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Zeina Latif: As curvas da estrada

Tivemos uma campanha eleitoral que pouco discutiu os graves problemas do Brasil

O ano de 2018 foi decepcionante, e a culpa não foi só do governo. O ano começou enterrando de vez as chances de aprovação da reforma da Previdência, que já era pouco provável. A verdadeira razão não foi a intervenção no Rio de Janeiro, que impede aprovação de matérias constitucionais, mas sim a forte oposição de corporações do setor público e sua imensa capacidade de pressão.

A segunda decepção foi a modesta recuperação da produção e do emprego. O primeiro trimestre frustrou as expectativas, mas não a ponto de sepultar as chances de um bom desempenho da economia ao longo do ano, principalmente considerando a taxa de juros do Banco Central em patamar inédito e a melhora da situação financeira de empresas e consumidores. No entanto, alguns choques afetaram a economia. A greve dos caminhoneiros e a reação equivocada do governo implicaram perdas e custos ao setor produtivo. O difícil quadro internacional também cobrou seu preço. De quebra, ainda que menos importante, o BC interrompeu precocemente o corte da taxa Selic.

A terceira decepção foi a suscetibilidade da sociedade a discursos populistas, algo que parecia estar atenuado. Uma importante evidência foi o apoio à greve dos caminhoneiros, que acabou fortalecendo o movimento. Talvez esse tenha sido o primeiro sinal de possíveis surpresas na eleição.

Finalmente, tivemos uma campanha eleitoral que pouco discutiu os graves problemas do Brasil, principalmente a dos finalistas do primeiro turno; justamente aqueles que deveriam ter maior compromisso em deixar claro os desafios do País. De um lado, a negação dos problemas e dos erros de governos anteriores. De outro, a mensagem equivocada de que com combate à corrupção e vontade política se resolveriam os problemas econômicos. O discurso superficial da campanha aumentou o desafio do próximo presidente.

Coroando o ano difícil e com poucos avanços na pauta legislativa, assistimos a retrocessos neste final de ano, com a aprovação no Congresso de várias pautas-bomba com impacto fiscal relevante, sem que os futuros times econômico e político se organizassem para evitá-las.

Houve algumas boas notícias em 2018 que merecem registro. A inflação manteve-se contida e o BC conservou sua serenidade, não seguindo a recomendação de muitos analistas para elevar a taxa de juros nos momentos de estresse nos mercados. Rapidamente ficou claro que teria sido um equívoco, sendo que o ano fechará com a inflação sensivelmente abaixo da meta.

A julgar pelos elementos acima, poderia ter sido um ano ainda mais difícil. Ocorre que o mercado financeiro deu o benefício da dúvida à política, nutrindo a esperança de que o próximo presidente entregará uma boa reforma da Previdência. Basta observar a performance da Bolsa, que fechará o ano no campo positivo, distanciando-se das dos demais emergentes. Pelos nossos modelos, a correção do dólar foi muito mais causada por fatores externos do que domésticos.

Depois da espera, a expectativa é que o governo consiga entregar em 2019 as reformas essenciais para que o País volte a crescer.

A sociedade não aceita retrocessos, como a volta da inflação e uma desaceleração da economia. Mais ainda, aguarda uma melhora das condições econômicas e dos serviços públicos. O que a sociedade não sabe é que sacrifícios serão necessários, como na mudança das regras de aposentadoria. Pelo menos espera que o sacrifício seja maior para quem tem mais privilégios e pode mais.

As curvas que dificultaram o ano de 2018 estarão presentes em 2019, pela oposição de grupos organizados e a resistência da sociedade a reformas estruturais, o que torna a articulação política desafiadora.

Não sabemos ainda o plano de rota do próximo governo, mas a direção parece correta. O diabo, porém, mora nos detalhes. É crucial o cuidado no desenho das políticas públicas e o diálogo com as partes envolvidas, evitando o tom inquisidor presente em alguns discursos. Que o motorista seja habilidoso e dirija com cuidado.


José Serra: Terra à vista

Um quadro ainda distante do desejado, mas há uma melhora gradual em curso

A conjuntura econômica brasileira será um fator positivo para o governo federal em 2019. Dois fatores que tradicionalmente criam obstáculos para um bom desempenho nessa área estarão ausentes. Primeiro, não há preços reprimidos – por exemplo, em tarifas – que produziriam pressões inflacionárias. Segundo, o cenário cambial é favorável, com reservas abundantes e déficits pequenos na conta corrente do balanço de pagamentos. Terceiro, a taxa de juros é a mais baixa dos últimos anos e não há pressões para reajustá-la. Os riscos concentram-se na política monetária dos Estados Unidos e, internamente, no desequilíbrio das contas públicas.

A queda do produto interno bruto (PIB) entre 2015 e 2016 foi impressionante: 6,7% no acumulado entre 2015 e 2016 – o pior biênio dos últimos 120 anos! Em 2017 avançamos 1,1% e em 2018, projeta-se alta ao redor de 1,5%, ainda distante do nível pré-crise, mas a trajetória é claramente de recuperação. O desemprego está diminuindo, em setembro ficou na casa dos 12%, embora acima da média dos últimos 20 anos (9,5%).

Note-se que a criação de vagas se concentra no mercado informal e na área do “trabalho por conta própria”. É a realidade do pai de família que perde o emprego formal e entra no comércio de rua ou vai ser motorista de aplicativo. Um quadro ainda distante do desejado e que demandará políticas públicas e decisões de política econômica adequadas. Mesmo assim, é preciso olhar a metade cheia do copo: há uma melhora gradual em curso.

A ociosidade na economia – representada por máquinas e equipamentos parados, plantas industriais com baixa utilização e pessoas desempregadas – é bastante elevada. O nível de utilização da capacidade instalada está em 75,7%, bem abaixo da média dos últimos 20 anos (superior a 80%), o que contribuiu para uma inflação persistentemente baixa e juros menores, e poderá permitir pelo menos 2,5% de crescimento do PIB no ano que vem sem necessidade de investimentos. Numa primeira fase, basta reativar os fatores que estão parados.

A inflação acumulada em 12 meses ficou, em novembro, pelo IPCA, em 4,6%. Nela, a parte relativa a serviços, normalmente mais resistente a diminuir, está em 3%, nível historicamente baixo. A inflação de preços livres está em apenas 2,8%! Não fosse o impacto de quase 10% dos reajustes de preços administrados – afetados pelas altas de combustíveis e do dólar –, o impulso da inflação seria ainda menor. Tanto é assim que para o ano que vem o próprio mercado prevê uma inflação ao redor de 4%.

Isso é sinal de que o Banco Central (BC) acertou ao reduzir os juros, desde outubro de 2016, de 14,25% para 6,5% ao ano. Em termos reais, subtraindo a inflação esperada dos juros de 12 meses à frente, a taxa de juros é hoje de cerca de 3%. Nunca foram tão baixas. Esse será um fator muito relevante para a retomada do crescimento em médio prazo.

Isso tudo quer dizer que a economia poderá crescer sem pressionar a inflação e, mais ainda, sem precisar de muitos recursos para grandes empreendimentos públicos e privados no momento inicial. O hiato do produto, que é o termômetro dos economistas para medir a temperatura da economia, está hoje abaixo de zero, na casa de menos 6,5%!

Nas contas externas, a perspectiva é também “estimulante”. O déficit em transações correntes – balanço das transações feitas por residentes no País com o resto do mundo, incluindo a balança comercial – está em US$ 11,3 bilhão no acumulado de janeiro a outubro de 2018. Por outro lado, os investimentos diretos no País totalizaram US$ 67,5 bilhões no mesmo período (seis vezes mais). Além disso, nossas reservas internacionais seguem em US$ 380 bilhões, nível bastante confortável.

O componente externo, que já foi o ponto crítico das crises econômicas nacionais em outras épocas, hoje colabora para amenizar as debilidades internas. Mais recentemente, em 2014, o déficit em transações correntes havia superado US$ 100 bilhões, com investimentos externos entrando no País em montante insuficiente para cobrir o buraco. Hoje o quadro é bem outro.

Há, sem dúvida, riscos à retomada do crescimento no ano que vem. Primeiro, a política de juros dos EUA. Se pesarem a mão por lá, isso produzirá reflexos sobre nosso balanço externo e poderá exigir respostas do BC via juros internos para evitar uma desvalorização repentina do real em relação ao dólar ocasionada por saídas de dólares do Brasil, o que geraria inflação por aqui. Isso poderia turvar um pouco o cenário de curto prazo, impondo restrições à retomada de cerca de 2,5% prevista para a economia brasileira em 2019.

Segundo risco está na relativa desordem na agenda das contas públicas. Ainda não está claro qual será o plano do novo governo nesse aspecto, que é essencial para a recuperação da credibilidade e a confiança dos agentes econômicos. A dívida pública está em 77% do PIB e seguirá aumentando até 2023, ao menos segundo estimativas da Instituição Fiscal Independente. O teto de gastos, isoladamente, não é suficiente para dar conta do recado. As receitas públicas ainda não se recuperaram do baque sofrido pela crise econômica e a contenção de despesas até agora se concentrou nos investimentos e nos subsídios. Os gastos com pessoal e Previdência continuam aumentando a pleno vapor. Diante disso, a nova equipe econômica dá apenas sinalizações genéricas ou cogita de ideias impraticáveis – ainda que teoricamente válidas –, como a do chamado orçamento “base zero”.

A combinação de inflação e juros baixos, contas externas controladas e ociosidade elevada, causada pela lentidão da economia doméstica, dará fôlego ao novo governo para garantir crescimento relevante no ano que vem. É possível aproveitar esse período para acelerar a agenda de reformas estruturais e pôr mais ordem nas finanças do Estado, garantindo as bases para uma recuperação sustentada da renda e do emprego.

*José Serra é senador (PSDB-SP)


Política Democrática: Governo Bolsonaro pode enfrentar dificuldades entre aliados, afirma Elena Landau

Em artigo publicado na revista Política Democrática online de dezembro, especialista ressalta que país passa por crise

Por Cleomar Almeida

O novo governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) pode enfrentar dificuldades entre aliados para o avanço de políticas estruturais que dependem de aprovação do Congresso. A avaliação é da sócia do Escritório Sergio Bermudes e presidente do Conselho Acadêmico do Livres, Elena Landau, em artigo publicado na revista Política Democrática online de dezembro.

» Acesse aqui a revista Política Democrática online de dezembro

Produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), a revista mostra, no artigo de Elena, que o país passa por uma crise sem precedentes. “Estamos vivendo a maior de todas as crises brasi- leiras dos últimos 100 anos. Do segundo trimestre de 2014 ao fim de 2018, tivemos a mais acentuada e longa perda do PIB desde 1900 no Brasil – Samuel Pessoa fez esse alerta em sua coluna na Folha”, escreveu.

De acordo com a autoria, trata-se de um ciclo eleitoral inteiro de perdas. “Um saldo final dos desastrosos governos do PT. Efeitos de um furacão chamado Dilma Rousseff. Que esses ventos do intervencionismo se dissipem”, acentuou ela no artigo, que tem o título “Ventania liberal”.

Segundo Elena, além da incompetência que já estava plantada na intervenção do setor elétrico, nos campeões nacionais e no descontrole fiscal, a crise foi agravada pela instabilidade das turbulências políticas. “Mesmo depois do impeachment, a excelente equipe econômica montada por Henrique Meirelles viu naufragar a tão necessária reforma da previdência, graças ao esfacelamento ético do governo Temer que inviabilizou qualquer avanço no Congresso”, ponderou.

Havia expectativa, conforme lembra a autora no artigo, de que o processo eleitoral pudesse pacificar o componente

político do cenário de crise com a escolha de um rumo que viesse atrelado ao bônus da legitimidade popular. “Talvez ainda possamos vir a contar com esse efeito, mas o fato é que não houve debate claro com a sociedade sobre os planos econômicos do presidente eleito Jair Bolsonaro”, asseverou ela.

Com a composição dos ministérios, na avaliação de Elena, há risco de que grupos antagônicos dentro do próprio governo dificultem o avanço de políticas estruturais, especialmente aquelas que dependem de aprovação do Congresso. “Nesse sentido, pelo menos quatro grupos diferentes têm ganhado contornos: os economistas liberais, os conservadores de base bolsonarista, os militares e os políticos tradicionais. Esses grupos têm algumas diferenças difíceis de conciliar, e Bolsonaro terá que desempenhar um papel mediador”, escreveu.

De acordo com a especialista, a constatação não é muito animadora. “Mesmo dentro de seu grupo mais próximo, há divergências, como em relação à amplitude do programa de privatização que pode não ser tão grandioso quanto o desejado pela equipe econômica”, ressaltou.

 

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Míriam Leitão: ‘Nova’ diplomacia é velha e ruim

Depois de nomeado ministro, Ernesto Araújo poderia ter encontrado o equilíbrio para exercer o cargo. Mas continua sem nexo e histriônico

O futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, continua se esforçando muito para produzir mais desatinos do que os governos petistas naquela pasta. E tem conseguido. O principal erro da diplomacia é quando ela se dispõe a representar uma parcela do país, desprezando ou ofendendo o resto. Agora ele diz que representará o agronegócio, porque o PT o fez com o MST. Talvez fosse bom ele entender que a Casa de Rio Branco deve espelhar o país e não um grupo, por mais importante que seja para a economia.

Durante os dois anos e meio do governo Temer, tentou-se corrigir as inclinações indevidas e a paralisia decisória do período anterior. Houve desde a mudança em relação ao governo chavista até a redução de pendências burocráticas. Só o atual chanceler, Aloísio Nunes Ferreira, aprovou quase mil remoções que estavam pendentes. O custo da política externa do PT pode ser quantificada pelos calotes no BNDES que o Tesouro terá de cobrir. Aconteceram também os vexames, como instalar o então presidente Lula numa tenda para ter aulas de geopolítica de Muamar Kadafi ou a imposição aos diplomatas de leitura obrigatória de textos de esquerda. A grande virtude no governo Temer foi a busca da normalidade.

Agora volta-se o pêndulo para o sentido oposto, com igual equívoco. Como se parecem. A diferença é que o embaixador Celso Amorim, apesar dos erros que cometeu, era um diplomata com carreira consolidada. O embaixador Ernesto Araújo é o equivalente a um general de divisão chamado a comandar o Exército.

Uma das decisões acertadas no período Temer foi a iniciativa de suspender a Venezuela do Mercosul, com base na cláusula democrática. O governo Maduro não é democrático, portanto, não cumpre o pré-requisito. Qualquer histrionismo em relação a ele só vai municiá-lo. O mais sábio com relação ao governo da Venezuela é não dar a Nicolás Maduro o que ele quer: um “inimigo” externo. Quando Maduro faz ameaças de armar as milícias, é bom ignorar. Algumas pessoas sabem disso no novo governo brasileiro, mas entre elas não está o nosso esbravejante chanceler com seus tuítes voadores.

Araújo soltou várias notas definindo o que ele chama de “nova política externa”. Disse que o Brasil vai exportar soja, frango, carne e açúcar, mas “também esperança e liberdade”. Segundo o novo chanceler, “a velha política e a velha mídia” querem “usar o agro como pretexto para reduzir o Brasil a um país insignificante”. A palavra “ridícula” é a mais apropriada para definir essas e outras manifestações do futuro ministro.

Os textos que ele assinava em seu blog sempre foram rasos. Mas naquele tempo ele era apenas uma pessoa se esforçando para ganhar espaço no futuro governo. Depois que atingiu o objetivo almejado, ser nomeado ministro, Ernesto Araújo poderia ter encontrado a centralidade necessária para o exercício eficiente do cargo. Contudo, permanece histriônico e sem nexo.

Sua mistura inusitada de despropósito político, fundamentalismo religioso, palavras intempestivas podem provocar um estrago grande nas relações do Brasil com o mundo. O clima de revolta entre diplomatas se espalha. Não por discordarem do futuro governo. Há pessoas com convicções políticas diferentes entre si e a mesma preocupação porque sabem que o futuro ministro tem ferido um a um os princípios de uma boa diplomacia.

A sua “nova” política externa será, na verdade, a diplomacia errada. Na economia, os governos do PT criaram a “nova matriz econômica”. Não era nova, estava equivocada e levou o país à recessão. Proclamar a adoração ao governo Trump vincula o país a uma administração, que é passageira, em vez de ser ao país, que é permanente. Além disso, representa um retrocesso de meio século na política externa, ao tempo do alinhamento automático.

As várias espetadas em diversos parceiros comerciais, cometidas por ele e por outros do futuro governo, têm o mesmo componente. São gratuitas. O Brasil nada ganha com isso e pode perder. Os perdedores são os mesmos que Ernesto Araújo alega que defenderá porque são, segundo ele, “a essência da brasilidade”, os empresários do agronegócio. Sendo o Brasil um dos mais eficientes produtores de alimentos do mundo, a militância fervorosa e maniqueísta do novo chanceler pode fechar portas que hoje estão abertas.


Hélio Schwartsman: Por um governo feliz

Jair Bolsonaro e seu círculo íntimo acumulam dissabores

Parafraseando Tolstói, podemos dizer que todas as Presidências felizes parecem-se entre si; já as infelizes o são cada uma à sua maneira. Ainda é cedo para estabelecer se a administração Bolsonaro vai ser feliz ou infeliz, mas o futuro dirigente e seu círculo íntimo vão acumulando dissabores numa escala incomum para quem ainda nem assumiu o governo.

Transições tendem a ser mesmo confusas. Membros do grupo que chega não estão entrosados e ainda não têm noção do novo peso que suas declarações adquiriram.

O que confere certa especificidade à administração Bolsonaro, além de um improvisado redesenho da estrutura ministerial, são seus filhos. Dois deles foram eleitos para cadeiras no Legislativo. Embora não sejam mais do que parlamentares, por vezes falam como se fossem primeiros-ministros, ampliando desnecessariamente os desencontros, que já causaram fissuras no PSL.

Normalmente, presidentes eleitos já enfrentaram as acusações levantadas durante a campanha e ainda não tiveram tempo de se envolver nas novas, pelas quais responderão no futuro. Bolsonaro e familiares, porém, conseguiram enrolar-se numa suspeita que veio à tona durante a transição. O fato de ter-se apresentado como candidato anticorrupção exige que Bolsonaro dê tratamento rápido e duro para o caso, sob pena de desgaste precoce.

De modo geral, presidentes iniciam já na transição as negociações com partidos para obter maioria no Legislativo. Isso é especialmente importante quando há necessidade de aprovar emendas constitucionais impopulares, como a reforma da Previdência. Mas Bolsonaro, prometendo romper com a tradição de fisiologismo, se recusa a fazê-lo. Pode ser um ponto positivo, se ele tiver uma estratégia funcional para assegurar a aprovação das medidas. Caso contrário, pode ser o início de uma relação complicada com o Parlamento, o que prenuncia um governo infeliz.


Roberto Freire: Denúncia envolvendo clã Bolsonaro demonstra fragilidade do novo governo

O presidente do PPS, Roberto Freire (SP), afirmou que o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro mal começou e já demonstra sinais de fragilidade. Para ele, o suposto esquema investigado pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) envolvendo o ex-motorista Fabrício José Carlos de Queiroz, que trabalhou como assessor parlamentar do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), é tipico de políticos do chamado “baixo clero”.

“[O governo] mal começou e já demonstra fragilidade por conta desse escândalo que apareceu, fruto desse processo do baixo clero com a utilização de recursos dos gabinetes que deveriam ser pagos aos seus funcionários, mas que retornaram para benefício do clã Bolsonaro. Esse assessor era o grande instrumento com a sua conta e a distribuição de dinheiro de acordo com os interesses dessa família”, disse.

Segundo Freire, o chamado baixo clero sempre se dispôs a praticar esquemas pequenos, mas não menos importantes de corrupção, com a nomeação de funcionários fantasmas e o uso indevido de recurso parlamentar. O dirigente lamentou o fato de a sociedade sempre se portar alheia ao problema.

“Bolsonaro, durante seu longo período na vida pública como deputado federal, sempre foi classificado como um parlamentar do baixo clero. Até hoje eu costumo dizer que [baixo clero] é irrelevante até no processo de corrupção. Receber auxílio moradia de forma ilegal e imoral, ou ter funcionários que não prestavam serviços aos gabinetes – trabalhando até mesmo como caseiros -, são questões menores, mas que a sociedade pouco se preocupou”, afirmou.

Transferências
Segundo dados do Coaf, Fabrício Queiroz, contratado por Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, teria movimentado de forma suspeita R$ 1,2 milhão no período de um ano. Segundo o Coaf, Queiroz fez transferências no valor de R$ 24 mil para a conta da futura primeira dama, Michelle Bolsonaro. Os valores movimentados pelo ex-assessor, de acordo com o órgão de controle, seriam incompatíveis com o seu patrimônio.


Míriam Leitão: Tarefas difíceis na economia

Equipe econômica do futuro governo ainda trabalha com a ideia de aprovar a reforma da Previdência que já está em tramitação no Congresso

O presidente Jair Bolsonaro, diplomado ontem, terá de enfrentar batalhas duras na economia. A primeira delas será a reforma da Previdência. O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu várias vezes, mesmo antes de integrar a campanha de Bolsonaro, que o Congresso aprovasse a proposta do presidente Temer. E continuou repetindo que era melhor aproveitar o texto que já está em tramitação. É com essa ideia que ainda se trabalha na equipe econômica do novo governo. Mas não será só isso.

Ao mesmo tempo, o futuro governo prepara outra reforma mais ampla e com transição para o regime de capitalização. A ideia não é aprovar só a idade mínima num primeiro momento e, depois, ir votando aos poucos os novos parâmetros. Há entendimento de que isso levaria ao risco de uma contrarreforma. O que se defende é que a atual proposta seja apenas o começo de uma mudança mais profunda do sistema de pensões e aposentadorias do país.

Ainda não se sabe qual será o custo desta transição de um regime da repartição, como é atualmente, para o de capitalização, que é o que será sustentável no futuro. No estudo feito pelo economista Armínio Fraga, entraria em vigor apenas para os que nasceram a partir de 2014. No futuro governo, há quem defenda que esteja disponível bem antes.

Paulo Guedes, durante a campanha, usou a expressão de “avião em queda” para explicar o que pensava sobre o atual sistema. A reforma proposta pelo atual governo serviria apenas para retardar a queda. Ou seja, ela precisa se sustentar até que uma nova previdência, de contas individuais, esteja disponível. O desafio será evitar que o avião fique sem combustível mais cedo, porque a capitalização fará com que os que entrarem no mercado de trabalho a partir do início do novo modelo deixem de contribuir para o regime de repartição.

Se quiser uma mudança rápida para a capitalização, o futuro governo terá que conseguir outra fonte de financiamento para a Previdência. E isso encomenda mudanças na área tributária. Nada fica em pé, contudo, se não houver a aprovação da primeira das reformas, a que já está no Congresso e que cumpriu etapas importantes de tramitação. Durante a primeira fase da transição foram feitas declarações conflitantes sobre o assunto tanto pelo presidente eleito quanto pelo futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Mas na equipe que trabalha preparando o novo governo há diversos estudos sendo feitos. Eles convergem para uma estratégia em vários passos. Algumas mudanças infralegais poderão ser feitas num primeiro momento, até que o novo Congresso tome posse. A reforma do atual governo deve ser aproveitada e uma mudança mais ampla está sendo formulada.

Tudo dependerá, contudo, da capacidade de articulação no Congresso, porque todas as tarefas que precisam ser cumpridas na economia são difíceis. O teto cria um limitador para as despesas que a qualquer momento pode ser estourado. E o que se fará neste caso? Se a futura equipe econômica aceitar simplesmente ampliar o teto estará perdendo credibilidade.

Mas, para não ampliar o teto, terá que reduzir despesas. Isso é impossível num país com tanta rigidez orçamentária. Por isso, a proposta que tem sido defendida por integrantes do futuro governo — inclusive o vice-presidente, Hamilton Mourão, na entrevista que me concedeu na semana passada — é a de buscar mais flexibilidade no Orçamento.

Apesar de isso dar mais autoridade ao Congresso, que passaria pela primeira vez a formular a destinação dos recursos, haverá uma forte oposição ao que se convencionou chamar de “Orçamento base zero”. O problema é que, se as despesas permanecerem indexadas, o desequilíbrio aumentará. Além disso, outra urgência espera o novo governo na área econômica: a crise fiscal dos estados e municípios.

Paulo Guedes sempre defendeu a descentralização de recursos, por isso, quando ele falou recentemente em dividir parte da arrecadação do leilão das áreas da cessão onerosa do pré-sal era a essa ideia que se referia. Só que isso foi visto dentro da atual equipe econômica como um risco de estimular gastos em vez de sinalizar para a necessidade de ajuste. Além de não haver tarefas fáceis na economia, uma mudança levará à outra. Por isso a prioridade terá que ser a sucessão de reformas. Ou isso, ou a economia continuará em crise.


Pablo Ortellado: Bolsonaro e ministros recorrem às guerras culturais

Estratégia promove divisão para mobilizar a sociedade

No antagonismo político da maior parte do século 20 sempre houve possibilidade de compromisso. Entre o estado mínimo dos liberais e a economia estatizada das experiências socialistas, havia bastante gradação.

O jogo político da democracia liberal consistia, efetivamente, em empurrar a fronteira mais para um lado ou para o outro, aproveitando as oportunidades abertas pelos ciclos eleitorais.

Esse tipo de compromisso não existe nas guerras culturais, porque elas envolvem questões morais fortes que regulam modos de vida. Nestes temas, o compromisso não é possível. Entre os que defendem o direito da mulher controlar sua vida reprodutiva e os que se opõem ao assassinato de bebês, qual seria o meio termo?

Os temas morais não apenas incitam o eleitorado, mas também os sentimentos de revolta e indignação que despertam e transformam eleitores passivos em ativistas.

Vimos recentemente essa estratégia ser utilizada no Brasil nas últimas eleições.

Para os conservadores que apoiaram Jair Bolsonaro, feministas e grupos LGBT fazem campanha para sexualizar as crianças e promover modos de vida alternativos ao padrão heteronormativo. O que para os progressistas são políticas de civilidade e tolerância, para os conservadores são diabólicos planos para destruir a família cristã.

O próprio Bolsonaro se engajou numa cruzada contra um seminário infantil LGBT e um kit gay para escolas, que nunca existiram, e nos círculos bolsonaristas circularam materiais mentirosos infames, como o vídeo da mamadeira em formato de pênis que seria utilizada para alimentar crianças nas creches.

Após as eleições, as disputas seguiram. O futuro ministro das Relações ExterioresErnesto Araújo, escreveu que a esquerda antinatalista quer destruir a família para impedir o nascimento do menino Jesus, e emergiu vídeo da futura ministra da Família, Damares Alves, dizendo que nas creches da cidade de São Paulo se ensinava masturbação para bebês.

Na América Latina, a estratégia de ativar as guerras culturais para intervir e desequilibrar disputas em curso tem como paradigma o referendo convocado para selar o acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc em 2016.

Para virar o jogo em favor do “não”, conservadores começaram a alegar que o acordo estava recheado de ideologia de gênero e que era assim um cavalo de Troia que destruiria a família colombiana tradicional.

Mobilizados para defender a família, os colombianos quase retomaram a guerra. Por aqui, nossos mobilizados podem bem perder as aposentadorias.

*Pablo Ortellado é professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

Andrea Jubé: "Braço forte, mão amiga". Até quando?

Governo Bolsonaro claudica sem o apoio das Forças Armadas

Na política, quase sempre, os gestos são mais eloquentes do que as palavras. É sintomático que em seu primeiro compromisso oficial em Brasília após a eleição, o presidente eleito Jair Bolsonaro tenha se reunido reservadamente apenas com oficiais da cúpula das Forças Armadas. Um dos auxiliares civis que o acompanhavam - o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes - foi convidado depois a se somar ao grupo. O outro civil da comitiva teve de aguardar do lado de fora.

Quando aterrissou em Brasília pela primeira vez depois da consagração nas urnas, no dia 6 de novembro, Bolsonaro fez uma visita institucional ao ministro da Defesa, Joaquim Silva e Luna. Estava acompanhado dos filhos, do vice-presidente, general Hamilton Mourão, do futuro ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, e de dois auxiliares civis: Paulo Guedes e Gustavo Bebianno, que assumirá a Secretaria-Geral da Presidência.

Ao fim da reunião fechada no gabinete do ministro, com um grupo restrito de oficiais - da qual participaram os filhos, Mourão e Heleno -, Guedes foi chamado para tratar do orçamento das três Forças e da reforma previdenciária dos militares. Bebianno aguardou do lado de fora, segundo relato de um dos presentes.

O retrato da reunião com os oficiais, sem os civis, fala por si: Bolsonaro tem deferência especial pelas Forças, instituição que considera um escudo moral de sua gestão. Somente no Palácio do Planalto, são três os generais da reserva escalados: Heleno e Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo), na linha de frente; Floriano Peixoto, "vice-ministro" da Secretaria-Geral, na retaguarda. Além do general Mourão na Vice-Presidência.

Em síntese, sem o apoio das Forças Armadas - instituição na qual os brasileiros mais confiam, segundo pesquisas recentes -, o governo Bolsonaro claudica.

A novidade é que, a depender dos desdobramentos do episódio revelado pelo jornal "O Estado de S. Paulo" na quinta-feira, sobre as movimentações financeiras do ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente, esse apoio pode ruir.

"Foi um balde de água fria", define um oficial da reserva, com trânsito na cúpula das Forças, sobre a divulgação do relatório do Coaf, sobre as operações financeiras do ex-motorista do filho do presidente, incluindo um depósito na conta da futura primeira-dama.

"Foi um susto", completa. Segundo este oficial, o que levou os brasileiros a manter a confiança nas Forças foi a moralidade e a transparência, valores da instituição". Diante da denúncia que desgastou o governo antes da largada, ele diz que é preciso "seguir o caminho do dinheiro", e afastar quem estiver envolvido com irregularidades.

No mesmo tom, um general da ativa, com trânsito no alto comando do Exército, alerta que o respaldo das Forças ao futuro governo não é incondicional. O lema da Força "braço forte, mão amiga" não será autoaplicável na nova gestão.

"Se Bolsonaro não tomar, no momento certo, medidas duras que promovam o saneamento de sua equipe, ele perderá o apoio da instituição e da população".

Este oficial diz que não há surpresa com a revelação do caso. "Da política brasileira tudo se pode esperar". Por isso, avisa que o Exército manterá "distância segura" do governo, lembrando que os quadros nomeados são da reserva.

O relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) revelado na semana passada mostrou que o ex-motorista do filho mais velho de Bolsonaro movimentou R$ 1,2 milhão em sua conta durante um ano, valor incompatível com seu patrimônio. Um cheque de R$ 24 mil foi parar na conta da futura primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Ao site "O Antagonista", Bolsonaro explicou que, na verdade, trata-se de um empréstimo de R$ 40 mil ao ex-assessor do filho. O esclarecimento sobre o depósito na conta de sua mulher soa incoerente. Ele alega que o dinheiro foi depositado na conta de Michelle "porque eu não tenho tempo de sair".

No entanto, há exatamente um mês, mesmo em convalescença, Bolsonaro saiu de sua casa, na Barra da Tijuca, para ir pessoalmente ao caixa eletrônico sacar dinheiro para promover um churrasco para seus seguranças.

É de conhecimento público que a família Bolsonaro gosta de oferecer churrascos aos amigos: o ex-assessor responsável pela movimentação dos recursos milionários, Fabrício José Carlos de Queiroz, participou de alguns deles, como revelam fotos do ex-assessor com os Bolsonaro que circulam nas redes sociais.

Recuos
Um governador eleito em outubro tenta a todo custo convencer uma determinada empresa europeia, do segmento de alta tecnologia, a investir em seu Estado. As conversas estavam avançadas, relata o futuro mandatário, até a eleição de Jair Bolsonaro.

Quando os representantes da multinacional high tech se depararam com os diversos ministros de formação militar no primeiro escalão, deram um passo atrás. A constatação foi de que os quadros militares vão "fechar a economia" brasileira.

O segundo recuo se deu com o anúncio da extinção do Ministério do Trabalho. O governador ouviu dos executivos que a empresa tem uma "reputação internacional" a zelar, e por isso não investirá em um país que "não respeita direitos trabalhistas".

Há exagero sobre o "fechamento" da economia: o general Hamilton Mourão declarou recentemente ao Valor que a visão econômica dos militares evoluiu e está em sintonia fina com os preceitos liberais.

Em contrapartida, Bolsonaro não conforta os potenciais investidores com "reputação internacional" com declarações como as da semana passada. Ele disse que os empregadores devem pressionar por mudanças nas leis trabalhistas. "O trabalhador vai ter que decidir, um pouquinho menos de direitos e emprego ou todos os direitos e desemprego".


Fernando Limongi: A política familiar

Um enredo conhecido que já se repetiu vezes sem conta

O dia da família, 8 de dezembro, não foi comemorado pelos Bolsonaro. A efeméride não gerou as esperadas mensagens na rede social, talvez porque os negócios da família, suas amizades e dívidas, tenham ocupado o noticiário. Cheques depositados na conta da futura primeira dama precisaram ser explicados e, como de costume, contabilizados como dívidas pessoais de um velho amigo que se perdeu pelo caminho.

Não é de hoje que os negócios dos amigos e dos familiares são fontes de embaraço para políticos. O enredo é conhecido e se repetiu vezes sem conta.As iniciativas do filho de Lula que ocuparam o noticiário durante a semana estão aí para comprovar. Há sempre um empresário a postos para bancar a aventura em troca das oportunidades que a proximidade com o poder gera.

Magno Malta, o puxador oficial das preces presidenciais, não chegou a ministro porque, para usar a expressão cunhada por Jacques Wagner, começou a se lambuzar com as sinecuras do poder antes mesmo de ocupar o cargo. A generosidade do empresário Eraí Maggi para com Malta, cedendo aeronaves para facilitar deslocamentos do candidato, não foi interpretada como um ato de comprometimento com a defesa da família, da pátria e dos bons costumes. A dupla Malta e Eraí já dava como certo até que emplacariam Adilton Sachetti no Ministério da Agricultura. Malta não resistiu ao escrutínio dos lotados na equipe de transição. Aparentemente, outros tantos aliados de primeira hora não obtiveram o aval da equipe por razões similares. Eraí Maggi, com certeza, não foi o único a investir recursos para usufruir da intimidade do novo núcleo do poder.

Obviamente, políticos e membros da 'entourage' presidencial não se distinguem dos lotados nos demais poderes. Não por acaso, o Conselho Nacional de Praticagem (CONAPRA) se lembrou de incluir os Ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio entre os convidados a participar do seminário que promoveu em Búzios, no Ferradura Resort. Entre os palestrantes, destacou-se Rodrigo Fux, filho do ministro Luiz Fux, que representa a CONAPRA em causa a ser julgada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Ao explicar o papel do prático, o Ministro Marco Aurélio evidenciou porque sua presença era imprescindível: "É um verdadeiro comandante. Ele assume o navio para a entrada no porto. Ele que conhece os aspectos alusivos ao porto, inclusive os canais existentes."

Flávio Bolsonaro, entrevistado pela GloboNews na última terça-feira, comportou-se como um experimentado comandante-prático e expôs com desenvoltura e serenidade os projetos do novo governo. Um desavisado poderia pensar que o senador eleito decidira se filiar à Rede, tantas foram as referências à morte da velha política e à aurora de uma nova era, sob a liderança de Jair. "A forma de fazer política mudou", decretou.

Didático, associou todos os problemas do governo passados à distribuição de pastas ministeriais a partidos: "Se você tem um governo que não tem o loteamento em base de partidos... e isso significa o quê? Que todos os ministérios podem se comunicar, sem se preocupar se está [sic] invadindo o terreno eleitoral de um ou de outro. Um parlamentar que seja de um partido, PX, pode procurar qualquer ministro para levar demandas legítimas para seu estado, para aquele segmento que ele representa, sem se preocupar 'Bom, eu sou do PX, então partido que está no Ministério tal é do PY, então eu não vou ter acesso, não!' Vai ter acesso!"

Eraí Maggi e a CONAPRA sabem que as coisas não são assim tão simples, a começar pelo fato de que recursos são escassos e, portanto, insuficientes para atender todas as demandas. Eraí e a CONAPRA sabem também que a distinção entre os pleitos legítimos e ilegítimos não é uma operação simples e objetiva. Os pleitos dos amigos acabam sendo vistos com mais simpatia que os dos mais distantes, isto sem falar nos apresentados pelos inimigos. Por exemplo, na sua exposição, Flávio Bolsonaro deixou claro que acredita que as demandas apresentadas pelo PT serão rotuladas como ilegítimas.

Paulo Marinho, suplente de Flávio de Bolsonaro no senado, sabe como ninguém a importância das conexões políticas para os negócios. Segundo a Revista Crusoé, o empresário sempre esteve "perto de onde há poder e dinheiro" e, em tom de denúncia, alerta que "já foi próximo até dos petistas."

O faro político do empresário o levou a apostar suas fichas na candidatura dos Bolsonaro, franqueando sua casa para gravações e reuniões políticas, durante e depois da eleição. Nesta aproximação, valeu-se da amizade de Gustavo Bebianno, velho conhecido dos tempos em que trabalhou no escritório Sérgio Bermudes. O advogado é outro bom amigo de Paulo Marinho, na casa de quem se casou, em cerimônia celebrada por ninguém menos que Luiz Fux.

Em razão da sua extensa biografia, Marinho é cotado como o candidato mais forte e natural ao posto de lobista geral do novo governo. Pelas mesmas razões, é visto como fonte segura de problemas futuros para a família Bolsonaro. A amizade pede reciprocidade.

Os problemas, contudo, chegaram bem antes do esperado e vieram do núcleo familiar do próprio presidente. Os amigos íntimos e de velha data não são tão fáceis de descartar, sobretudo quando trazem consigo marcas indeléveis, como fotos, cheques e a alocação de parentes em gabinetes. As movimentações financeiras de Fabrício de Queiroz, assim como o trânsito das filhas dos motoristas pelos gabinetes de Jair, Flávio e Cláudio mostram que o clã Bolsonaro reza pelo velho e tradicional evangelho da política brasileira.

Onyx Lorenzoni, outro que se viu enredado por práticas políticas que Bolsonaro diz ter vindo para enterrar, socorreu-se de um esquema infantil para traçar a rota de fuga: "Não dá para querer achar que [o governo] é igual ao do PT. Não é, nunca vai ser e os homens e mulheres que estão aqui são do bem. A turma do mal está do lado de lá."

*Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.


Vera Magalhães: De pedras a vidraças

Negar respostas não é caminho para quem sempre foi inflexível com denúncias

O futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, deixou uma entrevista coletiva no meio na última sexta-feira com ares de indignação ao ser questionado sobre o relatório do Coaf que aponta movimentação de R$ 1,2 milhão em um ano na conta de um ex-assessor parlamentar do deputado estadual e futuro senador Flávio Bolsonaro. Esbravejou, dizendo que “setores” estão há um ano tentando “destruir a reputação” do presidente eleito, Jair Bolsonaro.

Antes, chegara a pedir uma “trégua” da imprensa em relação a Bolsonaro. Como é que é? Diante do piti do futuro responsável pela articulação política do governo, cumpre rememorar um pouco de sua trajetória política. Lorenzoni se notabilizou na Câmara por participar de toda e qualquer CPI, sempre com uma postura inquisidora e avessa a qualquer tipo de trégua.

Agora que ele próprio e pessoas importantes do núcleo do futuro governo se veem citados em acusações ou em casos que podem ser objeto de investigação, a indignação muda de endereço, para apontar perseguição, dizer que já acertou as contas com Deus ou simplesmente dar as costas sem as necessárias explicações.

Essa postura mostra a dificuldade de quem sempre atirou pedras de se colocar na posição de vidraça. Mas é bom o ministro já ir se acostumando, bem como todo o entorno de Bolsonaro. A eleição do futuro presidente e de boa parte do novo Congresso, bem como de muitos governadores, se deveu em grande medida à indignação - por eles trabalhada à exaustão - com a corrupção associada ao PT e aos seus aliados.

Ao inflamar ainda mais a sociedade contra os malfeitos, Bolsonaro e seus aliados atraíram para si a expectativa de um comportamento em tudo diferente daquele que condenaram em tom tão grandiloquente.

Não adianta virar as costas. Muito menos apelar para o “e no tempo do PT”, como também fez Onyx.

Os dois truques, aliás, foram usados por Lula e pelos petistas ao longo do tempo. Primeiro afetar indignação diante das evidências de desvios em casos como o mensalão e o petrolão, por exemplo. Os petistas adoravam evocar o passado de CPIs e denúncias contra adversários do partido, antes de chegar ao poder, como se isso fosse um salvo-conduto eterno.

E o segundo o de, diante da denúncia, sempre trazer à baila o adversário para demonizá-lo. “E no tempo do Fernando Henrique?” era o curinga que os petistas sempre tiravam da mão quando se viam em apuros.

Agora Lula está preso, deve continuar assim por um bom tempo, possivelmente terá novas condenações, o PT está fora do poder desde 2016 e Bolsonaro, Lorenzoni e outros que ascenderam justamente na onda antipetista estão no poder. Condição em que devem explicações. Não se trata de uma concessão ou de boa vontade, ministro Onyx, mas de obrigação, como o senhor corretamente sempre cobrou nas CPIs que o alçaram à fama.

A boa vontade que beira a condescendência do eleitorado de Bolsonaro com ele e seu entorno têm prazo de validade. Aliás, o próprio declínio da adoração a Lula deveria servir de exemplo. O discurso de combate a todo e qualquer desvio ético, pequeno ou grande, é um pilar importante - juntamente com o conservadorismo e o tema da segurança pública - do triunfo de Bolsonaro. Para que ele se mantenha sem abalos é necessário que casos como o do ex-assessor, o de Onyx e outros que apareçam sejam tratados com seriedade e as explicações sejam rápidas e suficientes.

Culpar a imprensa, o PT, forças ocultas ou sabe-se lá quem é uma saída marota para a qual a população, que nestas eleições viveu o ápice de um processo de discussão política acalorada, não vai comprar barato. Como, aliás, sempre pregaram aqueles que a maioria acabou de eleger.


Julianna Sofia: É horrível ser trabalhador no Brasil

Com FAT e FGTS nas mãos, Guedes deve inovar no uso de dinheiro do trabalhador

O futuro governo de Jair Bolsonaro fatiará tal qual um salame o quase secular Ministério do Trabalho. As rodelas graúdas e cobiçadas ficarão sob a aba do poderoso Paulo Guedes (Economia), restando a Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) e Osmar Terra (Cidadania) administrar os nacos menos apetitosos — registro sindical e economia solidária, respectivamente.

A emissão das cartas sindicais virou caso de polícia e faz sentido remeter a tarefa à alçada de Moro.

O envolvimento de parlamentares, políticos e burocratas do Ministério do Trabalho em um esquema de propina para liberação de registros para sindicatos foi desvendado pela Operação Espúrio, que já mandou para o banco dos réus peixes grandes como o ex-deputado Roberto Jefferson.

Ainda está indefinido se o ex-juiz herdará também o combate ao trabalho escravo, tema controverso numa gestão em que a ascendência da bancada ruralista será inquestionável. Há chance de a fiscalização desse tipo de atrocidade ficar com Guedes.

Duas joias da coroa do reinado trabalhista, o FGTS e o FAT —donos de um patrimônio calculado em R$ 800 bilhões— foram estrategicamente capturadas pelo czar da economia bolsonarista. Não é de hoje que sucessivas equipes econômicas tentam inovar no uso desses fundos, que asseguram aos trabalhadores benefícios como seguro-desemprego e abono salarial, além de acesso a habitação popular e saneamento básico.

Guedes terá franco acesso a essas poupanças. No receituário, há propostas para extinguir o abono e usar o FGTS num sistema complementar ao seguro-desemprego. Isso reduziria o gasto do Estado com essas despesas —R$ 60 bilhões/ano. Outra ideia é usar até 25% dos depósitos do fundo de garantia na capitalização de contas individuais dentro de um novo modelo previdenciário.

Num país com 12,3 milhões de desempregados e taxa decrescente graças à destruição de vagas formais, a revolução liberal causa arrepios. Não está horrível apenas para patrões o Brasil dos dias atuais.