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Pablo Ortellado: Debate polarizado
Um dos debates mais importantes para o futuro do país parece irremediavelmente capturado pela polarização. Boa parte dos críticos e dos defensores da abertura das escolas não consegue enxergar nuances.
Um lado acredita que aqueles que defendem a abertura são anjos da morte que querem colocar professores em risco para beneficiar empresas de ensino ou governos genocidas; o outro lado acredita que os que são contra a abertura não passam de sindicalistas acomodados que querem receber salário integral sem trabalhar.
Surpreende, entre muitos professores, a pouca consideração pelos efeitos danosos da suspensão das aulas presenciais. Não há controvérsia de que a migração para o ensino remoto na educação básica foi, de forma geral, malsucedida. Para além do déficit de aprendizagem que será muito difícil de reparar, pesquisa do C6 Bank/Datafolha mostrou que 11% dos estudantes do ensino médio e 5% dos estudantes do fundamental abandonaram a escola em 2020. Esse abandono pode se ampliar e se consolidar e terá impacto estrutural sobre a produtividade do trabalho, a desigualdade de renda e o desemprego nas próximas décadas.
Não é razoável a posição do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo, que não considera suficiente a vacinação de professores com mais de 47 anos e quer retomar o trabalho presencial apenas quando todos estiverem vacinados. Reconhecendo a carência de vacinas, por que professores mais jovens deveriam passar na frente de pessoas com comorbidades ou de motoristas e cobradores de ônibus que também desempenham ocupações essenciais, estão expostos à contaminação e estão no Plano Nacional de Imunização?
Do outro lado, o governo do estado de São Paulo, que não tem garantido todas as condições sanitárias nas escolas, tem atuado agressivamente pela abertura. Semana passada, foi flagrado manipulando as estatísticas sobre contaminação por Covid-19 para empurrar uma abertura acelerada.
Segundo um boletim epidemiológico da Secretaria de Educação, “a taxa de incidência [de casos de Covid-19] notificada pelas escolas públicas e privadas foi 33 vezes menor do que a do [resto do] Estado”. Estudo de uma rede de pesquisadores mostrou, porém, que, na construção do índice, o governo usou o número total de estudantes matriculados, e não aqueles que foram efetivamente à escola, subestimando enormemente a taxa de incidência. Além disso, o boletim deliberadamente misturou dados de estudantes e de servidores, dissolvendo a alta taxa dos servidores nas baixas taxas dos estudantes.
O movimento de pais “Escolas Abertas” tem incitado o desrespeito às medidas de controle da pandemia, alegando que a prefeitura de São Paulo não tem competência para decidir o fechamento temporário das escolas, mesmo no pico da contaminação.
Deveríamos estar trabalhando para construir as condições de abertura assim que a taxa de contaminação arrefecesse, com salas de aula ventiladas, rodízio de turmas reduzidas e distribuição de máscaras PFF2, mas as partes do debate ficam se atacando com posições intransigentes, tornando cada vez mais difícil uma abertura segura das escolas.
Maria Hermínia Tavares: Nem tudo é desastre; na pandemia, temos capacidade de fazer boa ciência
São inaceitáveis as idas e vindas na discussão dos recursos destinados à Fapesp
Há mais de duas décadas, o historiador José Murilo de Carvalho usou dados de pesquisas de opinião para refletir sobre o que os concidadãos se orgulhavam. No artigo “O motivo edênico no imaginário brasileiro”, concluiu que apenas a natureza grandiosa —os céus, mares, rios e florestas— gratificava a sociedade. Nada do que os humanos haviam legado ou estivessem construindo causava admiração: o povo era visto, antes, com ceticismo e desprezo.
Com efeito, há muito de negativo a apontar nessa obra perversa que, ao longo do tempo, produziu uma nação de iniquidades e injustiças; predação e violência; ignorância e superstição; notável insensibilidade (das elites) pela sorte alheia (a dos mais vulneráveis); de promiscuidade entre interesses privados e órgãos estatais; de apropriação patrimonialista de recursos e agências públicas.
Mas nem tudo é desastre. Na pandemia, o país descobriu a virtude de ter atendimento de saúde universalizado por meio do SUS, a importância de contar com o aconselhamento de cientistas bem formados e com um robusto sistema de produção de conhecimentos e suas aplicações.
É na Fundação Oswaldo Cruz e no Instituto Butantan que estão sendo desenvolvidas —em parceria com empresas e instituições acadêmicas internacionais— as vacinas que nos ajudarão a enfrentar em melhores condições a crise sanitária.
Essa capacidade não brota da noite para o dia. Requer, além de muito investimento, a segurança de que estará garantido por décadas e a gestão competente de sua utilização.
Como é feito pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo (Fapesp), instituição modelar que sustenta o sistema paulista de pesquisa, permitindo a formação de quadros para as universidades, as empresas e a administração pública; a geração de saberes em todas as áreas e a criação de startups inovadoras.
Todos os pesquisadores em atividade aqui residentes tiveram algum apoio da Fapesp —quando não foram por ela financiados durante toda a carreira profissional.
Eis por que são inaceitáveis as idas e vindas que marcaram a discussão dos recursos destinados à fundação, durante os meses em que estiveram em pauta, primeiro as medidas de ajuste fiscal, e agora o orçamento do próximo ano no estado. Mesmo que o governador, pressionado, tenha enfim se comprometido a repor os R$ 454,6 milhões subtraídos à entidade no PL 627/2020.
Em momento de aperto fiscal e futuro incerto, financiar ciência é prioritário. A ponto de definir se, mais adiante, os brasileiros poderão se orgulhar de algo além da natureza —vá lá o ufanismo— dadivosa.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.