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Clóvis Rossi: Que a realidade eduque Bolsonaro

Ele já teve duas aulas, a do Egito e a de Macron

O general Juan Domingo Perón (1895-1974), três vezes presidente da Argentina, sempre por meio de eleição direta, produziu uma coleção de frases interessantes. Destaco uma: “A realidade é a única verdade”.

Torço para que a realidade aos poucos eduque Jair Bolsonaro para as verdades do mundo, para além de seus preconceitos, paixões e desinformação.

A primeira aula foi dada pelo Egito, que não chega a ser um dos países mais poderosos do mundo, ao cancelar viagem do atual chanceler, Aloysio Nunes Ferreira Filho, como represália pelo anúncio de Bolsonaro de que transferiria a embaixada brasileira para Jerusalém.

O impulso do presidente eleito ignora realidades. Primeira realidade: os países muçulmanos são grandes importadores de proteína animal do Brasil e poderiam ficar furiosos com a transferência da embaixada.

Logo, qualquer pessoa que pensasse antes de falar se perguntaria: o que o Brasil ganha com a mudança? Nada, a não ser, eventualmente, um afago de Donald Trump, o que não é nem remotamente suficiente para amenizar os problemas do Brasil.

Se é ruim para os negócios com os árabes mudar a embaixada para Jerusalém, mantê-la em Tel Aviv não atrapalha os negócios com Israel. Tanto não atrapalha que um dos raros acordos de livre comércio que o Mercosul tem é justamente com Israel, firmado em 2010 (governo Lula, portanto), que jamais pensou em instalar a embaixada em Jerusalém.

Agora, veio uma segunda lição: Emmanuel Macron, o presidente francês, disse, ao chegar a Buenos Aires: “Não sou a favor de que se assinem acordos comerciais com potências que não respeitem o Acordo de Paris”.

É uma alusão ao acordo entre o Mercosul e a União Europeia, uma negociação que se arrasta há uns 20 anos.

Como se sabe, em outro momento de falar sem medir consequências, Bolsonaro ameaçou retirar o Brasil do Acordo de Paris, o mais sólido movimento para conter a mudança climática em nível tolerável.

O que o Brasil ganharia se de fato saísse do acordo? Nada, a não ser o desprezo dos 174 países que o assinaram e que são praticamente todos os do mundo (agora com a exceção dos Estados Unidos de Trump).

Ganhariam apenas os fanáticos que negam que haja uma ameaçadora mudança climática. De novo, agradaria Trump que despreza até estudos científicos do seu próprio governo.

Treze agências federais do governo americano emitiram há dias um relatório em que diziam que, a menos que sejam dados passos significativos para controlar o aquecimento global, o dano provocado nos Estados Unidos cortará 10% da economia americana até o fim do século.

A menos que Bolsonaro e os fanáticos em torno dele achem que todos os cientistas são perigosos comunistas, o mais prudente é trabalhar com todos os países possíveis para mitigar os efeitos da mudança climática.

A cooperação internacional e multilateral é essencial para um país como o Brasil. Pendurar-se na perspectiva de alinhamento automático com os EUA —o que Bolsonaro rejeitou dias atrás— é um caminho que não foi seguido nem pela ditadura brasileira, que o presidente eleito acaricia e que se instalou com apoio americano.

A realidade é mais complexa que ideias simplistas.


Luiz Werneck Vianna: Bye bye, Brasil?

Os brasileiros não vão se despedir de si, apenas dizem um até breve

Bye bye, Brasil, querem nos embarcar para uma terra nova – por ora, está difícil de evitar – sem reinações de Narizinho, sem Jubiabá, sem um catolicismo gordo e compassivo, sem o culto da cordialidade, sem o jagunço do Euclides da Cunha e os retirantes de Graciliano, o abolicionismo do Nabuco, sem Gilberto Freyre, sem a Coluna Prestes, até sem a Petrobrás e o Banco do Brasil, sair assim, com as mãos abanando e as cabeças vazias. O embarque deve ser imediato, para que nós, que mal conhecemos o liberalismo, num país onde jamais o capitalismo foi uma ideia popular, passemos direto ao neoliberalismo e ao culto da teologia da prosperidade, glória a Deus.

Cirurgia de tal envergadura não é obra solitária, ela foi concebida durante décadas com argumentos vindos de vários setores da vida social, inclusive do PT, que desde suas origens investiu contra a tradição republicana brasileira e o centro político que a encarnava, tal como no episódio famoso, ocorrido em pleno regime militar, em que sua principal liderança declarou que o principal inimigo das classes trabalhadoras era a CLT, e não o AI-5, vindo a sustentar um sindicalismo de resultados em oposição às antigas lideranças sindicais, em boa parte tradicionalmente associadas ao centro político. Em outro momento, com Lula candidato em segundo turno à sucessão presidencial vencida por Collor, seu partido recusou a participação em seu palanque de Ulysses Guimarães, um dos grandes próceres do nosso liberalismo político, como antes declinara assinar a Carta de 88, obra, no fundamental, do centro político, sob a inspiração desse mesmo Ulysses, que a apresentou ao mundo com palavras memoráveis.

A desconstrução do centro político contou com a ação de outros personagens, como setores das elites originárias da dimensão do mercado, desde sempre, tal como no caso da sua acirrada oposição, nos anos 1930, à legislação social, refratária à regulação pelo direito da vida social e ao embrião de social-democracia admitido pela Carta de 88. E mais recentemente, pela ação do Ministério Público, que interpretou em chave salvacionista a luta justa e necessária contra a corrupção sem atentar para as suas consequências e sem discriminar alhos de bugalhos, comportando-se como um macaco solto numa loja de louças, com o que levou à lona a sua representação política.

Estamos em pleno mar, navegando com mapas incertos e pilotagem inexperiente, ela própria sem saber para onde nos quer levar. Os quadros econômicos selecionados pelo governante eleito, os principais formados na ortodoxia da Escola de Chicago, com seus compromissos conceituais e práticos com os processos de globalização, inarredáveis na medida em que correspondem a movimentos seculares das coisas pertinentes à economia mundo, ao menos desde as grandes navegações empreendidas pelo Ocidente – nossa Ibéria à frente –, em suas cabines de comando já se encontram contestados pelo trumpismo do futuro chanceler Ernesto Araújo. A bússola deve estar apontada para qual destino: o da globalização ou o da denúncia do globalismo?

Ruma-se para qual direção, a da autarquia e a do nacionalismo (isso com a turma do Paulo Guedes?), que, na linguagem de Trump, significa America first, atrelando nossa pobre carroça aos objetivos imperiais do presidente americano, que se deixou embair pela anacrônica guerra de civilizações ideada por Samuel Huntington?

Logo nós, que não viemos da matriz anglo-saxônica, mas da ibérica, e somos da família dos bandeirantes, e não da dos pioneiros, para lembrar as antigas lições de Viana Moog; nós, que seguimos a estrada universal em direito do sistema da civil law, esta, sim, entranhada na História do Ocidente, ao contrário do sistema da common law, que Hegel, por exemplo, não reconhecia como filho da razão, e sim do casuísmo de uma cultura singular, sem protagonismo, portanto, na marcha do espírito com que a criatura buscava seu encontro com seu Criador. O Ocidente é uma criação europeia e é aí que nós, os americanos, como reconheceram os fundadores da grande República do Norte, cultores dos autores do Iluminismo nos Federalist Papers, estamos instalados, não se podendo omitir, no caso brasileiro, a criação do seu Estado pelo herdeiro de uma dinastia europeia.

A metafísica rústica dos ideólogos do trumpismo, como o célebre personagem de Voltaire, ignora a sociologia do risco, tão bem estudada pelo sociólogo Ulrich Beck, na crença ingênua de que tudo no mundo se encaminha no sentido da sua melhor solução. Nosso planeta não conheceria uma crise ambiental, em que pesem os alarmes emitidos pela comunidade dos cientistas, inclusive da Nasa, uma agência americana de indiscutida legitimidade científica, acerca dos dados que se acumulam sobre os perigos do aquecimento global. A crer no que enuncia uma parte dos nossos futuros governantes, o desmatamento da Amazônia em nome de uma política expansiva das fronteiras do nosso capitalismo para o agronegócio e a mineração não importaria em riscos e sua denúncia não passaria de fabulações de intelectuais desavisados.

Não se deve chorar o leite derramado. O lado vencedor na sucessão presidencial foi esse que aí está. A oposição a ele não tem por que se precipitar. O mundo gira e a Lusitana roda. Por quanto tempo ainda haverá Donald Trump? E os militares, mais uma vez no proscênio, terão perdido a memória de suas grandes personalidades do passado, dos que lutaram em torno da bandeira do petróleo é nosso, do marechal Rondon, dos pracinhas que em campos de guerra na Itália enfrentaram com bravura o fascismo, das virtudes sem mácula do marechal Lott? E os seres subalternos, até quando suportarão o capitalismo sans phrase, em bruto e sem amortecedores, que ameaça vir por aí?

Os brasileiros não vão se despedir de si, apenas dizem um até breve.


Míriam Leitão: Cenários e receita para o país crescer

Estudo do Ipea mostra que o Brasil tem potencial para crescer o PIB per capita em 50% em 12 anos. Mas será preciso aprovar muitas reformas

O país cresceu no terceiro trimestre e retomou o ponto em que estava em 2012. Esse é o tamanho do atraso provocado pelos erros de política econômica no governo Dilma. Ainda há um caminho a fazer para chegar ao ponto em que a economia estava quando despencou. Os serviços puxaram, o investimento cresceu, mas nada foi suficiente para imprimir um ritmo maior. Desde que parou de encolher, o PIB se expande em ritmo moroso.

Os números do terceiro trimestre vieram mais fracos do que o esperado pelo mercado. O crescimento acelerou na comparação com o segundo trimestre, de 0,2% para 0,8%, mas o que houve foi uma recuperação dos efeitos da greve do setor de transportes, que paralisou o país no mês de maio. Quando a comparação é feita com o mesmo trimestre de 2017, a alta foi de apenas 1,3%. No acumulado em 12 meses, subiu 1,4%. No começo do ano o país achou que cresceria 3%. Não vai dar.

O Ipea divulgou esta semana, no meu programa na Globonews, os cenários preparados para o país nos próximos 12 anos, até 2030. Bom para quem quer ver o Brasil avançar. “Cenários de longo prazo podem ser uma ferramenta importante para avaliação de custos, benefícios e riscos de alternativas”, alertam os economistas do Ipea.

No cenário “de referência”, o país cresceria em torno de 2,2% ao ano, o que daria 30% ao longo do período. Mesmo para esse ritmo moderado, será preciso fazer a reforma da Previdência. Sem ela, alerta José Ronaldo de Souza, diretor de Macroeconomia do Instituto, as receitas serão engolidas pelos gastos com pensões e aposentadorias. No cenário “década perdida”, o país entra em desequilíbrio fiscal, e o final será o default da dívida interna, ou seja, o Tesouro não conseguirá honrar sua dívida, que é a espinha dorsal da poupança do país. Neste filme de terror, que o país viu no Plano Collor, todo mundo perde.

O cenário “transformador” é o mais interessante. Aumentar o crescimento é o desejável. O país cresceria 3,9% já em 2020 e, dois anos depois, 4,8%. Ao longo de 12 anos a taxa acumulada chegaria a 60%. Para isso será preciso fazer as reformas que reequilibrem as contas, mas também uma série de mudanças que aumentem a produtividade da economia. Será preciso ter um sistema tributário mais eficiente e leve, abrir a economia, investir em qualificação de pessoal, ter uma regulação mais lógica, um custo menor de capital, ambiente de negócios mais favorável. São reformas macro e micro para mudar a economia.

— É uma projeção e não uma previsão. O interessante é que temos o potencial, é possível. O país pode aumentar em 50% o PIB per capita — diz José Ronaldo.

— O Brasil só tem três caminhos: reformas, reformas e reformas. Não há um quarto caminho. Temos que resolver gargalos porque sem isso a gente não consegue crescer, gerar emprego, gerar renda para a população que demanda uma retomada depois de anos de recessão — diz a economista Ana Carla Abrão, da Oliver Wyman.

Ele diz que é preciso acrescentar na lista das tarefas a mudança do Estado, que é 40% do PIB, uma máquina inchada, que gasta muito e não presta bons serviços. Ela sugere mudar carreiras e melhorar a qualidade dos serviços públicos. Para essa e outras mudanças, será preciso desagradar os grupos de interesse:

— O Brasil é hoje um país dominado pelas corporações — disse Ana Carla.

Se não optar por reformas vigorosas, o país de qualquer maneira terá que mudar a Previdência, do contrário o teto de gastos não se sustenta. O pior cenário, de não reformar nada, é flertar com o abismo do calote. Os dois economistas se disseram até otimistas, dado que a situação chegou a tal ponto que ou o país terá o pior dos mundos ou enfrentará a lista das grandes tarefas. Uma delas é abrir a economia.

— Essa é uma agenda que ficou abandonada nas últimas décadas e se formos falar de eficiência temos que ter abertura. O país continua muito fechado. Quando se soma exportação e importação o Brasil está abaixo dos países pares — diz Ana Carla Abrão.

— A economia brasileira ainda é voltada até hoje para substituição de importação, escolha feita há várias décadas. Os países só avançam com mais competitividade — afirma José Ronaldo.

A atual equipe econômica tirou o país da recessão, mas o PIB não engrena. A futura equipe diz que fará reformas e a abertura da economia. A receita está certa. Aplicá-la é mais difícil do que pensam alguns dos que assumirão o comando em janeiro.


Política Democrática: Globalização promoveu aumento da riqueza, afirma Vinícius Müller

Doutor em História Econômica e professor do Insper observa que fenômeno também provocou separações sociais

Por Cleomar Almeida

O doutor em História Econômica e professor de Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Vinícius Müller diz que a globalização é um “fenômeno mais complexo que promoveu aumento da riqueza na mesma medida em que desarticulou antigas estruturas produtivas e sociais”. “A globalização não era, como pensávamos há mais de vinte anos, um novo imperialismo encabeçado pelos norte-americanos”, afirma ele, em artigo publicado na edição de novembro da revista Política Democrática online, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Partido Popular Socialista (PPS).

De acordo com Vinícius Müller, as novas separações sociais produzidas pela globalização na sociedade norte-americana não são exclusivamente econômicas. “Elas estão relacionadas ao questionamento que parte da sociedade faz em relação aos valores que construíram aquela nação. De um lado políticas identitárias, de outro, xenofobia. Entre eles um hiato. É neste espaço que mora o diabo”, ironiza ele.

» Acesse aqui a edição de novembro da revista Política Democrática online

No fim do século passado, de acordo com o doutor em História Econômica, quando a combinação entre o fenômeno da globalização e a retomada dos valores liberais se arvorava como o modelo único, duas posições antagônicas se estabeleceram, conforme ele escreve. “Uma delas dizia que a abertura dos mercados nacionais, a maior velocidade nas trocas de mercadorias e moedas, assim como a formação de cadeias produtivas globais, garantiriam a ampliação da riqueza e melhoria significativa no padrão de vida de pessoas espalhadas pelo globo”, afirma, para continuar: “Outra, contrária, apostava na hipótese de que a globalização em sua vertente neoliberal nada mais era do que retomada do imperialismo do século XIX, agora liderado pelo EUA. Os resultados, depois de 30 anos, não cabem em slogans tão simples assim”.

No plano geral, conforme destaca o professor do Insper, a produção e a circulação de riquezas aumentaram. “Grupos populacionais imensos foram beneficiados pela ampliação do mercado, descentralização produtiva e aumento da produtividade e da riqueza”, acentua ele, e um trecho do artigo. “A urbanização de contingentes populacionais maiúsculos na China e na Índia, a transferência de partes significativas da produção industrial para países como o Vietnã e o aumento da qualidade de vida em países do leste europeu são visíveis. Em uma constatação anti-intuitiva, os países que mais ganharam com a globalização não foram aqueles que, no início do século, pareciam ser os impositores desta ordem”.

Na avaliação do autor, portanto, o que parecia ser uma imposição voltada à abertura de mercado mundial aos EUA, como um “neoimperialismo”, segundo ele, não se confirmou na medida em que tal processo produziu mais efeitos benéficos, ou que foram proporcionalmente maiores, em países como Chile, Coreia do Sul, Austrália e Lituânia do que nos EUA.

“A constatação de que a globalização, de fato, produziu mais riqueza e ampliou a qualidade de vida de enormes contingentes populacionais, e que hoje a tese de um imperialismo norte-americano parece fruto da ingenuidade da juventude, não significam a confirmação de que tal processo ocorreu sem efeitos colaterais que hoje batem à nossa porta. O mais importante entre eles é a ampliação da desigualdade. Não aquela que os críticos da globalização imaginavam que ocorreria entre os países”, diz outro trecho.

Vinícius Müller também diz que um argumento que atenuava o avanço da desigualdade afirmava que “é melhor viver em um país desigual e rico do que em um igualitário e pobre”. “Tem sentido, até porque a riqueza quando cresce beneficia a todos, mesmo que em níveis diferentes. O exercício retórico era simples: em uma sociedade na qual vive Bill Gates, a renda per capita cresce, mas a desigualdade também”, acrescenta o autor. “E, certamente, é melhor viver numa sociedade que tem a oportunidade de ampliar sua produção de riqueza a partir do uso das ferramentas criadas pelo fundador da Microsoft. O problema é que tamanha desigualdade começa a impactar em outras questões que fogem do escopo deste argumento”, assevera ele.

 

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Folha de S. Paulo: É exagero dizer que Bolsonaro é golpista, diz Almino Affonso, cassado em 64

Ex-ministro do Trabalho de Goulart afirma que quadro é diferente do que levou ao regime militar

Ricardo Kotscho e Catia Seabra, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO- Prestes a completar 90 anos, o ex-deputado Almino Affonso afirma que a omissão dos grandes partidos, sobretudo PSDB e MDB, abriu um vazio político no Brasil. Dele, surgiu Jair Bolsonaro.

Ministro do Trabalho de João Goulart (1961-64), Almino não vê hoje cenário propício a um novo golpe de Estado.

Mas, ao lamentar a falta de líderes capazes de ocupar esse vazio e lembrar a Alemanha assolada após a 1ª Guerra, afirmou: “O Hitler ocupou”.

Ex-tucano e ex-emedebista, Almino faz um apelo para que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assuma uma atitude de estadista.

Almino afirma ainda que a concentração de poder nas mãos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva matou o debate interno no PT.

Em 1961, o sr advertiu que a renúncia do então presidente, Jânio Quadros, fazia parte de um golpe de Estado. Para o sr., há hoje risco de um golpe, como afirmam integrantes da esquerda?
Não chutei [à época]. É provado. Tem um livro, chama “História do Povo Brasileiro” [aponta a estante], escrito, muito tempo depois, por ele [Jânio] e por Afonso Arinos, em que ele confessa a renúncia como algo articulado para o golpe. Na tribuna, fiz por pura intuição.

A mensagem que ele manda ao país para justificar a atitude era uma contradição: o Exército está com ele, o povo está com ele, o empresariado está com ele… Tudo estava com ele. E o país era ingovernável?

Hoje, existe um cenário propício?
Vejo um quadro rigorosamente diferente. Tivemos naquele período a Guerra Fria. Tudo que não levava apoio ao EUA era presuntivamente prova de que apoiávamos a URSS. Essa visão influiu na opção militar. Mas houve causas de natureza social, inflação galopante, crise social aguda, desemprego, dívida externa.

De nossa parte, uma reforma agrária contestada por interesses contrariados. No Congresso, a maioria era favorável a manter a Constituição como estava, de modo que impedia uma reforma. São causas laterais que criaram um conflito da inviabilidade do governo Jango.

E hoje?
Hoje você tem um governo de uma liderança que, para setores da sociedade, é inaceitável e questionável. Mas daí dizer que dele resulta uma articulação golpista, acho que é uma visão exagerada.

Bolsonaro chega ao governo sem que tenha um programa minimamente apresentável. Ele foi eleito por essa maioria fascinante do ponto de vista numérico como um grande protesto nacional contra tudo. Não especificamente a favor dele.

É contra o desamparo, o desemprego, a corrupção, contra os partidos políticos que se deterioraram e foram se transformando em grupelhos. Ele tem o privilégio de ter uma maioria fascinante. Quem, antes dele, teve algo semelhante? Getúlio Vargas, no mandato de 1950. Fora isso, quem? Nem o Lula.

Em 2002, Lula teve mais votos.
Mas não com essa dimensão.

O sr. acha que o povo deu um cheque em branco?
Essa é a inquietação. Você tem um país ainda sem programa, a revolta é real e numa expectativa de que ele responda. E Bolsonaro tem pela frente muitas perguntas.

O seu foi o 14º nome da lista de cassados no dia 9 de abril de 1964, pelo golpe deflagrado sob pretexto de salvar o Brasil do comunismo. Aos 89 anos, o sr. ainda se considera um perigoso comunista?
Não vejo correlação entre o passado e hoje. Não vejo a presença comunista no país sendo objeto de um debate. Menos ainda de um risco qualquer.

O sr. mesmo já disse que em 1964 não havia esse risco.
Não havia o risco comunista de verdade. Mas houve uma programação acusatória, com a grande imprensa inclusive, e influiu muito na decisão dos militares. Se pegar todos os manifestos dos principais líderes militares no dia do golpe, os quatro generais, todos dizem que estão salvando o país do comunismo.

Mas esse discurso voltou. Quem faz oposição ao Bolsonaro é chamado de comunista, vermelho. Essa ameaça estava no discurso de campanha do presidente eleito.
Quem são os comunistas hoje nessa acusação implícita ou explícita? Seria o PT? O PT não tem nada de comunista. Lula nunca foi comunista. Haddad é nada comunista. Não vejo nenhuma organização comunista que justifique esse tipo de argumentação.

O sr. atribui o golpe ao contexto da Guerra Fria. Hoje quais são os interesses geopolíticos em jogo nessa guinada de poder no Brasil? O mundo está caminhando para a direita?
O mundo está tendo uma projeção à direita crescente. O quanto isso se articulará em organizações à maneira do nazismo e do fascismo me parece, neste instante, muito distante.

Mas há algo que pode associar-se. Termina a Primeira Guerra Mundial. Você tinha a Alemanha arrasada, humilhada. Nesse imenso vazio, surge uma liderança que gradualmente incorpora esse protesto. Foi criando o Hitler. Esse potencial me inquieta. Não estou dizendo que ele está configurado. Mas há algo de semelhante.

Assistindo à montagem do governo, o sr. diria que ele aponta para um equilíbrio social?
Não votei nele. Dei nota dizendo que votaria no Haddad. Mas ele está tendo, até com razões de eu aplaudir, atitudes que ganham apoios impensáveis. Exemplo: a convocação do Sergio Moro para o ministério. Joga crédito para o ponto de partida do governo. Não há governos que não tenham em seus ministérios balanças e contrabalanças.

Na volta do exílio, o sr. participou de governos do MDB e do PSDB. Nas eleições, esses dois partidos foram derrotados pela onda conservadora de Bolsonaro. O que aconteceu que o chamado centro se desmanchou?
Ambos os partidos descumpriram os papéis mínimos para os quais nasceram. O PSDB ficou tão marginalizado diante dos problemas a serem enfrentados que teve a derrota que teve. Culpa pessoal do Alckmin? Quem quiser analisar dirá o sim, dirá o não. Geraldo sim, Geraldo não. Mas teve o arrebentamento interno partidário.

O PSDB estava fraturado de ponta a ponta do país em plena eleição. E, se eu tomo a presença do PSDB como partido da oposição ao longo dos governos Dilma e Lula, quando a corrupção se transformou em um tema —não estou dizendo que houve ou não houve, mas se transformou em um tema de presença política diária—, o papel do PSDB foi de uma omissão total. Ele não cumpriu o papel de anticorrupção.

E o MDB? 
Tudo o que estou dizendo vale enormemente para o próprio governo. Se você levar em conta o número de figuras ligadas ao governo sucessivamente acusadas perante o STF... Alguns estão presos. Outros com processo caminhando. Onde o MDB cumpriu essa papel anticorrupção? Pelo contrário. Afundou-se nisso.

O sr. acha que se o PSDB tivesse expulsado o Aécio e demais acusados poderia se credenciar para o papel de anticorrupção?
Pelo menos, tinha o dever de cumprir esse papel. Com uma história pessoal de um jovenzinho que chegou à presidência da Câmara, ligado a essa figura marcante que foi Tancredo Neves, senador da República que quase chegou à Presidência, Aécio tinha o dever de cumprir esse papel de vanguarda. Não cumpriu. Tudo que falo do PSDB canaliza-se em figuras omissas. Lamento dizer que Aécio Neves não cumpriu o papel que o cargo dele o obrigava.

Mas se ele mesmo foi denunciado. 
Só agrava o que está dizendo.

O sr. acha que o PSDB deveria ter expulsado Aécio? Que Alckmin deveria ter coordenado o trabalho de investigação interna?
Mas o Alckmin entrou na presidência do PSDB anteontem. Ele ficou literalmente só. Não estou defendendo o Alckmin. Constatando. Alckmin foi candidato à Presidência sem partido. FHC, líder nacional, disse uma palavra sobre isso? Nenhuma. O Aécio nem tinha condições de dizer no grau de estar sob quase que em uma condenação grave. Meu amigo José Serra, por problemas de saúde ou não, silenciado.

Serra também foi acusado. 
Lamentavelmente também ele. Você pega o Tasso Jereissati… As lideranças do PSDB deixaram Alckmin literalmente só.

E, nessa reta final, o único que se manifestou contra o Bolsonaro, diante de risco de retrocesso, foi o próprio Tasso. O sr. acha que o PSDB se omitiu?
Estou dizendo que as omissões não são de agora. Vêm vindo gravemente. E não dá para excluir isso do grau de desatenção popular que houve.

Alckmin perdeu para Bolsonaro no interior de São Paulo, depois de ter sido três vezes e meia governador do estado. É pobre como explicação analisar essa derrota pelo mero “errou, não foi enfático, não é bom orador”. Para mim a explicação é esse vazio da corresponsabilidade, sobretudo do PSDB e MDB. Porque o PT ficou no banco dos réus. E também não cumpriu o papel do anti que deveria ter cumprido de maneira enfática.

O sr. já disse que em 1964 os dois lados tinham um projeto de país e que hoje não existe nenhum. Qual seria o projeto nacional para o país?
Que surja um partido que cumpra um papel efetivamente democrático. Os partidos se esvaziaram. Não há debate interno. Nem no PT.

No meu último mandato de deputado federal, o PT tinha uma bancada brilhante. Para qualquer tema, antes de decisão, tinha uma reunião. Isso murchou. “Quem é candidato? Lula quer.
Quem é? Não quer”. Isso se tornou tão autocrático que matou muito a vitalidade do partido. Essa é minha visão de fora.

No PSDB foi assim. No MDB não precisa nem falar. Há algo antidemocrático profundo. Um amordaçamento na sociedade.

O Brasil não tem um projeto?
Se tem, não tive a honra de saber. Em abril, completo 90 anos. Quero comemorar meus 90 anos sabendo qual é o projeto. Juro a você que vou para a rua.

Que projeto faria o sr. ir às ruas?
A preliminar é recriar a mensagem da articulação democrática no país. Ou há partido que democraticamente funcione ou não tem saída.

O sr. acha que a concentração de poder nas mãos de Lula foi nociva?
Foi. Fiz a comparação do que foi a bancada do PT no último mandato que exerci, onde havia uma presença real de debate. O Lula cumpriu um papel de liderança exponencial, mas afogou a possibilidade de participação generalizada. As figuras foram sumindo.

Nos atos contra a prisão dele houve uma mobilização maior, inclusive de jovens. O sr. acha que isso poderia revigorar o partido ou o PT está condenado ao esfacelamento?
Esse drama não é de um, mas de todos os partidos. Ou esses partidos ressurgem ou não sei. Volto agora à sua primeira pergunta, se no quadro atual há riscos [à democracia] ou não. Quando você não tem uma comunidade organizada, tem. Tem lá uma figura importante da velha Grécia que dizia que não há lugar vazio. O vazio se ocupa. É tão verdadeiro isso.

O Bolsonaro ocupou. 
Não quero fazer essa comparação para não ficar fazendo fantasias adoidadas: o Hitler ocupou. Havia o vazio na Alemanha. E o vazio se ocupa. Há uma liderança [no Brasil]? Eu diria que, potencialmente, há. Há intelectuais de valor, figuras com conhecimento de história, que percebem tudo que estamos dizendo aqui. Ou não percebem?

O sr. acha que o Bolsonaro pode ser esse líder? O sr. diz que existe um vazio programático e organizativo no país. O sr. acha que alguém pode ocupar esse vazio?
Não sei o que é o Bolsonaro. Quero que o Brasil saia do atoleiro. Mas ele até agora não revelou isso. Para mim, o primeiro gesto dele foi a escolha do Moro, de muita significação. Se ele puder aqui, ali e ali, cria em torno dele este núcleo para um governo que pense. Até agora, não mostrou isso.

Quem poderia ocupar essa liderança? 
Tem uma figura que teve uma história. Foi o Fernando, FHC. Foi duas vezes presidente da República, ministro das Relações Exteriores e ministro da Fazenda, em algo que foi significativo, que foi o Plano Real. Ele vai perdoar-me pela relação humana.

Seria um homem que tem condições pessoais para poder dizer “convido, proponho nós três para…”. As precondições ele tem. Por que não assume? Digo, de público, assuma, Fernando. Você tem uma história, tem condições, tem renome, tem um nome limpo. Assuma. Não diga as coisas em meio-termo. Não diga em reticências. O país está precisando de alguém que assuma um papel relevante e congregue em nome disso.

O sr. acha que Moro pode vir a ocupar um papel de liderança? Dizem que ele tem um projeto político.
Não sei se ele tem temperamento político. Porque não basta saber. É preciso ter um quê, um certo charme. Para uma liderança política, ele não revela ter.

Especula-se o nome de Moro para a sucessão, João Doria está se articulando para 2022 e Ciro Gomes já está articulando uma frente cirista. O sr. consegue vislumbrar um cenário para 2022?
Não vai faltar nunca candidato a candidato. Precisamos de um estadista neste país.

O sr. citou FHC.
Não estou dizendo que ele é. Fiz um apelo para que ele seja. Ele vai se zangar comigo. Mas não disse que ele é.

O sr. acha que, se ele tivesse atuado como um estadista durante essa eleição, o resultado seria outro?
Se o PSDB tivesse atuado como deveria, não estaríamos neste atoleiro. O PSDB tem uma corresponsabilidade muito grande por esse quadro negativo.

Por que declarou voto em Haddad? 
Porque sou defensor absoluto do dever de votar. Entre os dois, eu dizia “há, pelo menos, do lado de Haddad figuras que eu, de alguma forma, conheço, sei e quem sabe pode criar no entorno dele ”. Do outro lado, eu não sabia nada. Não sei nada do Bolsonaro.

E a própria forma que, ao longo da campanha, o Bolsonaro teve expressões de um radicalismo estúpido até, eu me perguntei por que daria crédito. Eu também não achava que estávamos indo para uma solução. Com devido respeito, Haddad não encarnava uma solução. Haddad é um ser humano respeitável. Mas não encarnava a solução.


Época: Quem são os militares que estarão no coração do poder

Os generais Mourão, Santos Cruz e Heleno vão ocupar lugares estratégicos na configuração do Palácio do Planalto. O almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior foi anunciado nesta sexta-feira (30) para o Ministério de Minas e Energia

Jailton de Carvalho, da Revista Época

Com a indicação de Carlos Alberto dos Santos Cruz para a Secretaria de Governo, já são quatro os generais no alto escalão do presidente eleito Jair Bolsonaro Em junho, quando o cenário eleitoral ainda estava indefinido, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz deixou discretamente o comando da Secretaria Nacional de Segurança Pública para mergulhar na campanha do capitão da reserva Jair Bolsonaro, visto por muitos naquele momento como um azarão. Neste mês, na segunda-feira dia 26, o agora presidente eleito anunciou num inesperado tuíte que Santos Cruz será o futuro chefe da Secretaria de Governo, um dos dois cargos mais importantes na estrutura da Presidência da República. Caberá ao general gerenciar os ministérios e fazer a interlocução do futuro governo com os grupos da sociedade civil.

Santos Cruz será o terceiro general com um lugar estratégico na próxima configuração do Palácio do Planalto — os outros dois confirmados serão o vice-presidente, Hamilton Mourão, e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. A ascensão de Santos Cruz ao coração do poder foi uma surpresa, porque ele havia sido convidado pelo ex-juiz Sergio Moro a voltar à Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Por que Bolsonaro escolheu esse general para ocupar um cargo político como a Secretaria de Governo? Para ex-colegas de caserna, essa dúvida não existe. Santos Cruz se credenciou a um gabinete no Planalto pelo extenso currículo internacional, pela proximidade com o presidente eleito e, sobretudo, porque seu histórico pessoal coincide com o perfil de austeridade e dureza que Bolsonaro idealiza para o governo.

Tido como um linha-dura entre os linhas-duras do Exército, o general é quase uma lenda entre os militares das três Forças, sobretudo entre os mais jovens. “Ele é faca na caveira”, resumiu um militar a uma assessora do governo quando o general retornou ao Brasil, depois de passar dois anos — entre 2013 e 2015 — como chefe da missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) na República Democrática do Congo. “Ele não tem medo de matar ou morrer quando está em ação. Sabe que isso faz parte do trabalho. Ele é simplesmente pragmático”, explicou um oficial experiente, que conhece bem a carreira de Santos Cruz.

Com a imagem de homem simples e rigoroso, Santos Cruz viu a fama crescer quando chefiou a tropa internacional da missão de paz da ONU no Haiti, entre 2007 e 2009, num dos períodos mais críticos de um país arrasado pela extrema pobreza, por desastres naturais e por conflitos de grupos políticos e gangues armadas. Num dos momentos mais tensos, a casa onde o general morava foi cercada por uma gangue. Ele sacou uma arma e rechaçou os inimigos a bala. “Quantos morreram?”, perguntou um oficial tempos depois, ao ouvir o relato. “E você acha que eu fui lá fora contar?”, retrucou Santos Cruz.

O episódio foi narrado a ÉPOCA por dois oficiais. Um ex-colega de Exército disse que o general teve de partir para o tudo ou nada porque do outro lado estavam criminosos a serviço de grupos empresariais contrários à presença forte da ONU no Haiti. Seriam integrantes de quadrilhas similares ao Primeiro Comando da Capital (PCC) no Brasil. Segundo o oficial, esse tipo de embate não é incomum nas ruas de Porto Príncipe. No Congo, onde chefiou uma missão de mais de 20 mil militares de vários países, o general testou sua coragem num grau de risco ainda mais elevado. A situação era tão complicada que, pela primeira vez, a ONU autorizou uma missão de paz a fazer a guerra, caso fosse necessário. E foi isso que aconteceu. Em alguns casos, as tropas de paz tiveram de entrar em combate com grupos armados.

Numa das operações, em maio de 2015, o helicóptero onde estava o general foi atacado a tiros e teve de fazer um pouso forçado. O risco de morte não abalou o comandante. “Essas coisas fazem parte do trabalho. O fato de termos sido atingidos mostrou que estávamos perto do local onde (os grupos armados) se escondiam. O nível de emoção não tem importância”, minimizou Santos Cruz numa entrevista pouco depois de sobreviver ao ataque.

O lado impetuoso do general também pesou em sua decisão de deixar repentinamente a Secretaria de Segurança para se engajar na campanha de Bolsonaro. No comando da Secretaria, Santos Cruz defendia que as tropas militares subissem os morros do Rio de Janeiro, sob intervenção federal, e se necessário partissem para o confronto armado com criminosos, com liberdade inclusive para matar. O ministro da Segurança, Raul Jungmann, discordou, com o argumento de que confrontos de militares nos morros poderiam gerar forte reação. Insatisfeito, Santos Cruz se manteve em silêncio, mas pediu o boné e foi fazer fileira nas hostes de Bolsonaro. “Não me sinto confortável aqui”, desabafara o general a um amigo.

Como secretário de Governo, ocupará um cargo um degrau acima dos demais ministérios da Esplanada. Amigo de Bolsonaro desde que participaram juntos de competições de pentatlo nos anos 80, Santos Cruz será um dos principais conselheiros do presidente eleito. O núcleo de apoio militar a Bolsonaro no Planalto ainda é reforçado por outros dois generais linha-dura: o vice-presidente, Hamilton Mourão, e o futuro ministro do GSI, Augusto Heleno. Mourão e Augusto Heleno se destacaram ao fazer, quando ainda estavam na ativa, duras críticas ao governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Os dois tornaram pública uma forte insatisfação de setores das Forças Armadas com os governos do PT.

Ex-professor de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Heleno é o militar com maior influência sobre o presidente eleito. “A relação entre eles é de pai para filho”, disse um general da ativa. Da mesma forma que o pupilo, Heleno não tem receio de entrar em polêmicas. Em outubro, com o clima ainda quente por causa das eleições, o general declarou que “direitos humanos é para humanos direitos”. O general Mourão não fica atrás. Durante a campanha, o vice-presidente eleito, sem medo de parecer politicamente incorreto, disse que o Brasil “herdou a cultura de privilégios dos ibéricos, a indolência dos indígenas e a malandragem dos africanos”.

Um pouco mais distante do Palácio do Planalto, mas ainda assim próximo a Bolsonaro, está o futuro ministro da Defesa, Fernando Azevedo. Mais contido que os futuros colegas de ministério, o general foi, até recentemente, assessor do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Com tantos generais em postos estratégicos, este é ou não é um governo militar? Para Santos Cruz, não. “Simplesmente são pessoas conhecidas dentro de um ambiente profissional. Não estão representando ali as Forças Armadas. As escolhas foram decisões pessoais. Não pode confundir a escolha de pessoas que são militares da reserva com um governo militar. São coisas completamente distintas”, afirmou.


Eliane Cantanhêde: Justiça vira grande PF

Assim como Bolsonaro atrai generais, Moro monta Justiça com delegados da PF

O Ministério da Justiça atraiu de novo a segurança pública, cresceu tanto que está virando uma grande Polícia Federal. Cuida de vários assuntos, mas os principais postos, quadros e recursos irão para as investigações contra corrupção, crime organizado e violência urbana.

Sérgio Moro estará às voltas, teoricamente, com índios, drogas, ordem econômica, consumidores, estrangeiros, arquivos nacionais, pirataria, tráfico de pessoas, patrulhamento de estradas e a sempre explosiva política penitenciária. Ufa!

Na prática, porém, Moro valeu-se de sua própria experiência de juiz criminal e ícone da Lava Jato e das duas mais contundentes promessas de campanha do presidente eleito, Jair Bolsonaro: acabar com a corrupção desbragada e a insegurança dos cidadãos e cidadãs de Norte a Sul.

Foi com base na sua experiência profissional e da sólida aliança que construiu com a PF que Moro encheu o seu ministério de delegados federais, assim como Bolsonaro montou seu governo – particularmente o próprio Planalto – com os velhos companheiros do Exército, hoje todos generais.

O anúncio de Moro para o superministério da Justiça, à semelhança de Paulo Guedes no superministério da Economia, foi recebido com enorme apoio pela sociedade, com ressalva para o PT, setores da esquerda e uma parte do Judiciário preocupada com a simbiose da figura jurídica e da figura política do ícone da Lava Jato.

Assim, a expectativa quanto ao trabalho de Moro é imensa e, quanto mais alta a expectativa, maior o risco de frustração. A sociedade está exausta de tanta corrupção, mas está ainda mais desesperada com a insegurança. Se o tempo passa e nada acontece, há o temor de Moro ser confrontado pela mãe irada com o assassinato da filha, o pai desesperado com mais um assalto na sua loja, todos achando que nada mudou e, injustamente, frise-se, cobrando: “E esse Moro, não faz nada?”.

Pior: ele não pode, por pressão da sociedade, sofreguidão do novo governo ou excesso de exigência consigo mesmo, sair numa corrida desabalada para mostrar serviço e resultados logo. Tudo é um processo. E em andamento.

A PF já é um exemplo de eficiência e bate recordes, mesmo em tempos de orçamento curto e olhares tortos dos poderosos de plantão. Com dez mil homens (contra 20 mil do FBI nos EUA), apreendeu 60 toneladas de cocaína neste ano até agora e realizou 297 operações contra corrupção e desvio de recursos, sem incidentes graves.

O momento mais tenso foi em 6 de setembro, com a facada que quase matou Bolsonaro. Três dias antes, o diretor-geral da PF, Rogério Galloro, se reuniu com o candidato e pediu que tivesse mais cautela, usasse colete à prova de balas e evitasse ficar vulnerável em manifestações com milhares de pessoas. Ele não lhe deu ouvidos.

Galloro estava nos EUA, numa reunião com autoridades policiais do País, quando um assessor lhe mostrou a notícia pelo celular. Minutos depois, o delegado americano que se sentava à sua frente recebeu a mesma notícia. A reunião acabou abruptamente e ele voltou ao País.

Antes de passar o bastão para o seu velho colega e também delegado Maurício Valeixo, Galloro fica devendo uma espécie de balanço sobre sua curta gestão de menos de um ano, focando em duas investigações bem avançadas, mas sem conclusão: o próprio esfaqueamento de Bolsonaro, considerado até agora o um ato insano e solitário, e o assassinato de Marielle Franco. Neste caso, pode haver fortes novidades.

Se a expectativa nacional é de que Moro vire tudo do avesso, o mais provável é que continue e aprofunde ainda mais um bom trabalho que já vem sendo feito pela PF, MP, Receita e Justiça. Muito já foi feito, falta ainda muito a fazer.


Política Democrática: “Entramos na era da mentira”, afirma Sérgio Denicoli

Pós-doutor em comunicação analisa avanço da internet, em artigo publicado na edição de novembro da revista Política Democrática online

Por Cleomar Almeida

O pós-doutor em Comunicação e diretor da AP Exata – Inteligência Artificial, Sérgio Denicoli, diz que a expansão da internet, possibilitada pelo surgimento da web, em 1989, sustentou a crença de que “o novo meio online seria um grande campo de liberdade”. No entanto, hoje, segundo ele, “entramos na era da mentira, das teorias da conspiração, que influenciam nossos amigos e familiares”, como escreve em artigo publicado na edição de novembro da revista Política Democrática online, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Partido Popular Socialista (PPS).

Com o título “As doces, atraentes e estimulantes fake news”, o artigo ressalta que, no início, a ideia que havia era de que finalmente o mundo se livraria das amarras da mediação da imprensa, que, segundo ele, é “contaminada pelos seus mais diversos interesses e pela sua proximidade com o poder político”.

» Acesse aqui a edição de novembro da revista Política Democrática online

No final dos anos 1980, como observa o pós-doutor em Comunicação, acadêmicos e críticos entendiam que a imprensa desenhava toda a narrativa da vida pública e que a internet trazia ao mundo a possibilidade de democratização da informação. “As pessoas comemoraram, então, o surgimento do chamado ‘jornalista cidadão’, aquele que não precisava de intermediários para difundir uma notícia. Foi uma onda avassaladora a transformação dos internautas em produtores e não apenas consumidores de conteúdo”, escreve ele, em um trecho.

No entanto, de acordo com Sérgio Denicoli, houve mudança não apenas no ato de se reportar algo. “A internet viria a colocar em causa muitas profissões que tinham a mediação como norte. Foi assim que aconteceu a revolução do Uber, do Airbnb – que permite às pessoas comuns alugarem suas próprias casas como se fossem hotéis –, dos classificados, do comércio de imóveis, entre tantos outros exemplos. Enquanto essas mudanças eram comemoradas, o mundo não percebeu que, aos poucos, a internet foi sendo capturada”, acrescenta ele.

Segundo o diretor da AP Exata – Inteligência Artificial, empresas ultraglobais, como Google, Facebook, Twitter etc, construíram resorts de comunicação e cooptaram bilhões de usuários, os quais, conforme ressalta ele, foram transformados “em produtos narcisistas municiados de espelhos hipnotizadores”. “Ocorreu, portanto, a digitalização da vida, com ideias, opiniões e momentos privados devidamente classificados e armazenados em data centers espalhados pelo planeta. As pessoas foram agrupadas em bolhas e viraram presas”, afirma Sérgio Denicoli.

Assim, conforme aponta o artigo, “um ambiente que chegou anunciando liberdade se tornou uma prisão sem muros, com requintes apurados de cooptação ideológica”. “Tudo devidamente disseminado por robôs e alimentado pelo que denominamos de ‘perfis de interferência’, criados especificamente para interferir nos mais diversos processos que envolvem a opinião pública”.

Na avaliação do pós-doutor em Comunicação, a sociedade entrou não somente “na era da mentira”, mas também na das “teorias da conspiração, que influenciam nossos amigos e familiares”. “Estabeleceu-se um surto coletivo, onde, se achando mais que especial, o internauta acredita que sua vida é o centro das atenções e que sua opinião deve prevalecer, sendo ela apoiada em pós-verdades, se assim for necessário. Uma doce ilusão. Tão doce e atraente, como uma bem construída fake news”, escreve ele, no artigo.

 

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Revista Veja: FHC - “O centro radical”

FHC diz que eleição explodiu o sistema, afirma que “fascismo” e “comunismo” são apenas fantasmas e que partido sem conexão com a sociedade estará liquidado

Por Ana Clara Costa, da Revista Veja

Prestes a terminar o quarto volume de suas memórias do período em que ocupou a Presidência da República (1995-2002), Fernando Henrique Cardoso, de 87 anos, acredita que o momento político do Brasil requer “paciência histórica”. Diz que o país vive um período de transição, com o fim de um ciclo iniciado na Constituição de 1988, em que os partidos criados falharam em representar os anseios da sociedade. FHC afirma ser exagero ligar o governo Bolsonaro a um movimento “fascista”, apesar da migração das forças políticas para a direita. O tucano prega a construção de um “centro radical” para se opor a medidas extremas e declara que, se o PSDB não ocupar esse papel, ele não vê razões para continuar no partido. “Se o PSDB virar uma sublegenda do governo, qualquer governo, estou fora.”

O senhor tentou, no período eleitoral, criar uma força democrática de centro, e não deu certo. O que aconteceu?
Não houve interesse do eleitor em escolher o centro porque ele achou melhor botar ordem na casa. Quem simbolizou segurança, ordem e combate à corrupção ganhou. Não houve discussão econômica.

Como ocorreu essa tentativa de costurar uma frente?
Estou mais fora da política do que as pessoas pensam. Mas eu acho o seguinte: quando há uma polarização como houve no Brasil, o medo prevalece acima de tudo. A razão perde sentido prático. As pessoas que querem ser razoáveis, como é meu caso, ficam sem espaço. Uns dizem “Eu sou o bem e quero extirpar o mal”. E, quando você diz “Cuidado, o bem e o mal são relativos, é preciso conviver”, você fala sozinho.

Mas o senhor chegou a fazer um movimento concreto nesse sentido?
Eu falei com algumas pessoas, fiz uma ou outra reunião. Mas não estou no cotidiano do partido e acho também que não tinha mais espaço. A polarização não depende de você querer. Ela acontece. Quando a população descobriu as bases podres do poder, ficou contra o poder e quem o simboliza. Acho um absurdo que alguns tenham sido derrotados, gente séria, competente. Mas é assim que funciona. Política não é uma escolha de quem é mais competente, quem é melhor. É de quem, naquele momento, bate com o sentimento do eleitor.

Como chegamos a esse estado de coisas?
Nossa visão do mundo político nasceu no século XIX e se consolidou no XX. Havia as classes, não necessariamente opostas umas às outras, e os partidos, que representavam uma ideologia pertinente aos interesses e valores dessas camadas. O mundo atual rompeu isso porque a mobilidade social aumentou, a coesão entre esses grupos diminuiu e há fluxos de dinheiro e comunicação muito grandes. O primeiro sociólogo que viu esse movimento chama-se Manuel Castells, meu colega em 1968 em Nanterre (na Universidade Paris X, na França, onde FHC lecionou) e meu amigo até hoje. A Sociedade em Rede, livro que Castells lançou em 1996, é, no fundo, isso. Estamos em um momento de transição, e a nova sociedade é dos que estão conectados. Essa conexão salta estruturas e até instituições nacionais.

“Os dois lados estão inventando fantasmas. Um vê fascismo, o outro acha que o comunismo está à porta. Há uma guerra de narrativas. E narrativas em que não entra o povo”

O Brasil vive um momento de desmonte das estruturas, ou, como o senhor diz em seu último livro, “uma nova era”?
Sociologicamente, eu diria que, nestas eleições, “a história se manifestou estourando tudo de maneira cega”. Há momentos em que há explosões, e aqui houve uma explosão limitada, mas foi uma explosão do sistema anterior. Então, há um processo geral que permeia todas as sociedades que estão conectadas. É preciso agregar a tremenda corrupção que houve ao horror que ela produziu. O povo se assustou e disse “basta!”

Houve uma “direitização” do Brasil?
No espectro direita-esquerda, é claro que estas eleições foram mais para a direita. Antes, os partidos polares eram o PT e o PSDB, e quem fazia o meio de campo era o PMDB, que era o partido de Estado, das estruturas políticas. Na verdade, PT-¬PSDB foi uma polarização forçada. O PT dizia que a direita era o PSDB. Agora viu que não é. A sociedade mudou muito, e aqueles que se supunham progressistas não foram capazes de simbolizar algo que o povo aceitasse. Isso quer dizer que o país é conservador? Pode ser. A tendência dos países em geral é se conservar. Todo mundo fala em mudança, em evolução, mas as pessoas têm medo de mudar. Aqui, vão conservar o quê? Não está claro, porque o governo não existe ainda.

A campanha eleitoral foi amparada em valores mais conservadores, como Igreja, família.
Nesse aspecto, seria um conservadorismo que eu diria que a maioria dos brasileiros aceita. Mas a verdade é que o mundo contemporâneo tem muita diversidade. O que se entendia como família era marido, mulher e filhos. Os líderes hoje — não é o meu caso — têm ou tiveram várias mulheres. Como compatibilizar isso com um valor tradicional? Não sei. Porque a realidade mudou, a diversidade passou a ser parte da vida. Como impedir a diversidade? Pode falar que vai, mas, na hora de fazer, não é tão simples.

O Brasil nunca foi território de êxito para posições fanáticas. Considerando-se o acirramento dos ânimos nas eleições, o senhor acha que esse traço da sociedade brasileira pode se transformar em fascismo diluído?
Não. Olha, os dois lados estão inventando fantasmas. Um vê fascismo, o outro acha que o comunismo está à porta. Isso era na época da Guerra Fria, quando o comunismo existia, havia a União Soviética. Onde está isso hoje? Na China? A China está vendendo, comprando, utilizando os instrumentos de mercado para tomar conta do mundo. Na Coreia? A Coreia do Norte é força que imanta alguém? Não. E o fascismo? O fascismo era uma organização que tinha um pensamento, uma concepção corporativa e que se opunha ao comunismo. Então, o que se vê frequentemente são duas imagens do passado. Há uma guerra de narrativas. E narrativas em que não entra o povo, que não está em uma nem em outra. O povo quer trabalho, proteção contra a violência, essas coisas mais normais.

Seria, então, um movimento cíclico de alternância de poder?
De certa forma, porque Jair Bolsonaro representou o encerramento de um ciclo. Talvez o que tenha terminado agora seja o ciclo que inauguramos na Constituição de 1988, quando tivemos uma visão de pluralidade partidária mas acabamos não criando partidos, e sim corporações de interesses de grupos, de pessoas. Mas isso quer dizer que o novo ciclo vai ser permanentemente como ele é hoje? Não. O importante é entender que o momento que vivemos não tem nada a ver com o que ocorreu em 1964. É outro momento. As Forças Armadas não estão pressionando pelo autoritarismo.

“O PSDB ganha quando ele não é ideológico, quando tem pragmatismo com valores. Será que o PSDB vai ser capaz de se reorganizar de forma mais equilibrada? Se não for, estou fora”

Há declarações de generais sugerindo temor de politização dos quartéis.
Mas eles tentam controlar também. E nem sei se vai haver, porque, na verdade, depende um pouco do que o governo faça e de como a sociedade reaja ao que ele fizer. Não há uma teorização de que chegou a hora de quebrar o Estado e fazer outro.

O senhor vê alguma tendência de autoritarismo, como ocorre na Hungria?
Creio que não. O que não quer dizer que eu não tenha preocupação. Acredito que democracia não é dada para sempre, é preciso que ela esteja ativa. Mas nós vivemos uma situação em que, primeiro, eu não votei em quem ganhou, e quem ganhou, ganhou eleitoralmente. Não tem golpe aí. Segundo, a imprensa continua existindo como ela é. Com sua natureza crítica. Em uma sociedade aberta, a imprensa só sobrevive criticando.

Diante das mudanças de estruturas, que papel deverá ter a oposição no novo governo?
Há espaço para o PT? Primeiro, temos de ver o que sobra nesses escombros. Não creio que o PT vá sumir, porque ele expressa setores da sociedade. É preciso que todos os partidos que quiserem sobreviver entendam que o resultado eleitoral é consequência de atos também deles. Essa repulsa é porque os partidos não funcionaram. Mas, mais que uma oposição, é necessário o fortalecimento do que eu chamo de “centro radical”.

O que seria um “centro radical”?
Um centro que não seja amorfo, mas que tenha posições, e que elas não sejam extremadas. E mais: não adianta juntar apenas deputados. Ou tem a sociedade no meio — líderes empresariais, sindicais, religiosos e universitários — ou não existe. Se for mantida a separação entre política e sociedade, a rede vai acabar ligando a sociedade e a política ficará de fora.

Como fazer essa ligação em meio a tanta frustração com a política?
Esses movimentos que apareceram nestas eleições, o Agora, o RenovaBR, o Acredito, são muito importantes, porque é uma nova geração que surge. E chegou o momento em que a geração que estava no mando precisa passar o bastão — não a geração à qual eu pertenço, que já está há muito tempo fora. Mas isso não é uma decisão pessoal, é preciso que a geração seguinte queira pegar o bastão, que tenha energia para isso. Mas tem de dar um pouco de tempo ao tempo. Não se muda de repente tudo. Tem de ter o que eu chamei, num artigo que escrevi, de paciência histórica. Sei que é fácil dizer isso para quem não está no jogo. Mas é necessário.

O PSDB não sabe se ficará no governo ou se será oposição. O senhor antevê um racha e a criação de uma nova legenda?
É possível, mas não é conveniente. Se o PSDB cometer o erro de ser uma sublegenda do governo, acabou. É mais um. Se ele fizer, pelo lado contrário, oposição sistemática estilo PT, também acabou. Ou ele atua realmente como centro radical, na forma como eu defini, ou ele não tem mais sentido. Acho que o PSDB ganha quando ele não é ideológico, quando ele tem pragmatismo com valores, não o pragmatismo do oportunismo clientelístico. Mas neste momento isso não é aceito, porque o pessoal não está equilibrado. Será que o PSDB vai ser capaz de se reorganizar de uma forma mais equilibrada? Se ele não for, eu estou fora.

O senhor sairá do partido se houver adesão ao governo?
Se o PSDB virar uma sublegenda do governo, qualquer governo, estou fora.

O senhor se desfiliará?
Por enquanto não, por enquanto estou fora da posição, mas vamos ver, não sei qual vai ser a dinâmica no PSDB. Perdemos a eleição por erros também nossos. Temos de ser capazes de fazer autocrítica. Sobreviver porque vai ter um carguinho, sobrevive-se, mas com migalhas. Não com voto da maioria, não com o coração nem com a mente da maioria. Ah, para que vou me meter nisso a esta altura da vida?


Vinicius Torres Freire: O dinheiro que não existia sumiu

Estados e até Bolsonaro podem ficar sem recursos de megaleilão de petróleo em 2019

O futuro governo de Jair Bolsonaro pretendia entregar a estados e municípios parte de um dinheiro que talvez arrecade no ano que vem. Esse repasse viria de uma venda de direitos de exploração do petróleo do pré-sal. Nos sonhos de governadores e prefeitos, seriam mais de R$ 20 bilhões.

Em troca, economistas de Bolsonaro queriam apoio de governadores à reforma da Previdência e até compromissos de controle de gastos (ilusões). Deu chabu. Esse dinheiro que ainda não existia evaporava na tarde desta quarta-feira (28).

Mesmo se voltar a chover na horta de estados e cidades, não viriam tantos bilhões do petróleo. De resto, essa ajuda encrenca o governo federal. Repasse extra para estados e municípios é despesa, sujeita ao teto de gastos. Se repassa o dinheiro, o governo tem de cortar mais em outra área (reduzir o investimento em obras a quase nada).

No Senado, dizia-se que o governo poderia arrecadar até R$ 130 bilhões com esse leilão especial de petróleo. Na equipe bolsonarista, a projeção chegava a R$ 100 bilhões. Na estimativa mais pessimista do governo de Michel Temer, a R$ 60 bilhões.

Além das estimativas disparatadas, há mais problema. Parte desse dinheiro seria usada para pagar um acerto de contas do governo com a Petrobras. Quanto? O pessoal do governo Temer não pode revelar o valor. Há chutes em torno de R$ 20 bilhões.

Pelo acordo entre Senado e o pessoal de Bolsonaro, estados e cidades ficariam com 20% do dinheiro desse leilão de petróleo. Na pior das hipóteses dos chutes listados acima, o repasse federal ficaria então perto de uns R$ 8 bilhões.

Há mais problema.

Em 2010, o governo Lula vendeu à Petrobras o direito de explorar até 5 bilhões de barris de petróleo em áreas do pré-sal (isso teve o nome horrendo de "cessão onerosa"). Como não se sabia de fato quanto petróleo haveria ali, entre outras indefinições, esse contrato seria revisto assim que houvesse informação melhor (para piorar, o contrato da "cessão" tinha buracos).

Deve haver pelo menos mais 6 bilhões de barris naquela área do pré-sal, sabe-se agora. O governo pode leiloar o direito de explorar esse petróleo ("excedentes da cessão onerosa"). É dessa venda que se trata aqui.

A Petrobras acha que tem dinheiro a receber nessa revisão de contrato (teria pago caro demais etc.). União e Petrobras não chegaram a um acordo; o pessoal de Temer teme ser legalmente frito se assinar um contrato que leve o governo a pagar o que a Petrobras quer.

Para haver segurança, as bases de um acordo foram enfiadas em um projeto de lei, o qual permitiria à Petrobras vender áreas que levou na "cessão onerosa" (isso faz parte do programa de abatimento de dívida da petroleira).

Esse projeto estava para ser votado no Senado, que quer uma contrapartida, com apoio do pessoal de Bolsonaro: Temer teria de baixar medida provisória dando parte do dinheiro desse leilão de "excedentes da cessão onerosa" a estados e municípios. Não rolou.

A equipe econômica de Temer se opõe ao repasse a estados e municípios, que criaria outro rombo nas contas federais (a não ser que se inventasse uma gambiarra para contornar leis fiscais).

O Senado pode, claro, mudar a lei, mas sua tramitação demoraria. Com o atraso, dadas as exigências do TCU (Tribunal de Contas da União), esse leilão gordo de petróleo pode até ficar para 2020; Bolsonaro ficaria sem dinheiro para tapar rombos em 2019, com estados e cidades ainda pedindo dinheiro.


Bruno Boghossian: Bolsonaro acena a Valdemar, dá cargo a MDB e encontra política tradicional

Ministro encontra mensaleiro e novo governo abraça aos poucos as regras do jogo

Com passos desajeitados, a equipe de Jair Bolsonaro começa a procurar um espaço nas rodas da política tradicional. Onyx Lorenzoni, próximo chefe da Casa Civil, parou sua agenda nesta quarta (28) para cumprimentar o célebre Valdemar Costa Neto no almoço que o mensaleiro ofereceu à bancada do PR.

Apesar dos sinais em sentido contrário, aos poucos o novo governo abraça as regras do jogo. O aperto de mãos com Valdemar numa churrascaria foi um dos gestos de articulação política mais relevantes feitos pelo futuro ministro até agora.

Por mais que Bolsonaro e seus aliados insistam em inventar um novo modelo de governabilidade, algumas acomodações se mostram inevitáveis. Os votos dos 33 deputados do PR se encaixam nessa categoria.

O novo governo prometeu espremer a administração federal em 15 ministérios. Chegou a 19 nesta quarta e deve bater 21 ou 22 até o fim da semana que vem. A pressão de grupos de interesse e, principalmente, dos parlamentares obrigou o presidente eleito a desenhar puxadinhos no projeto de sua Esplanada ideal.

As concessões são feitas num momento em que o próprio Bolsonaro admite uma fragilidade na articulação política de seu futuro governo. Ele disse ao portal Poder 360 que Onyx “não daria conta do recado” e que, por isso, nomeou um general sem experiência direta na área para lidar com os congressistas.

As escolhas feitas pelo presidente eleito nas últimas 24 horas têm um DNA claramente político. O Turismo será entregue ao deputado Marcelo Álvaro, que é do PSL de Bolsonaro e tem o aval das bancadas evangélica e mineira. No Desenvolvimento Regional, ficará um servidorque era um dos responsáveis por destravar emendas dos políticos na Integração.

Era para ser um governo basicamente de técnicos e notáveis, mas quem vai cuidar do desenvolvimento social, do esporte e da cultura é um deputado do MDB de Michel Temer. Osmar Terra disse à Folha, inclusive, que não entende nada das duas últimas áreas: “Só toco berimbau”.


Ascanio Seleme: Marieta e Tonico

Jornalistas são atacados pelos que apoiam Bolsonaro, que nos acusam de sermos petistas, e pelos petistas, que nos chamam de fascistas

Jornalistas sabem muito bem que Marieta Severo tem toda a razão quando afirma ser muito doloroso receber ataques gratuitos de pessoas mal informadas. Numa entrevista ao GLOBO, Marieta diz que, nos seus 53 anos de profissão, ela e seus colegas trabalharam com dignidade, honestidade e doação. E que de uma hora para outra tudo virou de cabeça para baixo. Marieta estava se referindo aos ataques que a classe vem recebendo de maneira sistemática desde a eleição de Jair Bolsonaro.

Durante a campanha e depois da eleição, Bolsonaro e seus aliados produziram um discurso de demonização, para usar palavra de Marieta, contra artistas, partindo de um pressuposto falso, de que eles ganham dinheiro público em troca de apoio político ao PT. Mentira. Fake news. Claramente a maioria apoiou Lula e se posicionou firmemente contra o impeachment de Dilma. Também foi com Haddad contra Bolsonaro. Mas essa era uma opção política legítima, nada a ver com o dinheiro captado com o apoio da Lei Rouanet para produzir cultura.

Não é de hoje que artistas são molestados em redes sociais, quando não pessoalmente, por pessoas que discordam das suas posições políticas. A própria Marieta já passou por isso antes da eleição de Bolsonaro. Um dos casos mais conhecidos é o de Chico Buarque, parado há alguns anos numa rua do Leblon por pessoas que o ofenderam apenas por ele apoiar Lula. Ele foi chamado de comunista, o que é ridículo, e sugeriram que se mudasse para Cuba, o que é patético.

Os artistas podem contar com a solidariedade dos jornalistas, que passam por este mesmo tipo de constrangimento todos os dias. A diferença é que jornalistas são atacados por ambos os lados. Pelos que apoiam Bolsonaro, que nos acusam de sermos petistas, e pelos petistas, que nos chamam de fascistas e nos acusam de sermos bolsominions. Esquizofrênico? Bota esquizofrênico nisso. Jornalistas, como artistas, são dignos, honestos e se entregam diariamente para levar ao seu público informação de qualidade que o ajude a tomar decisões no seu dia a dia.

Tonico Ferreira, um dos grandes nomes do jornalismo da TV Globo, aposentou-se em abril por não suportar mais os ataques que sofria sempre que saía para fazer uma reportagem de rua em que houvesse aglomeração. Não conheço jornalista mais tranquilo, amável e equilibrado do que Tonico. Um gentleman. E mesmo ele, que nos seus mais de 50 anos de jornalismo (40 de TV Globo) sempre tratou respeitosamente todos os lados da política, foi agredido até por pessoas que o conheciam.

Numa entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, Tonico diz que a agressividade contra os repórteres lhe tirou o prazer do ofício. E cita o exemplo da cobertura da prisão de José Dirceu. Ao entrar ao vivo na Globo, depois de negociar com pessoas do PT que conhecia, foi interrompido por gritos e cartazes colocados entre ele e a câmera com dizeres contra a TV Globo. Quem já não viu cena semelhante na TV? Mas houve ataques piores contra repórteres. E ainda os há. “Toda manifestação é um problema de segurança para jornalistas, pode ser do Bolsonaro ou do PT, quando junta gente, se você cai, todo mundo dá um pontapé anônimo”, disse Tonico à “Folha”.

Lembram-se de Caco Barcelos sendo agredido por servidores públicos que faziam manifestação em frente à Alerj? E não foi apenas verbalmente, Caco foi agredido fisicamente. Jogaram sobre o repórter e sua equipe garrafas, caixas, cones de trânsito, tudo o que estivesse ao alcance das mãos. Por pouco não ocorreu uma tragédia, e justamente quando ele dava voz aos manifestantes que afinal o agrediram. E por quê? Porque os manifestantes, mal informados, estavam simplesmente ecoando o discurso diuturno de Lula contra a imprensa.

Durante o processo do impeachment de Dilma e ao longo do julgamento do ex-presidente no caso do tríplex, Lula e simpatizantes acusaram a imprensa de perseguir o PT, o mesmo que hoje fazem seguidores de Bolsonaro. Informar virou perseguir no dicionário político. Em janeiro deste ano, Lula discursou no Teatro Oi Casagrande durante manifestação de artistas e intelectuais contra a sua prisão. O ex-presidente fez os habituais ataques à imprensa, colocando na nossa conta a responsabilidade pelo seu descaminho e o do PT. Quem o ouvisse poderia achar que fomos nós, jornalistas, que saqueamos a Petrobras. Lula foi aplaudido de pé. Por todos, inclusive pelos artistas.