclusão mais importante para nós de fora se refere ao potencial que a eleição de Biden tem para mudar o mundo, muito mais que mudar os Estados Unidos. Na esfera interna, não será fácil, sem controlar o Senado, aumentar impostos das corporações, aprovar pacote trilionário de estímulo, alterar a ideologia da Suprema Corte.
Já na área externa, Biden terá mais latitude para voltar ao Acordo de Paris, converter o meio ambiente em prioridade central, liderar a busca de vacina na OMS, convocar a prometida Cúpula em favor da Democracia, restituir à diplomacia e ao multilateral o papel central na política externa. Se não fizer mais nada, já terá transformado a agenda mundial de modo decisivo.
*Rubens Ricupero é jurista, historiador e diplomata brasileiro com proeminente atividade de economista. É presidente honorário do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, sediado em São Paulo.
RPD || Paulo Baía: O destino manifesto da negação
Eleição norte-americana escancara o negacionismo de Trump e, por tabela, do presidente Jair Bolsonaro, avalia Paulo Baía em seu artigo, onde analisa o bolsonarismo na visão de Jairo Nicolau, autor do livro O Brasil dobrou à Direita
Dentro de uma eleição analógica para a Presidência dos EUA, nada mais pertinente do que a fala do Presidente Jair Bolsonaro – “a esperança é a última que morre”, torcendo para que o atual presidente norte-americano Donald Trump se reeleja. Em tempos de negacionismo, a maior democracia mundial vive momentos em que o poder nas mãos de um populista de extrema-direita questiona o sistema eleitoral, negando as regras democráticas do país, que funciona da mesma forma há séculos. E o espelho ao Sul da América deixa de ser representante de uma nação para virar cabo eleitoral e torcedor fervoroso daquele que acredita ser seu amigo. E quem sabe assim uma boa relação de favor não resolva os graves problemas brasileiros. O interessante é que o atual Presidente da República do país representante da liberdade, garantidor dos valores liberais e iluministas, é aquele que deseja ser reeleito no tapetão, suspendendo a contagem de votos dos que não votaram nele.
É o retrato da negação. Nas terras de cá, negam-se os mais de 14 milhões de desempregados, o aumento da pobreza extrema, a crise fiscal por causa da pandemia, a inflação nos produtos da cesta básica por conta do aumento do dólar e o empresariado preferindo vender para o mercado externo do que o interno, diminuindo a oferta e aumentando a procura. Tampouco existe pandemia nem morreram mais de 160 mil brasileiros: portanto, a vacina não deve ser obrigatória. Ou seja, todos os graves problemas por que passa o Brasil são reflexos de uma disputa partidária, criados pelos adversários para roubar seu poder.
Jairo Nicolau, professor de Ciência Política, acaba de lançar o livro: O Brasil dobrou à Direita. Neste livro, ele compila uma série de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Cruzando dados como, por exemplo, idade, gênero, religião, educação etc., o pesquisador chega a conclusões muito interessantes sobre os eleitores de Bolsonaro. Ele foi o primeiro candidato que rompeu a ideia de que, para vencer, o presidente precisa de uma máquina eleitoral. Bolsonaro foi o preferido nas três faixas de ensino: fundamental, médio e ensino superior. Em 2018, foi a primeira vez em que o fator gênero se fez presente.
Bolsonaro foi o preterido de 2 a cada 3 homens, batendo o adversário em 10% a mais. E teve, respectivamente, 53% votos das mulheres e 64% dos homens; já Haddad obteve 47% dos votos dos homens e 36% das mulheres. Outro fator diz respeito ao cruzamento entre dados de homens e instrução: Bolsonaro ganhou em todos os níveis de ensino, todavia, quanto maior a instrução, menor a aceitação. Na variável religião, Bolsonaro ganhou nas duas maiores religiões do país em número de adeptos: católicos e evangélicos. Todavia, no setor evangélico, ele teve 70% a mais no número de votos. Para Jairo Nicolau, não houve influência na polarização petismo e antipetismo. Na pesquisa usada de opinião, 10% do eleitorado se identificavam com o PT, ao passo que 1/3 do eleitorado o rejeita.
O maior número, porém, representando metade do eleitorado, é de neutros, não rejeitam nem o apoiam. Dessa forma, o bolsonarismo é um fenômeno urbano. Nos 36 municípios brasileiros com mais de 500 mil habitantes, ele venceu em 30 cidades. Para Jairo Nicolau, o PT está agora restrito às pequenas cidades e, com um eleitorado com pouca instrução, entenda-se, até o nível fundamental.
Neste sentido, pode-se resgatar Weber e ampliar uma questão nova sobre o tema de sua obra A ética protestante e o Espírito do Capitalismo, apontando existir uma simetria entre o ideal de salvação das matrizes protestantes e a interpretação e conduta ascética, de que produzir e guardar dinheiro é sinônimo de salvação, principalmente no calvinismo e no puritanismo. Dessa forma, o livro lança uma questão: quais são as éticas protestantes, principalmente, dos grupos evangélicos que mais crescem no Brasil, a saber, pentecostais e neopentecostais, que vão ao encontro da urbanização, ou então, deste estilo de vida das grandes metrópoles?
Como Weber nos ensinou, isolar um fenômeno pode ser um bom caminho para o entendermos. Bolsonaro ganhou em todas as faixas de renda, inclusive, nos mais pobres. Em termos sociológicos, pode-se dizer que o discurso bolsonarista apresentou ampla hegemonia, termo tomado emprestado de Gramsci, que se refere à capacidade de ordenação. Ter o conhecimento de que o eleitorado simpatizou com o discurso do presidente é um caminho para entender melhor este fenômeno urbano eleitoral – o bolsonarismo.
*Paulo Baía é sociólogo e cientista político
RPD || José Luis Oreiro: Reforma Administrativa ou retorno ao Estado Patrimonialista?
Reforma Administrativa com o objetivo de preservar o teto de gastos parece ideia desprovida do mínimo senso de realidade, avalia José Luis Oreiro em seu artigo
Recentemente, o Ministério da Economia encaminhou proposta de Reforma Administrativa na forma da PEC 32/2020. A proposta parte explicitamente do pressuposto de que existiria uma série de distorções na administração pública que aumentariam o gasto com os salários e benefícios dos servidores públicos a patamares elevados como proporção do PIB na comparação com outros países, além de tornar os serviços públicos de má qualidade. Nesse contexto, a reforma administrativa permitiria reduzir de forma significativa o gasto com o funcionalismo público, liberando espaço no orçamento fiscal para o aumento do investimento público, sem violar a Emenda Constitucional do Teto de Gastos, promulgada em 2016, que estabelece o congelamento do valor real da despesa primária da União por um prazo de 20 anos.
A realização de uma Reforma Administrativa com o objetivo de preservar o teto de gastos parece-me ideia desprovida do mínimo senso de realidade. No debate econômico brasileiro atual é crescente o consenso de que não é possível manter o Teto de Gastos (EC 95), que estabelece o congelamento dos gastos primários da União em termos reais até 2036, devido ao crescimento dos gastos com Previdência Social a um ritmo de 3% a.a, mesmo após a Reforma da Previdência, realizada em 2019. O que levará a um esmagamento progressivo das despesas discricionárias como, por exemplo, os gastos com investimento público e com o custeio de Saúde e Educação.
Além disso, o elevado nível de desemprego da força de trabalho combinado com alta ociosidade da capacidade produtiva na indústria, resultantes dos efeitos combinados da grande recessão de 2014-2016 e da pandemia do coronavírus, exige aumento expressivo da demanda agregada, o que, nas condições atuais, só pode ocorrer por intermédio do investimento público. O que esbarra nas limitações legais ao aumento de gasto público imposto pela EC 95. Para não mencionar que a experiência das reformas administrativas nos países europeus após a crise financeira internacional de 2008 mostra que os ganhos fiscais obtidos são, na melhor das hipóteses, irrisórios.
Um dos principais problemas da PEC 32 é que acaba sendo vazia, uma vez que deixa para regulamentar o essencial posteriormente – como a definição de quais serão as carreiras típicas de Estado, os critérios de avaliação de desempenho e as novas formas de acesso ao serviço público, tanto quanto a política remuneratória e de benefícios percebidos pelos servidores, as regras para a ocupação de cargos de liderança e assessoramento, e a progressão e a promoção funcionais que serão tratados por projeto de lei complementar.
Outro ponto crucial é que a reforma proposta deixa de fora as maiores fontes de distorções no serviço público – os militares, os juízes e membros do Ministério Público, e os parlamentares. No caso dos militares, parece que até obterão ganhos com essa reforma, ao poderem acumular determinados cargos (docência e empregos na saúde, sob certas condições), o que é explicitamente facultado no novo texto.
Presumiu-se que seria inconstitucional o Poder Executivo arbitrar regras para membros de outros poderes. Mas a Reforma do Judiciário promulgada em 2004 foi feita a partir de uma PEC apresentada pelo então deputado Hélio Bicudo, com adendos inclusive do Executivo, com vistas a ampliar as funções da Justiça Federal. Em 2005, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) e declarou a inexistência de qualquer “vício formal” na proposta apresentada por outros Poderes que não o Judiciário.
A reforma cria também novos meios de acesso ao serviço público e tende a reduzir fortemente os cargos com estabilidade. Os concursos públicos e a estabilidade são avanços da Constituição Federal de 1988. Os concursos são processos seletivos democráticos, transparentes, comprovam a qualificação e o conhecimento de maneira impessoal (rompendo a prática de indicações, nepotismo, trocas eleitorais, ou seja, com o velho Estado Patrimonialista). A estabilidade busca dar mais liberdade aos concursados para atuarem tecnicamente, sem a necessidade de consentir com todas as práticas de seus superiores.
E já existe a possibilidade de demissão dos servidores, sendo que desde 2003 foram demitidos 7.766 servidores federais, 566 os quais em 2018, por exemplo. Esse número não está distante de outros países (levando em conta a quantidade de servidores), como é o caso do Canadá, em que houve uma média de 130 demissões ao ano entre 2005 e 2015.
Em suma, a PEC 32, ao fragilizar a estabilidade dos servidores públicos, pode transformar os servidores em funcionários do governo de plantão, ao invés de funcionários do Estado Brasileiro, constituindo-se assim num retrocesso em direção ao velho Estado Patrimonialista.
José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da UnB.