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El País: Rastro de depósitos suspeitos para Flávio Bolsonaro aprofunda crise
'Jornal Nacional' exibiu relatório do Coaf, que complica situação de filho de presidente. Na TV Record, senador eleito negou acusações
A crise provocada pela investigação envolvendo o ex-assessor dos Bolsonaro Fabrício de Queiroz escalou nesta sexta-feira. O Jornal Nacional, da TV Globo, exibiu trecho de novo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que identificou, em apenas um mês de 2017, uma série de depósitos parcelados e em dinheiro vivo na conta do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Ao todo, as cotas somaram 96.000 reais, o que foi considerado suspeito pelo órgão, que rastreia operações que podem apontar para ocultação de valores e lavagem de dinheiro. Quase ao mesmo tempo em que o principal telejornal brasileiro aprofundava o escândalo, na TV concorrente, a Record, mais próxima dos Bolsonaro, o filho mais velho do presidente eleito dava sua versão em entrevista e negava qualquer irregularidade.
A revelação do novo relatório do Coaf pela TV Globo acontece um dia depois de Flávio Bolsonaro obter no Supremo Tribunal Federal o congelamento da investigação a respeito de Fabricio Queiroz, flagrado movimentando 1,2 milhão de reias entre 2016 e 2017, um valor incompatível com sua remuneração formal. O caso está a cargo do Ministério Público Estadual do Rio desde o fim do ano passado e o filho de Bolsonaro argumentou na corte que, por ser senador eleito, só a instância superior, no caso a Procuradoria-Geral da República, poderia investigá-lo. Na petição, Flávio Bolsonaro também tentava invalidar documentos como o do Coaf exposto na reportagem. Ainda que o próprio STF ainda vá discutir o caso em definitivo a partir de fevereiro, o MP do Rio argumenta que todas as apurações aconteceram antes mesmo de ele ser diplomado para o cargo na Câmara alta.
Desgaste político
Na quinta-feira, o apelo do senador eleito pelo foro privilegiado junto ao STF, um expediente que o presidente e sua família criticaram no passado, já havia causado desgaste político em pleno mês de estreia do Governo Bolsonaro. Agora, o rastro de depósitos suspeitos para o próprio senador eleito mudam o caso de patamar e constrangem a família que chegou ao poder prometendo extirpar a "corrupção do PT". Embora o MP do Rio diga que Flávio Bolsonaro não é formalmente investigado, uma linha da apuração relaciona a possibilidade de que repasses feitos por assessores de Flávio Bolsonaro na conta de Fábricio Queiroz tenham como destino final o próprio senador eleito, o que ele nega. É ilegal, mas bastante difundido em assembleias, câmaras e prefeituras do país, a prática de parlamentares confiscarem parte dos salários de seus funcionários, o chamado pedágio.
Na TV Record, o filho mais velho do presidente disse que considera "ilegal" a ação do Coaf, que teria quebrado seu sigilo bancário sem autorização judicial. Para rebater as informações de que ao menos dois de seus ex-assessores faltavam bastante ao trabalho (um deles passou temporadas inteiras em Portugal e uma outra é personal trainer), Flávio Bolsonaro disse que não é responsável pelo que seus funcionários fazem fora do trabalho e que é comum que esses assistentes tenham outras funções.
Pelo revelado até agora pelo Coaf e em reportagens, as parcelas em dinheiro enviadas para Queiroz coincidiam com as datas de pagamento da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Mais: no caso dos depósitos para o senador eleito conhecidos nesta sexta-feira, a maior parte foi feita no terminal de autoatendimento da Alerj. Em diferentes datas, segundo a TV Globo, foram identificados aportes em valores idênticos, com apenas poucos minutos de intervalo. Foram feitos dez depósitos de 2.000 reais em cinco minutos em apenas uma data analisada.
A investigação envolvendo o ex-assessor de Flávio Bolsonaro nasceu num desdobramento da Operação Lava Jato no Rio chamado Furna da Onça, que já levou dez parlamentares fluminenses para a prisão. Em 6 de dezembro, o Coaf apontou em um relatório que Queiroz, policial militar da reserva, ex-motorista de Flávio e amigo de longa data da família Bolsonaro, fez uma movimentação bancária de 1,2 milhão de reais, “incompatível com seu patrimônio". Em seu relatório, o Coaf identificou transferências do ex-assessor para a conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que totalizaram 24.000 reais. O presidente Bolsonaro afirmou que o valor dizia respeito a uma série de empréstimos feitos por ele ao motorista, quitado com cheques de 4.000 reais.
Enquanto a trama se adensa, a TV Record anunciou que exibirá no domingo uma entrevista exclusiva da primeira-dama, o rosto suave do novo Governo.
Bernardo Mello Franco: Quando os fatos deixam de importar
Para defender o decreto das armas, o chefe da Casa Civil omitiu estudos e apresentou dados falsos. A prática tem sido comum neste início de governo
Em 1921, o editor C.P. Scott escreveu que “o comentário é livre, mas os fatos são sagrados”. A máxima é republicada todos os dias pelo jornal britânico “The Guardian”. Mesmo assim, parece cada vez mais fora de moda na política do Reino Unido.
Ontem a premiê Theresa May se salvou por pouco de perder o cargo. Seria a segunda chefe de governo a cair por causa do Brexit. O primeiro foi David Cameron, vítima do referendo que ele mesmo convocou.
A votação mostrou o poder das “fake news”. Os defensores do rompimento com a União Europeia falsearam dados e omitiram os custos de deixar o bloco. Os eleitores caíram na armadilha populista e decidiram contra o próprio bolso.
A campanha do Brexit inspirou os estrategistas de Donald Trump e Jair Bolsonaro. Os americanos já convivem há dois anos com um governo que contesta estudos científicos e prega a existência de “fatos alternativos”. Agora, tudo indica que chegou a nossa vez.
Ao defender o decreto das armas, o ministro Onyx Lorenzoni declarou à GloboNews que “toda a experiência da humanidade mostra, sem nenhuma falha que negue essa evidência, que quanto mais armada a população, menor a violência”.
A maioria das pesquisas sérias diz exatamente o contrário. No Brasil, a taxa de homicídios passou a subir mais lentamente depois de 2004, quando o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor.
O ministro não parou por aí. Ele disse que os roubos a residências na Inglaterra aumentaram 40% depois que a posse de armas foi proibida. A Agência Lupa mostrou que as estatísticas dizem o oposto: a taxa caiu 72%.
O chefe da Casa Civil ainda alegou que a Declaração Universal de Direitos Humanos “garante o direito de tu, na manutenção da vida, tirar a vida daquele que te agride”. A afirmação simplesmente não existe no documento.
Onyx parece à vontade num governo em que a ministra dos Direitos Humanos contesta Darwin e o ministro do Meio Ambiente considera o aquecimento global um problema “secundário”.
A novidade é ver Sergio Moro se entrosando nesse time. Na noite de terça, o titular da Justiça criticou as pesquisas sobre o desarmamento e alegou que seus resultados seriam “controvertidos”.
Fernando Gabeira: Sobrou para Darwin
Assim como o PT, os vencedores de agora parecem achar que o Brasil começou com eles
Sabia que Darwin não passaria incólume por este governo. Inclusive escrevi um artigo prevendo esta hipótese. Nele, falava de um filme americano do século passado, cujo título no Brasil foi “O vento será tua herança”.
Na verdade, o filme era sobre um júri onde se discutia o ensino da teoria da evolução nas escolas. Ficou conhecido como o júri do macaco.
Darwin esteve no Brasil. Parte de sua teoria foi elaborada a partir da experiência em Galápagos. Outro dia, percorri seu caminho no interior do Rio, dentro do território de Maricá. Observava as possíveis plantas que Darwin viu e, ao passar por um casarão da fazenda, vislumbrei a grande pedra da qual, segundo se diz, os escravos se jogavam. A passagem de Darwin pelo Brasil não se limitou à natureza. Ele se impressionou com a escravidão, à qual ele e sua família se opunham na época.
A ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, lamentou que a igreja evangélica tenha perdido espaço para Darwin nas escolas brasileiras, nas quais o criacionismo não é ensinado. O ministro da Ciência, Marcos Pontes, já fez a defesa de Darwin. De qualquer forma, ainda existe no ministro da Educação uma desconfiança em torno da ciência, tema que também abordei no artigo anterior.
O GLOBO tentou comprar uma autobiografia de Damares. Não deu certo porque a edição de “Jesus sobe no pé de goiaba” foi suspensa. O interesse do GLOBO em Damares é o de repórter. O meu é de escritor. Ela é a grande personagem deste princípio de governo.
Imaginei até uma série de ficção, que começaria com uma ministra de cabelos longos com as mãos na mesa de uma de suas três secretárias, alguns carros usados no pátio, dizendo: “De agora em diante, neste país, menino se veste de azul, menina se veste de rosa”.
Eu a sigo com um olhar fascinado desde a história de ter visto Jesus na goiabeira. Estava pronto para defendê-la dos lobos do ceticismo, mas ela mesma recuou. Disse que era uma fantasia de criança.
O recuo a torna uma personagem mais complexa ainda. Se viu Jesus na goiabeira e está relativizando, sua visão é sinal de que não quer enfrentar os céticos.
Mas se foi apenas uma fantasia infantil, por que apresentá-la como se tivesse acontecido de verdade? Aí entraríamos num outro território, o do também fascinante personagem de Sinclair Lewis, chamado Elmer Gantry. No cinema, foi vivido por Burt Lancaster. Era um genial manipulador. Limito-me a observar os primeiros passos do governo, mas, sinceramente, não é o caso ainda de fazer oposição. A fase ainda é a de Sancho Pança, limitando-me a dizer: “Olha mestre, olha o que está dizendo.”
O governo retirou o Brasil do Tratado de Migração da ONU. Disse que o fez em nome da soberania nacional. Mas o tratado não era vinculante. Apenas uma tentativa de organizar o maior caos que a humanidade vive, os deslocamentos em massa.
Bolsonaro falou como se o Brasil estivesse na mira de multidões de refugiados. Mas não está. Na verdade, temos mais brasileiros no exterior do que estrangeiros procurando o Brasil.
Não se pensou no destino dos brasileiros lá fora. Não podem ser vistos com má vontade, uma vez que seu país é tão fechado a acordos sobre o tema?
Bolsonaro falou também que os imigrantes aqui devem saber cantar o Hino Nacional. Minha avó, analfabeta, falava mal o português. Seria uma tortura para ela cantar o Hino Nacional, mas isso não significa que não gostasse do Brasil e não trabalhasse como uma moura.
Sinceramente, não sei se os EUA de hoje são o modelo para uma política migratória. A Alemanha tem uma posição diferente. O Canadá, que me parece mais adequado como referência, deveria ser também observado.
No Rio, um deputado do PSL, a propósito de um centro indígena realmente decadente, declarou que quem gosta de índio deve se mudar para a Bolívia. Se sua inspiração é militar, por que só o capitão Bolsonaro, descartando Marechal Rondon? Talvez nem saiba quem foi Rondon.
Assim como o PT, os vencedores de agora parecem achar que o Brasil começou com eles. A tarefa é sempre se lembrar do país imenso que não cabe nas estreitas ideologias.
Folha de S. Paulo: Maioria dos brasileiros é contrária à redução de terras indígenas
Seis em cada 10 pessoas se opõem a corte em demarcações, segundo o Datafolha; governo Bolsonaro revisará processos
Por Maeli Prado, da Folha de S. Paulo
A redução de áreas destinadas às terras indígenas é desaprovada por 6 em cada 10 brasileiros. O tema voltou à discussão desde 1º de janeiro, quando a tarefa de demarcar essas áreas foi transferida pelo presidente Jair Bolsonaro da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o Ministério da Agricultura.
O dado é de uma pesquisa do Datafolha feita com 2.077 entrevistados em 130 municípios entre 18 e 19 de dezembro de 2018. A margem de erro é de dois pontos para cima ou para baixo, considerando um nível de confiança de 95%.
A maior oposição à possibilidade de diminuir o tamanho dessas terras é das mulheres, mostra o detalhamento da pesquisa do instituto: entre elas, a discordância em relação à possibilidade chega a 62%, ante 57% entre os homens.
Quanto mais velho e menos escolarizado for o brasileiro, maior a tendência de concordar com a redução dos limites das reservas. Na faixa entre 16 e 24 anos, por exemplo, essa aceitação é de 32%, percentual que sobe para 46% no grupo acima de 60 anos. Já entre os que têm ensino fundamental, a concordância é de 48%, reduzindo-se a 30% entre quem possui ensino superior.
"Os números demonstram que grande parte dos eleitores do presidente discorda da sua intenção de reduzir as terras indígenas", diz Márcio Santilli, sócio-fundador do ISA (Instituto Socioambiental).
"A Constituição reconhece o direito dos povos indígenas às terras. E o governo não pode deixar de cumprir essa determinação", reforça Cléber Buzatto, secretário-executivo do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).
A polêmica em torno do tema é crescente porque, na prática, as identificações, delimitações e demarcações de terras passaram às mãos de representantes dos ruralistas no novo governo, movimento que vem sendo alvo de críticas e classificado como conflito de interesses.
A Secretaria de Assuntos Fundiários, que é ligada à Agricultura e cuida do tema, é chefiada por Nabhan Garcia, que foi presidente da UDR (União Democrática Ruralista).
O pecuarista afirma que a pasta irá reavaliar, "com isenção", as demarcações realizadas nos últimos dez anos ou mais, e que o governo pode anular decisões se considerar que houve falhas no processo.
Essas revisões, segundo ele, são tanto de processos de áreas contestadas na Justiça quanto na esfera administrativa. "Temos o dever de revisar algumas demarcações porque existem indícios de irregularidades", afirma. "O que puder ser revisto e passado a limpo, será passado a limpo."
Nabhan argumenta que o governo não tem o objetivo de reverter ou reduzir as áreas. "Queremos seguir a lei. Se está seguindo os parâmetros legais, se o laudo antropológico está correto, se não teve interferência de ONG, tudo bem. Mas, uma vez identificadas falhas, vamos corrigir. Em inúmeras situações houve pressão de órgãos, de ONGs para que a identificação [como terra indígena] ocorresse."
O Brasil possui hoje 721 terras, em diferentes estágios de demarcação, que de acordo com o ISA a União reconhece como sendo de ocupação tradicional por povos indígenas.
Essas áreas representam 13,8% do território brasileiro, e mais de 400 delas (ou cerca de 98% de todas as terras indígenas) estão na chamada Amazônia Legal, formada pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Para Buzatto, o governo se sujeita a ações por improbidade administrativa caso reveja decisões relativas à demarcação de reservas.
"Se adotarem medidas na contramão, poderão sofrer ações de improbidade administrativa, seja o presidente da República, seja o ministro, seja o secretário."
Bruno Boghossian: Mourão ainda espera o elevador no edifício do poder
General buscou posição de destaque, mas tenta esconjurar fantasma do vice decorativo
Entre a vitória na eleição e os primeiros dias de governo, Hamilton Mourão foi forçado a descer alguns metros no edifício do poder. O vice-presidente esperava despachar ao lado do gabinete de Jair Bolsonaro no terceiro andar do Planalto. Sua cadeira, porém, foi colocada no anexo que se conecta ao palácio por um túnel subterrâneo.
Em outubro, a ideia era outra. “Eu me vejo como um assessor qualificado do presidente, um homem próximo ali, junto dele, dentro do Planalto. Nossas salas serão juntas”, disse o general ao jornal O Globo, a três dias da eleição. “Não seremos duas figuras distantes, como já aconteceu.”
Ao entrar na terceira semana de governo, Mourão tenta esconjurar o fantasma do “vice decorativo” —que assombrou um Michel Temer maltratado por Dilma Rousseff.
Mesmo antes da vitória de Bolsonaro, o general se oferecia para funções de peso. Indicou publicamente que poderia ser um coordenador de ministérios. Ofereceu-se ainda para comandar parcerias público-privadas na área de infraestrutura.
Mourão ficou sem o gabinete, sem autoridade sobre os investimentos e sem o papel de líder da Esplanada. Com humildade, afirmou à Folha que esta última ideia “não vingou”. Agora, sugere cooperar com Bolsonaro nas relações internacionais. “Vamos aguardar o que o presidente vai definir”, disse, pacientemente.
O vice tenta se alinhar ao homem forte da economia para acumular influência no governo. O general é um dos poucos militares em cargo alto a defender a ideia de Paulo Guedes de rever as regras de aposentadoria dos homens de farda. Bolsonaro não parece estar convencido disso.
Mourão pegará as chaves do terceiro andar duas vezes em janeiro: quando o presidente for a Davos, na Suíça, e quando se internar para uma cirurgia. Será um teste de prestígio. Em 1981, quando o general Figueiredo foi parar no hospital, os ministros Leitão de Abreu (Casa Civil) e Delfim Netto (Planejamento) mal apareceram no Planalto para despachar com o vice Aureliano Chaves.
Época: Quem é Antonio Paim, o filósofo baiano que fez a cabeça do ministro da Educação
Paim é visto como um mestre pelos liberais-conservadores que passaram a orbitar em torno da Esplanada dos Ministérios
Por Guilherme Evelin, da Época
Em seu discurso de posse no dia 2 de janeiro, em meio a críticas ao globalismo, ao pensamento gramsciano, ao marxismo cultural e à ideologia de gênero — o quarteto eleito como alvo preferencial dos ataques da ala ideológica do governo Jair Bolsonaro —, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, explicou que a “inspiração liberal-conservadora” de suas propostas educacionais, que pregam a recuperação dos valores culturais tradicionais e religiosos, vinha de “dois grandes educadores”: Antonio Paim e Olavo de Carvalho.
A ascendência do “guru da Virginia” — como Olavo de Carvalho passou a ser chamado pelos bolsonaristas — sobre o novo governo instalado em Brasília se tornou bem conhecida. Além de opinar a favor da escolha de Vélez Rodríguez para o Ministério da Educação, Carvalho também atuou pela nomeação do embaixador Ernesto Araújo para o Itamaraty. Menos alardeada, a influência das ideias de Paim é igualmente importante em setores do novo governo, e a figura do filósofo baiano é tão ou mais reverenciada que a de Carvalho.
Autor de obras como "Histórias das ideias filosóficas no Brasil" e "Evolução histórica do liberalismo", Paim é também tratado como um mestre pelos liberais-conservadores que passaram a orbitar em torno da Esplanada dos Ministérios. “Paim mostrou que a luta pelo sistema democrático-representativo e pluralista produz resultados humanamente mais aceitáveis que os sistemas cooptativos do antigo Leste Europeu, de Cuba, da Venezuela bolivariana e da China comunista”, disse o cientista político Paulo Kramer, que fez parte da equipe de transição do governo Bolsonaro e foi coautor de um livro com Paim e Vélez Rodríguez sobre o “novo patrimonialismo brasileiro”, publicado em 2015.
Para o cientista político Christian Lynch, professor da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro, “Paim é autor de uma obra ciclópica e muito respeitável sobre a história das ideias filosóficas no Brasil, que é um clássico da área”. “A preocupação central em seus textos sobre o pensamento político brasileiro tem sido compreender as raízes do iliberalismo no Brasil, que ele acredita radicar numa incompreensão da questão da representação política”, acrescentou Lynch. “Nos últimos 20 anos, o prestígio do socialismo ou da social-democracia foi relegando alguns intelectuais a um lugar marginal na academia e na mídia, como se fossem dinossauros em extinção. Com o retorno do conservadorismo, depois de 30 anos, esses autores voltaram à voga.”
Prestes a completar 92 anos, Paim, nascido em Jacobina, no interior da Bahia, vive hoje numa casa de repouso particular para idosos, repleta de jardins e com um lago, no Jardim Bonfiglioli, bairro de São Paulo, às margens da Rodovia Raposo Tavares. ÉPOCA o encontrou lá em dois domingos, dia que ele reserva para ouvir música clássica, num quarto em que mantém uma TV, um computador e uma estante com seus livros e fotos de suas duas filhas. Paim precisa recorrer a um andador para se locomover, mas, em meio a alguns resmungos contra a velhice (uma m..., resume), ele se mantém bem-humorado, com uma conversa afiada e atualizado sobre tudo que ocorre com o governo Bolsonaro.
O ministro da Educação Ricardo Vélez Rodriguez, na posse de seu cargo, cumprimenta seu antecessor Rossieli Soares Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil
Sua ligação mais direta com o novo governo é, claro, com Vélez Rodríguez, com quem falou, por telefone, para desejar sucesso no governo. O ministro da Educação foi seu aluno quando chegou ao Brasil na década de 70, com uma bolsa da Organização dos Estados Americanos (OEA) para estudar pensamento brasileiro num curso ministrado por Paim na Pontifícia Universidade Católica (PUC) no Rio de Janeiro. Paim rememora, com prazer, como conheceu Vélez Rodríguez, colombiano de nascimento, depois naturalizado brasileiro. “No primeiro dia de aula, ele falou em América Latina. Eu disse a ele: Você ganhou uma bolsa para estudar pensamento brasileiro. Não me venha com conversa de América Latina, que isso não existe aqui’. Ele, ainda um garoto, não respondeu nada e ficou em pânico”, contou Paim, aos risos.
O mestre disse que depois o “discípulo” se mostrou de grande valor e fez uma pesquisa primorosa sobre o caudilho gaúcho Júlio Prates de Castilhos (1860-1903), prócer do começo da República brasileira. Castilhos ajudou na difusão do positivismo, doutrina filosófica importada da França com grande penetração entre os militares brasileiros e inspiração do lema “Ordem e Progresso”, inscrito na bandeira nacional. A pesquisa redundou depois no livro Castilhismo, uma filosofia da República , de Vélez Rodríguez. A obra bebe no pensamento de Paim. Para o filósofo, “o positivismo era um troço primitivo”, a República foi instalada no Brasil por meio de “um golpe de Estado” articulado por uma minoria e a derrubada da monarquia em 1889 foi “um retrocesso brutal que abortou a construção no país de instituições representativas democráticas” no modelo liberal inglês — para Paim, o ápice da civilização política.
Paim e Vélez Rodriguez também comungam a mesma ojeriza às ideias socialistas e ao que eles chamam de doutrinação marxista nas universidades brasileiras. Para o filósofo baiano, o “Brasil é o único país do mundo, além da França, onde o comunismo parece que não acabou”. Ele diz ainda que “um marxismo vagabundo” prolifera nos campi nacionais. “A USP é hostil ao pensamento brasileiro. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, órgão do Ministério da Educação responsável pela supervisão dos cursos de pós-graduação) está na mão dos comunas, dos marxistas. O MEC só dá passagem e bolsa para quem está na chave gramsciana. Se você não estudar Gramsci, você perde o emprego. É exatamente isso”, afirmou Paim, que considera Gramsci um “totalitário”. Ele manifesta a esperança de que o novo ministro “vai liquidar isso”. “Não tem cabimento dar ao Estado o poder de dar pontuação às instituições culturais”, afirmou Paim, referindo-se ao método usado pela Capes para avaliar a pós-graduação.
Mestre e discípulo têm uma velha pinimba com a Capes. Em 2009, Vélez Rodríguez publicou um artigo na imprensa em que acusou os “burocratas da Capes no setor de filosofia” de agir de forma persecutória, entre 1979 e 1999, para extinguir os cursos de graduação e pós-graduação em filosofia brasileira, um nicho de atuação de filósofos conservadores, considerados minoritários na academia brasileira.
Segundo Vélez Rodríguez, “uma guilhotina ideológica” ceifou esses cursos por eles serem considerados de direita. A ação teria sido comandada por antigos ativistas marxista-leninistas, seguidores do filósofo e padre jesuíta Henrique Claudio de Lima Vaz. Vaz era mentor, na década de 60, da Juventude Universitária Católica (JUC) e da Ação Popular (AP), uma corrente política de esquerda em que militaram, no passado, José Serra e Herbert de Souza, o Betinho, entre outros. Quase uma década depois de sua publicação, o artigo de Vélez Rodríguez continua a reverberar no mundinho acadêmico. Após sua nomeação para o Ministério da Educação, circulou um manifesto de professores de filosofia, assinado inclusive por Marilena Chauí, que rebate “as insídias” contra o padre Vaz.
A rixa de Paim e Vélez Rodríguez com os seguidores do padre Vaz dura décadas. Paim diz que foi “boicotado” por antigos militantes da AP, quando eles assumiram o Departamento de Filosofia da PUC do Rio de Janeiro no final da década de 70. Uma reforma foi feita na pós-graduação, e o curso de filosofia brasileira, de Paim, foi retirado do currículo. Quando textos do jurista e filósofo Miguel Reale — mestre de Paim e pai do ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff — foram retirados de uma antologia distribuída aos alunos, Paim publicou uma “denúncia” em forma de artigo no Jornal do Brasil.
A polêmica gerou meses de controvérsia na imprensa nacional e depois virou o livro "Liberdade acadêmica e opção totalitária". “Excluíram o Miguel Reale porque ele tinha sido integralista, o que é um absurdo. Eu tinha arrumado bolsas para os marxistas, em pleno governo militar, porque achava um absurdo a discriminação a eles, mas a convivência é difícil. Você não deve dar cargo de poder a eles, porque eles vão liquidar os outros. É da alma deles”, disse Paim.
Raul Landim, ex-diretor do Departamento de Filosofia da PUC, tem uma versão diferente. Disse que a exclusão do curso de filosofia brasileira estava relacionada a uma modernização do departamento para adequá-lo à realidade de outros cursos de filosofia no mundo. Da mesma forma, a antologia de textos distribuída aos alunos passou a incluir apenas filósofos considerados clássicos.
“Fui da AP, mas não sou marxista, como também não era o padre Vaz. Estávamos preocupados em melhorar a competência dos alunos, mas o Paim transformou tudo em questão ideológica”, disse a ÉPOCA Landim, hoje professor aposentado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na última terça-feira 8. A querela não terminou bem para ele. Seis meses depois, Landim e outros professores perderam seu emprego na PUC. Ele acha que a polêmica teve um efeito indireto em sua saída.
Apesar desse passado, Paim avalia que Vélez Rodríguez deve agir com prudência em sua faxina ideológica no Ministério da Educação. “Não pode generalizar. O Ministério da Educação tem muito funcionário decente. Não pode achar que tudo é marxista, tudo não presta, como os procuradores fizeram com a classe política. Não é bem assim”, afirmou. Perguntado sobre o Escola sem Partido, Paim disse que os professores devem adotar a mesma postura que ele tinha na sala de aula.
“Em meu tempo de professor, eu dava um curso sobre Kant (Immanuel Kant, filósofo alemão do final do século XVIII, considerado um dos pilares da filosofia moderna). Eu transmitia a eles como ler "A crítica da razão pura", mas não fazia doutrinação. Se eu fizesse isso, dizia a eles que podiam me criticar e me botar para fora”, afirmou. Paim disse que o curso de filosofia serve para ter conhecimento de todos os principais pensadores, inclusive Marx. Mas ressalva que Marx deve ser lido à luz da “complexidade do idealismo alemão”. Fora desse contexto, alertou, “marxismo vira bestialógico”.
Antes de virar um conservador e um anticomunista ferrenho, como ele próprio admite, Paim fez um caminho sinuoso. Foi ele próprio um comunista de carteirinha. Na juventude dos seus 20 e poucos anos, estudante no Rio de Janeiro, entrou no Partido Comunista do Brasil, o Partidão, entusiasmado com a União Soviética depois da Segunda Guerra Mundial. Achava que os soviéticos encarnavam a liberdade, que não existia na ditadura de Getulio Vargas.
Virou secretário de redação da Tribuna Popular, o jornal do partido, em que militava, entre outros, o poeta Carlos Drummond de Andrade. Durante o governo de Gaspar Dutra (1946-1951), num enfrentamento de jornalistas e gráficos que resistiram a bala a uma ação da polícia para fechar o jornal, levou um tiro que o deixou com um buraco na cabeça e foi condenado a sete anos de prisão. Foi enviado para uma casa de detenção, onde, segundo Paim, o diretor queria matá-lo. Paim contou que numa ocasião em que o diretor tentou pegá-lo com as mãos pelas grades da cadeia, reagiu e quase quebrou o braço do agente. Como punição, foi mandado para um cubículo numa solitária, onde ficou em condições degradantes. “O anticomunismo brasileiro era de um primarismo brutal. Uma pessoa com um mínimo de caráter ou enfrenta aquele negócio, ou se avacalha. Aí, eu virei comuna mesmo”, afirmou.
Depois de uma inspeção feita por uma Comissão da Câmara dos Deputados, Paim foi reconhecido como preso político e enviado para uma penitenciária onde, em condições melhores, cumpriu pena de dois anos e dois meses de prisão. Solto, virou dirigente do Partido Comunista. Em 1953, foi enviado para a União Soviética para estudar teoria leninista, na Universidade Lomonosov, em Moscou. Aprendeu a ler O capital, de Marx, em russo para traduzi-lo para o português. Paim disse que transformou-se em um “bolchevique sem alma, sem amigo, sem família, sem p... nenhuma, integrante de uma casta devotada à causa”.
Na Universidade Lomonosov, Paim, porém, apaixonou-se pela russa Margarita Anatolia Rodanov — que fazia a tradução simultânea para os brasileiros. Seus colegas comunistas não gostaram daquele namoro, porque achavam que atrapalhava as relações do Partido Comunista brasileiro com o soviético. Terminado o curso, Paim voltou para o Brasil, mas ficou poucos meses aqui antes de resolver voltar para a União Soviética para casar com Margarita.
“O amor foi um processo de humanização para mim”, declarou numa ocasião Paim, que disse ter sido salvo do comunismo pela paixão. Ele foi gradualmente afrouxando os laços com o partido. A ruptura final veio com a divulgação dos crimes de Stálin com o relatório Kruschev, de 1956, quando Paim ainda morava na União Soviética. “Fui eu que lutei para distribuir o relatório para o Partido Comunista brasileiro. Não dava para ficar no partido depois daquilo. Da minha geração, ninguém ficou”, contou Paim. O processo de desencanto daquela geração com o stalinismo é contado no livro "O retrato", de outro ex-comunista baiano, Osvaldo Peralva, que foi jornalista da Folha de S. Paulo. A reedição de 2015 de "O retrato" tem prefácio assinado por Paim. “A leitura de 'O retrato' pode contribuir para que pessoas de bom senso revejam esse tipo de opção”, escreveu o filósofo na apresentação.
Depois de conseguir a autorização do regime soviético para que Margarita saísse da Rússia, Paim voltou para o Brasil com a mulher. Instalaram-se em Copacabana, no Rio de Janeiro, tiveram uma filha. Mas o casamento com Margarita, que traduziu Machado de Assis e fez um dicionário russo-português, durou pouco. Por volta de 1962, quando o Brasil já vivia o acirramento dos ânimos anticomunistas que culminaria no golpe militar contra o governo João Goulart em 1964, a russa resolveu voltar, com a filha, para a União Soviética, onde a mãe era uma dignitária do regime. Paim confessou ter ficado “desarvorado”. “Eu era muito agarrado a minha filha. Era um potocozinho”, disse Paim, que nunca mais a viu. Não é o único momento que usa da suavidade baiana para se referir a suas ligações com antigos camaradas e a Rússia soviética. “O povo russo é uma gente muito simpática, bonita, alegre. Sinto saudades deles, do período em vivi lá”, contou. Recentemente, disse ter descoberto a existência de duas netas na Rússia. Uma delas, volta e meia, lhe escreve e-mails em português — e torna a desaparecer.
O processo de saída do marxismo, disse Paim, foi igualmente penoso. “Uma coisa é sair do Partido Comunista, outra é sair do marxismo”, explicou. Ele fez a opção deliberada de “passar anos estudando para aprender” e conseguir o rompimento com a antiga ideologia. “O Fernando Henrique não fez isso e continuou se arrastando”, disse. Passou a estudar Kant com um engenheiro alemão, especialista na obra do filósofo. Com ele, disse Paim, fez “terapia kantiana” para se libertar do marxismo. A transição para o liberalismo conservador, brincou, foi igualmente “gradual, lenta e segura”. Por um tempo, flertou com a social-democracia. Contou que só virou liberal mesmo em meados da década de 70, depois de ter estudado como o liberalismo inglês se reformou, ao longo do século XIX, para tornar suas instituições políticas mais representativas.
Paim se disse animado com a perspectiva de dar maior consistência programática às várias propostas liberais que ganharam força nos últimos anos no Brasil. Disse ter o lido o programa do PSL, o partido de Bolsonaro, e o achou “muito bom”. Considera que o novo presidente “tem uma proposta liberal, sem dúvidas”, e que ele pode liquidar o PT, outro porta-voz do que ele chama de “marxismo vagabundo”. Mas mantém um certo ceticismo em relação aos resultados que podem ser alcançados pelo novo governo. “O Brasil elegeu um governo militar-liberal. Tem mais milico lá do que no tempo do Castello Branco. É um arranjo complicado. Você não pode dizer isso a priori, mas pode não dar certo. Depende muito da relação com o Congresso”, disse.
Em relação ao Brasil, Paim disse ter menos ilusões ainda. “Se não houver um cataclismo que mude sua base social, o Brasil jamais será um país desenvolvido”, afirmou. Adepto de uma filosofia que faz uma leitura culturalista das sociedades, ele acha que o obstáculo está relacionado a valores morais desenvolvidos nos tempos do período colonial, quando a Inquisição impediu que o país acompanhasse a Revolução Industrial. “No Nordeste, havia um dito: ‘Não herdou, não roubou, emerdou’. Isso mostra que o ódio ao lucro e à riqueza é um troço arraigado, profundo, no Brasil. A moral social é muito ruim. O grande obstáculo que impede a sociedade liberal no Brasil é a Igreja Católica. A Igreja Católica é hoje uma espécie de Partido Comunista”, disse Paim. Segundo ele, o máximo que o Brasil poderá aspirar em termos de participação da riqueza mundial será como país agroexportador, graças ao sucesso do agronegócio. “E PT Saudações”, completa ele, peremptório.
El País: Foragido, italiano Cesare Battisti é preso na Bolívia e Bolsonaro comemora com críticas ao PT
Extradição de ex-ativista de esquerda para a Itália era promessa de campanha do presidente brasileiro, que tenta se aproximar diplomaticamente do país europeu
Cesare Battisti, ex-militante da esquerda condenado por quatro assassinatos na Itália na década de 1970, foi preso na Bolívia na noite deste sábado, 12 de janeiro, por uma equipe da Interpol formada por agentes italianos e brasileiros na cidade de Santa Cruz de La Sierra. Battisti era considerado foragido desde meados de dezembro do ano passado, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, ordenou sua prisão preventiva. A detenção do ex-ativista foi divulgada inicialmente nas redes sociais por Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, e comemorada horas depois pelo presidente Jair Bolsonaro. O mandatário brasileiro aproveitou a notícia da detenção para retomar suas criticas ao PT, partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que em seu último dia de Governo, em 2010, concedeu asilo ao italiano. "Finalmente a justiça será feita ao assassino italiano e companheiro de ideais de um dos governos mais corruptos que já existiram no mundo (PT)", escreveu Bolsonaro, em uma rede social, adotando o mesmo tom de um dos seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro, que escreveu no Twitter: "Ciao Battisti, a esquerda chora".
Ainda não foi decidido se Battisti será encaminhado de volta ao Brasil para que o Governo federal dê início ao processo de extradição, ou se será enviado à Itália diretamente da Bolívia, sob o comando do presidente Evo Morales, um dos últimos expoentes do ciclo de esquerda da década passada na América Latina. Embora tenha comparecido à posse de Bolsonaro no início do mês em Brasília, Evo Morales sempre foi mais alinhado políticamente aos governos petistas. Em nota divulgada na manhã deste domingo, os Ministérios das Relações Exteriores e o Ministério da Justiça e Segurança Pública informaram que "estão tomando todas as providências necessárias, em cooperação com o Governo da Bolívia e com o Governo da Itália, para cumprir a extradição de Battisti e entregá-lo às autoridades italianas". Por ser considerado um foragido internacional, ele não precisa voltar ao Brasil para ser extraditado. De acordo com a rádio brasileira CBN, autoridades italianas já providenciaram a aeronave para transportá-lo diretamente de Santa Cruz de La Sierra à Itália.
Parabéns aos responsáveis pela captura do terrorista Cesare Battisti! Finalmente a justiça será feita ao assassino italiano e companheiro de ideais de um dos governos mais corruptos que já existiram no mundo (PT).
Battisti foi membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), um braço das Brigadas Vermelhas, e foi condenado à prisão perpétua por quatro homicídios ocorridos entre 1977 e 1979, que ele nega ter cometido. Depois de viver 15 anos exilado na França – onde se tornou um bem-sucedido autor de romances policiais –, em meados dos anos noventa se viu obrigado a partir para o México. Finalmente chegou em 2004 ao Brasil, onde permaneceu oculto até que, em 2007, foi ordenada sua detenção. Em 2013, casou-se no Brasil com uma brasileira e teve um filho com ela.
O Supremo Tribunal Federal aceitou sua extradição em 2009, numa decisão não vinculante, que deixou a decisão nas mãos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas este a rejeitou em 31 de dezembro de 2010, último dia de seu segundo mandato. O destino de Battisti, que sempre foi reivindicado com insistência pela Itália, começou a mudar durante a última campanha eleitoral no Brasil, quando o então candidato da extrema direita Bolsonaro prometeu sua extradição se chegasse ao Planalto. Battisti estava foragido desde que, em 13 de dezembro, o STF ordenou sua detenção para que fosse extraditado para a Itália, valendo-se de um decreto do então presidente Michel Temer.
Ringrazio per il grande lavoro le Forze dell’Ordine italiane e straniere, la @poliziadistato, l’Interpol, l’AISE e tutti coloro che hanno lavorato per la cattura di #CesareBattisti, un delinquente che non merita una comoda vita in spiaggia, ma di finire i suoi giorni in galera.
A notícia da captura de Battisti foi comemorada pela classe política italiana. O ministro do Interior, Matteo Salvini, agradeceu ao presidente Jair Bolsonaro e às autoridades bolivianas pela colaboração, acrescentando que Battisti é “um delinquente que não merece uma cômoda vida na praia, e sim acabar seus dias na prisão”. O ultradireitista Salvini acrescentou: “Meu primeiro pensamento vai para os familiares das vítimas deste assassino, que durante muito tempo gozou uma vida que vilmente tirou dos outros, protegido pela esquerda de meio mundo”.
O ministro da Justiça, Alfonso Bonafede, antecipou que o ex-militante “agora será entregue à Itália” para que cumpra sua pena. “Quem erra deve pagar, e também Battisti pagará. O tempo passado não sanou as feridas que Battisti deixou nas famílias de suas vítimas e no povo italiano, assim como que não diminuiu o desejo humano e institucional de obter justiça”, afirmou na sua conta do Facebook. O ex-primeiro-ministro Matteo Renzi, do Partido Democrata (PD, centro-esquerda), também manifestou sua satisfação: “A detenção de Battisti na Bolívia é uma boa notícia. Todos os italianos, sem nenhuma distinção de cor política, desejam que um assassino deste tipo seja devolvido o antes possível ao nosso país para cumprir a pena. Hoje é um dia para a justiça”, celebrou.
(ITA) Il Brasile non è più terra di banditi. @matteosalvinimi , il "piccolo regalo" è in arrivo
O embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini, congratulou-se pela notícia: “Battisti está preso! A democracia é mais forte que o terrorismo”, escreveu o diplomata no Twitter. O deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, também usou essa rede social para enviar uma mensagem em italiano a Salvini: “O Brasil já não é mais uma terra de bandidos. @matteosalvinimi, o ‘presentinho’ está chegando'“. Junto à mensagem, colocou uma bandeira da Itália e o ícone de um avião.
A detenção de Battisti na Bolívia tem potencial para criar tensões entre esse país com seu poderoso vizinho, além de representar um desafio ao presidente Evo Morales. Em uma série de tuítes, o procurador federal brasileiro Vladmir Aras evocou várias alternativas legais, começando pela solicitação, por parte de Battisti, do status de refugiado político na Bolívia. Caso o obtenha, não poderia ser enviado para a Itália nem para o Brasil. Mas a Bolívia também poderia negar a permanência em seu território, devolvendo-o ao país de origem ou enviando-o a um terceiro país que aceite recebê-lo.
Monica De Bolle: O que pode avançar?
A reforma do sistema financeiro pode ajudar a destravar o financiamento de médio e longo prazo
Na última semana, dúvidas que já haviam surgido durante a campanha presidencial voltaram à tona. Qual a reforma de Previdência apoiará Bolsonaro? A defendida por Paulo Guedes, que almejaria – corretamente – restaurar a sustentabilidade e combater as desigualdades e privilégios do sistema atual? Ou a reforma fatiada, começando pela idade mínima da aposentadoria, alinhada com o que Bolsonaro defendera durante a campanha? Quem fala pela área econômica do governo: o ministro da Economia, o presidente, membros de seu círculo íntimo? É natural que no início de um novo governo haja alguns problemas de coordenação. No entanto, dada a ausência de uma discussão mais aprofundada sobre a agenda econômica durante toda a campanha presidencial, é importante que o governo supere rapidamente problemas de coordenação e a sempre inevitável disputa por holofotes.
Confesso que tenho dúvidas quanto à capacidade imediata de dar a clareza necessária aos temas relativos ao ajuste fiscal de médio e curto prazo, incluindo os enormes desafios das contas públicas estaduais, até aqui ignoradas – inclusive no bom pronunciamento de Paulo Guedes na ocasião de sua posse. Dito isso, parece-me que uma área em que pode haver avanços imediatos é na necessária reforma do sistema financeiro sobre a qual tenho insistido há algum tempo. Essa semana foram empossados os novos dirigentes da tríade responsável por muitas distorções microeconômicas e macroeconômicas na economia brasileira durante governos anteriores, a saber, o BNDES, a Caixa Econômica Federal, e o Banco do Brasil.
Sobre o BNDES em particular, perdi a conta do número de artigos que escrevi para esse espaço sobre o tema. Embora reconheça a importância das reformas de Temer, há muito ainda por fazer. Com a introdução da TLP, Temer eliminou um dos principais canais de subsídios do Tesouro para o BNDES. Tal canal fora responsável por considerável opacidade nas contas públicas durante o final do segundo mandato de Lula e praticamente todo o governo Dilma, abrindo flanco não apenas para o aumento das vulnerabilidades fiscais, como também para práticas nebulosas no uso do dinheiro dos contribuintes. É importante destacar que, ao contrário da demonização constante que sofre o BNDES, a culpa não foi do banco – ao menos não do corpo técnico extremamente qualificado que lá está. A culpa foi dos governos que o utilizaram para atingir objetivos que nem sempre atenderam aos interesses do País. A TLP de Temer foi um bom começo para evitar recorrências dessas práticas, mas foi apenas um começo.
Em seu discurso de posse, Joaquim Levy destacou a necessidade de continuar ajustando o balanço do banco, mas, mais relevante foi a ênfase em repensar sua forma de atuação. Como tenho dito e escrito ao longo dos últimos anos, o BNDES precisa de um mandato claro, delineando o papel moderno de uma instituição de fomento que não apenas ocupe indevidamente o espaço das instituições privadas, mas que saiba ajudá-las a alavancar o financiamento para objetivos intrinsicamente complicados, como o desenvolvimento de infraestrutura. Há muito capital humano no corpo técnico do BNDES para ajudar Levy nessa empreitada, incluindo muita gente que passou anos discordando das diretrizes adotadas por líderes indicados pelo PT para presidir a instituição.
Como demonstrei em pesquisa publicada em 2015 pelo Peterson Institute for International Economics, parte relevante das distorções causadas pelos bancos públicos resulta na segmentação dos mercados de crédito, na imensa discrepância dos spreads bancários, nas taxas de juros anômalas para os tomadores de crédito. Com base nessas evidências, argumentei que uma profunda reforma do sistema financeiro deveria estar entre as prioridades de qualquer governo realmente reformista. Ao que parece, essa reforma ganhou maiores chances de se concretizar se capitaneada for pelos novos dirigentes das três instituições financeiras públicas, que reúnem competência e experiência para tanto. A reforma do sistema financeiro pode ajudar a destravar o financiamento de médio e longo prazo, a produtividade, o crescimento, ainda que o bate-cabeça da reforma da Previdência persista.
Há enorme oportunidade para avançar a agenda dos bancos públicos, sobretudo sob novas lideranças e com o apoio incondicional do ministro da Economia. Que o governo Bolsonaro não a desperdice.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins Universit
Congresso em Foco: Metade do ministério de Bolsonaro vem de família de políticos ou militares
Por Edson Sardinha, do Congresso em Foco
Muitos dos nomes são novos na política. Mas os sobrenomes nem tanto. O presidente Jair Bolsonaro pode ter inovado ao não pedir aos partidos a indicação de ministros, mas em ao menos um ponto o seu ministério repete os anteriores: o peso da tradição familiar fala alto.
Levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), publicado com exclusividade pelo Congresso em Foco, mostra que pelo menos metade dos 22 novos auxiliares diretos do presidente procedem de famílias de políticos ou militares.
São filhos, netos e sobrinhos de oficiais, parlamentares, ex-governadores, entre outras autoridades. Há, ainda, representantes de famílias com forte presença no Judiciário, na diplomacia e na elite empresarial (veja mais abaixo a “árvore genealógica” dos ministros).
“O antigo e o arcaico prosseguem no Brasil quando se deveria aparentemente renovar. É a continuidade do antigo regime. São famílias que já estavam no poder há 50 ou mais de 100 anos, tanto no meio empresarial, no agroindustrial, na burocracia, na elite política, militar ou da magistratura”, observa o cientista político e social Ricardo Costa Oliveira, professor da UFPR responsável pela pesquisa e principal referência no estudo sobre a genealogia do poder no país. “A política é um negócio de família no Brasil”, resume.
Entre os seis ministros de origem militar, quatro descendem de oficiais da polícia ou das Forças Armadas, assim como o vice-presidente, o general Hamilton Mourão. Os cinco parlamentares que se afastaram do Congresso para ser empossados vêm de famílias com tradição política.
“A maioria do ministério tem fortes vínculos familiares de grande importância social e política. Poucos são novos emergentes. De origem popular mesmo, só a pastora Damares Alves [ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos]. Há uma reprodução do poder tradicional muito intensa no Brasil”, explica Ricardo Oliveira. “Há uma mentalidade política, uma tradição militar que são herdadas da família, dos pais, dos valores, das visões de mundo deles”, considera.
Clã Bolsonaro
O modelo continua se reproduzindo. Filho de uma dona de casa e de um dentista prático, o novo presidente inaugurou o seu próprio clã político, com os filhos Carlos, vereador no Rio, Flávio, deputado estadual e senador eleito, e Eduardo, reeleito deputado federal com a maior votação da história da Câmara.
Aos 20 anos, o quarto filho, Renan, também tem demonstrado gosto pela política. “Tá no sangue dele”, disse à Folha de S.Paulo Ana Cristina Valle, mãe do estudante de Direito e segunda esposa de Bolsonaro. Primeira esposa do presidente e mãe de Flávio, Carlos e Eduardo, Rogéria Nantes foi vereadora no Rio. Mesmo separada há anos de Bolsonaro, Ana Cristina usou o sobrenome do ex-marido na eleição para deputada federal em 2018. Não se elegeu.
Sangue verde oliva
Pelas veias do general Mourão corre sangue verde oliva. Ele é filho do também general de divisão Antonio Hamilton Mourão, que foi adido militar do Brasil nos Estados Unidos. Por causa dos deslocamentos do pai amazonense, o vice-presidente nasceu em Porto Alegre, onde viveu parte da juventude. Também chamado Antonio Hamilton Mourão, o avô dele presidiu o Tribunal de Justiça do Amazonas. A família – ressalte-se – não tem parentesco com outro famoso general, Olimpio Mourão Filho, um dos articuladores do golpe militar de 1964.
O peso da tradição familiar está longe de ser exclusividade do governo Bolsonaro. Repete-se em todo o país e chega com força a Brasília. Na primeira equipe de Michel Temer, 17 ministros eram de família de políticos. Entre os 26 prefeitos de capital, 16 têm parentesco com outros políticos, conforme pesquisa da UFPR. Levantamento exclusivo do Congresso em Foco, publicado no final de 2017, revelou que que quase 70% dos parlamentares têm parentes na política – o dobro da média da Índia, o país conhecido pelas velhas castas.
Veja a genealogia dos ministros de Bolsonaro, segundo pesquisa do Núcleo de Estudos Paranaenses, da UFPR.
Os militares
Augusto Heleno
Um dos principais conselheiros de Bolsonaro, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) é filho de Ary de Oliveira Pereira, promovido de tenente-coronel para o coronel do Exército pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici em 1972. Ary também era professor do Exército e morreu ainda na década de 70.
Bento Costa Lima
Ministro de Minas e Energia, o almirante da Marinha é filho do ex-tenente do Exército e ex-promotor militar Bento Costa Lima Leite de Albuquerque. O pai do ministro entrou para o Ministério Público Militar depois de retornar da Itália, onde combateu na Segunda Guerra Mundial. Foi procurador-geral da Justiça Militar em 1955 e faleceu em 1960, quando o almirante ainda era criança. O ministro é neto do desembargador Francisco Leite de Albuquerque, que presidiu o Tribunal de Justiça do Ceará.
Carlos Alberto dos Santos Cruz
O ministro da Secretaria de Governo é filho de Júlio Alcino dos Santos Cruz, oficial da Brigada Militar (o equivalente à Polícia Militar) do Rio Grande do Sul. Outros integrantes da família também ocuparam cargos militares na fronteira do Rio Grande do Sul com países vizinhos.
Fernando Azevedo Silva
General do Exército, o ministro da Defesa é filho do coronel Gilberto Antonio Azevedo Silva, também do Exército. O pai dele organizou o primeiro curso de forças especiais no Brasil após fazer um estágio nos Estados Unidos em 1957.
Os parlamentares
Onyx Lorenzoni
Um dos nomes mais fortes do atual governo, o ministro da Casa Civil tem a mesma profissão do pai e do filho, médico veterinário. A família possui um dos principais hospitais veterinários de Porto Alegre. O avô materno, Major Sátiro Dornelles de Oliveira Filho, foi prefeito de Vacaria, entre 1938 e 1945. Proprietário rural, foi dono do 6º Tabelionato de Notas de Porto Alegre e era casado com Gabriela Duarte, outra família fincada na política de Vacaria. Genealogistas gaúchos apontam parentesco distante entre Onyx e o ex-presidente Getúlio Vargas. Ambos têm Dornelles como sobrenome do meio. O ministro prepara um herdeiro para a política: seu filho Rodrigo Lorenzoni foi candidato a deputado estadual em 2018, mas não se elegeu. Rodrigo presidiu o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul, posto já ocupado pelo pai.
Tereza Cristina
Como deputada, a atual ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento presidiu em 2018 a Frente Parlamentar do Agronegócio, a chamada bancada ruralista. A família da engenheira agrônoma tem forte tradição no agronegócio e na política. É neta e bisneta de dois ex-governadores de Mato Grosso, antes do desmembramento de Mato Grosso do Sul: Fernando Corrêa da Costa e Pedro Celestino. Militar, Celestino foi presidente do estado por dois mandatos: de 1908 a 1911 e de 1922 a 1924. Fernando Corrêa governou entre 1947 e 1951. Também foi prefeito de Campo Grande e senador.
Luiz Henrique Mandetta
Deputado licenciado, o ministro da Saúde tem ramificações com a principal família política de Mato Grosso do Sul. É sobrinho de Terezinha Mandetta, que foi casada com o ex-deputado Nelson Trad, já falecido. É primo do senador eleito Nelsinho Trad, do prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad, do deputado reeleito Fábio Trad e do vereador da capital sul-mato-grossense Otávio Trad.
Osmar Terra
O ministro da Cidadania é deputado licenciado pelo MDB do Rio Grande do Sul e médico. Descende de duas famílias gaúchas tradicionais: Terra e Paim. É bisneto do coronel da Guarda Nacional Avelino Paim de Souza e sobrinho-neto do ex-senador Paim Filho.
Marcelo Álvaro Antônio
Deputado mais votado por Minas Gerais em 2018, o ministro do Turismo é batizado, na verdade, como Marcelo Henrique Teixeira Dias. Mas, ao ingressar na política, aproveitou-se da popularidade do pai – o ex-deputado da Arena e do MDB Álvaro Antônio Teixeira Dias – e misturou os dois nomes. A família tem como principal reduto eleitoral a região do Barreiro, em Belo Horizonte. O ministro é da igreja evangélica Maranata.
Justiça, indústria, política e diplomacia
Sergio Moro
O ministro da Justiça e Segurança Pública, que se tornou conhecido nacionalmente ao conduzir os processos da Operação Lava Jato em Curitiba, é filho de um casal de professores do interior do Paraná. Com outros parentes no Judiciário, o ministro é primo do desembargador Hildebrando Moro. Os lanços familiares com a política, porém, vêm de sua esposa, a advogada Rosângela Wolff, descendente de duas tradicionais famílias paranaenses (Wolff e Macedo). Com vários parentes no Judiciário, Rosângela é prima distante do prefeito de Curitiba, Rafael Grecca, e do ex-governador Beto Richa.
Gustavo Bebianno
Ministro da Secretaria Geral da Presidência, advogado, ex-presidente do PSL e amigo de Bolsonaro, Bebianno vem de uma família com forte presença no meio empresarial do Rio de Janeiro. É neto de Ademar Alves Bebianno, que dá nome à estrada velha da Pavuna e que controlava o grupo América Fabril, considerada uma das maiores indústrias do Rio no século passado. Seu bisavô era parente próximo do 1º Visconde de Castanheira de Pera Antonio Alves Bebianno, considerado um dos homens mais ricos de Portugal no século 19.
Ernesto Araújo
O ministro das Relações Exteriores é filho do ex-procurador-geral da República Henrique Fonseca de Araújo, que ocupou o cargo no final dos anos 70. Henrique também foi deputado estadual no Rio Grande do Sul. O ministro tem o mesmo nome de um tio que foi almirante da Marinha e diretor da Escola Superior de Guerra. Os laços familiares de Ernesto também se estendem pelo Itamaraty: é casado com a também diplomata Maria Eduardo de Seixas Corrêa e genro do embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, ex-secretário-geral do Ministério das Relações Exterior.
Roberto Campos Neto
Indicado para presidir o Banco Central pelo presidente Jair Bolsonaro, o economista aguarda a aprovação de seu nome pelo Senado, o que deve ocorrer em fevereiro, para assumir o cargo. O avô, Roberto Campos, é considerado um dos maiores pensadores da direita brasileira. O currículo de Roberto Campos é extenso: diplomata, foi assessor econômico de Getúlio Vargas, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do governo Juscelino Kubitschek e ministro do Planejamento no governo militar de Castelo Branco. Depois de deixar o Executivo, Roberto Campos foi deputado federal e senador. Imortal da Academia Brasileira de Letras, morreu em 2001.
Os não herdeiros
Paulo Guedes
A mãe do superministro da Economia trabalhava no instituto de resseguros e o pai era vendedor de livros. Sua irmã, Elizabeth Guedes, é ligada à educação privada. Não foram encontradas mais informações sobre sua família.
Marcos Pontes
O ministro da Ciência e Tecnologia é tenente-coronel da Aeronáutica. Foi primeiro brasileiro a ir para o espaço. Não foram identificados vínculos familiares com outros militares.
Damares Alves
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos nasceu no Paraná, mas cresceu em Sergipe e viveu em outros estados do Nordeste. De origem humilde, é filha de um pastor e uma dona de casa. Também é pastora da Igreja do Evangelho Quadrangular.
Ricardo Vélez Rodríguez
Colombiano naturalizado brasileiro, o ministro da Educação é teólogo, filósofo, ensaísta e professor da Escola do Exército. Não foram encontradas outras informações sobre sua família.
Ricardo de Aquino Salles
O ministro do Meio Ambiente é filho de um casal de advogados formados na Universidade de São Paulo (USP). É sócio da mãe em um escritório e neto de um engenheiro urbanista. Não foram encontradas outras informações sobre sua família.
Gustavo Canuto
Ministro do Desenvolvimento Regional, também fez carreira na burocracia em Brasília. Filho de médicos, é servidor efetivo do Ministério do Planejamento, agora incorporado ao Ministério da Economia. Não foram encontradas outras informações sobre sua família.
Tarcísio Gomes de Freitas
Engenheiro militar e capitão da reserva, o ministro da Infraestrutura é consultor legislativo da Câmara. Não foram encontradas outras informações sobre sua família.
André Luiz de Almeida Mendonça
O ministro da Advocacia Geral da União é pastor, mas fez sua carreira como servidor público. Não foram encontradas outras informações sobre sua família.
Wagner Rosário
Único ministro remanescente do governo Michel Temer, o chefe da Controladoria Geral da União foi capitão do Exército e é funcionário de carreira da CGU. Não foram encontradas outras informações sobre sua família.
Adam Tooze: “Bolsonaro é terrível, mas é a Itália que poderia quebrar a economia mundial”
Economista britânico Adam Tooze analisa os riscos da ascensão do populismo nas Américas e na Europa
Por Carmen Pérez-Lanzac, do El País
Adam Tooze, de 51 anos, é autor de um dos livros de 2018: Crashed: How a Decade of Financial Crises Changed the World (Crashed: Como uma Década de Crise Financeira Mudou o Mundo). Seu estudo de 750 páginas sobre a falência do Lehman Brothers e o colapso financeiro que desencadeou se destaca pela clareza entre os que foram publicados sobre o assunto em 2018, no décimo aniversário do desastre.
Britânico, embora criado na Alemanha, fez doutorado em História Econômica na prestigiosa London School of Economics e lecionou nas universidades de Cambridge e Yale. Agora o faz na de Columbia, em Nova York. Uma curiosidade de sua árvore genealógica: é neto do inglês Arthur Henry Ashford Wynn, comunista e recrutador de espiões para a KGB em Oxford. Tooze fica incomodado quando é solicitado a dar detalhes sobre sua relação com o “agente Scott”. Conta que pediu aos serviços secretos do Reino Unido e da Rússia que lhe enviassem seus arquivos com informações. Tanto o avô quanto a avó, que falavam várias línguas e liam diariamente a imprensa internacional, contribuíram para que Tooze se reconhecesse como cidadão europeu mais do que como britânico.
Em Crashed, primeiro mergulha nas causas da crise, demonstrando como o sistema financeiro europeu e o norte-americano estavam podres e em seguida continua detalhando as consequências do colapso. Tooze concedeu esta entrevista na sede da Fundação Rafael del Pino, em Madri. É provavelmente uma das pessoas que, quando um banco central eleva ou reduz o preço do dinheiro, melhor entenda o que se desencadeia em seguida. Ele é alto, e vestia um terno impecável, sem gravata e com o cabelo um tanto despenteado. Em suas respostas, modula o tom de voz passando do entusiasmo à monotonia. Se poderia dizer que dessa maneira dá pistas sobre quais perguntas aprecia e quais não tanto.
Pergunta. Estar ciente das consequências de cada decisão econômica que um Governo toma é um dom ou todo o contrário?
Resposta. Não tenho isso claro. Depois de estudar cuidadosamente o que aconteceu depois da Primeira Guerra Mundial, começou a ser difícil para eu pensar em política ou economia sem ver as consequências de cada coisa, com sua duração e profundidade. Mas isso implica estar disposto a ler e ler e querer ter o conhecimento suficiente para contar o que acontece. Para mim, tornou-se um modo de vida. O que eu faço basicamente é filtrar tudo o que fui lendo, temperando-o com meus conhecimentos em história econômica mundial. Minha formação em macroeconomia me permite chegar a conclusões políticas.
P. O senhor acredita que a política europeia está mais conectada do que parece?
R. Estou convencido disso. Se você observar como a crise se desenvolveu, fica claro. Talvez esteja nas mãos das elites e não afete igualmente todos os cidadãos, mas tanto os leitores do EL PAÍS quanto os do Le Monde ou do Financial Times estão observando o que acontece na Catalunha, na Itália com a Liga Norte ou na Alemanha com as eleições na Baviera... Tudo está registrado no sismógrafo do que acontece na Europa. Não devemos subestimar o impacto que a história e a globalização têm na maneira como nos relacionamos com o mundo. Talvez não tenhamos consciência disso porque é algo que não escolhemos, mas acontece.
P. Devemos ficar tranquilos com as mudanças que foram feitas para evitar outro desastre como o de 2008?
R. No nível bancário, a estrutura permanece a mesma, embora o risco de um banco quebrar agora seja muito menor e o mercado no qual essas entidades podem pedir fundos de curto prazo se restringiu. Tecnicamente, estamos mais protegidos do que há 10 anos.
P. Mas...
R. Por um lado, Trump iniciou um plano para reduzir as regulamentações bancárias que foram lançadas após a crise. Por outro, não sabemos o que pode acontecer. Falta-nos informação interna de cerca de 50 bancos norte-americanos e de cerca de 20 de fora, bem como das relações de cada um deles com os reguladores. As relações podem ser tensas, ou todo o contrário, como acontece agora nos EUA. Lá os reguladores estão com as mãos atadas e os últimos testes de resistência parecem aos bancos mais um brinde ao sol. Até a próxima crise não saberemos se estamos suficientemente protegidos.
P. Em Madri e em Barcelona, o mercado imobiliário está experimentando um aumento alarmante de preços; por outro lado, no resto da Espanha, os preços nem chegam perto.
R. A desigualdade é um assunto tanto na Europa quanto nos EUA. Algumas regiões não crescem desde 2008, mas outras sim, e muito. Um dos problemas atuais é como você se organiza com países que crescem completamente divididos. Porque a taxa de juros e a política fiscal que funcionam para uma parte não funcionam para a outra.
P. E o que faria se dependesse do senhor?
R. O que necessitamos é de uma União Europeia que funcione, com um Banco Central que funcione com uma moeda que sirva de alternativa ao dólar. No final, quem concede liquidez ao planeta é o Federal Reserve (o Banco Central) dos Estados Unidos. Eles não escolheram isso, mas o fato é que é a moeda que a maioria dos países usa. Eles sempre têm dúvidas sobre se suas decisões acabarão causando um efeito rebote em sua própria economia, por isso aumentaram tanto a torneira do crédito depois da crise.
P. A direita está ganhando espaço em todo o planeta. Para onde estamos indo?
R. Você tem que olhar o mapa-múndi. A eleição de Bolsonaro no Brasil é terrível, mas não representa um problema para a economia mundial. Em relação à Rússia já sabemos o que está acontecendo. A Itália poderia quebrar o sistema. É a quarta economia europeia, com uma enorme dívida com muitos bancos da zona do euro. Se sua a qualificação cair, os europeus perderiam o controle da situação. E nos Estados Unidos temos Trump, o maior risco para o planeta. Até agora, o setor que mais influenciou é o comércio, mas as crises mundiais não são desencadeadas por aí. O que ele fez foi dizer ao Fed para reduzir o crescimento das taxas de juros, o que ajudará o resto do planeta. Não parece que Trump, por enquanto, esteja rompendo o pacto.
P. O que o senhor buscava com este livro?
R. Que a Europa e os Estados Unidos entendessem sua inter-relação e interdependência. Há momentos em que o mundo precisa de um líder. Os Estados Unidos, financeiramente, trazem uma estabilidade incrível para a economia mundial. Nenhuma das duas partes costuma mencionar isso e têm pouco reconhecimento por isso, mas o Federal Reserve deu 2,5 trilhões de liquidez ao sistema bancário europeu e outros 2 trilhões aos bancos europeus ali estabelecidos. Mas não lhe interessa contar essa história aos norte-americanos, nem os bancos europeus querem contá-la aos seus Governos, que por sua vez tampouco querem reconhecê-la perante os cidadãos. A globalização financeira até 2008 foi um eufemismo para a integração entre os EUA e a Europa. E continua sem existir um quadro político que articule isso.
Angela Bittencourt: Aposta em Guedes blinda mercado contra ruídos
Magnitude de derivativos justifica Campos Neto no BC
Reforma da Previdência, privatização acelerada e simplificação tributária com redução e eliminação de impostos são os três pilares da política econômica do governo Jair Bolsonaro. Dois desses três pilares - regime de aposentadorias e tributação - foram alvo de declarações desencontradas na primeira semana do novo comando no Palácio do Planalto, a ponto de o presidente ter sido desmentido por um ministro e um secretário especial na sexta-feira. O bate-cabeça foi perturbador e só não provocou desordem nos preços dos ativos financeiros porque bancos, gestores e investidores apostam 100% no sucesso do ministro da Economia, Paulo Guedes. Mas tamanha confiança não é sinônimo de conforto para grandes investidores que estão atentos à falta de sintonia no primeiro escalão.
Afirmações do presidente sobre temas que envolvem inúmeros interesses provocaram uma profusão de declarações, sugeriram conflito de opiniões dentro do governo e em torno de reformas essenciais para que a economia brasileira avance e abriram um flanco para que adversários políticos classificassem o presidente da República de "desinformado".
O "x" da questão foi a sanção do presidente à prorrogação de incentivos fiscais para investimentos nas regiões Norte e Nordeste, transferida do governo Temer para Bolsonaro que, numa só tacada, também acenou com a possibilidade de redução da idade mínima para aposentadoria, elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e corte da alíquota do Imposto de Renda (IR) de 27,5% para 25%. A fala de Bolsonaro repercutiu. Um aumento do IOF não havia sido aventado pelo governo até então.
O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, corrigiu a declaração do presidente. Ponderou que Bolsonaro, ao informar a idade mínima de 57 anos para a aposentadoria das mulheres e de 62 anos para os homens, "quis dizer" que a transição do regime de Previdência será lenta. Uma forma de tranquilizar a sociedade que resiste às mudanças. A redução do IR é uma "tese", disse Lorenzoni, que negou o aumento do IOF.
O secretário especial da Receita, Marcos Cintra, esclareceu que a prorrogação dos benefícios fiscais nas áreas da Sudam e da Sudene - fonte de despesa para a União - está prevista no orçamento e dispensa, portanto, compensação. Na versão presidencial, a prorrogação desses incentivos estaria assegurada com aumento do imposto sobre o crédito.
Entrevistas, discursos e tuítes do presidente Jair Bolsonaro semearam inquietação nos primeiros três dias do novo governo, mas sem maiores consequências. Não à toa, a queda monotônica do dólar e dos juros foi mantida e o Ibovespa renovou o recorde de pontuação no encerramento dos negócios, na sexta-feira.
Com valorização de 4,5% acumulada em três pregões de 2019, o principal índice da bolsa brasileira, a B3, colou em 92.000 pontos. E se avançar mais 8% alcançará 100.000 pontos - a projeção mais otimista de analistas consultados pelo Valor há algumas semanas.
Na sexta-feira, o Ibovespa foi contagiado pelo mercado americano, onde as ações dispararam em reação às declarações mais moderadas de Jerome Powell, presidente do banco central dos EUA, quanto à trajetória da taxa de juros. Na ponta oposta ao Ibovespa, o dólar negociado no Brasil caiu 4% em três dias, para R$ 3,7180.
Esse comportamento fortaleceu a convicção de profissionais que ainda não identificam investidores estrangeiros determinados a trazer dólares para o Brasil neste início de governo. Inclusive porque alguns já estão posicionados, sobretudo, em instrumentos financeiros derivados da taxa de câmbio.
Há menos de um mês, esses investidores elevaram suas posições "compradas" em contratos de dólar futuro e juro em dólar, na B3, ao patamar inédito de US$ 41,7 bilhões, equivalentes a 11% das reservas internacionais do país. Nos últimos dez dias, essa posição diminuiu em cerca de US$ 10 bilhões. O movimento foi interpretado como desmonte de operações de "hedge" uma espécie de seguro que investidores estrangeiros fazem contra eventuais perdas na variação da taxa de câmbio.
Esse desmonte é uma demonstração de confiança na nova administração? Talvez. Mas a manutenção de US$ 30 bilhões em instrumentos cambiais no país ainda é extraordinária. E os estrangeiros não estão firmemente posicionados apenas nesse segmento. Eles também são destaque no mercado acionário. Em 2 de janeiro, a carteira consolidada de estrangeiros em operações de venda à vista e futura do Ibovespa atingiu R$ 23,57 bilhões, segundo a CM Capital Markets. Nesse mercado, as negociações são registradas em reais, não em dólares.
A presença do investidor estrangeiro nesses dois mercados (câmbio e ações) é amparada por investidores institucionais. Fundos de pensão compõem a única categoria de investidor com recursos suficientes para atuar como contraparte dos estrangeiros. Na B3, o ano de 2018 terminou com os estrangeiros respondendo por 50% do total de operações com lastro em ações, com os institucionais na segunda posição com fatia de 26,7%. As pessoas físicas bancaram 17,8%, os bancos 4,6% e as empresas, 1%.
A magnitude das operações em derivativos no Brasil justifica o convite de Paulo Guedes ao economista Roberto Campos Neto - ex-Santander - para a presidência do Banco Central (BC). Campos Neto é um reconhecido especialista em derivativos e terá, na linha de frente da política monetária, Bruno Serra Fernandes, ex-Itaú, também especialista em derivativos e renda fixa. A futura Diretoria do BC vai se compondo. João Manoel Pinho de Mello, até há pouco secretário de Política Econômica da Fazenda, foi convidado e aceitou comandar a Diretoria de Organização do Sistema Financeiro, em substituição a Sidnei Corrêa Marques, que deixa o BC após oito anos no cargo.
Mesmo com a saída de Marques, a diretoria tende a um saudável equilíbrio de representantes do setor privado e do setor público. As áreas mais técnicas devem permanecer com funcionários de carreira. O economista Carlos Viana de Carvalho seguirá no comando da Política Econômica e Tiago Berrial continua como diretor de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos.
Jairo Nicolau: Partidos precisam mudar escolha de candidatos
Novas formas de participação são necessárias
Nesse começo de ano, a preocupação dos analistas com os partidos políticos se resume a especulações sobre como eles se comportarão na próxima legislatura do Congresso Nacional. Como será a base partidária do governo Bolsonaro? Como as bancadas do MDB e PSDB se posicionarão? Qual será o tamanho da oposição?
Nesse texto chamo a atenção para outra dimensão da atividade dos partidos: a participação dos cidadãos na vida interna. Foco em um aspecto em particular: o processo utilizado para escolher quem será o candidato do partido.
Falar em escolha dos candidatos numa hora dessa pode parecer fora do lugar, já que as eleições acabaram de acontecer. Mas para saírem da crise de confiança em que se encontram, os partidos brasileiros necessitam se abrir para a participação dos cidadãos e criar novas formas para selecionar os nomes que concorrerão nas eleições.
Em 2017, um grupo de intelectuais e ativistas brasileiros lançou um movimento em defesa do uso de primárias para a escolha dos candidatos à Presidência do ano seguinte. A premissa era que delegar aos filiados (ou até mesmo ao conjunto dos cidadãos) a escolha do candidato a presidente contribuiria para democratizar os partidos e ainda conferiria mais legitimidade ao nome selecionado.
Escolher candidatos por intermédio de primárias é uma prática pouco usual no Brasil. Mesmo o PT, o partido que mais inovou na forma de gerir a vida interna, tem usado esse instrumento com parcimônia ao longo de sua história.
Tradicionalmente, os candidatos que concorrem à Presidência, aos governos de Estado e às prefeituras são escolhidos de duas maneiras. Uma delas é por decisão de um pequeno grupo de dirigentes do partido. Esse processo acontece de maneira mais ou menos informal, mas nem os dirigentes intermediários, nem o militantes de base do partido participam da escolha.
A segunda forma de escolha se dá quando um nome apresenta sua candidatura individualmente, e depois busca um partido para legitimar a sua escolha. Dois dos presidentes eleitos recentemente procederam dessa maneira: Collor em 1989, e Bolsonaro em 2018.
O processo de escolha dos principais candidatos para a disputa presidencial de 2018 talvez tenha sido o mais fechado da história das eleições presidenciais no Brasil. Quando digo fechado saliento que a decisão é tomada por poucos dirigentes e, em muitas casos, fora das arenas formais (convenções, diretório nacional, consultas aos filiados) do partido.
Vejamos alguns exemplos. Bolsonaro lançou a sua candidatura, para só depois decidir o partido pelo o qual concorreria. Ele acabou se filiando ao PSL em abril (a sete meses do dia da eleição). Independentemente de sua vitória, e dos apoios que conquistou durante a campanha, Bolsonaro foi inicialmente candidato de uma reduzida rede de apoiadores, para só depois encontrar abrigo em uma legenda.
O PT, embora seja o partido com o maior número de militantes e tenha instâncias formais de deliberação, acabou delegando a decisão da escolha do seu candidato à Presidência a uma única pessoa: o ex-presidente Lula.
Mesmo o Psol, com vigorosa vida interna, optou por trazer Guilherme Boulos, um nome "de fora", para concorrer, em detrimento de lideranças tradicionais do partido. Em mais de uma entrevista, o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) relatou como surgiu a ideia de lançar o nome líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Boulos filiou-se ao Psol somente em março de 2018.
O MDB, que não lançava um candidato próprio há mais de duas décadas, também optou por concorrer com um nome estranho à história da legenda. Henrique Meirelles deixou o PSD e filiou-se ao MDB em abril, quase no prazo final para ser candidato.
O processo de escolha do PSDB, PDT e Rede se enquadram em um formato mais tradicional. Os candidatos dos três partidos - respectivamente, Alckmin, Ciro e Marina - são as principais lideranças de seus partidos. Mesmo Ciro Gomes, conhecido pelo tempo curto que passa nos partidos, já estava filiado ao PDT desde 2015.
Os principais partidos tiveram derrotas expressivas nas eleições de 2018. A grande renovação do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas, e a ascensão do PSL são alguns dos sinais de expressiva rejeição à elite política tradicional. O pleito de 2018 também marcou o fim do sistema partidário dominante nas duas últimas décadas que estava centrado em três legendas: PT, PSDB e MDB.
Tenho lido muitas entrevistas em que importantes dirigentes partidários reconhecem que um dos principais desafios dos próximos anos é conseguir fazer os partidos se conectarem com os cidadãos. Em última instância, o desafio é reconquistar a confiança dos eleitores.
Este é o mesmo desafio enfrentado por partidos em todo o mundo. Em muitas democracias, os dirigentes têm tentado renovar os partidos criando mecanismos para atrair um maior participação dos cidadãos. O principal deles é o uso das primárias, que têm sido usadas em número crescente de países, com destaque para a Argentina e a França. Um caminho natural para os partidos brasileiros seria adotá-las; o que já poderia ser implementado nas eleições municipais de 2020.
Outras alternativas são o uso de convenções deliberativas com amplo número de delegados, e a criação de mecanismos de consulta on-line para deliberação sobre temas específicos.
Em 1984 o PT consultou seus filiados a respeito do comparecimento do partido ao Colégio Eleitoral. Os filiados decidiram que o partido não deveria comparecer. Com os instrumentos de consulta on-line, o PT e o Psol, poderiam, por exemplo, ter submetido aos filiados à decisão de comparecer (ou não) à posse do presidente Bolsonaro no Congresso Nacional em 2019.
Esses mecanismos de participação podem ser burlados pelos partidos. Já ouvi muitos relatos de "filiação em massa" antes de primárias partidárias. Sei que convenções aparentemente democráticas podem só referendar decisões tomadas por um pequeno número de dirigentes. Mesmo assim, existe espaço para os partidos apostarem em novas formas de participação dos cidadãos. Pode não ser condição suficiente para que eles reconquistem a confiança dos eleitores. Mas acredito que seja uma condição necessária.
*Jairo Nicolau é professor do departamento de ciência política da UFRJ