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El País: Aprovação de Bolsonaro cai 15 pontos e é a pior da série histórica do Ibope
Pesquisa aponta 34% de avaliação positiva, menos que FHC, Lula e Dilma em primeiro mandato
Os três primeiros meses do Governo Jair Bolsonaro não parecem muito animadores, a julgar pelos números da pesquisa Ibope divulgada nesta quarta-feira. O levantamento realizado de 16 a 19 deste mês mostra uma queda de 15 pontos percentuais na avaliação de "ótimo ou bom", que foi dos 49% aferidos em janeiro para 34%. A aprovação é a pior para um presidente da República em primeiro mandato desde Fernando Henrique Cardoso, de acordo com os números do próprio Ibope.
A comparação com os antecessores no Palácio do Planalto não é alvissareira para o presidente. A esta altura de seu primeiro Governo, Fernando Henrique Cardoso contava com 41% de avaliação "ótima ou boa", enquanto Luiz Inácio Lula da Silva tinha 51% e Dilma Rousseff, 56%. Os 34% de Bolsonaro só são melhores do que os índices dos segundos mandatos de FHC, 22%, e de Dilma, 12%, quando ambos já tinham passado por quatro anos de desgaste em seus seus primeiros mandatos.
Quando a pergunta é a sobre "a forma como Bolsonaro está governando o país", o levantamento indica que 51% dos brasileiros a aprovam, enquanto 38% desaprovam e 10% não sabem ou preferem não opinar. Apesar de maior do que a aprovação pessoal do presidente, esse índice também registrou queda desde janeiro, quando 67% aprovavam a forma do presidente de governar. Outro índice que caiu desde o início do Governo é o de confiança em Bolsonaro: foi de 62% de confiança para 49%.
A maior queda de prestígio do presidente foi registrada na região Nordeste, onde a queda da avaliação "ótimo ou bom" do Governo caiu 19 pontos, de 42% para 23% — é nessa região também que se concentra a maior desaprovação sobre a forma de Bolsonaro governar, de 49%. A segunda queda mais expressiva foi entre os brasileiros com renda familiar entre dois e cinco salários mínimos, que apresentou recuo de 18 pontos, de 53% em janeiro para 35% agora.
Durante os três primeiros meses de Governo, Bolsonaro estipulou a reforma da Previdência como prioridade na agenda do Congresso Nacional, mas frequentou o noticiário mais por conta de suas postagens no Twitter do que propriamente por conta de medidas de Governo. Ele também dividiu as atenções com ministros como Paulo Guedes, da Economia, e Sérgio Moro, da Segurança Pública, e teve a imagem desgastada pela investigação do caso Fabrício Queiroz e pela demissão tumultuada de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência, entre outras batidas de cabeça, como a que levou a trocas no Ministério da Educação.
O segmento que mais confia em Bolsonaro, segundo o Ibope, é o dos evangélicos: 56%. São eles também que mais aprovam a maneira de Bolsonaro governar (61%). "A avaliação positiva também é mais alta entre os que se autodeclaram como brancos (42%) — mesmo percentual que tem entre os que vivem nas regiões Norte/Centro-Oeste — único segmento em que Bolsonaro se recupera em relação a fevereiro", registra o instituto.
Folha de S. Paulo: Bolsonaro deve ter resultados escassos em visita aos Estados Unidos
Viagem marcará alinhamento ideológico a governo Trump
Patrícia Campos Mello, Marina Dias, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO E WASHINGTON - A visita do presidente Jair Bolsonaro aos EUA nesta semana concretiza o alinhamento ideológico do governo brasileiro ao de Donald Trump, mas deve terminar com poucos resultados práticos.
Bolsonaro corre o risco de sair de Washington, onde desembarca neste domingo (17), sem seu maior trunfo na política externa: o apoio formal dos EUA para a candidatura do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Acordos comerciais concretos, como o de livre-comércio e o fim da bitributação, além da inclusão do Brasil no programa de isenção de vistos para entrar nos EUA, também não devem resultar do encontro entre Bolsonaro e Trump, marcado para a terça-feira (19), na Casa Branca.
O Brasil, por sua vez, vai liberar da necessidade de visto os americanos que querem entrar no país, mesmo sem ter o mesmo gesto em troca.
O chanceler Ernesto Araújo quer conversar sobre o tema com autoridades dos EUA, mas não demonstra otimismo para um acordo rápido —12,73% dos brasileiros tiveram seu pedido de visto para o país negado em 2018.
A entrada na OCDE, o clube dos países ricos, é reivindicada pelo Planalto desde 2017 e serviria como reforço das credenciais reformistas do governo Bolsonaro. As negociações, porém, encontram resistência no governo dos EUA.
Enquanto o secretário de Estado, Mike Pompeo, é favorável ao pleito do Brasil —ensaiou escrever uma carta a Trump pedindo seu apoio ao ingresso brasileiro—, o USTR, Escritório do Representante de Comércio dos EUA, Robert Lighthizer, advoga contra.
Segundo pessoas que participam das tratativas, o USTR avalia que o Brasil não é comercialmente confiável, e parte do governo americano se posiciona com cautela quando o tema é ampliar a OCDE, hoje com 35 países.
Existe ainda pressão de setores empresariais, como a indústria farmacêutica, para que o Brasil faça algumas reformas antes de ser admitido.
Dentro do governo brasileiro, a aposta passou a ser em Bolsonaro pedir o apoio diretamente a Trump.
A avaliação é que o americano é impulsivo e pode acabar fazendo o gesto a despeito da resistência de seus assessores.
Foi isso que ocorreu com a Argentina. Em abril de 2017, o presidente Mauricio Macri se reuniu com Trump e fez o pedido ao líder americano.
Ao lado de assessores contrários à ideia, Trump simplesmente declarou que iria apoiar a admissão do país.
A diferença desta vez é que, ao contrário de Macri, o brasileiro não fala inglês e deve contar com intérpretes, o que prejudica a conversa.
Auxiliares de Trump lembram ainda que o americano não tem fama de ser paciente e pode, inclusive, querer encurtar o encontro caso ele não se desenrole tão bem.
Outro assunto que será abordado na reunião, porém sem grandes avanços efetivos, é a crise na Venezuela, tema de verdadeiro interesse de Trump na América do Sul.
O americano pode sondar Bolsonaro para apoiar uma intervenção no país, mas a ala militar do Planalto garante que não mudará de posição quanto a se ater à ajuda humanitária na fronteira —porém, pode anunciar sanções aos venezuelanos.
Um dos poucos acordos concretos deve ser o de salvaguardas tecnológicas, que permitirá o uso comercial da base de Alcântara (MA). Com ele, o Brasil poderá faturar até US$ 10 bilhões ao ano, segundo Ministério da Defesa, alugando o local para lançamentos de satélites.
No entanto, após assinado, o acordo ainda precisa ser aprovado pelo Congresso. Da última vez que foi assinado com os EUA, em 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o texto foi barrado pelos parlamentares, inclusive pelo então deputado Jair Bolsonaro.
A linguagem do novo tratado foi modificada para tentar atenuar a ingerência dos EUA e aumentar a probabilidade de aprovação.
Além disso, serão fechadas parcerias na área de segurança, inteligência, militar e aeroespacial — uma delas é um acordo entre o Inpe, Ita e Nasa para construir um satélite. O Brasil também deve deve reduzir as tarifas de importação do trigo dos EUA.
Como antecipou a Folha, os EUA ainda devem anunciar, durante a visita, que o Brasil passará a ter o status de “major non-NATO ally” —aliado prioritário extra-Otan.
A designação cabe a países não membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que são aliados estratégicos militares dos EUA. Assim, o Brasil passa a ter acesso a vários tipos de cooperação militar e tecnologica.
A influência chinesa na América Latina, uma grande preocupação de Washington, também estará deve entrar na pauta. Os EUA vêm pressionando aliados a vetarem a compra de equipamentos da gigante de telecomunicações Huawei, acusando a empresa de espionar para Pequim.
Havia frustração entre empresários com a falta de anúncios concretos na agenda comercial, como mostrou a Folha.
Para tentar entregar algo, o grupo de entidades empresariais circulou um relatório na Casa Branca e no USTR com sugestões de medidas que poderiam ser fechadas sem aprovação do Congresso —algumas de convergência regulatória, eliminação de barreiras técnicas e combate a corrupção no setor privado.
A agenda de Bolsonaro nos EUA também vai acenar à sua base eleitoral: ele vai participar de um jantar conservadores, dará entrevistas à imprensa evangélica e se reunirá com investidores e empresários.
O presidente chega a Washington com uma comitiva de seis ministros, entre eles Paulo Guedes (Economia), Sergio Moro (Justiça), Augusto Heleno (GSI), além do chanceler.
Míriam Leitão: Muito barulho para pouco fato
Como o governo acaba de chegar, é saudável que apresente suas soluções. O risco é atropelar a si mesmo com o excesso de anúncio de ideias
Na economia, o governo é de muito barulho e pouco fato. Ele mal começou, é verdade, mas já produziu um volume de anúncios impressionante. De concreto, tem uma reforma da Previdência que ainda não deu um passo no Congresso e na sexta-feira houve um bem-sucedido leilão que vendeu 12 aeroportos. O detalhe é que os modelos do leilão e da concessão foram preparados pelo governo Temer. O mérito do atual foi realizar o planejado.
Há muita coisa para mudar na economia de um país que não consegue retomar o crescimento, tem um rombo fiscal persistente e 12 milhões de desempregados. Como o governo acaba de chegar, é saudável que apresente suas soluções. O risco é atropelar a si mesmo nessa mistura de anúncios de medidas futuras.
Apesar de ter dito que a chamada PEC do Pacto Federativo esperaria pela aprovação da reforma da Previdência, o ministro Paulo Guedes continua falando dela como se o projeto fosse iminente. A reforma orçamentária é extremamente importante. Há dificuldades concretas na vida dos administradores públicos com o excesso de rigidez no uso dos recursos.
A questão é que mesmo Hércules fez uma tarefa por vez. Essa é de espantosa complexidade e mesmo se for aprovada um dia não eliminará os gastos incontornáveis. Além disso, pode provocar uma dispersão da base de apoio ao governo, base aliás que nem foi ainda consolidada pela incapacidade da articulação política. A boa notícia da sexta-feira foi o fato de que 12 aeroportos passaram para as mãos de operadores privados e com o pagamento de um grande ágio. Mais importante do que os R$ 2,3 bilhões que o governo vai arrecadar, são os investimentos futuros na melhoria da logística aeroviária do país.
O sucesso do leilão foi muito bem recebido pelos empresários. Para o diretor-superintendente do grupo Astra, Manoel Flores, que fabrica revestimentos e materiais de construção, a notícia confirma a avaliação de que o pior da crise econômica ficou para trás. Ele fala olhando para os próprios números. Acaba de participar de uma feira no setor que teve uma alta no volume de negócios fechados e tem projeção na sua empresa de faturamento 10% maior, com um aumento de 5% no número de funcionários.
No mercado financeiro também o leilão foi lido como um sinal positivo, principalmente pela presença do capital estrangeiro. Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, disse que o resultado foi muito melhor do que o esperado, e que a presença de operadores internacionais disputando os aeroportos brasileiros prova que, de fato, os investidores estão acreditando no Brasil.
É possível ouvir palavras de ânimo tanto na economia real quanto na área financeira, mas a conversa termina sempre com o mesmo alerta: é preciso aprovar a reforma da Previdência para que se confirme o cenário de melhora nas contas públicas brasileiras. Portanto, é nesse ponto que tem que estar o foco da área econômica.
O grande desafio para a reforma neste momento será o envio nos próximos dias do projeto que muda as pensões e aposentadorias dos militares. Ele virá com mudanças na carreira que elevarão ganhos, manterão vantagens como paridade e integralidade, e pode ter inclusive a garantia de aumento anual dos soldos. Ficará difícil explicar isso num contexto de escassez.
O Ministério da Economia falou em esfaquear o Sistema S, e a ameaça contundente acabou contornada. Falou em fazer uma abertura da economia para tirar os empresários das suas trincheiras da Primeira Guerra e já elevou tarifas de importação. Prometeu dar aos estados a maior fatia do dinheiro do grande leilão das áreas excedentes do pré-sal, mas ainda não conseguiu concluir as negociações da Petrobras com a União, que, a propósito, estavam bem adiantadas no governo anterior.
Na sexta-feira, o ministro Paulo Guedes prometeu digitalizar o governo, reduzindo à metade o número de funcionários públicos através da não realização de concursos para substituir os que se aposentarem.
Há boas ideias nas propostas feitas pelo ministro, mas nada do que ele anuncia é tão fácil quanto ele diz. O mais difícil, contudo, é fazer tudo ao mesmo tempo. A ordem de prioridades precisa ficar mais bem definida para elevar a confiança na economia, permitindo o aumento da atividade, ainda excessivamente fraca.
Eliane Cantanhêde: Nas terras do Tio Sam
O Jair Bolsonaro dos EUA precisa superar em muito o Jair Bolsonaro de Davos
O Brasil de Bolsonaro e os EUA de Trump fazem juras de amor e assinam atos importantes a partir de hoje, quando Bolsonaro desembarca em Washington com tratamento vip, direito a hospedagem na exclusiva Blair House e entrevista ao lado de Trump no Rose Garden, que são deferências especiais, concedidas a muito poucos.
Em compensação, Bolsonaro deverá fazer um anúncio que diplomatas tremem só de ouvir: a dispensa unilateral de vistos para americanos (além de canadenses, australianos e japoneses), sem exigência de reciprocidade. Significa que eles poderão vir livremente ao Brasil, mas os brasileiros não poderão ir ao país deles.
A ideia já tinha sido apresentada pelo ministro do Turismo de Michel Temer, Henrique Eduardo Alves (que acabou preso), mas só valeu para a Olimpíada do Rio, como forma de incentivar a vinda desses estrangeiros – que têm baixo índice de risco e carteiras recheadas. Mas foi temporário, agora será permanente. Diplomatas acham que é coisa de país sem autoestima e Bolsonaro pretende negociar a dispensa de visto para brasileiros irem aos EUA. Duvido que o Tio Sam tope.
O principal anúncio deverá ser o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para uso da Base de Alcântara (MA) para fins comerciais, negociado há uma década. Os EUA ganham, porque Alcântara é um ponto estratégico que permite economia de até 30% nos lançamentos de satélites. E o Brasil também lucra, porque entra no mercado de cooperação espacial.
Na comitiva, Augusto Heleno, Paulo Guedes, Sérgio Moro, Ernesto Araújo (chanceler), Tereza Cristina (Agricultura), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Ricardo Salles (Meio Ambiente), com agendas diferentes. Guedes está interessado em medidas, lá e cá, para destravar investimentos e negócios. Moro vai ao FBI para acordos de inteligência, segurança pública e combate ao crime organizado.
Depois de desperdiçar Davos e ocupar seis dos 45 minutos a que tinha direito para atrair o interesse do mundo para o Brasil, Bolsonaro terá novamente todos os holofotes e não pode amarelar, fugir de entrevista e posar de “simplesinho”, mas, sobretudo, é preciso afastar a ideia de um alinhamento automático com os EUA.
Bolsonaro gosta da ideia, assim como seu filho Eduardo, o chanceler Araújo e o guru Olavo de Carvalho, que já trocou o Brasil pelos EUA. Já os diplomatas de várias gerações se opõem e o que conta mesmo no governo é um outro foco de resistência ao tal alinhamento automático: os militares, que prezam muito a noção de soberania. Aliás, nem aos próprios EUA encanta a ideia de se jogar de cabeça num governo que está mal começando. Pode ser um sucesso, pode não ser. Logo, aproximação é ótimo; alinhamento automático é excessivo.
Além das relações bilaterais, que avançam muito, Bolsonaro e Trump vão discutir questões regionais (Venezuela, por pressuposto) e internacionais, as mais cabeludas. China, Oriente Médio, Coreia do Norte e Irã estão na agenda, mas Bolsonaro deve ter algumas coisas em mente. A China é o maior parceiro comercial brasileiro, o Brasil desde sempre independente na disputa Israel-Palestina e... nem tudo o que é bom para os EUA é bom para o Brasil.
Depois dos EUA, ele vai ao Chile e no final do mês a Israel, onde Benjamin Netanyahu é um aliado e fez a gentileza de vir ao Brasil para prestigiar a vitória de Bolsonaro, mas agora está às voltas com a Justiça. Tudo bem ir a Israel, a questão é de oportunidade.
O avião está decolando e lança Bolsonaro no seu primeiro teste realmente diplomático. Vai precisar de inteligência, sorte, jeito, discursos escritos e muitos conselhos para se superar. O Bolsonaro de Washington tem de ser muito melhor do que o Bolsonaro de Davos.
Bruno Boghossian: Humilhação pública do ministro da Educação respinga em Bolsonaro
Presidente dá poder a Olavo de Carvalho enquanto área sensível do governo fica parada
Jair Bolsonaro decidiu submeter mais um auxiliar a um espetáculo de humilhação. Nos últimos dias, ele drenou os poderes de Ricardo Vélez (Educação), forçou a demissão de pessoas de sua confiança e deixou o ministro pendurado no cargo como um morto-vivo. A campanha de degradação pública respinga no próprio presidente.
A crise começou quando Vélez resolveu demitir seguidores do ideólogo Olavo de Carvalho, responsável por sua indicação para a pasta. O padrinho não gostou e incitou um motim. Ele atacou militares e técnicos e, a certa altura, propôs que o ministro fosse posto para fora se não seguisse suas recomendações.
Bolsonaro interveio e acabou aniquilando Vélez. Primeiro, obrigou o ministro a demitir um assessor próximo que era criticado pelos olavistas. Depois, forçou a saída do número dois da pasta, alvo do mesmo grupo.
Na última semana, Bolsonaro disse que dera “carta branca” aos ministros para formar suas equipes, mas combinou que teria “poder de veto” sobre essas escolhas. Parece que, no caso da Educação, essa competência foi terceirizada para seu guru.
O presidente estendeu cordéis de marionetes entre prédios de Brasília e a casa de Olavo, na Virgínia (EUA). Publicações do ideólogo nas redes sociais se transformaram em portarias do Diário Oficial. Antes de derrubar inimigos no MEC, ele conseguiu que o Itamaraty demitisse um embaixador que o havia atacado.
Convencido de que Bolsonaro precisa destruir seus rivais e promover uma guerra cultural alucinada contra a esquerda, Olavo insiste que o presidente deve preservar o personagem desvairado da campanha eleitoral. Além de rejeitar qualquer moderação política, ele quer reduzir a influência dos militares no governo.
Enquanto a disputa de poder na Educação se desenrola, uma das áreas mais sensíveis do país fica paralisada. Uma compra de obras literárias aprovada no governo passado não foi realizada e um edital para livros do ensino médio, previsto para janeiro, ainda não foi publicado.
Luiz Carlos Azedo: O lobo e o bom selvagem
“O risco que corremos, com a polarização ideológica e a flexibilização da posse de armas, é o surgimento de uma militância política armada”
Na política, é muito comum o sujeito achar que o bom rapaz terminará por último, uma expressão do mundo do beisebol, esporte no qual os melhores do mundo atualmente são o Japão, os Estados Unidos, a Coreia e Cuba, com a Venezuela na cola deles. O ardil, a dissimulação, a esperteza e a falta de escrúpulos parecem ser a regra do jogo, mas não é bem assim, existem bons rapazes na política, sem a qual não existe processo civilizatório. O neodarwinista Richard Dawkins, no último capítulo do livro O gene egoísta (Companhia das Letras), discute exatamente isso. Segundo Dawkins, o ser humano é um grande arranjo biológico, uma espécie de máquina de sobrevivência de um gene egoísta reprodutor da espécie. Para isso, porém, também precisa ser altruísta, cooperar com os demais integrantes da espécie para não entrar em extinção. É aí que os bons rapazes podem acabar em primeiro.
Para explicar o raciocínio, Dawkins faz uma analogia com os pássaros de uma mesma espécie, mas com comportamentos distintos: os trapaceiros, os trouxas e os rancorosos, todos em luta com piolhos alojados na cabeça, que poderiam exterminar a espécie. Caso existissem somente trapaceiros e trouxas, a espécie seria extinta, porque somente o segundo cataria os piolhos alheios, o que não seria suficiente para manter o equilíbrio ecológico. Os trapaceiros não catam piolho de ninguém, nem podem removê-los da própria cabeça; com a redução da população de trouxas, todos acabariam extintos.
Quando entram em cena os rancorosos, a situação se modifica. São pássaros que ajudam uns aos outros de maneira mais ou menos altruísta, mas que se recusavam a colaborar com os indivíduos que se recusaram a ajudá-los. Por essa razão, os rancorosos conseguem transmitir mais genes às gerações seguintes do que os trouxas (que ajudavam os indivíduos indiscriminadamente e por isso eram explorados) e também que os trapaceiros (que, implacáveis, tentavam explorar todo mundo e acabaram por se anular uns aos outros). Com o chamado altruísmo recíproco, a população de trouxas diminui e os trapaceiros acabam com a sobrevivência ameaçada pelo isolamento. O Brasil está passando por um período darwinista na política. Nesse contexto é que devemos examinar a crise de segurança pública e o problema da violência.
Militância
Os animais agem instintivamente na luta pela sobrevivência, a violência é um elemento natural que faz parte de um ciclo independente e resulta do instinto de conservação. Entretanto, só se utilizam dessa prática na busca de alimento, na luta pelo território ou na disputa pela fêmea; ou ainda, quando se sentem ameaçados. Ou seja, somente em situações extremas, em prol da conservação da espécie. O homem também é um animal que se utiliza da violência para sobreviver. Porém, extrapola os limites do natural e, muitas vezes, age violentamente a ponto de prejudicar a sua própria espécie, fato que contraria as leis da natureza. A desigualdade social, a impunidade e a corrupção estão entre os fatores de violência, mas é preciso saber lidar com isso e contê-las.
Há duas concepções seminais sobre isso: A do “lobo do homem”, de Thomas Hobbes, segundo o qual a sociedade está sempre ameaçada por uma guerra civil, onde todos os seus integrantes vivem em uma situação de permanente conflito, “uma guerra de um contra todos e de todos entre si”. O estado da natureza, segundo ele, era um mundo de feras, onde “o verdadeiro lobo do homem era o próprio homem”. Para Hobbes, “um homem não pode abandonar o direito de resistir àqueles que o atacam com força para lhe retirar a vida”. E a do “bom selvagem”, do iluminista francês Jean Jaques Russeau, para quem primitivamente o homem é generoso, embora esteja sempre sob o jugo da vida em sociedade, a qual o predispõe à maldade. A condição para reverter essa tendência e transformá-lo num bom cidadão é a construção de um “contrato social”, que estabeleça as regras do jogo: “O mais forte não é suficientemente forte se não conseguir transformar a sua força em direito e a obediência em dever.”
O debate sobre a violência no Brasil gravita em torno dessas duas concepções, que estão na gênese do Estado moderno. O ponto de convergência entre ambos é o monopólio do uso da violência pelo Estado, como estabelece a nossa Constituição. Esse monopólio, porém, foi quebrado pelos “trapaceiros”. Estão aí o PCC, em São Paulo, e as milícias, no Rio de Janeiro, que atuam como “Estados paralelos”. Não será armando os “rancorosos” que esse problema será resolvido. O risco que corremos, com a polarização ideológica que se estabeleceu em torno disso, é o surgimento de uma militância política armada. A melhor saída ainda é depurar, reformar e fortalecer o sistema de seguirnça pública.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-lobo-e-o-bom-selvagemx/
Alon Feuerwerker: Uma característica dos países vizinhos é que eles estarão aí para sempre
É bom um pé atrás quando se ouve falar em “política de Estado e não de governo”. Costuma ser boa rota de fuga para quem, tendo perdido a eleição, ou uma disputa qualquer de poder, precisa ganhar na paz o que não conseguiu na guerra. Acontece no debate sobre a política exterior.
Os formuladores e executores dela levam uma vantagem na discussão: é fraco o argumento de que tem de ser de tal jeito porque há muito tempo vem sendo assim. Como é fraco o argumento de que não pode mudar porque atravessou governos de diferentes orientações.
O ponto é saber se ela atende o interesse nacional. Mas quem define o que é “interesse nacional”? Mesmo coisas supostamente consensuais podem não ser. Por exemplo, manter a América do Sul livre de armas de destruição em massa e da presença militar extra-continental.
Na política exterior bolsonarista, a prioridade regional parece outra: estreitar a relação com os Estados Unidos ao ponto de estabelecer uma aliança, inclusive militar, que se mostre escudo e vacina contra transformações políticas indesejadas aqui e nos demais países do continente.
Há precedente. Durante a Guerra Fria estava vedado ao forte Partido Comunista Italiano participar do governo, também porque o país era membro da Otan, a aliança militar ocidental criada para confrontar a URSS. Mesmo com o papel decisivo do PCI na resistência ao nazi-fascismo.
As tentativas de resumir a atual política externa a aspectos puramente “ideológicos” parece insuficiente. Num exercício de especulação, talvez projete o desejo de ingressar numa “Otas”, uma aliança no Atlântico Sul similar à que Washington lidera na parte norte do oceano.
Já houve conversas sobre isso no passado e o Brasil torpedeou.
Seria um gol e tanto para os Estados Unidos, estabeleceria aqui uma área de domínio militar (e portanto político) praticamente indisputável. Sem contar a projeção para a África Ocidental-Meridional. Um “Trampolim da Vitória” como o da Segunda Guerra, mas para o século 21.
O foco da política externa americana é conter a influência econômica da China pelo mundo. Os sinais são abundantes. Deixadas as coisas como estão, os chineses vão ultrapassar e dar tchauzinho logo logo. Então Washington simplesmente não pode deixar como está.
Daí o cerco a empresas chinesas de presença global, as ameaças a quem pensa em estreitar relações econômicas com Pequim, o esforço para derrubar governos que não rezem pela cartilha, mesmo que o método de governar seja igualzinho ao de aliados convenientemente deixados em paz.
Um presidente americano disse no século passado que para onde pendesse o Brasil penderia a América do Sul. Na época houve chiadeira, mas a experiência mostra que tinha algum fundamento. Ele só não explicou se a tendência viria na paz ou precisaria ser imposta no braço.
Outro dia o Alexandre Garcia me contou que perguntou durante a Guerra das Malvinas ao então presidente João Figueiredo por que o Brasil estava com a Argentina contra o Reino Unido. Figueiredo mostrou o mapa. “Está vendo a Argentina? Ela vai estar aqui perto para sempre.” #FicaaDica.
A Europa curtiu a Otan porque havia a URSS. Como os vizinhos brasileiros vão receber uma política que estabelece na prática uma hegemonia total americana coadjuvada pelo Brasil? Essa pergunta tem sua importância porque, afinal, esses vizinhos estarão aí para todo o sempre.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
O Estado de S. Paulo: Toffoli vê movimento para ‘assassinar reputações’ no País
Após abrir inquérito para investigar ameaças à Corte, ministro diz ao ‘Estado’ que ação nas redes sociais atinge ‘todas as instituições e é necessário evitar que se torne uma epidemia’
Vera Rosa, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Um dia após anunciar a abertura de inquérito para investigar fake news, ofensas e ameaças dirigidas a integrantes do Supremo Tribunal Federal, o presidente da Corte, Dias Toffoli, disse que a tecnologia voltada para destruir a honra será combatida a todo custo. Nos últimos dias, o Supremo foi alvo de novos ataques nas redes sociais e recebeu críticas até de procuradores da Lava Jato.
“Esse assassinato de reputações que acontece hoje nas mídias sociais, impulsionado por interesses escusos e financiado sabe-se lá por quem, deve ser apurado com veemência e punido no maior grau possível”, afirmou Toffoli ao Estado. “Isso está atingindo todas as instituições e é necessário evitar que se torne uma epidemia.”
O tema também fará parte do cardápio do almoço de hoje entre os chefes dos três Poderes. A ideia foi do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que convidou para o encontro o presidente Jair Bolsonaro, Toffoli e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), além de ministros.
O presidente do Supremo pretende reforçar ali sua proposta de um “pacto entre os poderes” para votar reformas consideradas fundamentais, como a da Previdência e a tributária. A escalada de agressões enviadas principalmente em correntes de WhatsApp e postagens no Twitter e Facebook preocupa a Corte em um momento de crescente tensão política. No Senado, um grupo articula a criação da “CPI da Lava Toga”, a fim de investigar possíveis excessos cometidos por tribunais superiores.
“Os ataques às instituições que vitimizam todos, incluindo a imprensa séria, são verdadeiros atentados ao estado democrático de direito”, insistiu Toffoli. “Judiciário independente e imprensa livre são as bases da democracia. Foi assim que os Estados Unidos foram construídos.” Para o ministro do Supremo Gilmar Mendes, as “milícias digitais” não são amadoras. “Precisamos melhorar o sistema de defesa a esses ataques industrializados”, comentou ele.
Uma das suspeitas que devem ser investigadas agora pela Corte é a possibilidade de haver um movimento internacional sustentando as agressões nas redes sociais, com o objetivo de desestabilizar o País. “Pode ser, eventualmente, uma hipótese para atender a indústria bélica, que há muitos anos não tem uma grande guerra como cliente”, argumentou Toffoli.
A ofensiva contra o Supremo recrudesceu às vésperas do julgamento que representou uma derrota para a força-tarefa da Lava Jato. Por 6 votos a 5, a Corte decidiu que crimes ligados à prática de caixa 2, como corrupção e lavagem de dinheiro, devem ser julgados na Justiça Eleitoral. A Procuradoria-Geral da República e os procuradores da Lava Jato queriam que as investigações ficassem a cargo da Justiça Federal.
Em um movimento lançado quase ao mesmo tempo em que aliados de Bolsonaro defendiam nas redes a reforma da Previdência, o STF foi alvo de todo tipo de xingamento. Mensagens pregando intervenção e fechamento da Corte, além da Dias Toffoli hashtag #atogacontraopovo, passaram a ser comuns, principalmente no WhatsApp.
Conduta
Sob sigilo, o inquérito determinado por Toffoli, que terá como relator o ministro Alexandre de Moraes, vai investigar até a conduta de procuradores da Lava Jato, como Deltan Dallagnol e Diogo Castor. Em vídeo postado na internet, Dallagnol conclamou a população a se posicionar contra qualquer decisão do Supremo que não fosse a defendida pela Lava Jato. Castor disse que estava em curso um “golpe” contra a operação de combate à corrupção no Brasil.
A investigação do STF é vista por procuradores como uma forma de intimidar o Ministério Público. Ainda ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitou informações sobre o inquérito a Moraes. Na sua avaliação, o caso tem potencial para comprometer a imparcialidade do Judiciário, já que a função de investigar não faz parte da competência do Supremo.
“Os fatos ilícitos, por mais graves que sejam, devem ser processados segundo a Constituição”, afirmou ela. Toffoli rebateu e disse que, além de haver previsão regimental para abertura do inquérito, o Código de Processo Penal estabelece que toda investigação deve ser supervisionada por um juiz. O ministro lembrou, ainda, que na época das eleições a Polícia Federal instaurou procedimento para investigar a disseminação de fake news referentes a candidatos à Presidência. Na ocasião, o pedido para apurar a existência de um esquema empresarial para interferir na disputa foi feito pela própria Raquel. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também chegou a abrir processo sobre o assunto.
“Depois que foi aberto o inquérito, a propagação de notícias fraudulentas cessou. No segundo turno não houve mais nada”, observou Toffoli, para quem a investigação também tem caráter pedagógico. “Não dá para aceitar esse tipo de coisa. Além das instituições e da sociedade como um todo, ao fim e ao cabo é a população pobre que acaba sofrendo mais as consequências.”
“Esse assassinato de reputações que acontece hoje nas mídias sociais, impulsionado por interesses escusos e financiado sabe-se lá por quem, deve ser apurado com veemência e punido no maior grau possível.”
“Os ataques às instituições que vitimizam todos, incluindo a imprensa séria, são verdadeiros atentados ao estado democrático de direito.”
Colaborou Amanda Pupo .
Julianna Sofia: Biruta de aeroporto
Guedes é neófito nas agruras de Brasília e dispersa energia ao propor desvinculação orçamentária
Exercício de redundância dizer que o governo Bolsonaro tem enfiado os pés pelas mãos, em tranches diárias, nos seus 75 dias de gestão. Até para um calouro no Palácio do Planalto, há excesso nos desacertos, recuos, gafes, omissões e demissões. Torna-se ameaçador, no entanto, quando a bússola desnorteada também serve à área econômica.
Antes do primeiro mês de aniversário da reforma da Previdência, a ser completado na próxima quarta-feira (20),o ministro Paulo Guedes(Economia) apontou para outra direção. O que no seu discurso de posse fora tratado como plano B, no caso de insucesso nas mudanças das regras para aposentadorias, ganhou imediatismo. O economista passou a defender a tramitação simultânea da PEC previdenciária e de uma outra para desvincular o Orçamento.
A estratégia de Guedes mostrou-se equivocada. O "Posto Ipiranga" de Jair Bolsonaro ouviu críticas de governadores, parlamentares e especialistas em contas públicas. Foi obrigado a recuar em seus planos e tentou jogar para as mãos dos políticos a decisão sobre o timing da medida. O secretário especial de Previdência, Rogério Marinho, se antecipou ao ministro (a quem é subordinado) e declarou que a proposta de mexer no Orçamento não seria mais enviada ao Legislativo no curto prazo.
O ministro é neófito nas agruras de Brasília. Jogou a cenoura da PEC da desvinculação na tentativa de criar uma agenda positiva para políticos em meio à aridez da reforma da Previdência. Ruído desnecessário.
Diante do fracasso nesse front, o governo agora ensaia um plano C. De forma prematura, pretende abrir as discussões com o Congresso sobre a reformulação do sistema tributário, usando como ponto de partida o redesenho do PIS e da Cofins. A dispersão de energia não ajuda a aprovar a nova Previdência, demonstra falta de foco e desespero em acertar.
Guedes usa a metáfora da queda de um avião para descrever o futuro do sistema de aposentadorias, sem a reforma. Biruta de aeroporto é termo que cai melhor à atual situação.
Marcus Pestana: Por uma previdência sem privilégios
O sistema previdenciário tem um papel fundamental para assegurar dignidade à vida do trabalhador que já esgotou sua capacidade laborativa. A previdência não era um problema tão grande no mundo inteiro porque a expectativa de vida era pequena e havia muito mais jovens do que idosos. Isto mudou radicalmente. Não é uma questão ideológica. É uma questão atuarial e econômica. Prova disto é que o todo poderoso líder de direita da Rússia, Vladmir Putin, o centrista recém-eleito na França, Emmanuel Macron, e o líder de esquerda da Nicarágua, Daniel Ortega, propuseram reformas em seus respectivos sistemas previdenciários. Todos encontraram enormes resistências.
No Brasil, além das características universais, acumulamos distorções enormes que tornam o sistema absurdamente injusto e claramente insustentável.
Foi por entender a gravidade da situação que o PSDB e o Instituto Teotônio Villela promoveram, na última quarta-feira, um excepcional debate sobre a reforma da previdência com três grandes especialistas: o ex-ministro e ex-deputado Roberto Brant e os economistas Paulo Tafner, da FIPE, e Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado Federal.
Roberto Brant, do alto de sua experiência e qualidade intelectual, realçou a centralidade da reforma da previdência não só para inevitável ajuste fiscal, mas principalmente para que se abra espaço para a retomada do crescimento e dos investimentos, assim como para a recuperação de outras políticas públicas essenciais como as de educação, saúde e segurança, hoje estranguladas. Colocou enfaticamente que é preciso construir uma narrativa sólida e convincente, esclarecer a população, dialogar com a sociedade e com o Congresso Nacional e agir com coragem. Realçou ainda sua convicção que se o Presidente Jair Bolsonaro não chamar para si a liderança do processo, usufruindo do cacife político conquistado nas urnas, as chances de aprovação são mínimas ou teremos uma reforma tão desidratada, que nem vale a pena fazer. Num caso ou outro, as perspectivas para o país, para o próprio governo federal e para estados e municípios serão sombrias.
Paulo Tafner, um dos maiores especialistas brasileiros no assunto, e Felipe Salto desfilaram números, comparações, evidências, que demonstraram sobejamente que o sistema previdenciário brasileiro é injusto e insustentável. Falarei disso no próximo sábado.
Com base na rica discussão e por entender que essa reforma não é do governo, de um partido, mas sim uma necessidade nacional, o PSDB decidiu formar um grupo de trabalho para no prazo de 15 dias, explicitar quatro ou cinco pontos dos quais não abre mão e as mudanças que vai sugerir, principalmente em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural.
O mote central será “uma previdência sem privilégios”. O PSDB, embora não seja da base do governo, quer apoiar uma reforma robusta, mas corrigindo as distorções da proposta enviada ao Congresso. O PSDB quer agir com convicção e coragem política em favor das mudanças necessárias e inadiáveis.
Isso, por saber que fora da reforma repetiremos experiências como as da Grécia e de Portugal e decretaremos o sequestro do horizonte de nossos filhos e netos, com o empobrecimento do Brasil, baixo investimento, crescimento medíocre, desemprego alto e governos falidos.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Bruno Boghossian: Retórica de campanha acorrenta Bolsonaro diante de tragédia
Temendo exploração política, presidente demora em aparecer como líder solidário
Jair Bolsonaro ainda não conseguiu se ajeitar na cadeira presidencial. Quando as notícias do massacre brutal em Suzano chegaram ao gabinete, pela manhã, ele subiu e desceu o assento, reclinou o encosto, e esperou. À tarde, sentiu o peso da faixa e deu a dimensão merecida aos fatos: “Uma monstruosidade e covardia sem tamanho”, escreveu.
O país ficou abalado com a crueldade dos assassinos, que tiraram as vidas de cinco jovens e três adultos de maneira brutal. A comoção naturalmente tomou o Palácio do Planalto. O presidente, porém, levou seis horas para se manifestar. Bolsonaro acertou no tom, mas provou mais uma vez que a retórica de campanha é uma bola de ferro presa a seus pés.
Dois episódios revelam as razões da cautela exagerada do governo. Três horas após o atentado, Carlos Bolsonaro afirmou a um seguidor que o pai aguardaria detalhes do caso antes de se pronunciar. “Óbvio que todos nos solidarizamos e óbvio que muitos exploram maldosamente contra o presidente. Portanto, aguardar as informações é vital, sem oportunismo”, publicou. Pouco depois, apagou a mensagem.
No fim da tarde, o porta-voz do Planalto foi questionado sobre possíveis ações do governo para impedir novas tragédias, mas ficou na defensiva. “O evento não tem relação direta com os projetos propostos pelo nosso presidente em seu programa de governo”, respondeu, sem que alguém tivesse tocado no ponto.
A defesa enfática da flexibilização do porte de armas tornou Bolsonaro prisioneiro do discurso de campanha. O medo da exploração política do ataque, praticado com um revólver, capturou o líder que deveria ter o papel de oferecer solidariedade, rumos e soluções para o país.
Se Bolsonaro acredita que os cidadãos devem ser livres para comprar armas de fogo, ele deve ter a coragem de debater o assunto racionalmente, com dados concretos e exposto ao contraditório, mesmo que o ambiente pareça desfavorável a suas teses. Mas o candidato não pode acorrentar o presidente.
Eugênio Bucci: Segura o ‘fascio’
O estilão de brucutu digital de S. Exa. faz lembrar Correa, Chávez Maduro, Mussolini
Primeiro, logo no dia seguinte à sua vitória eleitoral, ele investiu contra a Folha de S.Paulo. E isso ao vivo, para todo o País, numa entrevista ao Jornal Nacional. Foi numa segunda-feira, 29 de outubro. O eleito não continha sua revolta com uma reportagem da Folha que noticiara um fato embaraçoso: uma funcionária do gabinete dele na Câmara dos Deputados vendia suco de açaí na praia em horário de expediente. Detalhe: a barraca da assessora era vizinha da casa de veraneio do então deputado (hoje presidente da República) na praia de Mambucaba (RJ). Naquela segunda-feira no Jornal Nacional, menos de 24 horas depois de proclamada sua vitória, o eleito, em vez de conclamar o Brasil à unidade e ao congraçamento, endereçou mensagens de fel. Uma delas destinada à Folha: “No que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal”. E vaticinou: “Por si só esse jornal (Folha) se acabou”.
Depois de malhar a Folha, ele voltou sua artilharia para a Globo, a quem chamou de “inimiga”. Foi no dia 12 de fevereiro, numa conversa por WhatsApp com o então ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno. O chefe de Estado negara que a conversa tivesse existido, até que, uma semana depois, a troca de mensagens foi revelada pela revista Veja.
Ele estava bravo naquele dia 12 de fevereiro. Bebianno receberia a visita de um vice-presidente da Globo e o presidente não se conformava. “Gustavo, o que eu acho desse cara da Globo dentro do Palácio do Planalto: eu não quero ele aí dentro. Qual a mensagem que vai dar para as outras emissoras? Que nós estamos se (sic) aproximando da Globo. Então, não dá para ter esse tipo de relacionamento. Agora... inimigo passivo, sim. Agora, trazer o inimigo para dentro de casa é outra história.”
O texto presidencial, embora, como dizer, randômico, produziu um mal-estar medonho. Aturdido, o País se perguntava: que história é essa de, numa democracia, a mais alta autoridade do país se referir à imprensa como “inimiga” ao conversar com um ministro?
O estrago foi tanto que no próprio dia 19 de fevereiro, quando se tornou público que o presidente trata como “inimiga” uma empresa jornalística, o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, em coletiva de imprensa em Brasília, tentou segurar o facho do chefe. Diante de uma plateia de jornalistas, explicou-se como pôde: “A imprensa, em qualquer democracia, é um ponto de equilíbrio para a consolidação da sociedade. Absolutamente o nosso presidente enxerga a imprensa como inimiga. Ao contrário, a vê como um fortalecimento do seu governo, um fortalecimento da sociedade, e já esboçou isso várias vezes. (...) Vocês são muito importantes, vocês são parte de um projeto de um país que vai deixar de ser país do futuro e que vai ser país do presente. Eu quero agradecer ao empenho de vocês, em nome do presidente”.
A fala do porta-voz também tem um quê de errática, centrífuga, além de incongruente – imprensa não existe para fortalecer governo nenhum –, mas, de um jeito ou de outro, foi acolhida com boa vontade. O governo que aí está foi eleito legitimamente, dentro da legalidade. Quando seus representantes se portam com urbanidade, os diálogos fluem como devem fluir. Os jornalistas, em geral, é bom que se repita, são pessoas de bom trato. A postura de procurar descobrir o que as autoridades prefeririam esconder faz parte do ofício e, mais ainda, é indispensável para a normalidade democrática. Jornalistas existem para desvelar o que o poder esconde. É assim que funciona, embora o dirigente máximo do Poder Executivo federal pareça não dispor de meios para compreender.
Os sinais entrópicos que ele emite sobre a matéria são de estarrecer as paredes. Outro dia mesmo, em seu Twitter, agora convertido em órgão de Estado, usou o termo “canalhice” para se referir a um texto jornalístico do qual discordou. A cada três dias, conforme levantamento do Estado em sua edição de terça-feira, o Twitter presidencial dispara contra a mídia.
Vai se fixando assim a impressão geral de que, na opinião dele, a imprensa que não serve ao “fortalecimento do seu governo” deve ser tratada como “inimiga”. O improvável leitor que não se engane: dessa opinião presidencial vai se erigindo o que potencialmente já se apresenta como um dos mais sérios entraves à estabilidade política. Um governante que não compreende a liberdade de imprensa não compreende o que é democracia. E um governante que não compreende o que é democracia tenderá a atropelar direitos e liberdades aqui e ali. Vai atropelá-los por atos, por palavras, por omissões, ou simplesmente por despreparo.
Eis então que, depois de lançar desaforos contra a Folha de S.Paulo, depois de ofender as Organizações Globo, depois de xingar repórteres e editores, ele agora resolveu apontar sua insídia contra este jornal, O Estado de S. Paulo. Valendo-se de uma fake newsescabrosa, atentou nominalmente contra a reputação profissional da repórter Constança Rezende, acusada de tentar “arruinar” seu governo. A boataria caluniosa contra Constança Rezende, endossada por ele, já foi reiteradamente esclarecida e desmentida. Mesmo assim, não se ouviu um pedido de desculpas do Palácio do Planalto.
Cada dia mais, o estilão de brucutu digital de Sua Excelência faz lembrar a falta de polidez de Rafael Corrêa, no Equador, ou de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela, que iam (ou ainda vão) ao ar em cadeia nacional de rádio e televisão para vituperar contra repórteres. Há também semelhanças com Benito Mussolini, desgraçadamente.
Tanta brutalidade não é só grosseria. O que está em preparação no Brasil ultrapassa em muito a falta de educação. Não são jornais e emissoras de televisão que estão sob ataque cerrado. É a instituição da imprensa, com tudo o que ela tem de mais essencial. Sim, a democracia corre risco no Brasil.
* Jornalista, é professor da ECA-USP