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Hélio Schwartsman: Moro se apequena

Desnomeação de Ilona Szabó mostra que ministro não tem plenos poderes para lutar contra a corrupção

O episódio da desnomeação de Ilona Szabó para uma vaga de suplente no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) apequena a biografia do ministro Sergio Moro e engrandece a estultícia do núcleo duro do governo. Comecemos pela última parte.

Não se questionam as credenciais de Szabó para participar do Conselho. Ela atua há 15 anos como especialista em segurança pública, tem título acadêmico na área por instituição estrangeira de renome (Universidade de Uppsala) e goza de prestígio entre os pares. É verdade que ela se opõe à política do governo de flexibilizar a posse e o porte de armas, mas essa é uma posição quase consensual entre os acadêmicos.

Quando as redes sociais do bolsonarismo, capitaneadas pela incansável prole presidencial, “vetam” o nome de Szabó, revelam uma ignorância abissal em relação ao que sejam conselhos. Se o objetivo é consolidar certezas que governantes já têm, nem seria preciso dar-se ao trabalho de criar esses órgãos.

Eles só existem porque o dirigente sensato sabe que pode estar errado e procura precaver-se contra seus próprios vieses ouvindo opiniões qualificadas dissonantes da sua. Idealmente, para tentar contornar o viés de confirmação, conselhos deveriam reunir mais vozes identificadas com a oposição do que com a situação.

Quanto a Moro, ao ceder à pressão das hostes duras do bolsonarismo, revela que está longe de ser o ministro que teria plenos poderes para acabar com a corrupção. Até entendo que ele não tenha ido como um pitbull para cima de Flávio Bolsonaro logo na primeira semana de governo. Também acho razoável que tenha fatiado seu pacote de medidas legislativas. Política, afinal, se faz com negociações.

Mas, quando ele não consegue nem nomear o suplente de um conselho relativamente obscuro, é sinal de que a independência, se um dia existiu, já foi embora. Talvez seja hora de sair também, para preservar a biografia.


José Márcio Camargo: Um difícil começo

A desarticulação do governo ficou patente recentemente; risco de a Nova Previdência fracassar não é desprezível

Os primeiros dois meses do governo Bolsonaro foram particularmente difíceis. Além das dificuldades naturais de um início de governo, o presidente ficou quase 20 dias internado no hospital e foi submetido a uma nova cirurgia, a quarta em menos de seis meses.

Antes mesmo de receber alta, Jair Bolsonaro se indispôs publicamente com um de seus mais próximos aliados, um aliado de primeira hora, que comandou a campanha eleitoral e era considerado um dos pilares do governo. Os ríspidos diálogos por meio das redes sociais mostraram um presidente claramente nervoso e com pouco controle emocional.

Sem dúvida, pelo menos em parte, este comportamento está ligado aos efeitos de quatro anestesias gerais em menos de seis meses, ao longo período de internação hospitalar, além do nervosismo próprio de um início de mandato. De qualquer forma, o episódio levanta preocupação quanto ao futuro.

A eleição para a presidência da Câmara dos Deputados consagrou a liderança de Rodrigo Maia (DEM-RJ), reeleito em primeiro turno com mais de 300 votos, ao mesmo tempo que uma batalha sangrenta se desenrolava na eleição para a presidência do Senado. Ali, no final, o candidato apoiado pelo governo, Davi Alcolumbre (DEM-AP), surpreendeu e venceu o experiente senador Renan Calheiros (MDB-AL), fortalecendo seu “padrinho”, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, credenciando-o para assumir a articulação política do governo.

A batalha deixou feridas, que terão de ser curadas. A nomeação do senador Fernando Coelho (MDB-PE) para a liderança do governo no Senado é parte deste processo. Mas o importante é que as presidências das duas Casas Legislativas foram ocupadas por apoiadores incondicionais das reformas.

Ao receber alta, o presidente levou pessoalmente ao Congresso a proposta da Nova Previdência, um gesto que mostra a importância por ele dada ao projeto e respeito pelo Legislativo. Entretanto, após este gesto, o governo tem sido pouco ativo na divulgação e na defesa da proposta, tanto na mídia tradicional quanto nas redes sociais, levantando dúvidas quanto ao real compromisso do presidente.

Ao mesmo tempo, o processo de formação da base parlamentar está lento e desorganizado. A definição das lideranças somente agora começa a ganhar corpo e as comissões demoram para serem formadas, paralisando o trabalho do Poder Legislativo.

A desarticulação ficou patente em duas votações recentes: a aprovação de um decreto legislativo cancelando o decreto assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão que aumentava o número de funcionários públicos com permissão para declarar sigilo de documentos oficiais, uma fragorosa derrota; e, ao contrário, uma importante vitória do governo na rejeição dos destaques ao projeto de lei que criou o cadastro positivo, que estava para ser votado desde maio de 2018 e cuja rejeição era uma demanda da equipe econômica.

A vitória mostra que o governo já tem parte importante dos votos para aprovar a Nova Previdência. A derrota mostra que, sem organização, o risco de fracasso não é desprezível.

A proposta da Nova Previdência é abrangente, elimina privilégios e terá de passar pelas comissões e pelo plenário. Irá enfrentar forte resistência e ataques das corporações que hoje se beneficiam desses privilégios, à custa do restante da população. O apoio dos presidentes da Câmara e do Senado (que já foi conseguido), uma base de apoio forte, organizada e combatente no Congresso (que precisa ser criada) e o envolvimento direto do presidente da República (que precisa ser confirmado) são condições indispensáveis para que seja possível enfrentar e vencer este desafio. E, sem a Nova Previdência, não há futuro.

* Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista da Genial Investimentos


Fausto Macedo: A carta não era tão branca assim?

Acumulam-se ocorrências que vão derrubando inapelavelmente alguns projetos dos sonhos de Moro

Em meio à instabilidade de um governo em ziguezague, a carta publicamente outorgada a Sérgio Moro já não é tão branca como o próprio Bolsonaro, ainda em novembro, anunciou, feito o convite ao então meritíssimo da Lava Jato. Nas últimas semanas, acumulam-se ocorrências que mostram um governo frágil, à mercê das bases e da velha política dominante no Congresso - e que vão derrubando inapelavelmente alguns projetos dos sonhos de Moro.

Já no início do governo, o primeiro revés de Moro foi o decreto que flexibiliza a posse de armas de fogo. O texto levado à Câmara atropelou sete restrições do ministro, que ficou chateado, sim, mas aparentemente relevou.

Depois, o emblemático episódio da criminalização do caixa 2, tão cara ao ex-juiz que, em sua época de toga, tocava o terror nos partidos e enquadrava políticos por corrupção e lavagem de dinheiro, infração eleitoral que nada.

Ao fatiar o pacote anticrime, que altera 14 leis de uma só vez, Moro disse que se tratava de uma "estratégia" para a tramitação do projeto e que o governo foi "sensível" às reclamações "razoáveis" de parlamentares de que o delito é menos grave que o crime organizado violento.

"Caixa 2 não é corrupção. Existe o crime de corrupção e o crime de caixa 2. Os dois crimes são graves", rendeu-se o ministro.

Esta semana, experimentou novo dissabor, por assim dizer, quando se viu instado a recuar do convite à Ilona Szabó, que dirige o Instituto Igarapé, para assumir uma suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

As bases, sim, de novo elas!, insurgiram-se contra a preferida do ministro e a cientista política foi desconvidada, como mostrou a entrevista de João Gabriel de Lima.

A interlocutores, Moro avalia que Bolsonaro pode ter se aborrecido com a reação dos eleitores e pediu a ele que revisse a convocação de Ilona. O ministro, claro, acatou.

Lembra-se, leitor? O mesmo Bolsonaro, lá atrás, na empolgação da vitória recém-conquistada nas urnas, declarou após o "sim" de Moro que entrou para a história. "Foi decisão difícil, ele vai abrir mão da carreira dele. É um soldado que está indo para a guerra sem medo de morrer", disse.

Todos esses impasses em série parecem conduzir o ex-magistrado a um beco sem saída. Habituado a longos embates no ringue da Justiça, onde atuou por longos 22 anos, mas ainda tateando no mundo insidioso da política, Moro deve abrir os olhos.

Cuidado com o fogo amigo!


Murillo de Aragão: Desvendando o enigma Brasil

A questão da imagem do nosso país no mundo deve ser abordada de forma estratégica

A eleição de Jair Bolsonaro e a extensa agenda de reformas e oportunidades econômicas no Brasil fazem crescer o interesse internacional pelo País. Investidores querem saber se o ambiente de investimentos vai ser melhor e se a reforma da Previdência Social vai passar, entre outras perguntas. Porém muitas delas revelam desinformação sobre o que o Brasil fez e comprovam que ainda somos um enigma para a maioria no exterior. Faltam informações sobre o que já foi feito no nosso país em termos de reformas.

Fica claro para mim que o Brasil, mesmo sendo a oitava economia do mundo e um dos principais parceiros dos Estados Unidos, da China e da Europa, é um país de nicho. Ou seja, as pessoas olham o Brasil por motivações muito específicas. Impressiona quanto o nosso país não é percebido, com seus problemas, oportunidades e vantagens, de forma precisa.

A chave da desinformação está nas percepções sobre a região. Parte da opinião pública internacional acha que a América do Sul não está inserida nos atuais problemas da humanidade. Sem grandes conflitos globais, ficamos numa região periférica para o fluxo de informações no mundo e, também, para o debate geopolítico ora em curso. Mas dadas as circunstâncias atuais, tanto o ambiente econômico do Brasil quanto a configuração geopolítica do mundo podem favorecer muito o nosso país. Cada vez mais seremos estratégicos na produção de alimentos e de energia, entre outros aspectos essenciais para a humanidade.

A imensa maioria nada sabe sobre o País ou se informa apenas pelo noticiário, que quase sempre é negativo. Na linha tradicional de que good news are bad news. Basicamente porque o Brasil quase nada faz para divulgar – de forma consistente – o que se passa aqui. Não temos uma estratégia de contato com formadores de opinião internacionais nem damos o devido valor à criação de uma rede de informações sobre o País. Países como a China e a Rússia, por exemplo, têm estruturas permanentes de divulgação sobre o ambiente de investimentos em seu território.

Boa parte da divulgação positiva sobre o Brasil é feita pelas autoridades econômicas, pelas empresas e pelo sistema financeiro, que divulgam o País para públicos específicos. Por isso somos destinação preferencial para investimentos diretos e movimentamos expressivo fluxo para nossos mercados de capitais. No entanto, para outros públicos, mesmo na esfera de investimentos diretos potenciais, as percepções sobre o Brasil são muito embaçadas.

A culpa da desinformação é toda nossa e de nosso olhar sobre nós mesmos. Somos um país egocêntrico, cujos problemas são produzidos localmente e com muito esmero. Mantemos, ainda, uma relação esquizofrênica: ora somos os maiores do mundo em algumas coisas, ora somos a lata de lixo da humanidade. Faltam-nos equilíbrio e isenção ao tratarmos de nós mesmos.

Paradoxalmente, quem se dedica a entender o que acontece no Brasil consegue fazer um juízo de valor mais correto sobre o País. Com mais precisão e menos preconceito, podem se analisar os aspectos positivos e negativos. Daí o relevante fluxo de investimentos, mesmo com parte expressiva da mídia nacional e internacional jogando contra a imagem do Brasil.

Em 2017 fomos – empatados com a Austrália – o quinto destino do mundo para investimentos diretos estrangeiros. Podemos ter muito mais. Nosso potencial está longe de ser totalmente explorado. Em tempos de questionamentos em torno da globalização, o Brasil é um dos mercados mais atraentes do mundo por ter população, unidade cultural, vocação para o consumo e necessidade de investimentos em infraestrutura. Podemos ampliar o sistema financeiro como novos players. As oportunidades são imensas.

Nos últimos dois anos, o governo da União e o Congresso Nacional aprovaram reformas absolutamente estratégicas no campo econômico. Regras eleitorais foram aperfeiçoadas pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal, resultando num processo eleitoral admirável. Poucos países do mundo fizeram reformas trabalhistas recentemente. Reformamos os setores de óleo e gás. Estamos impulsionando um ambicioso programa de parceiras de investimento. Entretanto, nem a Operação Lava Jato, nem a agenda de reformas mereceram a devida divulgação quanto aos seus efeitos estruturantes no Brasil.

Devemos entender o nosso privilegiado lugar no mundo, hoje. Pela primeira vez em décadas temos um governo livre das amarras ideológicas que favoreceram arranjos e esquemas de privilégio, que, no fim das contas, não promoveram o bem-estar geral nem o desenvolvimento consistente do nosso país. Estamos reformando nosso capitalismo em bases de maior competitividade e transparência. Ao lado do que já foi feito, temos um ciclo de reformas estruturantes em curso. As oportunidades que se apresentam são excepcionais. E uma boa comunicação com o mundo exterior será essencial para aproveitá-las.

Assim, além do aprofundamento do processo de reformas, temos de desvendar o enigma Brasil para investidores e visitantes. E se não soubermos contar nossa história, alguém a contará por nós, e quase sempre de maneira negativa. Para tal, a questão da imagem do País deve ser abordada de forma estratégica. Sem esconder nossos problemas. Mas mostrando a realidade de nossos avanços.

Contrapondo, sobretudo, à campanha que muitos – dentro e fora de instituições oficiais – fizeram para denegrir o Brasil por motivos políticos. Essa não é apenas uma missão de governo. É uma missão de toda a sociedade. E deve envolver esferas do poder público e da sociedade civil. Apesar dos pesares, devemos ter orgulho de termos promovido importante avanços econômicos e institucionais nos últimos anos. E o mundo deve saber mais e melhor sobre nós.

*Advogado, consultor, mestre em ciência política, doutor em sociologia pela UNB, é professor da Columbia University (Nova York)


César Felício: A reforma será permanente

Se o cenário se complicar, convém estudar Portugal

Qualquer reforma da Previdência que permita uma economia acima de R$ 500 bilhões em dez anos já será bem vinda para muitos agentes do mercado. Os desenredos de Jair Bolsonaro em sua confusa coordenação política impactam pouco as expectativas porque o nível de exigência foi significativamente rebaixado. A experiência vivida no governo Temer trouxe ensinamentos.

O consenso que se pode obter no Congresso para a aprovação da reforma é limitado, incompatível com a sustentabilidade do sistema a longo prazo. Daí porque é considerado estratégico se conseguir a desconstitucionalização geral que está embutida na proposta do governo, com a remissão de diversos itens para a definição por projetos de lei complementar, com quórum significativamente mais baixo, como observou anteontem Ribamar Oliveira em coluna neste jornal.

A reforma da Previdência estará permanentemente na pauta. Será tema todos os anos, para todos os governos e todos os legisladores. A desconstitucionalização pereniza a aposentadoria como tema de debate, independentemente do nível de incerteza que isso trará para todos os segurados. Do ponto de vista político, seria um extraordinário triunfo do poder Executivo, já que não é necessário demonstrar como é mais fácil se obter maioria absoluta do que o quórum constitucional. Em relação ao Congresso, o Legislativo estaria cedendo em uma prerrogativa: a de ter maior controle sobre a modulação do texto da Carta.

Face a isto, qual a importância de uma reforma do sistema previdenciário que pode ficar comprometida quando for introduzida a norma da capitalização, e os benefícios de quem está dentro da repartição perderem sustentação atuarial? Os problemas vão sendo vividos dia a dia. Como na famosa frase atribuída ao ex-vice-presidente Marco Maciel, as consequências vêm depois. O importante é que Bolsonaro concretize o primeiro passo, e ambiente para isso existe.

A estratégia bolsonarista é diferente do que previa a linha de ação da vertente do mercado representada, por exemplo, pelo grupo reunido pelo ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga, que propunha um sistema de repartição mais duro, com menor margem de negociação, bastante centrada em se obter um grande resultado fiscal, convivendo com uma regra de capitalização mitigada, válida para quem nasceu a partir de 2014. Coincidia no propósito de desconstitucionalização do tema, mas estabelecia-se um gradualismo para manter a sustentabilidade.

As dificuldades em relação ao tema começam a tornar divisível o momento em que os brasileiros terão que estudar a fórmula portuguesa. Em janeiro de 2011, ainda no governo do socialista José Sócrates, foi criada uma contribuição extraordinária, incidente em todos os benefícios, que cortava 10% do que excedia € 5 mil mensais, tanto do setor público quanto do setor privado. Não foi suficiente. Cinco meses depois, foi criado um redutor para os pagamentos acima de € 1,5 mil. No ano seguinte, já no governo de Passos Coelho, um conservador, a contribuição extraordinária passou a podar 25% na faixa entre € 5 mil e € 7 mil e 50% acima disso. Em janeiro de 2013 passou a incidir um cobrança para os aposentados que recebiam mais de 1.350, de pelo menos 3,5%. Em agosto, as pensões superiores a € 600 passaram a ser afetadas. De 2014 em diante o torniquete começou a ser afrouxado lentamente, por pressão do Judiciário.

2020
A eleição de 2020 já se desenha no horizonte e a grande dúvida é o tamanho do empuxo da onda de extrema-direita. A magnitude do fenômeno no ano passado estimula candidaturas como a do Delegado Francischini em Curitiba, ou a de Joice Hasselmann em São Paulo. Mesmo no Nordeste o desempenho de Bolsonaro na eleição presidencial mostra que a esquerda se arrisca a perder bastante terreno.

Ele ficou em primeiro lugar no primeiro turno em Natal, Recife, Maceió e Aracaju, por exemplo. Nas capitais da Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas, o resultado se repetiu no segundo turno.

A questão é que a popularidade do presidente inevitavelmente perderá terreno até o fim do próximo ano. Os indicativos neste sentido da pesquisa CNT/MDA divulgada terça são importantes neste sentido. O levantamento apontou um índice de bom/ótimo próximo a 39%, enquanto 29% de pesquisados classificaram a administração como regular. É sugestivo anotar que em uma pesquisa feito pelo Datafolha na virada do ano a expectativa em torno da gestão era boa ou ótimo para 65% dos entrevistados, e de regular para 17%. Em linhas gerais, parece ter havido uma migração do sentimento positivo para uma posição de expectativa neutra, o primeiro estágio para a desaprovação.

Candidatos cujo único capital é a identificação com o presidente tendem a se ressentir, o que não significa que o viés conservador do eleitor se dissipe e que tenhamos em 2020 uma maré vermelha.

Existirá uma avenida para ser percorrida por aqueles que dialogam com este eleitorado assentados em outras bases que não o bolsonarismo explícito. É uma vertente que pode ajudar os atuais prefeitos que podem tentar um novo mandato, mesmo aqueles que sabidamente atravessam um mal momento, como o tucano Bruno Covas ou o prefeito do Rio, Marcelo Crivella. É cedo para descartá-los.

Um possível freio à perda de substância do bolsonarismo está nas mãos do próprio Congresso. O pacote de Sergio Moro, e todas as iniciativas tocadas pelo ministro, que foi bombardeado nas redes sociais pela extrema-direita e obrigado e recuar da nomeação da desarmamentista Ilona Szabó para a suplência de um conselho consultivo, representa o que há de agenda transversal neste governo, que traduz o sentimento da imensa massa de eleitores que se movimentou em direção à candidatura de Bolsonaro na última eleição, sobretudo no ano em que a Lava-Jato chega ao quinto aniversário.


Vinicius Torres Freire: Economia começa mal o ano

Emprego, confiança de empresas e receita do governo têm sintomas de resfriado

Mais um ano se passou e o desemprego continua na mesma. A taxa de desemprego é praticamente igual à do início de 2018, quando também o ritmo de criação de empregos passou a cair.

A confiança das empresas de comércio e serviços baixou em fevereiro. Na indústria, cresceu, mas ainda está abaixo do que se via antes do caminhonaço de meados do ano passado. Não há dados mais precisos ou gerais de produção e vendas neste começo de 2019, mas os indicadores indiretos são fracos.

A discreta melhora no crédito bancário deu um tempo e repousou na discrição. A receita de impostos do governo federal também desacelera desde setembro. A receita total também, prejudicada pela baixa na arrecadação dos recursos obtidos com concessões.

Há sinais de resfriado na atividade econômica, como se observa nestas colunas desde o início de janeiro. As estimativas de crescimento para 2019 vêm sendo reduzidas por economistas de grandes bancos e consultorias. A gente ouve cada vez mais conversas sobre a necessidade de cortar a taxa básica de juros, o que era assunto de uma minoria até a virada do ano.

O ritmo cadente de criação de empregos é bem preocupante. Em janeiro do ano passado, o número de pessoas empregadas crescia ao ritmo anual de 2,1%. Cai desde então. Agora, a população ocupada aumenta a 0,9% ao ano, como se soube nesta quarta-feira pela pesquisa do IBGE, a Pnad Contínua.

Note-se de passagem que há uma discrepância entre os indicadores de emprego formal do Ministério da Economia (Caged, algo melhores) e os do IBGE. São dados de natureza totalmente diferente: o Caged é um registro administrativo de criação de empregos formais; a Pnad é uma pesquisa por amostragem.

Discrepâncias são normais e as taxas de crescimento acabam se aproximando, mesmo com alguma defasagem. A defasagem de agora está difícil de entender.

Isto posto, é mesmo de fraca a ruim a situação do mercado de trabalho. Um indicador indireto das precariedades, empregos ainda escassos e ruins, é a arrecadação da Previdência. Depois de baixar de modo pavoroso entre julho de 2015 e outubro de 2017, a receita previdenciária voltou a crescer até de modo razoável no início de 2018 (perto de 3% ao ano). A arrecadação ficou desde então engasgada. Agora aumenta ao passo de apenas 0,9% ao ano, segundo dados do Tesouro Nacional divulgados nesta quarta-feira.

A subutilização da força de trabalho aumentou um tico em relação a 2018. O crescimento do salário médio perdeu impulso em relação aos progressos de 2017 (avança a 0,8% ao ano). Assim, o ritmo de crescimento da soma dos rendimentos do trabalho ("massa de rendimentos") embicou para baixo, crescendo em torno de apenas 1,8% ao ano, em média, desde setembro do ano passado.

Como a recuperação econômica por ora depende quase exclusivamente de rendimentos do trabalho e confiança para consumir, estamos com um problema sério.

Nestes tempos de maluquices e ignorâncias ainda mais extremadas é bom deixar claro que o governo de Jair Bolsonaro nada tem a ver com esses resultados ruins. No entanto, o tempo passa, é ainda mais escasso nesta crise secular e tem sido desperdiçado com irrelevâncias, atitudes disparatadas e promoção de conflitos tolos, odientos e divisivos.

Degradar o ambiente social e político vai prejudicar ainda mais as expectativas de que se possa chegar a um acordo para que se possa reformar este país arruinado.


O Globo: Do sucesso nas redes à briga com um dos filhos de Bolsonaro, Joice Hasselmann é a nova líder do governo

Jornalista com carreira no rádio e na TV foi a mulher mais votada e se diz biógrafa de Sergio Moro, embora não seja reconhecida como tal

Thiago Herdy, de O Globo

SÃO PAULO — Quando alguém lembra à nova líder do governo no Congresso, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), que muitos a comparam a um “trator” na hora de lutar por seus objetivos, ela completa:

— Sim, trator, mas um trator com cérebro. Eu penso. E sei fazer conta — diz a parlamentar, mencionando seu principal objetivo para o primeiro semestre deste ano: somar e multiplicar apoios no Legislativo em torno da reforma da Previdência do governo Jair Bolsonaro, que espera ver aprovada até junho.

De perfil conservador, a deputada federal mais votada do Brasil, com 1 milhão de eleitores, Joice chegou ao Congresso graças à projeção que obteve nas redes sociais (são 2,4 milhões de seguidores apenas no Facebook, onde faz transmissões diárias, ao vivo, em tom despojado).

Novata na política e disposta a ser braço estendido do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, no Parlamento, vê aflorar uma nova faceta, pouco conhecida do público geral: a de uma pessoa “jeitosa”. Afinal, “bastam 24 horas na Câmara para entender que aqui nada se faz na pancada, é tudo na conversa”.

— Hoje (quarta-feira) foi engraçado, conversei com dez líderes, de todos eles ouvi: ‘Mas você é jeitosa, hein menina?’. No final, não sou muito diferente dos outros. A única diferença é que estou de saias. E, claro, tenho o meu jeitinho.

Aos 41 anos, a deputada nasceu em Ponta Grossa (PR), mas elegeu-se por São Paulo. É jornalista e fez carreira no rádio, na internet e na TV. Apresenta-se como biógrafa do ex-juiz e ministro Sergio Moro, embora o mesmo nunca a tenha reconhecido como tal.

É autora de vídeos combativos contra a corrupção e foi voz frequente a denunciar as relações pouco republicanas que embasaram a construção de bases de apoio em governos anteriores.

Agora, demonstra estar à vontade no campo para um novo jogo. O GLOBO perguntou a ela o que fará no dia em que um deputado se aproximar dizendo que “olha, o projeto é muito bom, mas você sabe, Joice, preciso que vocês nomeiem meu aliado, aquele cargo, lá no meu estado...”

— Apresente a qualificação técnica. Os cargos existem, estão lá, e logicamente é natural que sejam ocupados por pessoas técnicas e aliadas. Não dá para botar inimigo para ocupar lugar estratégico — despistou a líder do governo.

E continuou:

— Os partidos estão mais confortáveis neste momento, entendendo que não há uma repulsa em conversa sobre indicação para cargo A, B ou C.

Joice está pronta para discutir emendas (“ninguém está inventando, elas já existem, só não serão objeto de chantagem”). E diz que a primeira derrota do governo no Congresso, o veto a mudanças na Lei de Acesso à Informação, é coisa do passado (“a articulação política não estava 100% pronta”). Também ficaram para trás as marcas da briga com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que a chamou de “louca” em um grupo de WhatsApp restrito, por causa da disputa pela vaga de líder do PSL na Câmara.

— Chamei ele num canto, conversamos, houve um acordo, já está tudo bem.

Com o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o mais falante dos filhos do presidente, diz estar unida “no esforço pela reforma”. A sintonia se confirma no tom dos últimos posts de ambos, em meio à vontade de fazer prevalecer uma agenda positiva para o governo.

Com o outro filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), também diz ter se acertado horas antes do anúncio de sua indicação para a liderança. Convidado a dar algum conselho à colega, um antigo desafeto, o senador Major Olímpio (PSL-SP), declinou:

— Ela não me ouviria.

Joice não se constrange por ter que discutir os rumos do país com Rodrigo Maia (DEM-RJ), citado em investigações como beneficiário de pagamentos ilegais da Odebrecht e da OAS.

— É o presidente da Câmara, que eu saiba não tem outro. A gente precisa que ele paute a Previdência. O que houver de ilegal, tem que ser investigado. Valeria até para minha mãe, entendeu?


Mauricio Huertas: É hora de tirar a bunda da cadeira, levantar do berço esplêndido e fazer a diferença na política

Nem dois meses e já são evidentes os estragos desse governo do meme que virou presidente. Um despreparado, cercado de filhos patetas e um time de ministros medíocres, com um trio especialmente imbecil (precisa dar nomes?). Todos deslumbrados pelo poder, insuperáveis no fornecimento de doses diárias de vergonha alheia.

Eu não votei no Bolsonaro, graças a Deus (Brasil acima de tudo, Deus acima de todos), nem votei no PT, mas isso não me exime das responsabilidades de cidadão nem me torna um "isentão". Não sou eleitor petista nem bolsonarista, não acredito que o Lula é injustiçado, não acho que o impeachment foi golpe mas também não via capacidade (nem legitimidade) na presidência interina do Temer (que devia ter caído junto com a Dilma).

Quer dizer, está difícil me encaixar em algum lado dessa polarização. Na verdade, eu diria mesmo que é impossível, até porque nenhum deles me representa. Assim se descobre na prática que criticar os gurus do petismo e/ou do bolsonarismo é comprar briga com verdadeiras milícias partidárias e ideológicas nas redes sociais. Ao menos se você escolhe um dos lados, você tem essa trincheira para se defender da artilharia inimiga. É declaradamente de esquerda ou de direita, demarca seu território (como o cachorro que faz xixi no poste), paga um preço por isso e ponto final.

Agora, desafiar o senso comum, não escolher seu malvado favorito e ser leal apenas à sua própria consciência é um problemão. Você passa a ser achincalhado pela direita chucra como comunista, esquerdalha e saudoso da mortadela do PT. Na mão inversa, a esquerda fanática te chama de golpista, bolsominion e faz outros ataques do tipo, que nivelam por baixo os dois lados - até porque são limitados e não entendem (ou não aceitam) que você pode ser crítico de ambos. Aliás, cujo modus operandi é idêntico.

Então há esse vácuo político entre os dois extremos que digladiam e se acusam diariamente. Um vazio partidário entre essas torcidas uniformizadas de um lado e de outro que precisa ser ocupado por gente íntegra, sensata, preparada, disposta e bem intencionada. Que seja uma alternativa viável aos padrões e visões mais tradicionais e às posturas ideologizadas que não convencem mais ninguém além dos próprios convertidos.

É esse papel que cobramos de indivíduos conscientes, sejam cidadãos anônimos ou personalidades reconhecidas, ativistas autorais, influenciadores digitais, formadores de opinião. É esse chamamento que se faz à sociedade organizada, aos movimentos cívicos, aos partidos não atrelados automaticamente à base governista, adesista, fisiológica, nem à oposição sistemática que aposta no "quanto pior, melhor".

Cidadania plena, liberdade, democracia, humanismo, sustentabilidade. A defesa intransigente do estado democrático de direito. O respeito à diversidade. Princípios que esse presidente tuiteiro e a sua geração de youtubers e blogueirinhos lacradores não dão conta de atender simplesmente com memes, selfies, lives, posts e stories que infestam o espaço virtual.

Falta uma ação mais concreta, presencial, objetiva, real. Fazer a diferença no dia a dia. Cortar o cordão umbilical de uma nova geração que vai sacudir essa velha política. Tirar a bunda da cadeira, levantar do berço esplêndido, dar a cara a tapa e mostrar que não somos iguais a esses babacas. Quem se habilita?

Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente


Monice De Bolle: Educando bolsonaristas

A má comunicação do governo e a desarticulação da base podem comprometer seriamente a reforma

Na semana passada, o governo apresentou uma boa proposta para a reforma da Previdência. Mais ambiciosa do que a de Temer para resolver os problemas de médio prazo das contas públicas, mais progressista do que a de Temer ao incluir alíquotas que aumentam de acordo com os salários, mais abrangente do que a de Temer ao incorporar Estados e municípios. Evidentemente, como em qualquer reforma dessa envergadura, há pontos para discussão e aprimoramento. Há também o receio de que o governo não tenha o traquejo necessário para evitar que a reforma seja substancialmente diluída. É sobre isso que pretendo tratar.

Bolsonaristas são um grupo heterogêneo dentro e fora do governo. Dentro há militares, ideólogos-religiosos e tecnocratas – mistura esquisita. Fora há ultraconservadores de direita, alguns religiosos outros não, gente que continua a ver fantasmas petistas por toda parte ainda que o partido esteja completamente desarticulado, e pessoas que simplesmente esperam do novo governo o necessário e urgente rumo para o País. Difícil achar muitos pontos em comum entre esses grupos, assim como é complicado encontrá-los dentro do governo. Dessas dificuldades e complicações surge, inevitavelmente, a necessidade de educar alguns – não todos – bolsonaristas.

Comecemos pelos ministros. O do Turismo tentou intimidar a Folha de S. Paulo após revelações comprometedoras, mas a liminar do cala a boca foi derrubada pela Justiça. Eis um bolsonarista cuja educação veio diretamente de um dos três Poderes da República. O ministro da Educação tentou emplacar o mote de campanha de Bolsonaro na cartilha das escolas, a ser repetido pelos alunos como autômatos todos os dias. Também tentou forçar a barra para que crianças e professores fossem filmados no ato de cantar o Hino Nacional. Nada contra o Hino Nacional – apesar do positivismo retumbante de sua letra, considero nosso hino belíssimo.

O problema é filmar crianças e adultos para que o Ministério da Educação pudesse agir como um big brother orwelliano. Não emplacou. A sociedade se manifestou de várias formas, inclusive por meio das redes sociais, o atual quinto poder da República Bolsonarista. O MEC foi obrigado a recuar da ordem que descumpriria vários artigos da Constituição, conforme alertaram especialistas. O ministro ideólogo de Bolsonaro foi educado de forma rápida e contundente. O ministro do Meio Ambiente bem que tentou esvaziar as notícias sobre seus fictícios diplomas acadêmicos. O quinto poder não permitiu, dando-lhe educação exemplar. O ministro das Relações Exteriores, assanhado com a possibilidade de se aproximar dos EUA dando declarações estapafúrdias sobre a Venezuela e a Coreia do Norte foi velozmente desautorizado pelos generais – esse anda recebendo educação dia sim, outro também. Aguardamos o aprendizado de Ernesto.

Tudo isso e mais alguma coisa – porque sempre tem mais alguma coisa – aconteceu em momento crítico, quando as atenções deveriam estar voltadas para a reforma da Previdência. Não à toa, Rodrigo Maia soltou advertência: a má comunicação do governo e a desarticulação da base podem comprometer seriamente a reforma. Sobretudo se o País continuar a perder tempo com os devaneios de alguns de seus Bolsonaristas.

Nas redes sociais repete-se algo já visto na era petista. Em vez de as pessoas estarem concentradas em algum debate – bobo, raso, ou sério – sobre a reforma da Previdência, há profusão de xingamentos, intimidações, e até ameaças. Fui alvo disso recentemente. A educação dispensada não foi difícil. Afinal, em tempos de internet, certos bolsonaristas ou direitistas extremados assanhados podem até acreditar que são anônimos. Mas a internet é uma maravilha. Por lá, nada se perde e tudo se descobre, inclusive identidades de quem se acha protegido atrás de avatares e monitores de computador. O quinto poder da República, mais do que os outros, vale igualmente para todos.

Portanto, deixo o recado. Podemos perder todo o tempo do mundo educando os bolsonaristas que se acham os donos do Brasil – não são todos. Ou, podemos aprovar uma boa reforma da Previdência. Alea Jacta Est.

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


Marco Aurélio Nogueira: Quando o despreparo dá o tom

Carta do ministro da Educação é uma exorbitância autoritária e um claro desvio de função

Se alguma bobagem adicional precisasse ser cometida para que ficássemos preocupados com o futuro da nação, o ministro da Educação Vélez Rodriguez se encarregou de pô-la na mesa.

Não se tratou de uma bobagem qualquer. Antes de tudo, por ter sido forjada numa área estratégica, que alcança diretamente o conjunto da população, os jovens e crianças que, dentro de alguns anos, serão a base intelectual, moral e operacional da sociedade. Se o responsável pela Educação se dá ao luxo de propor uma absurda intervenção ideológica e político-partidária nas escolas do País, então é porque estamos carentes de limites e critérios.

É difícil imaginar o que passou pela cabeça de Sua Excelência ao pedir aos dirigentes escolares e professores que lessem aos alunos um besteirol como esse: “Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração”. Não satisfeito, acrescentou: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”, um mero slogan de campanha.

O ministro pediu, ainda, que após a leitura, alunos, professores e funcionários deveriam, compenetrados e com os olhos marejados de fervor patriótico, entrar em ordem unida para cantar o Hino Nacional. Alguns filmariam o rito e enviariam as imagens para controle dos órgãos governamentais.

Seria cômico e ridículo se não fosse trágico. É ridículo porque não pode ser levado à prática nas milhares de escolas do País, onde a missiva por certo gerou estupor e ironia. Não haveria nem sequer fiscais e controladores para exigir o cumprimento da ordem. É cômico porque expõe o ministro à execração pública e mostra seu despreparo.

E é trágico porque se trata de uma exorbitância autoritária, de um escandaloso desvio de função, de uma demonstração clara de que no ministério da Educação não se tem uma pessoa preocupada com a educação, com a qualidade do ensino e a criação de condições para o desenvolvimento educacional, mas um agitador barato, interessado em fomentar desentendimento, congestionar o cotidiano escolar e bajular o presidente da República. Ou seja, precisamente tudo aquilo que não deveria integrar uma agenda ministerial.

Reações não faltaram, e foram expressivas. Mas nenhuma voz governamental procurou desautorizar a bravata. O ministro veio a público, no dia seguinte, dizer que errou ao pedir que filmem os alunos cantando o Hino. “Cantar o Hino Nacional não é constrangimento, não, é amor à pátria”, disse. E acrescentou: “O slogan de campanha foi um erro, já tirei, reconheci, foi um engano, tirei imediatamente. E quanto à filmagem, só será divulgada com autorização da família”.

É muito pouco. Ele mereceria bem mais que uma reprimenda presidencial: deveria ser afastado a bem do serviço público. Pois, se teve a ousadia de praticar um ato assim insano e desqualificado, é fácil imaginar o que mais poderá ser capaz de fazer.

*Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política da Unesp


Hélio Schwartsman: Dia D fracassa na Venezuela

Plano não era ruim, mas deixa agora maioria dos atores numa situação difícil

Fracassou a tentativa do Ocidente de atiçar uma mudança de regime na Venezuela. O plano até que não era ruim. Só o que segura Nicolás Maduro no poder é o apoio dos militares. Se a oposição, liderada por Juan Guaidó, tivesse conseguido fazer com que soldados deixassem de reprimir venezuelanos em busca de alimentos e remédios nas fronteiras com a Colômbia e o Brasil, poderia ter desencadeado um movimento de deserção em massa que acabaria por derrubar o governo. Mas isso, até o momento em que escrevo, não aconteceu.

A não materialização desse cenário deixa a maioria dos atores numa situação difícil. Maduro sobreviveu à investida, mas está ainda mais isolado do que há um mês, quando Guaidó se declarou presidente. Os militares que apoiam o regime perderam a chance de bandear-se com a promessa de anistia e num contexto preparado para reduzir a probabilidade de uma transição violenta. Não se sabe se terão outra oportunidade dessas.

Guaidó viu seu plano fracassar. O Dia D não definiu nada, e o impasse deve agora prolongar-se. Os mais de 50 países ocidentais que reconheceram o jovem parlamentar como presidente legítimo veem-se agora na delicada posição de apoiar um dirigente que não tem controle do país. Pior, o fracasso pode levar Donald Trump e outros incautos a flertar com uma intervenção militar, o que seria desastroso para a Venezuela e para toda a região.

Quem mais perde, como sempre, é a população venezuelana. Não há a menor perspectiva de futuro com o governo bolivariano. Acho que nem o próprio Maduro acredita que ele pode presidir a um processo de recuperação econômica. Só em 2018, o PIB experimentou uma retração de 18%, e a inflação se encaminha para a impressionante marca de 10.000.000%. Falta tudo no país, de comida a liberdade. Ficar com Maduro é condenar-se ao inferno, mas cabe aos venezuelanos encontrar a forma de livrar-se do ditador.


O Globo: Na ONU, Damares Alves defende 'direito à vida desde a concepção'

Em discurso na Comissão de Direitos Humanos, ministra critica regime de Maduro na Venezuela, mas não menciona assassinato de Marielle Franco, prestes a completar um ano

Valéria Maniero, especial para O Globo

GENEBRA - A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, acaba de discursar na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça. Ela assegurou que se comprometerá com "os mais altos padrões de direitos humanos" e com a "defesa da democracia". Logo no início de sua fala — que durou mais de 10 minutos, já superando o discurso de Jair Bolsonaro em Davos —, Damares destacou que lutará para garantir os direitos das mulheres, com atenção especial a casos de feminicídio e abuso sexual. Embora não tenha mencionado a palavra "aborto", a ministra salientou que defenderá o direito de todos "à vida desde a concepção".

— Defenderemos tenazmente o pleno exercício por todos do direito à vida desde a concepção e à segurança da pessoa, em linha com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, bem como, no âmbito regional, com o Pacto de São Jose da Costa Rica.

A menos de um mês de completar um ano do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), o caso não foi mencionado no discurso da ministra, apesar de ela afirmar que o país segue comprometido com a proteção "dos corajosos defensores de direitos humanos".

— Com essa preocupação, reforçamos o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, que passou a incluir explicitamente comunicadores sociais e ambientalistas em seu escopo — limitou-se a dizer.

Agradecimento em língua tupi e Libras
Quando falou sobre os povos indígenas, "um tópico particularmente caro e querido", ela tocou em um assunto polêmico mostrado recentemente pela revista Época: a adoção, sem ter passado por um processo formal, de uma índia.

— Esta Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, há mais de duas décadas, milita em defesa das mulheres e crianças indígenas e é também mãe socioafetiva de uma jovem indígena da etnia kamayurá — disse Damares.

Ao fim de seu discurso, a ministra se despediu em língua indígena e de sinais.

— Como se diz na língua indígena tupi, Kuekatu reté [Obrigada]. E na língua de sinais... — disse ela, fazendo em seguida os gestos que significam, em Libras, "obrigada".

A ministra também afirmou que um dos focos de sua atuação será o "fortalecimento de vículos familiares".

— Além disso, redobraremos os esforços para prevenir a mortalidade materna, neonatal e infantil. Buscaremos revigorar o Bolsa Família, por meio de desembolso do 13º benefício, ao mesmo tempo em que realizaremos auditoria para coibir irregularidades e excessos.

Ela citou, ainda, a tragédia de Brumadinho (MG), onde uma barragem da Vale se rompeu e despejou toneladas de rejeitos na cidade. A ministra avaliou que "a ação ou omissão de empresas pode ter consequências concretas sobre os direitos humanos".

Apelo sobre Venezuela
Damares também clamou para que os países se unam ao Brasil na ajuda à Venezuela e para que reconheçam Juan Guaidó como presidente encarregado do país. Segundo ela, a ação do Brasil não é para intervir no vizinho, mas para oferecer ajuda imediata:

— Não poderia deixar de expressar a preocupação do governo brasileiro com as persistentes e sérias violações de direitos humanos cometidas pelo regime ilegítimo do ditador Nicolás Maduro. O Brasil uniu-se aos esforços do presidente encarregado Juan Guaidó, não para intervir, mas para prover imediata ajuda humanitária ao povo venezuelano. O Brasil apela à comunidade internacional a somar-se ao esforço de libertação da Venezuela, reconhecendo o governo legítimo de Guaidó e exigindo o fim da violência das forças do regime contra sua própria população.

Estreia no palco internacional
Após o discurso de Damares na Comissão de Direitos Humanos da ONU — sua estreia no cenário internacional —, a ministra se reúne com jornalistas brasileiros e estrangeiros.

A programação ainda inclui reuniões com organizações da sociedade civil — mantendo uma tradição do governo brasileiro — e com representantes de diversos setores na segunda e na terça-feira.

Representando a delegação brasileira, a ministra já tem encontro marcado com Michelle Bachelet, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, e com Filippo Grandi, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Ela também vai se reunir com a ministra federal dos Direitos Humanos do Paquistão, Shireen Mazari, e com o secretário executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), Francisco Ribeiro Telles.

Assim como fez o presidente Jair Bolsonaro em janeiro, Damares fará sua estreia internacional na Suíça, mas é esperado que ela tenha mais oportunidades de expressar o que pensa o governo sobre determinadas questões. Quando esteve em Davos, o presidente Jair Bolsonaro cancelou sua entrevista coletiva em cima da hora.

— As reuniões constituem oportunidade para apresentar assuntos prioritários na agenda de direitos humanos do governo brasileiro. Entre os temas, mulheres, crianças e adolescentes, indígenas, pessoas com deficiência, comunidades tradicionais, igualdade racial, juventude, pessoas idosas e família — diz a nota enviada aos jornalistas pela assessoria da ministra.

Ativistas planejam manifestação em frente à ONU
Ativistas do coletivo O Grito, de Genebra, planejam se reunir hoje em frente à ONU, onde a ministra Damares Alves vai discursar. Os manifestantes pretendem levar cartazes com frases referentes ao Brasil e à ministra.

— Estamos planejando fazer uma manifestação, gravar um vídeo e dar um recado. É uma manifestação de alerta. O grupo tem o objetivo de ser uma voz de denúncia ao que vem acontecendo no Brasil (na área de direitos humanos), ser solidário às questões de direitos humanos. É uma forma de resistência internacional — explica Ângela Faria, uma das coordenadoras do grupo formado por brasileiros e brasileiras que moram em Genebra.

O grupo, que fez protesto em Genebra logo após a morte de Marielle Franco, já tem na agenda novo ato contra a morte da vereadora em 14 de março, quando o assassinato completa um ano.

— Essa morte tem que ser esclarecida. No Brasil, morrem vítimas de feminicídio, defensores dos direitos humanos. Todas essas questões serão denunciadas esta semana em relatórios. E nós daremos apoio para que a Justiça seja feita — diz a ativista do grupo, que existe desde 2016.

Para a manifestação deesta segunda-feira, Ângela diz que a ideia é fazer um ato com humor também. Sobre a declaração dada pela ministra de que meninas devem vestir rosa e meninos, azul, ela diz que há problemas muito mais profundos para serem tratados.

— A cor não nos define. Minorias sofrem preconceito e violência no Brasil. É alto o índice de extermínio da juventude negra no Brasil. Há também uma tendência de licença para matar. Esse não é o caminho. Não é armando a população, mas dando condições, acesso à saúde e educação — afirma.