governo federal
Dom Odilo Pedro Scherer: Pela vida e pelo Brasil
É hora de encarar as medidas necessárias para tornar o País mais justo e solidário
Diversas entidades de expressiva credibilidade firmaram e divulgaram recentemente um “pacto pela vida e pelo Brasil”. Entre as entidades signatárias figuram a Conferência Nacional dos Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O pacto versa sobre dez questões relevantes e tem o estilo de um apelo a toda a sociedade brasileira, especialmente aos governantes e políticos, aos agentes sanitários, econômicos e financeiros.
Mas também é dirigido a toda a população e às lideranças da sociedade civil, com o propósito de mobilizar todos os brasileiros no enfrentamento da pandemia de covid 19, na prevenção contra o contágio e na colaboração solidária para o socorro das pessoas mais golpeadas pelo alastramento da doença.
Princípios orientadores do pacto são a defesa da vida, a cidadania ativa, a dignidade humana, a solidariedade e o diálogo maduro e corresponsável na busca conjunta de soluções para o enfrentamento da pandemia. O pacto destaca vários pontos: a necessidade da união de esforços e a superação dos discursos negacionistas e personalistas desorientadores, a preservação e a proteção da vida e da saúde de todos, a oferta de soluções sanitárias emergenciais e o fortalecimento do sistema público de saúde e a necessidade de direcionar esforços e recursos econômicos para o enfrentamento dos efeitos da pandemia. Apela-se à solidariedade social na sociedade civil para a promoção de iniciativas pontuais e locais de socorro às populações mais vulneráveis. E também não faltou o apelo para que a vida política e a econômica sejam orientadas decididamente para a superação da profunda desigualdade social persistente em nosso país.
O pacto foi firmado no início de abril e conserva toda a sua atualidade. Por isso, na celebração do Dia da Pátria a Igreja Católica em todo o Brasil, por meio das organizações ligadas à CNBB, às dioceses e outras instituições, promoveu uma divulgação ampla do pacto, visando a potencializar os seus efeitos em favor da população. As preocupações manifestadas no pacto foram confirmadas nos meses sucessivos à sua publicação. A pandemia já atingiu mais de 4 milhões de pessoas e as vidas perdidas para o novo coronavírus foram cerca de 130 mil em todo o Brasil.
Confirmou-se também a previsão de que os mais atingidas seriam as pessoas social e economicamente mais vulneráveis. A pandemia deixou mais visível a profunda desigualdade ainda existente em nosso país, que também foi confrontado com a importância social do sistema público de proteção à saúde e, ao mesmo tempo, com a evidente fragilidade e a insuficiência desse sistema. A crise sanitária, além disso, deixou ainda mais fragilizados os brasileiros que não estão suficientemente inseridos na vida econômica e, bem depressa, os subempregados somaram-se aos desempregados. A situação só não foi pior até agora porque o auxílio emergencial do governo aliviou temporariamente o sofrimento desses brasileiros.
Muitos apelos contidos no pacto encontraram eco no coração dos brasileiros. Apesar da escassez de clareza e liderança do governo federal no enfrentamento da pandemia, o povo em geral aprendeu a levar bastante a sério os cuidados com a saúde, para evitar o contágio. E foram imensos os esforços da sociedade civil, somando com o poder púbico, para socorrer as vítimas. Alguém conseguirá dizer quanto significou a dedicação incansável dos profissionais da saúde às vítima da pandemia? Quem somará todas as ações solidárias promovidas em todo o País por inumeráveis organizações e pessoas físicas para socorrer os necessitados de ajuda concreta, até mesmo para se alimentarem ou suprirem as necessidades básicas da vida diária?
Atualmente, ao que tudo indica, começamos a respirar um pouco mais aliviados, diante da perspectiva de queda na transmissão do vírus e também de menor número de pessoas falecidas. E existe a fundada esperança da chegada de vacinas, que poderão cortar de vez o avanço da pandemia e reduzir o número de vítimas. Mas isso não será para breve, nem permite desconsiderar os riscos ainda existentes. Os cuidados e medidas preventivas precisam continuar. E a vacinação de toda a população necessitará de mais uma esforço concentrado de todos.
Ao lado disso, a vitória sobre a covid-19 não significará ainda a superação da pobreza e da vulnerabilidade social, presentes em todo o Brasil, como ficou claro durante estes meses de pandemia. O esforço solidário precisa continuar. E seria hora de encarar seriamente, em âmbito de governo e de sociedade civil, as medidas necessárias para tornar o Brasil um país efetivamente mais justo e solidário em suas estruturas econômicas e sociais.
Vem a propósito um pensamento repetido várias vezes nestas últimas semanas pelo papa Francisco: vencido o novo coronavírus, também é preciso enfrentar e vencer um outro vírus, ainda pior e mais virulento: o egoísmo e a indiferença diante do sofrimento do próximo. Seria um grande aprendizado deste tempo de crise e sofrimento!
*Cardeal-Arcebispo de São Paulo
Cristiano Romero: Estabilidade não evitou corrupção no Estado
“Pedalada fiscal” é exemplo de interferência
Preocupados com a interferência partidária na gestão de políticas públicas, os constituintes consagraram na Constituição de 1988 a estabilidade dos funcionários públicos no emprego. O ambiente em que o assunto foi debatido não poderia ser pior. O país vivia grande efervescência política, partidos de esquerda e entidades da sociedade civil saíram da clandestinidade - a UNE (União Nacional dos Estudantes) foi legalizada em cerimônia no Palácio do Planalto - e a imprensa respirava ares mais democráticos.
Estávamos no governo de José Sarney (1985-1990), o primeiro presidente civil depois de 21 anos de ditadura militar. O momento era de transição de regime, uma vez que Sarney fora o vice da chapa eleita pelo Congresso Nacional. Tancredo Neves, o cabeça de chapa, adoeceu na véspera da posse (15 de março de 1985) e não assumiu, vindo a falecer em 21 de abril.
Pausa para o cafezinho: Tancredo não tomou posse, mas, oficialmente, sim; ele foi o primeiro presidente da Nova República. Sua eleição resultara de acordo firmado entre os generais e a oposição, na ocasião liderada pelo então deputado Ulysses Guimarães. Este os militares não admitiam que assumisse a Presidência na transição, por isso, rejeitaram a possibilidade de eleição direta naquele momento. No fim, a candidatura da oposição era encabeçada por um integrante da chamada resistência democrática (Tancredo, do PMDB) e por um prócer da ditadura (Sarney). Com a impossibilidade de posse de Tancredo, generais da linha-dura quiseram impedir que Sarney tomasse posse. Por pouco, o epílogo do regime militar não foi postergado…
Com a liberdade que lhe foi suprimida durante longos 21 anos, a imprensa cumpriu papel crucial no início da Nova República. Brasileiros tomaram conhecimento todo dia pelos jornais, canais de televisão e rádios de casos de corrupção. A impressão, absolutamente equivocada, era a de que, num governo civil, isto é, no regime democrático, a corrupção grassa com desprendimento.
A resposta dos constituintes foi estabelecer na lei máxima do país o direito de todos os funcionários, e não apenas dos ocupantes de carreiras típicas de Estado (diplomata, auditor da Receita Federal, funcionário do Banco Central, juiz, procurador etc), à estabilidade no emprego. Esta vale, portanto, para servidores da atividade-meio dos órgãos públicos e prestadores de serviço (segurança, limpeza etc).
Além da estabilidade, a Constituição premiou o funcionalismo com o direito à aposentadoria integral e à paridade, que garante a aposentados os mesmos reajustes salariais de quem está na ativa. A aposentadoria integral foi extinta pela reforma proposta pelo governo Lula (2003-2006 e 2007-2010) e regulamentada pela gestão Dilma Rousseff (2011-2014 e 2015-2016).
A Carta Magna prevê a demissão de funcionários estáveis, mas todos sabemos que isso só ocorre em casos de comprovado envolvimento do servidor com corrupção.
A estabilidade assegurada após estágio probatório de dois anos é privilégio e não direito adquirido ou benefício concedido por mérito. Estabilidade deveria ser conquistada ao longo da carreira, cumpridos critérios objetivos de desempenho.
A pergunta que não cala é a seguinte: a estabilidade no emprego evitou a corrupção e a interferência de inquilinos do poder em políticas típicas de Estado? A resposta é não.
Duas instituições de excelência viveram, recentemente, situações de interferência política, sem que tenham reagido a tempo de evitar os problemas decorrentes da ação governamental. Foi no caso das chamadas “pedaladas fiscais”, expressão cunhada pelo jornalista e colunista Ribamar Oliveira, do Valor, para a prática irregular usada pelo governo Dilma Rousseff.
A pedalada consiste no seguinte: em vez de transferir aos bancos federais recursos orçamentários para o pagamento de programas federais, o governo ordenou que as instituições bancassem essas despesas; agindo dessa forma, o então Ministério da Fazenda escondia a verdadeira dimensão do déficit das contas públicas, uma vez que esses pagamentos não apareciam como despesa primária; por conseguinte, isso lhe permitia gastar mais, com vistas a melhorar o desempenho da economia, o que por sua vez atenderia ao objetivo político de reeleição da presidente em 2014.
Essa manobra foi realizada durante dois anos. O distinto público só tomou conhecimento da verdadeira situação das finanças governamentais depois do período eleitoral, em novembro de 2014. Num seminário promovido em São Paulo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, mostrou tabela com os “novos” números do déficit fiscal. Este saltou de 3% para 7% do PIB.
Como até o dia anterior, o conhecido eram os 3%, um ilustre integrante da mesa daquele evento - o ex-ministro e ex-deputado Delfim Netto - comentou ao ouvido do titular desta coluna: “O Guido errou. O número não é esse”. Infelizmente, tendo tomado conhecimento do valor correto um dia antes, o colunista disse: “Está certo, ministro, é isso mesmo”. Delfim fez silêncio por um instante, olhou para Mantega e comentou baixinho, com seu forte sotaque paulistano-italiano: “Eles quebraram o país”.
Pano rápido. Nos bastidores da tragédia, uma grande lição: a estabilidade no emprego não fez com que funcionários do Tesouro Nacional, do Banco Central, do Banco do Brasil (BB) e da Caixa denunciassem a manobra feita nas contas públicas com objetivos político-eleitorais. Antes que se afirme que empregados do BB e da Caixa não tenham à estabilidade, pense duas vezes. De fato, a lei não lhes assegura estabilidade, mas é o que eles têm de fato. Alguém já testemunhou a dispensa de algum funcionário do BB, da Caixa, do BNDES, do Banco do Nordeste e do Banco da Amazônia por incompetência?
A cultura patrimonialista da Ilha de Vera Cruz é tão arraigada que servidores públicos agem como se fossem donos do Estado. Isso precisa mudar, do contrário, o nobre projeto de nação inscrito na Constituição de 1988 jamais será implementado.
Alon Feuerwerker: Direto para a fase dois
Por que Jair Bolsonaro decidiu acusar o presidente da Câmara dos Deputados de tramar a deposição dele? Talvez o único consenso em Brasília seja que ninguém quer nem ouvir falar em impeachment. A resposta é simples: Bolsonaro decidiu que precisa guinar para uma aliança com a “velha política”. Para tanto, está obrigado a apresentar ao seu público fiel uma razão de força maior. “Ou me alio a uma parte deles ou vão se juntar todos contra mim e me derrubar.”
A clássica cortina de fumaça.
A flexão faz muito sentido. Aliás já fazia sentido havia tempo. Foi escrito aqui em outubro. Era uma aposta pouco arriscada do analista, quase de risco zero. Todo entusiasta da dita nova política que chega ao poder alguma hora percebe ter sido colocado numa armadilha. Pois as mesmas vozes que exigem do governante romper com “tudo que está aí” são as primeiras a refazer a amizade com tudo que aí está quando o dono da cadeira entra na linha de tiro.
O noticiário diz que o presidente anda em tratativas com o chamado centrão. Desde que passou a criar problemas para o governo o centrão deixou de ser chamado de centrão. Foram repaginados para “partidos de centro”. É provável que a denominação anterior volte agora, quando se instala a mesa de negociações para essas legendas esvaziarem o poder do presidente da Câmara e aderirem ao Planalto.
Dilma Rousseff tomou duas decisões que tiveram grande peso para o desfecho prematuro do mandato dela: 1) acreditou que bateria o então líder do então PMDB, Eduardo Cunha, na corrida pela presidência da Câmara e 2) recusou-se a ajudar um Cunha emparedado no Conselho de Ética. Bolsonaro tem sobre Dilma a vantagem de que quando ela escalou o conflito com Cunha a base social da presidente já tinha esfarelado. Não é o caso agora.
Mas, atenção: se o governo vai se meter numa guerra para lipoaspirar Maia e depois fazer o sucessor dele, é bom que entre para ganhar. E aí começam a aparecer os obstáculos. Eles não são intransponíveis, mas trata-se de percurso que exige certo talento. E expertise. É o tipo de negociação que todo mundo sabe como começa mas poucos têm quilometragem para ter noção de como vai terminar. Não é coisa para amadores.
Antes de tudo, os ainda “partidos de centro” não são um só. Há ali múltiplos líderes. Talvez seja pouco realista supor que serão atraídos apenas por um punhadinho de cargos de segundo escalão. Até podem aceitar em primeiro momento. Quando acomodados na embarcação, é provável abrir-se nova fase de disputas. O governo evitará isso se passar diretamente à fase dois, se promover uma reforma ministerial para formar uma base parlamentar.
Bolsonaro tem também a opção de recosturar sua aliança com Rodrigo Maia e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Talvez não queira porque vê neles aliados potenciais do atual inimigo de estimação, João Doria. Ou algum outro motivo qualquer. Ou então acredita não precisar deles para retomar um poder moderador que murchou nas crises de Dilma e do sucessor dela, Michel Temer.
De novo. Qualquer que seja a motivação íntima, qualquer que seja o cálculo, o aconselhável nestas situações é o Planalto entrar na briga para ganhar. O custo de perder é altíssimo.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Ascânio Seleme: Só faltava chorar
Se fossem honestas, lágrimas de Bolsonaro seriam de arrependimento
Não foi a primeira vez nessa crise sanitária que o presidente Bolsonaro deu sinais de que iria voltar atrás para logo em seguida destruir o esforço conciliatório. A primeira foi quando recuou da convocação para a manifestação contra Supremo e Congresso e depois correu para os braços dos manifestantes. A segunda aconteceu quando ele disse estar havendo uma histeria no país para em seguida recuar e adiante anunciar que faria uma festinha para comemorar seu aniversário e o da mulher. E, finalmente, diz num pronunciamento que a Covid-19 não passa de uma gripezinha e culpa os governadores por futura crise econômica.
Depois, em novo pronunciamento fala em entendimento e trabalho conjunto com as autoridades estaduais e, no dia seguinte, compartilha vídeo fake com críticas aos governadores.
Não dá para levar este homem a sério. Os jornais de ontem apontaram a mudança de tom do presidente. Foi uma benevolência arriscada. Embora a afirmativa fosse correta, Bolsonaro de fato mudara o tom, era óbvio que a nova abordagem sobre o tema não duraria muito. Pois durou menos de 12 horas. O depoimento pregando a conciliação foi ao ar às 20h30m de terça. O vídeo com ataque aos governadores foi compartilhado às 7h57m de ontem. Já escrevi aqui, há muito pouco tempo, que não podemos passar a mão na cabeça de Bolsonaro como se fosse um menino travesso que pede desculpas depois de fazer uma arte. Ele não merece mais a confiança dos brasileiros.
O presidente está muito mal cercado. Os únicos assessores que ouve são os filhos e os terraplanistas de sempre. Gente séria, que aparentemente só deseja o melhor para o país, como os ministros Braga Netto, Tereza Cristina, Tarcísio de Freitas, Luiz Henrique Mandetta, Sergio Moro e Paulo Guedes não conseguem romper o círculo de ferro e ódio armado em torno de Bolsonaro. Os que chegam a se aproximar um pouco mais são logo sabotados por Zero Um, Zero Dois e Bananinha. O Zero Dois agora sentou praça dentro do Palácio do Planalto. Pode? Acho que não, mas no estilo de governar desta turma muito não pode e ela ainda assim segue fazendo.
A novidade desses dias é que o presidente tem chorado. Só faltava essa. Matéria de Igor Gielow, na “Folha”, revela que Bolsonaro chorou numa reunião com gente que nem era de seu círculo mais próximo. Depois, no domingo, ao voltar do passeio pelas cidades-satélites do Distrito Federal, ele falou com jornalistas e deu para ver na TV seus olhos brilhando. Uma imagem do fotógrafo Orlando Brito da mesma cena não deixa dúvidas, ele quase chorou. Essas lágrimas significam duas coisas, uma delas identificada pelo repórter da “Folha”. Bolsonaro está fragilizado emocionalmente. Eu acrescento que essa emoção, se verdadeira, deveria ser atribuída às inúmeras bobagens que ele comete. Se fossem honestas, seriam lágrimas de arrependimento.
Mas não são honestas. O choro presidencial lembra outras lágrimas da história nacional. Me refiro a um episódio envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula chorou publicamente inúmeras vezes antes, depois e ao longo do seu mandato. Mas um deles, o que ocorreu no discurso após ter sido conduzido coercitivamente para depor em São Paulo, foi de puro oportunismo político. Não havia por que chorar, e um homem como Lula não se quebra facilmente. Tanto que não derramou uma lágrima sequer quando foi preso. Mas naquele discurso, lágrimas cairiam bem, dramatizariam um ato jurídico legal, embora desnecessário.
O presidente e o ex-presidente são de matizes absolutamente diferentes, mas as lágrimas de Bolsonaro agora não diferem em nada das de Lula de março de 2016. Na reunião com gente pouco conhecida, talvez quisesse que vazasse sua emoção fingida. No domingo passado, Bolsonaro tentou chorar quando falava dos brasileiros que precisam trabalhar para levar comida para casa. Francamente, um homem que não se importa que pessoas morram com a Covid-19 e que atrasou em uma semana a distribuição de recursos emergenciais aos mais pobres não vai chorar depois de passear no mercado da Ceilândia. Por isso aqueles olhos estavam apenas rasos d’água.
José Serra: Contra a covid-19
Medidas devem ser voltadas não só para a saúde, mas ter impacto positivo na economia
O quadro imposto pela “crise do coronavírus” exige respostas imediatas. Para começar, a coordenação das diferentes iniciativas tomadas no País precisa considerar o que está sendo feito no resto do mundo. Debelar a covid-19 e amenizar os efeitos sobre a renda das famílias é árdua tarefa. Por isso tenho sugerido a adoção de um protocolo socioeconômico para tratar do problema, incluída a criação de um fundo específico para tornar viáveis eventuais aportes realizados por pessoas físicas e jurídicas.
A escalada do número de contaminados levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma pandemia. Torna-se compulsório o acompanhamento sistemático do volume de contagiados com e sem sintomas; hospitalizados graves ou não; e, lamentavelmente, o número de mortos. Até ontem, antes de fecharmos este artigo, o Brasil tinha 2.433 casos confirmados e 57 mortos.
A situação é inédita: restrições à circulação de pessoas, mercadorias e serviços; interrupção das atividades de trabalho e lazer; fechamento da maioria das empresas de comércio e elevação dos gastos públicos. As consequências das restrições impostas demonstram que não é só uma gripe. A pandemia afeta, sobremaneira, a saúde econômica global e não é preciso aqui reiterar os desastrosos resultados na indústria, no comércio e no sistema financeiro mundial. É imperativo, portanto, que Poderes e autoridades brasileiras se unam na busca de alternativas que mitiguem as dificuldades que enfrentamos e que aumentarão muito daqui em diante.
Precisamos observar o que está acontecendo no resto do mundo, não exatamente para copiar outros países, mas para entendermos o que deve ser feito no Brasil. Por exemplo, o papel da política monetária está esgotado nos países europeus. Nos Estados Unidos, antes de reduzirem a zero a taxa de juros, havia algum raio de manobra. Agora não mais. Por outro lado, cabe enfatizar, o ativismo da política fiscal está amplamente presente na Europa e nos EUA e deverá ser cada vez mais forte entre nós.
Cada medida a ser tomada deve ser bem contextualizada. No Brasil ainda há margens para redução das taxas de juros e ampliação das linhas de crédito ou refinanciamentos, a fim de evitar falências generalizadas. Do mesmo modo, deve-se recorrer, no campo fiscal, a políticas de subsídios que ajudem a preservar a capacidade produtiva e incentivar a indústria de medicamentos, material hospitalar, etc., para elevar a oferta tão necessária neste momento. A atuação deve concentrar-se em três frentes: expansão do gasto direto em saúde, em volume expressivo e de maneira célere, transferências de renda às famílias mais pobres e distribuição de alimentos.
Reafirmo: vivenciamos o início do que pode ser a maior crise econômica em tempos de paz, com forte choque de oferta e de demanda em nível mundial. As medidas a serem tomadas devem contemplar não apenas ações voltadas para a saúde, mas, simultaneamente, exercer impactos positivos sobre a dinâmica das economias. No Brasil, efeito perverso sobre a renda e o emprego, sobretudo dos trabalhadores informais, autônomos e microempresários, com a queda abrupta da atividade econômica, requer decisões tempestivas do governo central e do Congresso. Ao anunciar apoio a esses segmentos e enviar o decreto de estado de calamidade, o governo deu passos na direção correta.
Podemos, contudo, fazer mais. Penso que uma alternativa seria criar o que denominaria protocolo socioeconômico, tendo como carro-chefe ações na área da saúde: fortalecimento do SUS, ampliação emergencial do número de UTIs, com hospitais de campanha – o Exército pode tomar essa iniciativa – e reforço do atendimento das unidades básicas de saúde. Associando-se a isso o fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social, garantindo direitos socioassistenciais e atendimento mais adequado às pessoas em vulnerabilidade social e em situação de rua. Melhorando a atenção primária.
Além dessas medidas, devem-se adotar, por exemplo, ações que identifiquem os idosos que vivem em assentamentos e em moradias precárias, sem saneamento básico. Isso é possível recorrendo ao Cadastro Único, instrumento criado na esfera federal para impulsionar as ações sociais, uma das muitas benditas heranças do governo FHC. O cadastro permite não só identificar quem é pobre ou extremamente pobre, mas também saber em que condições vivem essas pessoas, tamanho das famílias, faixa etária de cada um de seus membros e o tipo de benefício social que recebem. O instrumento já temos, basta utilizá-lo.
Para garantir a implementação desse protocolo podem-se utilizar os recursos do fundo que mencionei no início, destinando também à pesquisa e compra de medicamentos. Abarcaria ainda dinheiro público, concentrando as ações e garantindo transparência aos gastos. É uma saída orçamentária para acelerar todo o processo, que será penoso e demandará, acima de tudo, atuação eficiente do Estado.
A meu ver, essas são algumas das muitas dimensões a serem trabalhadas para enfrentarmos esse microrganismo que tomou o mundo de assalto e nos tornou reféns.
*Senador (PSDB-SP)
El País: Coronavírus acende alerta sobre preparo de hospitais no Brasil para tratar infectados graves
Governo Federal orienta Estados a reverem suas redes hospitalares diante do provável crescimento de pacientes gravemente afetados no país. Declaração de pandemia provoca medidas mais enérgicas de enfrentamento em várias esferas
No mesmo dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o coronavírus é uma pandemia global, o Brasil dobrou o número de casos confirmados da doença ―aos 52 infectados contabilizados pelo Ministério da Saúde somam-se outros 16 confirmados pelo hospital paulista Albert Einstein, em São Paulo, e outro na Bahia, todos divulgados após a atualização do balanço federal. O país ―que até então trabalhava no sentido de evitar a propagação do vírus e apostava no tratamento de casos leves na Atenção Básica― entra em um novo patamar de enfrentamento da doença. Na fase atual, já não é possível identificar quem transmitiu o vírus. E tanto especialistas quanto autoridades de saúde avaliam que a disseminação da doença pode acontecer rapidamente e que, embora tenha uma letalidade relativamente baixa, é preciso preparar as redes hospitalares para receber uma alta demanda de pacientes em estado grave. As ações, apontam, são cruciais para evitar que o Brasil reproduza um colapso no sistema de saúde semelhante ao da Itália. Em três semanas, o país passou de três para 10.000 infectados e tem enfrentado um caos na assistência diante da escassez de insumos e da infecção de profissionais de saúde.
“Temos que estar preparados caso soframos um ataque como o que a Itália viveu”, defendeu o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante audiência pública no Congresso. Enquanto pedia mais recursos para ações emergenciais relacionadas ao coronavírus —o ministro falou, depois, em 5 bilhões de reais—, Mandetta afirmou que o Governo Federal voltará a prover médicos para capitais e regiões metropolitanas por meio do Mais Médicos e ampliará o número de postos de saúde com funcionamento em horário extendido para reforçar a Atenção Básica, onde os casos leves deverão ser tratados. Pediu, porém, que todos os Estados reorganizem suas redes hospitalares, inclusive remarcando cirurgias eletivas (ou seja, as que não são urgentes, como intervenções plásticas) e rediscutindo os critérios de permanência em leitos de CTI como medidas de antecipação para o caso de o quadro se agravar no país. "Esses leitos são preciosos e temos que estar preparados”, defendeu.
Gatilho para medidas de restrição
O aumento agudo da doença no Brasil tem levado autoridades públicas a adotarem medidas mais enérgicas, e até controversas, com relação ao enfrentamento da doença. O Rio de Janeiro, que tem 13 casos confirmados, publicou um decreto que permite a internação compulsória de casos graves da Covid-19. O Congresso Nacional anunciou que estão suspensas as visitações públicas na Câmara e no Senado e que os servidores com histórico de viagem ao exterior entrarão em quarentena. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou um vídeo em suas redes sociais no qual sugere que instituições de ensino se preparem para realizar atividades escolares a distância por causa do coronavírus. Também avalia a possibilidade de antecipar as férias escolares. Algumas universidades começaram a testar plataformas de ensino à distância, e o Distrito Federal já decidiu suspender aulas em escolas públicas e particulares nos próximos cinco dias. Não há unanimidade sobre esse tipo de medida. O próprio ministro Mandetta pondera que a suspensão de aulas pode agravar riscos para avós das crianças, que integram o grupo de risco mais alto da doença por conta da idade. “O maior grupo de risco são nossos idosos e doentes crônicos. Este é o grupo que nós queremos superproteger”, argumenta.
Ainda não há muitas respostas sobre a performance do novo coronavírus em clima tropical, e o Governo Federal diz trabalhar com o comportamento apresentado até agora no hemisfério norte. Com a caracterização de pandemia pela OMS, o Brasil não terá mais uma lista de países suspeitos e passará a monitorar qualquer pessoa que venha do exterior e apresente sintomas. Não considera, porém, restringir o trânsito de pessoas, como Donald Trump acaba de fazer suspendendo voos para os EUA vindos da Europa, ou impor quarentenas. “Nós estamos na fase de recomendações. Podemos passar para determinação. Vamos andando de acordo com o que vai acontecendo aqui”, disse Mandetta a parlamentares nesta quarta-feira.
Na semana passada, o Ministério da Saúde já havia mudado a metodologia para testagem do coronavírus. A nova orientação tirou a exclusividade de testes para pessoas com histórico de viagem ao exterior para incluir também os que apresentam quadro respiratório grave, o que permite a identificação de possíveis casos transmitidos no Brasil e oferece maior precisão ao monitoramento de circulação da doença no país. Um sistema robusto de testagem tem mostrado êxito no enfrentamento do novo coronavírus em países como a Inglaterra, por exemplo. Lá, o paciente que apresentar sintomas pode ser testado em casa. No Brasil, o caminho neste sentido ainda é longo. Atualmente, nem todos os Estados conseguem fazer os testes em seu próprio território, e a previsão é de que ainda demorem uma semana para estarem aptos a fazê-lo. “A previsão é de que todas as unidades da federação estejam aptas, até dia 18 de março, com equipamento, com kit pronto para fazer o teste dentro do seu estado”, informa Mandetta. O ministro prevê que as próximas semanas serão duras e que, num país continental como o Brasil, é difícil mensurar o nível de preparação de cada Estado para o aumento da demanda. “Vamos viver umas 20 semanas duras”, disse o ministro ao Estadão.
O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Alexandre de Menezes Rodrigues, chama atenção para a necessidade de pensar não apenas na prevenção, mas no tratamento da Covid-19. “Grande parte das mortes no mundo foi por despreparo do suporte”, destaca. Ele defende, por exemplo, a necessidade de rediscutir as regras sobre a quantidade de médicos por leitos de UTI. E que o país precisa se preparar para um aumento da demanda de pacientes, já que a permanência de infectados por coronavírus nos hospitais costuma ser prolongada. Para proteger seu corpo médico, hospitais particulares começaram a orientar seus profissionais que evitem viagens. Na esfera pública, ainda não há orientações nesse sentido. Por enquanto, o Governo Federal afirma ter conseguido comprar material de proteção, como máscaras e outros insumos, e orienta que os próprios Estados se organizem para reforçar suas redes hospitalares.
Na ponta, as mudanças ainda começam a ser desenhadas de forma pontual num contexto em que nem o sistema público nem o privado têm grandes margens em relação à disponibilidade de leitos de UTI, onde poderão ser tratados casos graves da doença. “Isso porque esses leitos são caros, e você precisa racionalizar para as necessidades. Os Estados têm que se adequar para essa demanda que virá. São modificações que temos que fazer hoje porque não dá pra esperar o número de casos aumentar para começar”, diz o infectologista da Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado da Bahia, Antônio Carlos Bandeira. O médico diz que a Bahia tem reativado UTIs pediátricas para receber pacientes graves por conta do coronavírus e que o Estado está hierarquizando o sistema para transferir pacientes a hospitais de referência. “Estamos preparando uma rede com gestores para que possa haver esse fluxo rápido”, explica.
No Hospital das Clínicas, em São Paulo, há um protocolo estabelecido para tratar casos de Covid-19, e profissionais que antes se reuniam semanalmente passaram a discutir diariamente estratégias. Mas não há ainda implementação de medidas antecipando uma fase mais aguda da doença. “A gente prevê a possibilidade de realocar profissionais, adiar eletivas, bloquear uma UTI só para isso. Está previsto, mas ainda está longe de ser implementado”, diz Izabel Marcilio, médica epidemiologista do núcleo de vigilância epidemiológica do hospital. Nesta quinta-feira, o Governo de São Paulo, Estado que mais concentra os casos no Brasil, informará novas ações para enfrentamento da doença. A grande questão será a partir de que momento estabelecer medidas de restrição de circulação.
O fato é que o Brasil tem redes hospitalares muito distintas em cada Estado, o que dificulta prever o limite de atendimento do SUS, conforme ressaltou o próprio ministro Mandetta em entrevista ao Estadão. “O Rio de Janeiro aguenta muito pouco. São Paulo aguenta um pouco mais. O Paraná é nosso melhor sistema, a melhor rede de distribuição. O Acre não tem nenhum caso. O Brasil é um continente”, declarou.
Roberto Romano: O segredo contra a democracia
Se resta ao governo alguma prudência, o Decreto 9.690/2019 deve ser abolido
Um grave passo para atenuar a democracia foi dado com o Decreto 9.690/ 2019 sobre a Lei da Transparência. Segredos devem reger assuntos estratégicos da ordem militar ou diplomática, pois sem eles são iminentes os prejuízos aos interesses nacionais. Mas, no decreto, decisões para ocultar documentos ficam a cargo de pessoas desprovidas de autoridade plena, como é o caso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Logo, as liberdades, sobretudo a de imprensa, recebem ameaça. E sem livre informação não existe democracia.
No Brasil, setores autoritários ou corruptos tudo já fizeram para tornar inviável qualquer accountability. Eles ocultam da opinião pública e do jornalismo crimes ou privilégios. Os moradores do escuro agora recebem incentivo oficial. Se resta ao governo alguma prudência, o mencionado decreto deve ser abolido.
A democracia abole o segredo. No absolutismo o soberano não devia satisfações aos parlamentos, aos juízes, aos súditos. James I afirma que “os reis são justamente chamados deuses; pois exercem certa semelhança do Divino poder sobre a terra. Deus tem o poder de criar ou destruir, fazer ou desfazer ao seu arbítrio, dar vida ou enviar a morte, a todos julgar e a ninguém prestar contas (to be accountable)”. Os Levellers impõem a responsabilização dos governantes: o rei deve prestar contas ao povo, sem sigilos (Milton, The Tenure of Kings and Magistrates).
No entanto, após séculos, na guerra fria aumenta o segredo. H. Arendt afirma que a vida totalitária reúne “sociedades secretas estabelecidas publicamente” (O Sistema Totalitário). Hitler assume as sociedades secretas como bons modelos para a sua própria. Ele ordena em 1939 que “ninguém que não tenha necessidade de ser informado deve receber informação, ninguém deve saber mais do que o necessário, ninguém deve saber algo antes do necessário”. Tais normas orientaram a secreta matança de inocentes incluídos na Lebensunwertes Leben (E. Voegelin, Hitler e os Alemães).
Segundo N. Bobbio, “o governo democrático desenvolve sua atividade em público, sob os olhos de todos. E deve desenvolver a sua própria atividade sob os olhos de todos porque os cidadãos devem formar uma opinião livre sobre as decisões tomadas em seu nome. De outro modo, qual a razão os levaria periodicamente às urnas e em que bases poderiam expressar o seu voto de consentimento ou recusa? O poder oculto não transforma a democracia, perverte-a. Não a golpeia com maior ou menor gravidade em um de seus órgãos essenciais, mas a assassina” (Il potere in maschera).
Woodrow Wilson defende a fé pública e a responsabilidade e atenua o sigilo do Estado. Mas depois o segredo permitiu o Irã-contras, a ajuda aos talebans, cuja ascensão foi entendida como vitória sobre a quase defunta URSS. Em 1994 surge a Public Law (número 103-236) do governo estadunidense, criando uma comissão para reduzir o segredo governamental. À sua frente estava Daniel Patrick Moynihan, colaborador de vários presidentes. Em relatório a comissão adverte: “It is time for a new way of thinking about secrecy”. Mas depois entramos no paradoxo: o público é definido fora do público. A opacidade estatal atinge níveis inéditos (Dean, J. W.: Worse than Watergate, The New York Times, 2/5/2004.).
Perguntava o cauteloso Adam Smith: “Quando o segredo e a reserva seguem para a dissimulação?”. A balança entre abertura e ocultamento é indicada por Georg Simmel: “A intenção de esconder assume intensidade tanto maior quando se choca com a intenção de revelar. O segredo traz um segundo planeta ao lado do planeta manifesto; e o último é influenciado decisivamente pelo primeiro”. Segundo Bentham, o segredo “é instrumento de conspiração; ele não deve, portanto, ser o sistema de um governo normal” (Of Publicity). A democracia usa a publicidade e segue a premissa “de que todas as pessoas deveriam conhecer os eventos e circunstâncias que lhes interessam, visto que esta é a condição sem a qual elas não podem contribuir em decisões sobre elas mesmas” (Simmel, The Sociology of Secrecy).
Um problema do segredo é sua fácil descoberta. O mesmo autor adverte: “A preservação do segredo é instável, as tentações de trair são múltiplas; a estrada que vai da discrição à indiscrição é em tantos casos tão contínua que a fé incondicional na discrição envolve uma incomparável preponderância do fator subjetivo (...) o segredo é cercado pela possibilidade e tentação de trair”. O segredo é vulnerável, pois representa “um arranjo provisório para forças ascendentes e descendentes”. Tão velha quanto a indústria do segredo é a da espionagem. Os vazamentos seletivos trazem outro perigo. Interesses concorrentes podem quebrar qualquer sigilo. A imprensa atenua os segredos de Estado, da vida privada ou religiosa. Tais setores nela buscam uma aliada se querem propagar seus intentos como se fossem “interesse geral”. Todos a cortejam para obter lucros e favores de governos, ameaçar concorrentes. Mas a criticam quando não atingem aqueles fins, ela se torna então uma inimiga.
A história da imprensa evidencia perene ruptura do segredo. Desde o Renascimento os jornais traziam notícias políticas, ofereciam informes sobre projetos de governos (economia, comércio, militares), estatísticas, orçamentos sobre a potência militar, taxas de nascimentos e mortes, importação e exportação. Tratava-se de apaziguar, como diz um historiador da imprensa, a fome generalizada de informação. Mas existia mais, nesse campo estatístico. “Ele era um ato deliberado, político, com ele se pretendia desvelar o segredo com o qual os governos absolutistas se envolviam, para gerar as bases de um debate público.”
O decreto que hoje no Brasil fragiliza a liberdade de imprensa e aumenta o segredo pode nos fazer retroagir ao regime absolutista, não por acaso considerado pelos historiadores um dos mais corrompidos da humanidade.
* Professor da Unicamp, é autor de 'Razões de Estado e outros Estados da Razão' (Perspectiva)
Mauricio Huertas: Um novo nome para um novo ser e um fazer diferente
Tchau, velha política. Ninguém aguenta mais esses partidos decadentes, obsoletos, fechados em si mesmos, com falsos líderes que não representam nada além dos seus próprios interesses.
Não chega a ser novidade que a sociedade clama por mudança. Das manifestações espontâneas de 2013 ao resultado das urnas em 2018, não foram poucos os recados da população descontente com o atual sistema e descrente nos representantes da mesmice. Agora basta!
O Brasil exige renovação de nomes, métodos, práticas e conceitos. Busca entre um extremo e outro a saída, errando e aprendendo. O que nós precisamos, deste lado do balcão, é oferecer uma alternativa democrática, sensata, honesta, viável e coerente. Estamos empenhados, portanto, para que tenha sucesso essa nova formatação política que pode ser originada do diálogo do PPS com a Rede Sustentabilidade e os movimentos cívicos surgidos da desilusão com os partidos tradicionais.
A democracia brasileira vive o fim de um ciclo iniciado com a chamada "Nova República", em 1985. Naquela onda das Diretas Já e da esperança com a vitória de Tancredo no colégio eleitoral, a ditadura militar tinha virado entulho histórico. Veio o primeiro baque com o governo Sarney, que forjou Collor, que acarretou Itamar, que projetou FHC, que gerou Lula, que inventou Dilma, que alçou Temer e que culminou em Bolsonaro, sepultando de vez esse período festivo da democracia.
O fracasso e os malfeitos do PT frustraram a esperança da maioria do povo que o elegeu quatro vezes consecutivas, traíram a história de uma geração e enxovalharam todo um campo político democrático que havia derrotado com honra e mérito a ditadura no Brasil. Tanto fizeram que provocaram não apenas ojeriza, ódio e antipatia à esquerda democrática, mas reanimaram os sentimentos mais abjetos daquela direita truculenta execrável que parecia morta, mas que somente hibernava nas últimas três décadas.
A tarefa que se coloca agora aos integrantes deste campo democrático é defender as conquistas do estado de direito, com seus princípios republicanos e as garantias fundamentais da cidadania. O Brasil pode e deve mudar seus representantes a cada eleição, isso é salutar. O que não podemos é andar para trás. Seguiremos firmes no combate ao populismo, à polarização burra e simplória, aos extremismos de direita ou de esquerda e à forma fisiológica, corrupta e patrimonialista de se fazer política.
Temos como pauta mínima a defesa das instituições democráticas, dos direitos e liberdades individuais e coletivas, tais como a liberdade de opinião, de expressão e pensamento, a proteção constitucional às minorias, o direito de ir e vir, a livre organização e associação, e a liberdade de imprensa, bem como a urgência das reformas do Estado brasileiro e a efetividade do desenvolvimento sustentável, com ações objetivas em favor da qualidade de vida, seja no âmbito econômico, ambiental ou da justiça social.
O nosso maior desafio é consolidar essa nova formatação política diante da crise do atual sistema eleitoral-partidário e do esgotamento (aqui e no mundo) deste modelo da democracia representativa em vigor, que já não atende a demanda da população diante dos avanços tecnológicos e dos anseios por uma participação mais direta e objetiva nas decisões que afetam o nosso dia-a-dia e projetam o futuro da sociedade.
Que esse novo movimento de cidadania possa erigir livre das armadilhas burocráticas e das amarras hierárquicas dos velhos partidos, permitindo que se faça uma política verdadeiramente nova e diferente das práticas usuais tão deploráveis, que seja mais acessível, palatável e inteligível para as novas gerações.
Que mantenha sua lisura e independência, que defenda e exercite a plena liberdade de expressão e a pluralidade ideológica, contribuindo para o aperfeiçoamento constante da democracia, com princípios e valores republicanos compartilhados para a construção de uma sociedade mais justa, civilizada, solidária, democrática e sustentável.
Fernando Gabeira: O país do carnaval e das novelas
Do maior dos enredos, as eleições, espera-se gente que nos possa ajudar a sair do buraco
Dizem que no Brasil o ano só começa depois do carnaval. Não é verdade, pelo menos em 2018. Há várias novelas em andamento e o carnaval será uma simples pausa na sua trajetória.
A nomeação da deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho é uma delas. O governo cometeu um erro na escolha. À medida que os fatos vão ampliando a dimensão desse erro, Temer insiste em manter sua decisão, apesar do imenso desgaste.
O que fazer diante de pessoas que percebem o erro, mas insistem em levá-lo até o fim? Talvez desejar que Deus as proteja delas mesmas.
A outra novela é a tentativa de Lula de escapar das consequências de uma condenação em segunda instância. É uma expectativa que envolve o Supremo Tribunal, a quem se pede, no fundo, a negação do fundamento que inspirou as investigações da Operação Lava Jato: a lei vale para todos. Não há condições de mudá-la sem que isso represente uma imensa fratura na já combalida credibilidade da instituição.
A terceira é mais delicada, porque envolve a Justiça e a sociedade, que a apoiou no curso das investigações e das sentenças. Auxílios-moradia, salários turbinados, juízes combatendo uma necessária reforma da Previdência Social – tudo isso vai criando uma distância que ainda pode ser reparada pelo bom senso.
A Justiça tardou a compreender que o movimento de combate à corrupção com apoio da sociedade certamente traria uma visão mais severa sobre o uso do dinheiro público. O fato de oportunistas tentarem invalidar a luta contra a corrupção porque os juízes recebem salário-moradia em cidades onde têm residência é inconsistente e não está aí o maior problema.
É possível dizer que a Justiça parcialmente triunfou sobre o gigantesco esquema de corrupção. Mas é um tipo de luta que imediatamente leva a um novo patamar: o da coerência.
A reforma é também um confronto com as corporações. A dos juízes está em posição especial para constatar como o País foi saqueado e como a máquina do Estado é inflacionada com cargos em comissão e inúmeros penduricalhos.
Estamos na lona. Mas esperando que as instituições confiáveis, como a Justiça e as próprias Forcas Armadas, se aproximem do esforço nacional de ajustar o País à sua realidade financeira.
Não é só a luta contra a corrupção nem o princípio de que a lei vale para todos que estão em jogo. Há toda uma luta silenciosa no País contra a ideia de que todos querem vantagens públicas, mesmo os que aplicam a lei.
Desejo um final feliz para essa novela, uma vez que dela depende, em parte, o futuro de uma reconstrução baseada na aliança de amplos setores da sociedade com as instituições confiáveis.
Um dos meus argumentos contra a luta armada é que ela precisa criar um exército de salvação nacional para triunfar. Depois, quem nos salvará dos salvadores? Claro que vivemos uma situação diversa, mas é importante que a Justiça, após um trabalho nacionalmente aprovado, reconheça que ela mesma precisa se ajustar aos tempos que ajudou a moldar.
Tudo isso ainda nos espera depois do carnaval, abrindo alas para o enredo maior de 2018: eleições. Delas é possível esperar a escolha de gente que nos possa ajudar a sair do buraco não só da economia, mas também do desencanto geral com os rumos do País.
A reforma da Previdência foi conduzida por um governo impopular. Mas ela não é necessariamente impopular se reduz privilégios, cobra dos devedores e garante um futuro menos instável. Não precisa vir numa situação já de emergência, como na Grécia, trazendo insegurança e sofrimento. Ou como no Rio, para não ir mais longe.
Minha expectativa é de que isso se resolva bem na campanha. Os candidatos sabem que a reforma é necessária. Ou a defendem ou serão obrigados a fazê-la depois, nesse caso com baixa legitimidade, porque mentiram na campanha.
É uma ilusão da esquerda negar uma reforma necessária. Um dos fatores que a levam à resistência é o fato de estar muito enraizada nas corporações. Nesse caso pesa também o cálculo eleitoral. Até que ponto perder parcialmente o apoio dos funcionários públicos seria recompensado em votos pelos contribuintes?
Não só a esquerda vive esse dilema, mas o sistema político-partidário no seu conjunto. Ele não tem fôlego para realizar uma tarefa decisiva. Tornou-se um obstáculo às chances de reconstrução econômica. Entre outras, essa é uma das fortes razões para esperar mudanças a partir das escolhas de 2018.
Se o carnaval dá uma pausa para as novelas políticas, ele é implacável com a tragédia da violência urbana. Tudo continua. No Rio, três grandes vias, Linha Vermelha, Linha Amarela e Avenida Brasil, foram interditadas por tiroteios entre polícia e bandidos. Um menino e um homem morreram. Balas perdidas, governo perdido.
Já é um pouco estranho que tanta gente pare para fazer o carnaval. Mas seria mais estranho ainda que o governo parasse sobretudo nesta emergência. Existem graves problemas de violência no Norte e no Nordeste, mas o caso do Rio tem algumas agravantes.
A situação é tão grave que os responsáveis por atenuar o problema o examinam de certa distância. O ministro da Defesa declarou que o sistema de segurança está falido e o governador Pezão disse que na Rocinha se mata policial como se mata galinha. São bons comentários para um programa de rádio, mas quem está na linha de frente, ao dizer isso, imediatamente tem de responder a perguntas como: e daí? E os tiroteios? Como é que vai ser? Significa que estamos sós e desarmados antes, durante e depois do carnaval?
A moderada esperança nas eleições não significa abstrair problemas que não podem esperar, não só porque envolvem vidas, mas porque podem criar um terreno fértil para soluções autoritárias.
Luiz Carlos Azedo: O esquindô-lê-lê
Para o Palácio do Planalto, o barulho em torno da posse de Cristiane Brasil é o de menos, porque já está sendo abafado pelo clima de carnaval, que toma conta do país
A bancada do PTB, reunida ontem, decidiu manter a indicação da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o cargo de ministra do Trabalho, sepultando assim as esperanças do Palácio do Planalto de que a própria legenda indicasse outro nome para a pasta. O líder Jovair Arantes (PTB-GO) foi categórico: “Nós temos uma característica que é importante também deixar bem clara: nós não abandonamos companheiros feridos em uma batalha. Então, nós vamos até o fim”. Segundo ele, a Justiça criou o problema e terá que resolvê-lo. É um recado para a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, que manteve o impedimento de a parlamentar assumir o cargo por meio de liminar, mas ainda não tomou uma decisão monocrática definitiva nem encaminhou a questão ao plenário da Corte.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cuja liderança tem uma das ancoragens na bancada do PTB, endossou a decisão com uma crítica à Justiça Federal: “Porque em tese uma parte da sociedade acha que o Temer é ruim, não é motivo para um juiz de primeira instância assumir o papel de presidente da República”. Maia disse que não vê impeditivo para que a deputada assuma o cargo. “Ela não tem nenhum problema que a impeça de disputar a eleição presidencial. Agora, se ela vai ser uma boa ministra, se foi um bom nome, esse é um problema que cabe ao governo e ao PTB discutir”, arrematou, em sintonia com a insatisfação da maioria dos parlamentares com a interferência do STF em outros poderes.
Na mesma linha, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, reiterou que o governo não pretende recuar da indicação, porque seria abrir mão de uma prerrogativa da Presidência da República: “O presidente Michel Temer tomou a decisão política de nomear a Cristiane Brasil. É competência dele, ‘induvidável’ pela Constituição Federal. A indicação do nome é problema do PTB, mas a garantia da posse é problema nosso, do governo. Nós entendemos que o ato político do presidente da República tem que ser respeitado”, disse. Para o Palácio do Planalto, o barulho em torno do assunto agora é o de menos, porque já está sendo abafado pelo clima de carnaval que toma conta do país. Na verdade, já virou mote de marchinha de carnaval.
Temer não pode perder o apoio de Roberto Jefferson na reforma da Previdência. O presidente do PTB é um político cascudo, que manteve o controle da legenda mesmo estando preso, cumpre a palavra empenhada e não leva desaforo pra casa. Por isso, bancará a indicação até que a decisão da ministra Cármen Lúcia seja tomada. Para o Palácio do Planalto, há duas questões envolvidas: a manutenção da base do governo na Câmara e as prerrogativas constitucionais da Presidência, no caso, a nomeação de seus ministros. Ao se defender das acusações de que não teria moralidade para exercer o cargo, por causa da ação trabalhista de antigos funcionários, Cristiane Brasil fez tudo errado, inclusive um vídeo numa lancha ao lado de quatro amigos. Nesse ínterim, outras acusações surgiram, como a investigação aberta pela Polícia Civil do Rio de Janeiro em 2010 para apurar se assessores de Cristiane Brasil pagaram a traficantes para ter “direito exclusivo” de fazer campanha em Cavalcanti, bairro da Zona Norte da cidade.
Segunda instância
O esquindô-lê-lê somente não foi maior na Praça dos Três Poderes porque, no outro vértice do seu triângulo, o ministro Alexandre de Moraes surpreendeu os políticos e votou a favor da prisão após condenação em segunda instância do deputado federal João Rodrigues (PSD-SC), em processo ao qual respondeu como ex-prefeito de Criciúma. “A possibilidade de cumprimento provisório guarda juízo de consistência, porque são dois órgãos que realizam análise de mérito”, disse. Manteve a coerência com votos anteriores, decidindo o julgamento na primeira Turma do STF, ao lado de Luiz Roberto Barroso e Luiz Fux. Votaram contra a ministra Rosa Weber e Marco Aurélio Mello. A decisão tem repercussão no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja sentença de condenação em segunda instância foi publicada ontem pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre.
Mais tarde, ao tomar posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luiz Fux reiterou a posição sobre a execução da Lei da Ficha Limpa, que impede condenados em segunda instância de participarem das eleições: “A estrita observância da Lei da Ficha Limpa se apresenta como pilar fundante da atuação do TSE. A Justiça Eleitoral, como mediadora do processo sadio, será irredutível na aplicação da Ficha Limpa”, disse. Segundo ele, teremos uma eleição presidencial que se anuncia como “a mais espinhosa e — por que não dizer — a mais imprevisível desde 1989”. É um recado para Lula. Mesmo que escape da prisão, estará fora da disputa eleitoral. Para Fux, quem for “ficha suja” estará fora do jogo democrático.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-esquindo-le-le/
Murillo de Aragão: Melhor que a encomenda
Termina 2017 melhor do que a encomenda e as expectativas mais prudentes. Avançamos significativamente na modernização das relações trabalhistas graças à proposta do Executivo acatada pelo Congresso, que também aprovou outras medidas relevantes para alentar a economia.
Entre elas estão: a PEC destinada a conter os gastos públicos, a nova lei de exploração do pré-sal (quebra da exclusividade Petrobras com participação de um terço dos investimentos) e mudança da taxa de juros do BNDES, agora referenciada no que o governo paga para se financiar no mercado, entre outros projetos voltados para o equilíbrio fiscal e o retorno à estabilidade.
O leitor já conhece uma série de estatísticas que demonstram as conquistas do programa de reformas que o governo pôs em prática como meta a alcançar. Mas alguns números funcionam como selo de validade dessa nova fase.
Entre janeiro e outubro, segundo dados que o presidente Temer mencionou – e sofreram depois pequeno ajuste – em artigo publicado no Estado de S. Paulo, o superávit da balança comercial atingiu a US$ 58,47 bilhões, com evolução de 51,8%. Até dezembro (segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços), esse valor vai a US$ 64,3 bilhões. Depois de longo período estagnada, a produção industrial cresceu 1,6%.
Sinal dessa virada, as exportações de veículos escalaram 55,7%, superando as 560 mil unidades nas contas do acumulado de 2017. A venda de veículos novos no mercado interno aumentou 9,28% em relação a igual período do ano anterior.
Ou seja: recuperamos o dinamismo econômico e vamos crescer mais de 1% depois da tragédia dilmista. A operação Lava-Jato também avançou e continuou a promover alterações sistêmicas no cenário político. As ações do judiciário, especialmente do Supremo e do TSE, apesar de seu ativismo, colaboraram com os ventos modernizadores encampados pela sociedade.
Não prosperamos mais por conta das ações atabalhoadas da PGR de Janot que, no afã de impedir Raquel Dodge, tumultuou a cena polícia com denúncias do tipo meio barro meio tijolo. O saldo foi um desgaste injustificado para o país que custou meio ponto no PIB. Entre maio e agosto, o Brasl ficou em compasso de espera.
A reforma Previdenciária poderia ter sido aprovada e consolidado melhores expectativas. Venceu, nesse ponto, o corporativismo e o obscurantismo.
Pelo menos, o debate da reforma Previdenciária ganhou consistência, mesmo sendo sabotado pelo discurso pseudo-progressista de setores da oposição. Os brasileiros não devem se enganar. A Previdência pública consome bilhões para sustentar poucos. E o modelo é insustentável.
Assim, entre mortos e feridos, o Brasil se salvou e poderá ter um 2018 um pouco melhor.
* Murillo de Aragão é cientista político
Míriam Leitão: Aperto no cinto
O adiamento da reforma da Previdência e de outras medidas do ajuste fiscal vai levar o governo a apertar ainda mais o cinto em 2018. A aprovação da reforma traria uma economia em torno de R$ 5 bilhões no ano que vem, o mesmo valor estimado para o adiamento do reajuste dos servidores. Como o governo precisa cumprir o teto de gastos, isso quer dizer que R$ 10 bilhões de outras despesas terão que ser cortados.
A avaliação de uma fonte da equipe econômica é de que ainda há grande chance de aprovação da reforma em fevereiro. Apesar da volatilidade na bolsa e no câmbio, a visão é que o mercado financeiro segue dando um voto de confiança ao governo. A bolsa e o dólar caíram menos de 1%, e o risco-país ainda permanece muito abaixo dos piores momentos da crise (veja o gráfico).
Um dos argumentos usados pelo governo para tentar convencer a base aliada a aprovar a reforma é que o cenário de rejeição do texto será de enorme estresse na economia em pleno ano eleitoral. Ou seja, se aprovar a mudança nas aposentadorias pode ser impopular, um quadro de piora na recuperação também terá efeito adverso sobre as urnas. Muito além do impacto no mercado financeiro, o aumento do contingenciamento irá paralisar obras, adiar investimentos, e prejudicar o funcionamento de diversos órgãos que prestam serviços diretos à população, como a Receita e a Polícia Federal, que faz a emissão de passaportes.
— O ano eleitoral já não será de aumento de gastos públicos, como tradicionalmente acontece no Brasil. O Orçamento de 2018 prevê uma queda na despesa primária do governo, de 19,9% do PIB para 19,1%. Sem a aprovação da reforma da Previdência, haverá estresse forte, que vai afetar a recuperação da economia — afirmou.
Uma boa notícia é que os sinais são de recuperação da arrecadação neste segundo semestre. Se de janeiro a julho só não houve frustração de receitas em um único mês, desde agosto está acontecendo o contrário, com crescimento real em torno de 3% a 4% sobre o ano anterior, acima do esperado.
Mesmo assim, a preocupação continua grande entre especialistas em contas públicas. Fábio Klein, da Tendências Consultoria, teme que o governo não consiga cumprir a regra do teto no ano que vem, por causa do adiamento das medidas de ajuste. Se isso acontecer, o Orçamento de 2019 sofrerá uma série de restrições, que vão praticamente paralisar o início do novo governo eleito.
Voto de confiança
Apesar das incertezas, o risco-país não sofreu grandes oscilações. O CDS de cinco anos, espécie de seguro contra maus pagadores, estava ontem em 167,4 pontos, pouco acima do menor nível no ano, os 162 pontos registrados semana passada. Nos piores momentos de 2015, o CDS chegou a 533 pontos.
No meio do caminho
Um dos temores do economista Fábio Giambiagi, especialista em contas públicas, é que a reforma seja aprovada apenas em uma das duas Casas do Congresso no ano que vem. “O calendário é apertado para passar na Câmara e no Senado. Em fevereiro há carnaval, em março, haverá muita troca de partidos com a janela partidária e a reforma como está apresentada não vai resolver os problemas da Previdência. Então, em 2019, um novo governo eleito poderia apenas concluir esta votação, e o desequilíbrio continuaria”, explicou.
ACELERADO. Giambiagi diz que o número de mulheres que se aposentam por tempo de contribuição tem crescido 6% ao ano. Acha inevitável igualar as regras. “Em 1994, eram 300 mil. Hoje, há 1,8 milhão de mulheres aposentadas por contribuição”, disse.