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Rogério L. Furquim Werneck: Desordem unida

Governo precisa reformatar com urgência sua articulação com o Congresso Nacional

Na semana passada, o País acompanhou atônito a eclosão de ruidosos desentendimentos no seio do que se supunha ser o núcleo duro do governo. O que mais impressiona é como um presidente com formação militar deixou que uma escalada de desavenças palacianas menores escancarasse a tal ponto a cizânia que se estabelecera no Planalto, justo quando se esperava que o governo estivesse cerrando fileiras para enfrentar a grande batalha parlamentar cujo desfecho selará seu destino.

O episódio mostrou que a cúpula do governo continua operando como potente amplificador de crises. E não parece ser só uma questão de incontinência dos irmãos Bolsonaro. A personalidade peculiar do presidente e a desalentadora complacência com que vem tratando as destrambelhadas intromissões dos filhos em questões de Estado são partes cruciais do problema. E, por enquanto, nada indica que tais dificuldades estejam prestes a desaparecer.

No início desta semana, a crise palaciana parecia ter sido superada, com a substituição do titular da Secretaria-Geral da Presidência da República por mais um militar. Mas, já na terça-feira, a divulgação de trocas de mensagens entre Gustavo Bebianno e o presidente voltou dar alento à crise.

Paralisado por desavenças, o Planalto mostra-se alarmantemente despreparado para enfrentar com sucesso a batalha da reforma da Previdência, como bem mostrou a acachapante derrota, de 367 a 57, que sofreu na Câmara há poucos dias. Três semanas após o reinício das atividades do Congresso, o governo parece ter avançado pouco ou nada na montagem de uma base parlamentar respeitável, com as dimensões requeridas para aprovação de uma reforma da Previdência com a abrangência e a profundidade que o Ministério da Economia vem acertadamente contemplando.

Quanto a isso, nota-se gritante descompasso entre, de um lado, a rapidez com que o Ministério da Economia avançou na negociação da proposta de reforma dentro do governo e, de outro, a letargia que vem marcando as articulações políticas que deveriam redundar na construção de uma base governista confiável.

Não há dúvida de que a mobilização do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com o esforço de aprovação da reforma é um dos maiores trunfos com que conta o governo. Mas será preciso bem mais do que o apoio de Maia para montar uma base aliada que possa dar conforto ao governo na tramitação da reforma. E, para isso, o Planalto terá de se dotar de uma capacidade de articulação política que ainda não tem.

Com a destituição de Bebianno, Onyx Lorenzoni passou a ser o derradeiro civil a ocupar cargo de primeiro escalão no Planalto. Mas parece cada dia mais claro que o ministro-chefe da Casa Civil não tem perfil adequado para dar conta da desafiadora articulação política que se fará necessária para a aprovação da reforma da Previdência.

Na excelente entrevista que concedeu ao Valor na semana passada (14/2), o ex-deputado Roberto Brant, que teve papel destacado na aprovação das reformas previdenciárias dos governos FHC e Lula, lembrou que “o maior adversário da reforma”, na Comissão Especial por ele presidida, em 2003, foi seu colega de partido Onyx Lorenzoni. O precioso depoimento de Brant sobre as dificuldades de tramitação da reforma merece ser lido com atenção tanto no Planalto como no Ministério da Economia.

Diante do atraso na montagem da base aliada, há quem argua que, como a reforma só deverá ser votada na Câmara em meados do ano, o governo ainda tem tempo de sobra. Ledo engano. Para que a reforma não seja mutilada já nas etapas iniciais de tramitação, é fundamental que desde o início sua aprovação pareça factível. O que só ocorrerá se as reais dimensões da base aliada puderem ser nitidamente vislumbradas tão logo quanto possível.

O governo não tem tempo a perder. Precisa encerrar de vez as desavenças internas e reformatar a toque de caixa sua articulação com o Congresso. Terá o Planalto disposição e agilidade para promover a tempo as mudanças que se fazem necessárias?

*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio


José Luis Oreiro: Só a retomada salva o país

Retomada do desenvolvimento exige que o país reinicie processo de "catching-up" industrial e tecnológico

A sociedade brasileira passa por uma profunda crise econômica, política e social desde 2013. As manifestações de 2013 foram o evento catalizador de um processo de crescente descrédito na classe política e, posteriormente, de outras instituições da República.

A insatisfação de parte expressiva da população com a performance dos políticos, em particular, e do Estado, em geral, foi incrementada pelos efeitos deletérios da recessão iniciada no segundo trimestre de 2014 - que foi detonada por um colapso do investimento do setor privado, que se contraiu por três trimestres consecutivos, a taxa de 10% por trimestre. Isso resultou de um processo de "profit squeeze", ou seja, queda das margens de lucro e da taxa de retorno sobre o capital próprio das empresas não financeiras, a qual se tornou na mais duradoura e profunda crise econômica do Brasil nos últimos 30 anos. No auge da crise, mais de 14 milhões de brasileiros estavam desempregados e o PIB apresentou retração superior a 8% em termos reais, com destruição de riqueza de R$ 600 bilhões.

A recessão acelerou o desequilíbrio fiscal da União e dos entes subnacionais, muitos dos quais passaram a enfrentar dificuldades crescentes para manter o pagamento dos servidores em dia. A deterioração crescente do resultado primário da União a partir de 2014 gerou um crescimento acelerado da dívida pública como proporção do PIB, colocando o endividamento da União em trajetória claramente insustentável. A perda de espaço fiscal decorrente desses desdobramentos impediu a realização de uma política fiscal anticíclica justamente no momento em que a mesma era mais necessária. Pelo contrário, a política fiscal executada em 2015 foi francamente contracionista, amplificando assim os efeitos da recessão iniciada em 2014.

Outro fator que amplificou os efeitos recessivos do colapso do investimento privado foi a elevação da taxa básica de juros promovida pelo Banco Central em 2015, na tentativa de debelar os efeitos de segunda ordem que o aumento das tarifas dos públicas e dos combustíveis poderiam ter sobre a dinâmica da taxa de inflação.

O desemprego crescente aguçou a percepção de que a crise brasileira era o resultado da corrupção generalizada dentro do Estado, tal como estava sendo revelado ao público pela Lava-Jato. Essa percepção acabou por gerar um sentimento difuso de "ódio" à classe política, principalmente aos políticos diretamente ligados ao PT.

O imenso apoio popular ao impeachment da presidente Dilma Rousseff foi a demonstração clara de que, na cabeça do cidadão mediano, a crise era resultado direto da corrupção dirigida e organizada pelo PT e seus aliados. Nesse contexto, uma ampla parcela da população acreditava que o afastamento do PT do poder, pelo impeachment, cujas bases jurídicas eram duvidosas, seria uma condição necessária, quando não suficiente, para o fim da corrupção e para a retomada do crescimento econômico.

Os primeiros meses do governo Michel Temer pareciam apontar para uma retomada robusta do crescimento no início de 2017, ainda que poucas pessoas acreditassem na vontade do governo de combater a corrupção.

O governo Temer apresentou à sociedade brasileira uma narrativa essencialmente ortodoxa das causas da crise de 2014 a 2016. O problema fundamental era o desequilíbrio fiscal estrutural, resultado do "contrato social" estabelecido pela Constituição de 1988. Segundo economistas ligados ao governo, a Constituição havia produzido um conjunto de benefícios sociais para os mais pobres e de privilégios para os funcionários públicos que impunham um ritmo para o crescimento dos gastos públicos (entre 5 a 6% ao ano em termos reais) que era muito superior à capacidade de crescimento da economia.

Durante um certo período foi possível acomodar esse aumento dos gastos com o aumento da carga tributária. Contudo, a partir de 2011, a receita passou a crescer mais ou menos em linha com o PIB de tal forma que a deterioração do resultado primário da União tornou-se inevitável. Essa deterioração teria sido "mascarada" pelas "pedaladas fiscais" e outros artifícios de "contabilidade criativa"; mas, a partir de 2014, ficou impossível encobrir a verdade nua e crua de que o governo não era mais capaz de gerar superávits primários e que, portanto, a dívida pública entraria em trajetória explosiva. O desequilíbrio fiscal crescente acabou por gerar perda de confiança dos empresários no governo, o que se refletiu em elevação do prêmio de risco país, desvalorização da taxa de câmbio, queda dos preços das ações e elevação dos juros futuros. Esse quadro levou a uma queda dos gastos de investimento e de consumo, fazendo com que o país entrasse na pior recessão dos últimos 30 anos.

Face a essa narrativa, a solução para a crise era muito clara: o governo precisava fazer um ajuste fiscal estrutural, cujo foco deveria ser a redução do ritmo de crescimento das despesas. Para tanto, foi desenhada uma estratégia em duas etapas. Na primeira, o governo enviou para o Congresso uma PEC criando um teto de gastos para o governo federal. Esse teto não seria a solução do problema fiscal, mas apenas uma espécie de mecanismo que explicitaria o conflito distributivo existente dentro do orçamento. A ideia era congelar os gastos primários da União em termos reais por dez anos, ao final dos quais poderia ser modificado o indexador dos gastos públicos, que havia sido definido como a variação do IPCA no período inicial de vigência do teto.

O problema é que todos os itens das despesas obrigatórias (aposentadorias, pensões, salários do funcionalismo público, gastos com saúde e educação) apresentaram nos últimos 20 anos uma taxa de crescimento muito acima da variação do IPCA. Dessa forma, se nada fosse feito para reduzir o ritmo de crescimento desses gastos, o cumprimento da regra do teto obrigaria a administração federal a reduzir progressivamente os gastos discricionários, que incluem gastos com o investimento em infraestrutura, com o reaparelhamento das Forças Armadas e com a manutenção de instalações do governo federal.

Como é impossível manter o funcionamento da máquina pública federal sem a realização de um valor mínimo de gastos discricionários, segue-se que a ameaça de "shutdown" obrigaria o Congresso a realizar aquilo que foi denominado de "a mãe de todas as reformas", a reforma da Previdência. Uma vez aprovada uma "boa" reforma, o desequilíbrio fiscal estrutural seria eliminado, e o teto dos gastos poderia, eventualmente, ser abolido. Nessas condições, o Brasil poderia retomar o crescimento em bases sustentáveis, pois se produziria uma "contração fiscal expansionista", ou seja, o ajuste das contas públicas levaria automaticamente a um aumento do investimento e do consumo do setor privado.

A PEC do teto dos gastos foi aprovada no final de 2016 e tudo apontava para a aprovação de uma reforma da Previdência em 2017. As condições financeiras da economia brasileira (risco país, taxa de câmbio, juros futuros e índice Bovespa) apresentavam nítidos sinais de melhora no primeiro trimestre de 2017. A melhoria das condições financeiras ocorrida a partir do segundo semestre de 2016 permitiu ao BC iniciar um processo "lento, gradual e seguro" de redução da taxa de juros, o qual deveria, em algum momento, estimular o crescimento.

Mas no meio do caminho havia uma pedra, e essa pedra foi o escândalo da gravação das conversas, por assim dizer, pouco republicanas, entre o presidente da República e Joesley Batista, da JBS. A divulgação desses áudios produziu uma crise política de proporções gigantescas, obrigando o presidente a gastar todo o seu capital político e otras cositas más na tentativa de angariar apoio político para o seu governo e impedir um novo processo de impeachment. No fim do ano de 2017 já estava claro que a reforma da Previdência não teria condições políticas de ser aprovada durante o governo Temer.

Surpreendentemente os mercados financeiros não desabaram com o adiamento da reforma da Previdência. Índices de condições financeiras continuaram relativamente bem-comportados ao longo do segundo semestre de 2017 e no primeiro trimestre de 2018. Apesar disso, o crescimento foi decepcionante em 2017. O PIB apresentou expansão de 1,1% em termos reais, após dois anos de queda acentuada. No fim de 2017, a economia ainda se encontrava 6% abaixo do nível observado em 2013. E o pior, o desemprego superava 13 milhões de pessoas. A produção industrial encontrava-se ao nível de 2004, recuo de mais de 10 anos.

O ano de 2018 se inicia com grandes expectativas de aceleração do crescimento. O ministro da Fazenda esperava um crescimento entre 2,5% a 3%. Se essas expectativas se confirmassem, a taxa de desemprego poderia fechar o ano em torno de 10% da força de trabalho, gerando um saldo de 2 a 3 milhões de novos empregos. Nesse cenário róseo, o candidato à Presidência da República que encarnasse a continuidade da política econômica do governo Temer seria praticamente imbatível nas eleições de outubro.

Mas o otimismo de Henrique Meirelles mostrou-se sem fundamento. No primeiro semestre de 2018 a atividade mostrava sinais de recuperação muito lenta, embora a grande recessão tivesse oficialmente terminado no fim de 2016. A implantação do teto dos gastos pode ter até ancorado as expectativas dos agentes do mercado financeiro, contribuindo assim para a relativa estabilidade dos índices de condições financeiras; contudo, o seu cumprimento estava impondo redução sem precedentes, nos últimos 15 anos, dos gastos com investimento público.

A contração do investimento público - justamente o componente da despesa primária que possui o maior efeito multiplicador - atuou como mecanismo de desestímulo à demanda agregada, numa economia que estava operando com nível absurdamente elevado, para seus padrões históricos, de ociosidade da capacidade produtiva. A greve dos caminhoneiros, a crise econômica na Turquia e Argentina e a indefinição do quadro eleitoral contribuíram para aumentar a incerteza reinante entre agentes econômicos, que se expressou numa deterioração significativa do índice de condições financeiras ao longo do segundo semestre de 2018. Como resultado desses desdobramentos, o ritmo de recuperação da atividade econômica desacelerou e a economia deve ter fechado o ano passado com um crescimento em torno de 1%.

O quadro econômico desolador combinado com a constatação de que a corrupção na máquina pública não estava restrita ao PT levou uma ampla parcela da população a acreditar que os problemas só seriam resolvidos por um outsider da política tradicional. A maioria dos eleitores identificou em Jair Bolsonaro a pessoa que encarnava o anti-establishment.

Mas será que o governo Bolsonaro poderá atender ao desejo de mudança, ou melhor, será que o novo governo poderá recolocar o Brasil na trajetória de desenvolvimento?

Bolsonaro, influenciado pelo czar da economia, Paulo Guedes, parece acreditar que a reforma da Previdência, combinada com um programa ambicioso de privatizações, irá fazer o país sair daquilo que o próprio Guedes chamou de "armadilha de baixo crescimento". Não é a primeira vez que se propõe uma ampla agenda de privatizações como solução para os problemas nacionais. Essa agenda foi extensamente adotada nos governos Collor e FHC.

A taxa média de crescimento no período 1990-2002 foi inferior a 2,5%, mesmo se expurgarmos os dois primeiros anos do governo Collor, quando a economia entrou em recessão devido ao "confisco das poupanças". Também não é a primeira vez que se diz que um ajuste fiscal é fundamental para a retomada do desenvolvimento. Ajustes fiscais foram feitos em 1994-1995; 1999-2000, 2003-2004, 2011, 2015, 2016-2018. Nesses casos, apenas um deles, o período 2003-2004, foi seguido por um período de aceleração significativa e razoavelmente duradoura do crescimento. Nesse caso, a contração fiscal se mostrou expansionista devido ao espetacular aumento das exportações de manufaturados ocorrida no período 2002-2004, decorrente da enorme desvalorização da taxa de câmbio ocorrida em 2002. Em todos os demais casos, ou não houve aceleração do crescimento, ou a aceleração foi pequena e curta ou ocorreu queda do nível de atividade econômica. Em suma, o ajuste fiscal pode ser necessário para evitar um desastre, mas não é nem de perto condição suficiente para a retomada do crescimento.

Esta requer o atendimento de duas condições. No curto prazo é necessária expansão da demanda agregada para que se possa eliminar a ociosidade na capacidade produtiva e para dar emprego digno a mais de 12 milhões de brasileiros. Essa expansão da demanda agregada não poderá vir do investimento, devido à enorme ociosidade da capacidade produtiva e nem do consumo das famílias, devido ao nível elevado de desemprego. O desequilíbrio fiscal também impede uma expansão significativa do investimento público.

A expansão da demanda agregada só pode advir de um forte crescimento das exportações, principalmente das exportações de produtos manufaturados, o que requer taxa real de câmbio estável e competitiva. No médio e longo prazos, contudo, o crescimento só será sustentável se for acompanhado por aumento da produtividade. Ao contrário do que pregam economistas liberais que acham que a produtividade é uma característica embutida nos trabalhadores por intermédio da educação, a boa teoria econômica e a experiência internacional mostram que a produtividade é uma variável cujo comportamento é regido por uma série de fatores, sendo a educação apenas um entre vários.

A produtividade é afetada pela quantidade e a diversificação do conhecimento técnico e científico que está embutido nas pessoas (capital humano), nas máquinas e equipamentos (capital físico), na capacidade das pessoas em se conectarem e assim trocar informações (capital social). Dessa forma, aquilo que uma economia produz e exporta revela a sofisticação ou complexidade das suas capacitações produtivas. A estrutura produtiva importa para o crescimento econômico.

Tendo em vista esse entendimento sobre as causas da produtividade, a retomada do desenvolvimento exige que o Brasil reinicie o processo de "catching-up" industrial e tecnológico interrompido na década de 1980. Um elemento essencial dessa retomada será a reindustrialização, ou seja, o crescimento da participação do valor adicionado da indústria no PIB e do emprego industrial no emprego total. Esse processo irá demandar uma mudança no regime macroeconômico, de forma a manter a taxa de câmbio em níveis competitivos internacionalmente, a exemplo do que foi adotado, de forma bem-sucedida, nos países do Leste Asiático; como também a adoção de uma política industrial que permita aumentar a complexidade tecnológica da pauta de exportações do Brasil. A exemplo do que é feito nos Estados Unidos, Japão, China, e países da Europa Ocidental, o desenvolvimento de um complexo industrial militar no Brasil, puxado por gastos necessários para o reaparelhamento das Forças Armadas, atualmente em grau acentuado de sucateamento, pode ser um dos eixos dessa política.

Se o governo Bolsonaro não trilhar esse caminho e insistir apenas na agenda privatização-reforma da Previdência, então a economia continuará trilhando trajetória de baixo crescimento, provavelmente em torno de 2% ao ano. Esse ritmo será insuficiente para gerar empregos na quantidade suficiente para absorver a enorme massa de desempregados, bem como os brasileiros que ingressam todos os anos no mercado de trabalho. A força de trabalho cresce atualmente 1% ao ano, o que significa que, para manter a taxa de desemprego estável ao longo do tempo, é necessário criar, pelo menos, 1 milhão de postos de trabalho por ano. Considerando crescimento da produtividade de 1% ao ano (o que destrói postos de trabalho na velocidade de 1 milhão de empregos por ano) no cenário no qual não ocorre a mudança estrutural descrita, uma taxa de crescimento de 2% ao ano irá criar postos de trabalho apenas na magnitude necessária para manter o desemprego indefinidamente acima de 10 % da força de trabalho.

Dada a pequena duração do seguro-desemprego e a baixa densidade da rede de proteção social, é pouco provável que a permanência da taxa de desemprego em patamares tão elevados por um período tão longo de tempo seja social e politicamente sustentável. Nesse cenário a desordem social poderá aumentar rapidamente. Além disso, o crescimento econômico anêmico irá agudizar a crise fiscal dos Estados, podendo, inclusive, fortalecer movimentos separatistas no Sul, haja vista que, para parte significativa da população desses Estados, a sua crise fiscal resulta do fato de que (sic) "o Sul tem que sustentar os vagabundos do Nordeste com o Bolsa Família".

O exemplo recente da tentativa de secessão na Catalunha - resultado dos efeitos da crise econômica de 2008-2012 - mostra que o risco de movimento separatista no Brasil não pode ser subestimado. Daqui se segue, portanto, que ou o governo Bolsonaro coloca o Brasil na rota do desenvolvimento econômico - o que implica em mudança estrutural e catching-up com respeito aos países ricos - ou o clima de insatisfação social reinante culmine numa crescente desordem, podendo levar, no limite, à guerra civil.

*José Luis Oreiro é professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, Pesquisador Nível IB do CNPq.


Zeina Latif: O otimismo cauteloso

O poder público não cunpre bem o papel de regular e fiscalizar a atividade privada

A expressão “otimismo cauteloso” tem sido utilizada com frequência por lideranças do setor privado para descrever o atual sentimento em relação ao Brasil. Por ora, o quadro de incertezas sobre o cenário econômico faz a balança pender mais para o “cauteloso” do que para o “otimismo”.

Os empresários estão mais confiantes, mas não a ponto de aumentar contratações e investimentos. Aguardam os sinais da política. Ajuda, e muito, a alta qualidade da proposta de reforma da Previdência, buscando uma importante economia de recursos, incluindo os Estados e contemplando um sistema mais justo socialmente. Sua aprovação será fator central para redução das incertezas. O primeiro semestre será de compasso de espera.

Em que pese o emblemático fechamento da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, ao menos o pessimismo tem tido peso bem menor no sentimento dos empresários. Afinal, não estamos em 2015, apesar de a situação fiscal ser mais grave. É um outro perfil de presidente, mais pragmático e humilde quanto ao seu desconhecimento de Economia; outro debate econômico, menos influenciado pelo equivocado nacional-desenvolvimentismo, que produziu uma crise sem precedentes; e outro contexto político, mais benigno, já que Bolsonaro ganhou a eleição com margem confortável e não carrega o peso de um primeiro mandato conturbado.

Por outro lado, há razões para cautela. O quadro econômico é frágil, com a economia quase estagnada. As reformas necessárias para resolver a crise fiscal são politicamente desafiadoras e envolvem contrariar muitos interesses. Os grupos afetados, principalmente do funcionalismo, estão se organizando e poderão frustrar bastante as pretensões do time econômico em relação ao escopo da reforma. O governo inexperiente e pouco coeso tropeça na política.

O Brasil é um país difícil, e isso não será mudado rapidamente. Os tristes acontecimentos neste início de ano que ceifaram vidas servem de alerta da falência do Estado. O poder público não cumpre bem o papel de regulação e fiscalização da atividade privada e os governos gastam boa parte do dinheiro público com a folha do funcionalismo e sua Previdência, deixando de cuidar das pessoas e da infraestrutura.

Isso não quer dizer que a sociedade não tenha sua parcela de responsabilidade. Não o mais humilde, que não tem acesso à educação de qualidade e sofre com a desigualdade de oportunidades, mas a elite, que deveria dar o exemplo.

Um exemplo singelo: na terça-feira, a capa do Estadão trouxe a triste foto do lixo carregado pelo Rio Tietê por conta das fortes chuvas. Não é só culpa do mau funcionamento do Estado, que não cuida devidamente da limpeza das ruas, da coleta e tratamento do lixo. É também da sociedade. Quando se percorre os bairros ricos em São Paulo, o lixo espalhado pela rua, algo pouco visto nos vizinhos da América Latina, indica que necessitamos de um choque civilizatório. Somos uma sociedade em que o sentimento de responsabilidade social é fraco.

Em um contexto mais amplo, as reações dos diferentes grupos à reforma da Previdência são mostra de nossas dificuldades para olhar o outro. A bancada da agropecuária ameaça não apoiar a reforma se o ministro Guedes insistir em políticas de cunho liberal para o setor. Justamente o setor que menos paga impostos. Alguns governadores pressionam o Congresso e o governo por uma nova renegociação da dívida e outras benesses como contrapartida por apoiar a reforma da Previdência, apesar de os governos estaduais serem beneficiados pelas mudanças no regime previdenciário. Corporações do funcionalismo exercem forte pressão para não perderem seus privilégios. E assim vai.

Economia e política não andam separadas por muito tempo. A fraqueza da economia impacta a política, cedo ou tarde, e a aprovação de reformas econômicas depende da política. Caberá ao presidente exercer liderança para não cair nesse círculo vicioso.

*Economista-chefe da XP Investimentos


IHU On-line: Entrevista com Maria Alice Rezende de Carvalho

Militarização no Brasil: a perpetuação da guerra ao inimigo interno.

Por Ricardo Machado, do IHU On-line

É muito próprio da cultura brasileira a noção de que as forças militares – Forças Armadas e Polícias Militares – têm como prerrogativa ser o braço armado do Estado, em detrimento de um serviço de proteção aos cidadãos. A perspectiva adotada, em sua forma hegemônica, remonta ao Brasil Império e à manutenção de um elemento estruturante na participação dos militares na formação política de nosso país. “Tal princípio implicou a existência de um corpo militar como ‘braço do Estado’, capaz de garantir, internamente, a preservação de extensas faixas de terra, a identificação etnográfica de suas populações, a afirmação da presença do ‘rei’ perante súditos das mais longínquas regiões. De fato, o exército brasileiro cumpriu esse percurso – o que lhe deu uma feição histórica específica, livre das influências civis e dos interesses de classes ou grupos externos à corporação”, pontua Maria Alice Rezende de Carvalho, professora doutora e pesquisadora da PUC Rio, em entrevista por e-mail à IHU On-line. “Enfim, em nosso regime legal, a polícia é definida como instituição militar, o que a obriga a um tipo de organização semelhante à do exército. Mas será essa a sua forma adequada?”, questiona.

Permeada por uma disputa narrativa polarizada, os debates em torno do papel das instituições militares no Brasil tendem a descambar para simplificações de ambos lados, o que, via de regra, não favorece o debate sobre os efeitos da militarização na política nacional. “A cultura da guerra ao ‘inimigo interno’, tão presente durante a ditadura militar. O efeito dessa cultura sobre as corporações policiais, sobretudo militares, é inegável no nosso tempo, o que acaba por combinar, de um lado, esse repertório bélico, que valoriza a coragem física e o confronto; e, de outro, aquilo que é mais caro em sociedades democráticas: um repertório técnico, que entende a segurança como um serviço público prestado universalmente a cidadãos.”, explica a professora. “Para que assim ocorresse seria necessária uma mudança profunda na própria sociedade, levando a que a democracia não seja mais entendida apenas como o ato de votar, mas como uma cultura de direitos e liberdade”, complementa.

Apoiada no estudo de Adriana Marques e Jacintho Maia sobre o Exército chileno, Maria Alice salienta que a mudança de paradigma organizacional pode ser um caminho interessante para as corporações militares no Brasil. Os pesquisadores destacam que no Chile houve uma mudança de paradigma em relação ao Exército, especialmente, e às forças armadas no geral, o que pode ser um caminho interessante em uma nova caracterização das corporações no Brasil. A pesquisadora destaca que no Chile, o Exército tem migrado para um modelo profissional, assumindo uma “concepção ‘empresarial’ de gestão de seus recursos materiais, tecnológicos e humanos, com a diminuição de seus efetivos”. Maria Alice, entretanto, pensa que esse modelo não será o do Brasil.

Diante dos inúmeros desafios à salvaguarda dos bens naturais e das populações nativas no país, o Exército brasileiro, atuando como defensor dos interesses republicanos, podia ocupar um papel chave nesse processo. “Um discurso público que expressasse a política de gestão ambiental do Exército brasileiro e o comprometimento da Força Terrestre com a melhoria da qualidade ambiental, seria talvez, uma forma de substituir o nacionalismo dos séculos XIX e XX por um propósito nacional compatível com os atuais interesses preservacionistas do planeta. Essa era uma perspectiva plausível há três anos. Vejamos o que 2019 nos reserva, nesse âmbito”, adverte.

Maria Alice Rezende de Carvalho é licenciada em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC Rio, mestre em História Social pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e doutora em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ, onde trabalhou entre os anos de 1987 e 2007, tornando-se Professora Titular. Atualmente é Professora Associada II do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Entre outras publicações, é coautora do livro Para pensar o Exército Brasileiro no século 21, que deve ser lançado em breve.

A entrevista em tela tem como pano de fundo a pesquisa realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio, de autoria da professora Maria Alice Rezende de Carvalho, do professor Eduardo Raposo e da professora e Sarita Schaffel a ser publicada no livro citado acima.

Confira a entrevista:

IHU On-Line – Qual é o papel histórico da corporação militar no Brasil e como ela influenciou a formação das polícias no país?
Maria Alice Rezende de Carvalho – Durante o século 19, no contexto da formação brasileira, a perspectiva territorialista era dominante, isto é, havia a preocupação em manter unificado o território, sob o domínio centralizado da Coroa. Essa característica foi herdada dos nossos colonizadores. Há um historiador português do direito, Antonio Manuel Hespanha, que afirma que nos acostumamos a pensar a conformação dos Estados modernos a partir do paradigma de Thomas Hobbes, atribuindo a centralização do poder monárquico à destruição dos direitos senhoriais do mundo feudal. Mas na Península Ibérica, segundo Hespanha, o Estado moderno não se erigiu sobre os escombros do poder local. Ao contrário. O monarca absolutista português manteve a função do rei medieval de garantir o equilíbrio natural dos corpos políticos e de defender os direitos estabelecidos. Isso lhe trouxe uma dificuldade, pois ao preservar o dominium dos súditos, a monarquia precisava criar novas fontes de soberania, agregar novos espaços materiais e simbólicos que não pudessem ser questionados ou disputados pelas casas senhoriais. Qual foi a solução? A conquista colonial. Com ela, novas terras da África, da América e do Oriente eram submetidas ao domínio real e passavam a emprestar prestígio e poder ao monarca, sem que ele precisasse disputa-las com seus barões. Portanto, território e poder estão na base da aventura colonial lusa.

A existência de um corpo militar como “braço do Estado”, capaz de garantir, internamente, a preservação de extensas faixas de terra – Maria Alice de Carvalho

Ora, podemos pensar que esse princípio estruturante da política portuguesa foi reiterado no Brasil mesmo após a independência e ainda mais sob o Império. Tal princípio implicou a existência de um corpo militar como “braço do Estado”, capaz de garantir, internamente, a preservação de extensas faixas de terra, a identificação etnográfica de suas populações, a afirmação da presença do “rei” perante súditos das mais longínquas regiões. De fato, o exército brasileiro cumpriu esse percurso – o que lhe deu uma feição histórica específica, livre das influências civis e dos interesses de classes ou grupos externos à corporação. Esse é o modelo interpretativo desenvolvido por José Murilo de Carvalho e Edmundo Campos Coelho, que pensam o fenômeno militar com ênfase na sua autonomia organizacional e institucional.

Quanto à influência da corporação militar na formação das polícias é preciso pensar que a organização do exército, nos moldes em que ela tradicionalmente se dá, visa à defesa do território e a soberania nacional – o que não é caso das polícias, cujos objetivos são (ou deveriam ser) garantir os direitos dos cidadãos, prevenindo e reprimindo violações a eles. Ora, para desempenhar o seu papel, o exército precisa se organizar de modo a mobilizar grandes contingentes humanos com rapidez e eficiência, o que requer centralização decisória e uma estrutura verticalizada. Mas será esse o caso das polícias? Atuando na rua, tendo que decidir sobre como agir, gerindo seus próprios recursos, interagindo com cidadãos no espaço público, os policiais necessitam de um treinamento específico e outro tipo de organização, distinta da que tem o Exército. Enfim, em nosso regime legal, a polícia é definida como instituição militar, o que a obriga a um tipo de organização semelhante à do exército. Mas será essa a sua forma adequada?

IHU On-Line – Que tipo de mudanças ocorreram na corporação militar desde a reabertura? Quais passaram a ser as atribuições e práticas dos militares sob o Estado democrático de direito?
Maria Alice Rezende de Carvalho – As mudanças ainda estão em curso e correspondem à longa passagem de uma instituição afinada com um Estado modernizador e desenvolvimentista dos séculos XIX e XX, para uma instituição do século XXI, isto é, afinada com uma Sociedade que almeja a paz e a garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos.

A criação do Ministério da Defesa, em 1999, por exemplo, que unificou as Forças e as submeteu a uma liderança civil, se inscreve nessa nova normatividade, assim como o Programa PRO-DEFESA, que pouca gente conhece, mas que tem como objetivo promover a aproximação entre a opinião pública e o esforço de autorreforma das Forças Armadas. Trazer ao debate público nacional algumas questões tidas, até então, como de interesse exclusivamente militar e conhecer os pontos de vista de segmentos sociais representativos do país acerca da atuação das Forças Armadas são evidências dessa mudança. O Ministério da Defesa, com recursos da CAPES, tem lançado editais para que instituições universitárias civis e militares realizem conjuntamente projetos de ensino e pesquisa voltados a questões estratégicas de defesa e segurança do país. Portanto, não é difícil perceber a relevância do PRÓ-DEFESA no contexto da democratização brasileira, quando se espera uma repactuação da sociedade em torno dos objetivos e práticas das Forças militares.

A autorrreforma das instituições militares, repito, visa ao desenvolvimento de novas capacidades para responder a demandas contemporâneas e democráticas por defesa – Maria Alice de Carvalho

Unificação das Forças, comando civil, aproximação do campo científico – tais mudanças não foram uma guinada exclusiva dos militares brasileiros. Nas últimas décadas do século XX, a maioria dasForças Armadas latino-americanas, os Exércitos em particular, passaram ou estão passando por um processo de transformação estrutural, tendo em vista as mudanças na configuração da ordem internacional e o restabelecimento da democracia na região.

A autorrreforma das instituições militares, repito, visa ao desenvolvimento de novas capacidades para responder a demandas contemporâneas e democráticas por defesa, principalmente em operações para garantia da lei, em desastres naturais, na segurança de grandes eventos e na defesa das/nas fronteiras. E o controle dessa capacitação por agências civis, como já ocorre na Argentina e vem sendo ensaiada, aqui no Brasil, pela CAPES, pode ser um sinal interessante do processo de transformação do Exército brasileiro.

IHU On-Line – Qual é o perfil das instituições militares e dos militares no país hoje?
Maria Alice Rezende de Carvalho – A pesquisa Para pensar o Exército Brasileiro no século XXI, que realizei juntamente com Eduardo Raposo e Sarita Schaffel, com recursos provenientes do PRÓ-DEFESA, dedicou uma de suas seções à caracterização socioeconômica da Força Terrestre. E dessa caracterização se extraem seis pontos principais.

O primeiro diz respeito a convergências entre aspectos verificados na população pesquisada e na população brasileira em geral, com duas exceções:

(a) o índice de oficiais brancos em relação aos oficiais negros e pardos se encontra bem acima do verificado proporcionalmente na população nacional; e (b) o perfil religioso dos respondentes aponta para um número de espíritas superior ao de evangélicos, quando, na população brasileira, os evangélicos constituem a segunda maior adesão religiosa, abaixo apenas dos católicos.

O segundo aspecto notável é a centralidade do mundo urbano brasileiro no recrutamento dos militares, principalmente de cidades das regiões Sudeste e Sul do país, com tudo o que essa geografia sinaliza em termos de maior acesso à educação pública, à informação, aos bens de cidadania etc. – fatores que, afinal, são indissociáveis do sucesso em exames vestibulares.

Outro aspecto a merecer destaque é a natureza socialmente mista do Exército, que atualmente combina oficiais cujos pais e mães são superiormente escolarizados, com cursos de pós-graduação completos – o que denota o pertencimento a uma classe média estabilizada há, pelo menos, duas gerações – e oficiais cujas conquistas escolares não recuam à geração de seus pais, o que sugere serem fruto de setores sociais populares ou de uma classe média de extração mais recente.

O quarto aspecto diz respeito ao elevado grau de endogenia institucional, embora essa característica esteja mais presente entre oficiais antigos, em postos mais elevados. Há, contudo, um interessante viés de gênero, que pode ampliar a endogenia, caso cresça o número de mulheres no Exército, pois quase 40% delas disseram que sua escolha pela carreira militar foi influenciada pela existência de outros militares na família.

Aspecto determinante na estruturação do Exército é também o cultivo da família nuclear como agência integradora do oficial à corporação e como valor associado à ordem e à solidariedade entre seus membros.

Finalmente, o sexto aspecto a ser destacado é a potencial permeabilidade do Exército a práticas inovadoras como resultado de uma estrutura institucional em que convivem diferentes classes sociais, crenças e formas de ingresso na corporação. Se, por um lado, essa feição fragmentada do Exército pode ameaçar sua autodefinição como instituição homogênea e resiliente, por outro lado tem o mérito de espelhar as transformações em curso na vida brasileira e se apresentar como instituição compatível com os novos tempos democráticos.

IHU On-Line – Por que a desmilitarização das polícias estaduais encontra tanta resistência?
Maria Alice Rezende de Carvalho – Pois é. Apesar de tantas mudanças importantes terem ocorrido no Brasil desde a Constituição de 1988, as instituições de segurança pública, dentre as quais as forças policiais, não foram significativamente modificadas, tendo sido preservada, por exemplo, a cultura da guerra ao “inimigo interno”, tão presente durante a ditadura militar. O efeito dessa cultura sobre as corporações policiais, sobretudo militares, é inegável no nosso tempo, o que acaba por combinar, de um lado, esse repertório bélico, que valoriza a coragem física e o confronto; e, de outro, aquilo que é mais caro em sociedades democráticas: um repertório técnico, que entende a segurança como um serviço público prestado universalmente a cidadãos.

A cultura da guerra ao “inimigo interno”, tão presente durante a ditadura militar. O efeito dessa cultura sobre as corporações policiais, sobretudo militares, é inegável – Maria Alice de Carvalho

Essa dualidade gera um grande imobilismo e está longe de ser resolvida a favor do aperfeiçoamento técnico da segurança pública.

Para que assim ocorresse seria necessária uma mudança profunda na própria sociedade, levando a que a democracia não seja mais entendida apenas como o ato de votar, mas como uma cultura de direitos e liberdade. Como disse, certa vez, Luiz Eduardo Soares, ex-Secretário Nacional de Segurança do primeiro governo Lula e estudioso do tema, “se as polícias agem de modo francamente racista e adotam nítido viés de classe, se territórios são estigmatizados, os problemas não estão nessas instituições e em seus profissionais apenas, mas na sociedade, em sua história”. Daí o extemporâneo apelo social que se observou durante a greve dos caminhoneiros, quando segmentos numerosos da sociedade clamaram por uma “militarização da política”; ou quando, em contextos de violência urbana exacerbada, o tema da ordem imposta por militares volta a habitar corações e mentes dos urbanitas.

IHU On-Line – A partir das suas pesquisas é possível identificar um discurso comum entre os militares acerca do nacionalismo ou do que eles considerariam um projeto de país para o Brasil?
Maria Alice Rezende de Carvalho – Em 2016, quando teve início a análise das respostas obtidas com o questionário, se podia dizer que havia fortes motivações para o processo de autorreforma do Exército brasileiro. Elas decorriam, em primeiro lugar, das grandes transformações mundiais, exemplificadas, nesse caso, pelo final da Guerra Fria e a vitória da agenda dos direitos e da igual-liberdade em escala planetária; em segundo lugar, do novo marco legal ao qual as Forças Armadasestão submetidas, especialmente a Estratégia Nacional de Defesa- END, lançada em 2008; e, por fim, das alterações observadas na percepção que os oficiais têm de si, da sua atividade e da sua cultura organizacional.

De fato, a pesquisa detectou alguns sinais de mudança orientados não apenas pela inteligência militar, mas também “de baixo para cima”, isto é, por um anseio que talvez se origine de desajustes cotidianos experimentados pelos militares e suas famílias: um deles a progressiva democratização das práticas sociais e, paralelamente, a permanência de um padrão organizacional centralizado e hierárquico que produz efeitos até mesmo na esfera familiar, sobretudo nas famílias residentes em vilas militares. É como se os militares tivessem a sua observação do mundo vazada por novos critérios, valores, juízos que não podem ser replicados em sua atividade e em sua domesticidade.

Portanto, parece que, até 2016, o que se percebia entre os militares era um desejo de atualização de suas práticas e de sua organização em face de um mundo em transformação. Penso que a pesquisa capturou esse desejo, presente nas repostas dos oficiais ao questionário.

Assim ocorresse seria necessária uma mudança profunda na própria sociedade, levando a que a democracia não seja mais entendida apenas como o ato de votar – Maria Alice de Carvalho

Há estudos comparativos, como o de Adriana Marques e Jacintho Maia Neto, que apontam que o Exército chileno migra velozmente para o modelo profissional, enquanto o brasileiro ainda preserva muitas das características de uma instituição total. Tais autores apontam que o Exército vizinho se desprende de uma feição territorialista, substituindo-a por uma concepção “empresarial” de gestão de seus recursos materiais, tecnológicos e humanos, com a diminuição de seus efetivos; e que, no Brasil, se observaria a adesão a algo parecido com esse horizonte estratégico, embora implementado de forma muitíssimo mais lenta e resguardando as nossas especificidades – a principal delas, a Amazônia, um imenso território de que o Exército não descuidará.

Mas, talvez, o aspecto importante a ser frisado seja a ausência de um novo discurso público de legitimação do Exército brasileiro perante a sociedade – algo que substitua o discurso nacionalista que acompanhou o desenvolvimentismo do século XX, e se afine com o atual processo de aggiornamento institucional. Não será, como no caso chileno, em que o ex-comandante Juan Emilio Cheyre Espinosa, em aula magna na Universidad Adolfo Ibáñez, classificou o Exército chileno como “la empresa más querida de Chile”. No caso brasileiro, tal representação dificilmente encontraria eco na corporação e na sociedade, pois seria difícil traduzir o esforço de atualização organizacional do Exército, tradicionalmente identificado com o Estado, sob a perspectiva da racionalidade empresarial.

Porém, um discurso público que expressasse a política de gestão ambiental do Exército brasileiro e o comprometimento da Força Terrestre com a melhoria da qualidade ambiental, seria talvez, uma forma de substituir o nacionalismo dos séculos XIX e XX por um propósito nacional compatível com os atuais interesses preservacionistas do planeta. Essa era uma perspectiva plausível há três anos. Vejamos o que 2019 nos reserva, nesse âmbito.


Ricardo Noblat: Motivos ocultos

Exército e governo, tudo a ver

Quando se quer demitir alguém, qualquer fato ou coleção de fatos serve. E se os fatos em estado puro não prestam, é sempre possível distorcê-los ao gosto do dono da caneta.

Foi o que fez “o nosso presidente”, como o chama seu porta-voz, o general Rego Barros. Ou o “capitão”, como insiste em chamá-lo o demitido ministro Gustavo Bebianno.

A verdadeira, ou as verdadeiras razões do presidente Jair Bolsonaro para despachar aquele que foi seu faz tudo desde o início da campanha do ano passado, essas permanecem ocultas.

É claro que Bebianno não foi demitido porque iria receber no Palácio do Planalto um diretor da Rede Globo, por mais que Bolsonaro a trate como inimiga do seu governo.

Nem porque teria vazado para o site Antagonista o que já fora publicado pelo jornal Folha de S. Paulo. Muito menos porque viajaria à Amazônia na companhia de mais dois ministros.

Para quem, como diz Bolsonaro, nada tem a ver com o escândalo das falsas candidaturas do PSL, a menção que ele faz ao episódio pode ser uma pista razoável da causa de saída de Bebianno.

Melhor dizendo: de uma das causas, mas não a determinante. Carlos envenenou o pai com a suspeita de que Bebianno vazara informações sobre as ligações da família com milicianos no Rio.

Envenenara-o também com a suspeita de que Bebianno queria derrubar Flávio com os rolos de Queiroz para pôr no lugar o seu suplente, o empresário Paulo Marinho, amigo do ex-ministro.

Doses tão reforçadas de veneno injetadas num cérebro tão pouco privilegiado como o do capitão produziram lá o seu efeito, admita-se. Mas ainda parece faltarem mais coisas.

Quem ganhou com a deposição de Bebianno – fora Carlos, o paranoico, o protetor número um do pai ao invés de limitar-se a ser o protegido número um por ele?

Com certeza, a ala militar do governo ganhou. Sim, ela mesma, que nos últimos dias pareceu ter ficado ao lado de Bebianno com receio de que a saída precoce dele desgastasse o governo.

A demissão de Bebianno reforçou a turma da caserna com a ascensão de mais um general de pijama ao posto de ministro. Agora são 8 os ministros que um dia vestiram farda.

Nunca antes na história do país tantos militares ocuparam funções antes destinadas a civis. Nos três últimos governos militares do ciclo de 64 foram apenas sete ministros.

Está tudo muito bom, está tudo muito bem para os que sonhavam com o retorno ao poder desta vez por meio do voto, mas o futuro a Deus pertence. E se ele não for róseo para o governo…

Se não for será um desastre para as Forças Armadas, principalmente para o Exército, que ajudaram um ex-capitão sem brilho a se eleger e, em seguida, a governar.

Não dá para separar mais o Exército do governo como disse desejar o general Vilas Bôas que o comandou até há pouco. Villas Bôas, hoje, serve no Palácio do Planalto e obedece ao capitão.

A jogada dos generais foi arriscada. A imagem do Exército está indissoluvelmente atada à do governo Bolsonaro. Para o bem ou para o mal. Tomara que seja para o bem.

Brasil acima de tudo. O Deus de cada um acima de todos.


Monica De Bolle: Selva!

Há cerca de uma centena de pessoas com origem nas Forças Armadas atuando em cargos decisórios

“Seguindo a determinação de transparência e responsabilidade com os recursos públicos, prioridade em nosso governo, a ministra Damares Alves realizará auditoria dos benefícios suspeitos concedidos a ‘vítimas da ditadura’ nos últimos anos pela Comissão da Anistia”. Assim determinou o presidente Jair Bolsonaro, agora em pleno exercício de suas funções em Brasília, por decreto no Twitter. Embora seu ministro Paulo Guedes esteja empenhado na reforma da Previdência, esse sim o verdadeiro compromisso com a transparência e com os recursos públicos, o presidente escolheu enfatizar a caça às bruxas da ministra pastora. Ironia pouca é bobagem.

Vejam as palavras escolhidas pelo capitão da brigada democrática brasileira composta por generais de estrelas variadas: os benefícios concedidos são suspeitos. As vítimas da ditadura estão entre aspas, supostamente ou porque não são consideradas vítimas ou porque não houve ditadura no País como afirmam os revisionistas cuja cautela se foi após a vitória de Jair. Será Damares, a ministra pastora que advertiu famílias com filhas para deixarem o Brasil em clara demonstração de que não confia lá muito na capacidade do governo para o qual trabalha de entregar promessas de campanha no âmbito do combate ao crime e à violência, a encarregada de dar maior transparência e credibilidade aos recursos públicos perseguindo vítimas da ditadura. Apenas para sublinhar fatos, o Brasil teve ditadura e vítimas da dita cuja.

São tuítes decreto como esse que ganham imensa atenção nas redes sociais. Referências à reforma da Previdência não têm lá muita graça. Estados brasileiros que declararam recentemente calamidade financeira tampouco são merecedores de atenção. Legal mesmo é ver o filho de Bolsonaro brigar abertamente no Twitter com o presidente da sigla que ainda ocupa, fritando-o antes que o pai pudesse emitir palavra. A lavação de roupa suja da semana passada que terminou com a saída de Gustavo Bebianno do governo junto com as novas atribuições de Damares deixam claro que as urgências do governo Bolsonaro passam bem longe do ajuste das contas públicas brasileiras sem o qual os sonhos do mercado financeiro e, mais do que isso, de milhões de brasileiros não se concretizaram assim tão facilmente. Bolsonaro já deu sinais de sobra de que prefere as intrigas às medidas, talvez porque não entenda muita coisa de medidas, sobretudo as econômicas como ele próprio já admitira.

Deturpadas as urgências, segue a ocupação militar do governo Bolsonaro apresentando inovação inédita na América Latina: com 8 ministros generais, incluindo o general Floriano Peixoto instalado no cargo de Bebianno, o Brasil é o primeiro país da região a formar um governo militar democraticamente eleito. Ou melhor, um governo militar-cristão. Afinal, comecei esse artigo com Damares e vi a foto deslumbrante do Twitter com os três ministros ferrenhamente religiosos quase abraçados – o trio Damares-Ernesto-Ricardo.

De acordo com o jornal gaúcho Zero Hora, há cerca de uma centena de pessoas com origem nas Forças Armadas no governo de Jair Bolsonaro. Atuam em cargos decisórios de primeiro escalão, em gerências na Petrobrás, Eletrobrás, e Zona Franca de Manaus, além da gestão de recursos hospitalares, segurança pública e por aí vai. O Exército concentra o maior número de cargos nos três escalões, segundo o Zero Hora. Há 29 oficiais-superiores com patente acima da do presidente: 18 generais e 11 coronéis. Não por acaso, as redes sociais já nos ensinam saudações militares que qualquer civil, hoje, deveria saber para não ser alvo de chacotas ou ataques pessoais. A utilizada na semana passada por Bolsonaro para saudar seu vice-presidente, algoz de seus filhos ambiciosos, é uma delas. Selva!

Selva, leitores! Esse, afinal, é o Brasil que herdamos das urnas em 2018. Na selva, será mais complicado do que se imagina fazer as reformas de que o Brasil necessita, mais difícil será crescer em ritmo suficiente para reduzir rapidamente o desemprego. Mas, isso não importa. O que importa é observar de perto os protagonistas do reality show Survivor com tonalidades unicamente tupiniquins.

*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


Fernando Gabeira: O vento no laranjal

Uma pena, porque os temas básicos precisam ir adiante: reforma da Previdência, combate ao crime organizado

Saio do Brasil por uma semana para visitar minha filha em Portugal. Mas saio apreensivo. Coração na mão. Houve uma série de tragédias neste início de ano. Há muitas coisas pendentes desses desastres. Como se não bastasse essa sensação de casa velha caindo que o Brasil nos transmite hoje, há ainda uma crise política, provocada pelo próprio governo.

Uma pena, porque os temas básicos precisam ir adiante: reforma da Previdência, combate ao crime organizado. Os liberais levaram um chega pra lá no caso do leite. O governo manteve restrições ao leite da Europa e Nova Zelândia. Falando de subsídios, a ministra da Agricultura afirmou: o desmame não pode ser radical. No mundo biológico, o desmame tem um momento de acontecer. Se deixar apenas pelo gosto de algumas crianças, a coisa vai longe.

O plano de Sergio Moro é voltado para mudar as leis, adaptá-las ao combate ao crime. Se forem aplicadas com seriedade, vão levar mais presos às cadeias? O que faremos com elas?

A última das minhas escolhas em política é falar de intrigas palacianas e familiares. Mesmo para contestar o ministro do Meio Ambiente, no caso do Chico Mendes, hesitei um pouco. Tenho vontade de deixar tudo isso pra lá, seguir focado no que importa.

É tudo tão subversivo para minha concepção de política que me sinto um pouco espécie em extinção. No mundo que se foi, presidentes reuniam-se com ministros, acertavam sua demissão e, em alguns casos, trocavam cartas diplomáticas de agradecimento etc.

Hoje, são demitidos pelo Twitter. Não é novo. Trump costuma usar esse método. Mas esse estilo de fazer política representa mesmo um avanço?

No caso de Bolsonaro, há um dado delicado. Ele divulgou uma gravação telefônica com um ministro. Presidentes não punem primeiro nas redes sociais . Nem costumam divulgar suas falas.

É um cochilo em termos de segurança nacional. Mas é, sobretudo, uma falta de consideração. Se houvesse alguma coisa a ser resolvida, deveria ter sido pessoalmente. Sem humilhações públicas.

O poder, isso é um lugar-comum, revela muito as pessoas. Sobretudo no princípio de governo, quando ainda estão embaladas pelo voto popular e ainda não sofreram o desgaste das limitações reais.

A tendência é um excesso de autoconfiança. Mesmo entre os generais, que são uma força moderadora e mais tranquila, às vezes surgem surpresas.

Na minha concepção política, os governos, de um modo geral, ao saber que serão criticados, apenas preparam-se para a defesa, que será proporcional às críticas e suas repercussões.

O governo brasileiro resolveu se antecipar às potenciais críticas que sofreria de bispos de esquerda num sínodo sobre a Amazônia. Nesse movimento, ele trouxe as atenções para as críticas que podem sair daí. O sínodo ainda não aconteceu. Dizem que o celibato dos padres será um dos temas. Por que não esperar que aconteça e reagir de acordo com os fatos reais?

Enfim, é tudo tão perturbador para uma visão mais clássica. Governos minimizam críticas, não criam um palco planetário para elas.

Um dado novo também é a importância dos filhos de Bolsonaro nas crises políticas.

Como um sobrevivente do século XX, impossível não levar em conta a intensidade da relação pai e filho. Não usaria jamais a frase redutora: “Freud explica”. Arriscaria apenas dizer que ele fornece algumas pistas.

O que me parece fato neste momento é a intensidade emocional deste governo, as rivalidades, as tramas, os ciúmes. A experiência mostra que existe um antídoto para as veleidades pessoais: é a existência de um projeto comum, algo que nos transcenda.

A retirada do Brasil desta crise, as necessárias reformas, tudo isso deveria falar mais alto. Mas não fala. A própria insegurança estrutural pela ausência de uma cultura de precaução só aparece nas primeiras semanas pós-desastre.

Quando este governo se instalou, dispus-me a ficar atento e, se necessário, fazer uma crítica construtiva. Mas esse projeto se esvaziou um pouco. Daí minha apreensão. Será preciso, em primeiro lugar, libertá-lo dessa tendência autodestrutiva.

Tratem-se bem, cuidem uns dos outros, vivemos num país quase em ruínas. Isso é o pressuposto para trabalhar com a sociedade, levá-la para as mudanças que deseja.

Deixem, pelo menos, a oposição trabalhar.


Alon Feuerwerker: Exigir que o poder mande os mais fiéis para a degola a troco de nada é um passaporte para a desgraça

As escaramuças (por enquanto são só isso) em torno do presidente da República (e com a participação dele) têm sido retratadas como disputa entre um núcleo fundamentalista imaturo e outros núcleos maduros e, portanto, carregados de razão.

O primeiro reuniria antes de tudo os filhos, em primeiro lugar o do meio. Na periferia, alguns ministros da esfera de influência do chamado olavismo. Já os segundos congregariam a equipe econômica e os militares.

Desconfie das simplificações. Elas são como a Física do ensino médio: úteis para fins didáticos mas inúteis quando precisam explicar o fenômeno na essência. Dizer que “o problema de Jair Bolsonaro são os filhos” explica tudo e ao mesmo tempo não explica nada.

Duvida? Faça o teste. Tente responder a esta pergunta que deriva da afirmação acima: “Se o presidente precisar afastar do entorno os filhos, especialmente Carlos, com quem exatamente poderá contar?”

Hoje em dia, a lista mais comprida da área que reúne a Praça dos Três Poderes e a Esplanada dos Ministérios é a de candidatos a tutelar o presidente da República. É consequência, esperada, do projeto “vamos eleger o Bolsonaro para derrotar o PT e depois a gente vê o que faz”.

O então candidato do PSL aceitou jogar esse jogo, cuidando de reduzir a incerteza na política econômica. Mas nunca deu qualquer sinal de que, no poder, faria um governo de paulos guedes.

Presidentes muito fracos são levados a engolir a tutela, e isso não costuma ser suficiente. Fernando Collor, acuado, montou um ministério dito ético, vertebrado pelo PFL, e mesmo assim caiu. Dilma Rousseff entregou a articulação política a Michel Temer, e o resultado é sabido.

Nos dois casos, o que era para ser ampliação da base de governo acabou virando o centro ou parte da conspiração para derrubar o governo. Bolsonaro tem muitos defeitos, mas não nasceu ontem.

Há exceções? Uma que confirma a regra foi Itamar Franco. No começo achou que governaria. Foi trucidado pela imprensa do Sudeste (nessas horas Minas Gerais não faz parte do Sudeste). Teve de entregar a presidência de fato ao ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.

Só sobreviveu porque abriu mão de qualquer poder, ou perspectiva de poder imediato. Caiu sem cair, esperando voltar em quatro anos. Mas FHC aprovou a reeleição e deixou Itamar na mão.

Bolsonaro, ao contrário de Collor, Dilma e Itamar, não está fraco. O núcleo da sua base social continua mobilizado pela agenda maximalista de endurecimento penal, valores conservadores e alinhamento com Donald Trump.

E o empresariado só quer saber da reforma da previdência, remédio do momento para curar a economia atacada pela estagnação. E na hora “h” o mercado vai apertar o torniquete no pescoço do Congresso até este entregar a mercadoria.

O que pode dar errado? Alguém das internas reunir massa crítica e começar a drenar poder. O vice dá seus passinhos mas, notem, Bolsonaro nunca passa recibo. O vice tem estabilidade no emprego.

Então, a bazuca presidencial volta-se contra quem ensaia apresentar-se como moderado, confiável e racional. É por aí que o poder começa a cortar cabeças. O que fica mais fácil quando o alvo potencial comete um erro.

E o erro número zero em palácio é o sujeito achar que há espaço para fazer uma política própria diferente da do chefe. Ainda mais quando o chefe está forte e cercado por fiéis.

Exigir que o poder mande os mais fiéis para a degola a troco de nada é um passaporte para a desgraça.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 

 


O Estado de S. Paulo: ‘Quando acabar vou dar satisfações’, diz Bebianno

Ministro tem avisado que não cai sozinho – uma referência a Carlos Bolsonaro – e reclama de tratamento desigual

Julia Lindner e Anne Warth, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, disse neste sábado, 16, que “quando acabar” sua participação no governo, “se sentir vontade”, vai “dar satisfações”. A frase foi dita em resposta ao ser questionado sobre seu desafeto, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.

O ministro, que deve ser demitido nesta segunda-feira, 18, passou o dia num hotel de Brasília. Bebianno não recebeu visitas ao longo do dia, mas, em conversas com pessoas próximas, deixou claras a frustração e a mágoa com Carlos Bolsonaro. O ministro desabafou que considerou uma covardia o fato de Jair Bolsonaro não ter tido coragem para demiti-lo e considerou inaceitável assumir um cargo em Itaipu, apesar do salário três vezes maior – pouco mais de R$ 1 milhão por ano. A amigos disse que não veio para o governo para ganhar dinheiro e que será leal até o último minuto em que permanecer ministro.

Nas conversas, Bebianno tem avisado que não cai sozinho, pois tanto a ala política, quanto a ala militar do governo, estão decididas a afastar Carlos da Presidência. Nos últimos dias o vereador tem sido mais comedidos nas redes sociais, compartilhando mensagens institucionais do governo e assuntos do Rio, como a venda da bebida em blocos de carnaval.

O ministro soube de parte das informações sobre sua demissão pela imprensa, na noite de sexta, o que o deixou chateado. Na madrugada deste sábado, publicou nas redes sociais um texto sobre lealdade e amizade. A jornalistas, afirmou que compartilhou porque “teve vontade” e que foi algo “conceitual”.

Também na fala à imprensa questionou o tratamento “diferenciado” em relação ao ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. No início do mês, Álvaro Antônio também foi alvo de suspeitas sobre o uso de candidaturas laranjas em Minas Gerais em 2018. Na época, o ministro do Turismo era presidente do Diretório Estadual. Ele foi mantido no cargo.

“Minha consciência está tranquila. Trata-se de bom senso, trata-se da lei, trata-se do estatuto do partido. Tanto é assim que, no caso do Marcelo Álvaro Antônio, por que eu não sou culpado, então?”, questionou, pois, segundo ele, os dois casos são semelhantes e só em um o culpam. Álvaro Antônio era presidente do PSL em Minas, no ano passado. No caso de Pernambuco, o presidente do diretório era o hoje deputado Luciano Bivar.

Em seguida, questionado por que estaria recebendo um tratamento diferente do ministro do Turismo, que permaneceu no cargo, Bebianno disse que não sabe. “Não sou eu que dispenso o tratamento, eu estou recebendo o tratamento com perplexidade. Quem dispensa o tratamento é que tem que explicar os seus motivos.”

Para ele, não há razão para ligá-lo ao caso de Pernambuco. “Não tem nada a ver comigo, isso é a lei, o estatuto do partido, é o bom senso. Como alguém na nacional pode controlar o que acontece no Acre, em Rondônia?” Bebianno disse que não fez “nada de errado” e está com a consciência “absolutamente tranquila e limpa”. / COLABOROU VERA ROSA


O Globo: Em 500 tuítes, o que pensa Carlos Bolsonaro

Levantamento feito em perfil de filho do presidente mostra que 72,2% do que ele escreve são ataques; elogios representam somente 8,8%, e citações a atos do governo, 8,4%

Por Igor Mello e Juliana Castro, de O Globo

RIO — Filho mais próximo do presidente Jair Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro deflagrou a primeira crise no coração do Palácio do Planalto ao usar o Twitter para atacar Gustavo Bebianno, ministro da Secretaria-Geral da Presidência. O comportamento, porém, não é exceção. O “pitbull” da família usa a rede social como uma metralhadora giratória.E não é repreendido pelo presidente por isso.

O GLOBO analisou 500 tuítes feitos por Carlos entre 15 de dezembro e 15 de fevereiro e constatou que 72,2% das postagens feitas pelo parlamentar são ataques. O alvo preferencial é a imprensa, mas também sobram bordoadas para a esquerda e até mesmo para aliados, como Bebianno.

Das 500 postagens — que incluem também publicações de outras pessoas compartilhadas por ele — 211 (ou 42,4%) criticam a cobertura da imprensa sobre o governo Bolsonaro. Ataques à esquerda (19,8%), a aliados (5,2%) e outros (4,8%) completam a lista.

Outro alvo preferencial de Carlos é a esquerda. Chamados de “bandidos”, “retardados” e “idiotas”, os opositores são ligados frequentemente à corrupção e ao atentado praticando contra Jair Bolsonaro por Adélio Bispo de Oliveira, em setembro. O maior alvo é o PSOL, mencionado por ele 21 vezes no período — o PSL, partido da família, só mereceu três citações.

Embora os ataques predominem, sobra espaço na rede social para que Carlos divulgue conteúdo institucional do governo ou elogie aliados. Os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente), Damares Alves (Direitos Humanos) e Santos Cruz (Governo) são alvos de menções elogiosas, assim como o guru da direita Olavo de Carvalho. Ele, aliás, provocou um dos poucos momentos de descontração de Carlos no período. O vereador postou uma foto ao lado de seu cachorro poodle na frente do computador, onde assistia uma das aulas de Carvalho.

 

Flávio esquecido
As interações com o perfil do pai e do irmão mais novo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), são frequentes — além de citá-los, o vereador costuma reproduzir seus tuítes em seu próprio perfil. Porém, o irmão mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), fica de fora de suas manifestações no período analisado.

Mesmo vendo o irmão em meio às denúncias envolvendo o ex-assessor Fabrício Queiroz e tendo suspeitas sobre sua movimentação bancária, Carlos Bolsonaro não fez nenhuma defesa de Flávio nos últimos dois meses. A única menção a ele foi lateral: o vereador compartilhou um vídeo no qual Eduardo bate boca com petistas que cobravam investigações contra Flávio no plenário da Câmara.

Carlos e Flávio cultivam rusgas desde 2016, quando o irmão mais velho teve um mal-estar durante um debate à Prefeitura do Rio e decidiu agradecer à rival Jandira Feghali (PCdoB), que o socorreu, por meio de uma nota oficial. A atitude foi motivo de críticas de Carlos e do pai.

Os dois travaram um novo round no ano passado, quando disputaram quem seria o candidato da família ao Senado. Após perder a disputa, Carlos desistiu de tentar outro cargo.

O GLOBO procurou Carlos para comentar os dados do levantamento, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.


O Estado de S. Paulo: Clã Bolsonaro negocia migrar para nova UDN

Filhos do presidente articulam deixar PSL e ingressar em sigla em formação que pretende reeditar antiga União Democrática Nacional, símbolo da centro-direita no País

Marcelo Godoy e Pedro Venceslau, de O Estado de S.Paulo

Com o PSL em crise e sob suspeita de desviar verba pública por meio de candidaturas “laranjas” nas eleições de 2018, os filhos do presidente Jair Bolsonaro (PSL) negociam migrar para um novo partido, que está em fase final de criação. Trata-se da reedição da antiga UDN (União Democrática Nacional).

Segundo três fontes ouvidas pela reportagem em caráter reservado, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) se reuniu na semana passada em Brasília com dirigentes da sigla para tratar do assunto. Ele tem urgência em levar adiante o projeto. Eleito com 1,8 milhão de votos, Eduardo teria o apoio de seu irmão, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). Com esse movimento, a família Bolsonaro buscaria preservar seu capital eleitoral diante do desgaste do partido.

Enquanto ainda estava internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, Jair Bolsonaro acionou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, para que determinasse investigações sobre o caso.

As suspeitas atingiram o presidente da legenda, deputado federal Luciano Bivar (PSL-PE), e foram pano de fundo da crise envolvendo o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno, que foi chamado de mentiroso por Carlos Bolsonaro depois de afirmar que tratara com o pai sobre o tema. Após cinco dias de crise, Bebianno deve ser exonerado do cargo nesta segunda-feira, 18, por Bolsonaro.

Além de afastar a família dos problemas do PSL, a nova sigla realizaria o projeto político de aglutinar lideranças da direita nacional identificadas com o liberalismo econômico e com a pauta nacionalista e conservadora, defendida pelo clã Bolsonaro.

No começo do mês, Eduardo foi ungido por Steve Bannon, ex-assessor do presidente americano Donald Trump, como o representante na América do Sul do The Movement, grupo que reúne lideranças nacionalistas antiglobalização.

O projeto do novo partido é tratado com discrição no entorno do presidente. Em 2018, a UDN foi um dos partidos – embora ainda em formação e sem registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – sondados por interlocutores do presidente para que ele disputasse a eleição, mas a articulação não avançou. Depois de anunciar a adesão ao Patriota, Jair Bolsonaro acabou escolhendo o PSL.

Assinaturas. A nova UDN é um dos 75 partidos em fase de criação, conforme o TSE. Segundo seu dirigente, o capixaba Marcus Alves de Souza, apoiadores já reuniram 380 mil assinaturas – são necessárias 497 mil para a homologação da legenda. O partido já tem CNPJ e diretórios em nove Estados, como exige a legislação eleitoral para a homologação. Ela tem em Brasília um de seus principais articuladores, o advogado Marco Vicenzo, que lidera o Movimento Direita Unida e coordena contatos com parlamentares interessados em aderir ao novo partido. A articulação envolveria ainda o senador Major Olímpio (PSL-SP), que nega.

Souza prefere não comentar as tratativas do partido que estão em curso. Ele, porém, admitiu que a intenção é criar o maior partido de direita do País. Como se trata de uma sigla nova, a legislação permite a migração de políticos sem que eles corram o risco de perder seus mandatos. “O único partido que tem o DNA da direita é a UDN. A gente não pode ter medo de crescer, mas com responsabilidade”, afirmou.

Souza deixou o Espírito Santo, onde atuou na Secretaria da Casa Civil do ex-governador Paulo Hartung, e mudou-se para São Paulo para concluir a criação da nova UDN, que adotou o mesmo mote de sua versão antiga: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. “Nosso sonho é que a UDN renasça grande e se torne o maior partido do Congresso”, afirmou seu presidente. Ele disse ainda que a legenda pretende apoiar o governo Bolsonaro e está aberta “para receber pessoas sérias do PSL e de qualquer partido”.

Palácio. Procurada pelo Estado, a assessoria do Palácio do Planalto informou que não ia se manifestar sobre o assunto. A reportagem procurou ainda as assessorias do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), do deputado Eduardo Bolsonaro e do vereador Carlos Bolsonaro, mas nenhuma delas se manifestou.

Bivar, presidente da legenda, também foi procurado, mas não respondeu ao Estado.

‘Sigla tem forte apelo popular’, diz historiador

Em processo de homologação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a UDN, sigla que pode abrigar o clã Bolsonaro, foi inspirada no partido que nasceu em 1945 para aglutinar as forças que se opunham à ditadura de Getúlio Vargas.

Com o discurso de moralização da política e contra corrupção, a frente unia originalmente desde a Esquerda Democrática – que romperia um ano depois com a sigla e fundaria o Partido Socialista Brasileiro – a antigos aliados de Vargas, como o general Juarez Távora e o ex-governador gaúcho Flores da Cunha, rompidos com o ditador.

Em 1960, o partido apoiou a eleição de Jânio Quadros, eleito presidente, e, em 1964 , a deposição do governo de João Goulart. “O PSL é um partido de aluguel, já a UDN tem um apelo histórico e popular. Os Bolsonaros podem usar isso”, disse o historiado Daniel Aarão Reis, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Líderes. Ele lembra que a antiga UDN, embora “muito ideologizada”, tinha um perfil heterogêneo. O mesmo pode acontecer com a nova versão do partido. Enquanto a versão original da UDN tinha líderes como o brigadeiro Eduardo Gomes, o jurista Afonso Arinos e os ex-governadores Carlos Lacerda (Guanabara), Juracy Magalhães (Bahia) e Magalhães Pinto (Minas), a nova legenda tem potencial para atrair lideranças do DEM ao PSDB, passando pelo MBL.

Entre os políticos que são vistos como “sonho de consumo” da UDN em 2019 está o governador de São Paulo, João Doria, que descarta a ideia de deixar o PSDB.


João Domingos: A crise no ar

Por enquanto, fica a impressão de que os militares fazem pressão para que Bebianno fique

A demora do presidente Jair Bolsonaro em tomar uma decisão sobre o afastamento ou não do advogado Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência não contribui em nada para debelar a maior crise política de seus 45 dias de administração.

Enquanto Bolsonaro pensa no que fazer, prevalecerá a impressão de que o grupo de militares que atua no governo trabalha para que não se mexa com o ministro. Ou, então, que Bebianno sabe de coisas demais e que há risco de, na saída, sair atirando. Corre no governo a informação de que os militares preferiram ficar ao lado do ministro, que disse ter falado com o presidente quando este ainda estava no Hospital Albert Einstein, mas foi desmentido pela rede social por um dos filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). O desmentido foi corroborado pelo pai um pouco depois.

A melhor solução para esse caso seria o afastamento imediato do ministro Bebianno. Se não em definitivo, pelo menos temporariamente, até que tudo seja esclarecido. Afinal, existe a suspeita de que o PSL, partido do presidente, usou candidatos laranja para a distribuição do dinheiro do Fundo Eleitoral. Por determinação de Bolsonaro, o ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro, terá de cuidar da apuração do caso. Durante a campanha Bebianno presidiu interinamente o PSL. Foi ele o responsável por levar todo o grupo de Bolsonaro para o partido. Chefiou ainda a equipe de juristas e cuidou do caixa.

Quanto ao afastamento de Carlos Bolsonaro da possibilidade de dar pitacos nas questões de governo, decidida pelo pai, esse é um ato que se faz necessário de fato. O eleitor votou em Jair Bolsonaro para presidente da República. Não num mandato colegiado, que inclui também os filhos. Quem gosta de mandato coletivo é o PSOL. Em alguns locais, em Pernambuco e em São Paulo, por exemplo, o eleitor votou num candidato e levou cinco.

Voltando à crise política, ela veio forte porque envolveu de novo um filho do presidente em questões de governo, o próprio presidente, que deu apoio a Carlos, e o chefe da campanha vitoriosa, tornado ministro. Tudo isso, nas vésperas do anúncio do conteúdo do projeto de reforma da Previdência, a mais esperada e mais comentada reforma a ser feita pelo governo, um assunto sensível e de aprovação difícil. Ainda mais sabendo-se que o governo não teve competência para montar uma equipe de articuladores políticos que consiga garantir uma base de sustentação forte no Congresso.

Como admitiu o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), o governo não tem os 308 votos na Câmara e os 49 no Senado para aprovar a reforma da Previdência. Para construir a governabilidade, disse Waldir, sem nenhuma cerimônia, terá de oferecer cargos no governo aos partidos, e dar garantias de que vai liberar o dinheiro das emendas parlamentares ao Orçamento da União.

Pelo que se vê, a maçaroca para Bolsonaro desenrolar é grande. Vai do envolvimento de familiares nas questões de governo, na falta de uma solução para o ministro Gustavo Bebianno, e na confissão, pelo líder do partido do governo, de que o jeito será recorrer aos costumes da velha política, de construção de uma base governista sustentada no “toma lá, dá cá” que o presidente tanto combateu durante a campanha.

Fazer o quê? Como disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao analisar esse momento da vida política brasileira: “Inicio de governo é desordenado. O atual está abusando. Não dá para familiares porem lenha na fogueira. Problemas sempre há, de sobra. O presidente, a família, os amigos e aliados que os atenuem, sem soprar nas brasas. O fogo depois atinge a todos, afeta o País. É tudo a evitar.” Taí um conselho que, mesmo detestando Fernando Henrique como detesta, Bolsonaro deveria seguir.