governo bolsonaro
‘Patrão manda passar motosserra na Amazônia’, diz garimpeiro de Serra Pelada
Reportagem publicada na nova edição da revista Política Democrática online relaciona desmatamento a atividade ilegal
Cleomar Almeida, da Ascom/FAP
A ação de garimpeiros em situação irregular tem aumentado o desmatamento na Amazônia. É o que revela a segunda e última reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois, publicada na nova edição da revista Política Democrática online. Todo o conteúdo da revista pode ser acessado, de graça, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que produz e edita a publicação.
» Acesse aqui a 13ª edição da revista Política Democrática online
A equipe de reportagem da revista Política Democrática online viajou até Serra Pelada, no Sudeste do Pará, e revela como os trabalhadores são explorados como tatus para cavarem crateras atrás de ouro. “Todo mundo sabe que destruir a floresta não é certo. O patrão, que foi quem descobriu o garimpo, é quem manda a gente passar a motosserra de madrugada”, admite um garimpeiro.
A reportagem mostra que, no Pará, o aumento da destruição do meio ambiente tem relação direta com a exploração do ouro, que teve seu auge nos anos 1980. Desde aquela época, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o Estado perdeu 148,3 mil km² de floresta, o equivalente à área do Ceará.
De agosto de 2018 a julho de 2019, segundo informa a revista Política Democrática online, o Brasil bateu novo recorde do desmatamento na Amazônia nesta década. Os dados são do Inpe. No período, a área desmatada na floresta foi de 9.762 km², o que representa um aumento de 29,5% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018), que teve 7.536 km² de área desmatada.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuiu o aumento do desmatamento à “economia ilegal” na Amazônia, citando o garimpo, a extração de madeira e a ocupação do solo nessa situação. Ele disse que há negociações na esfera governamental para criar uma sede do órgão na Amazônia.
Observatório do Clima considera que “a alta no desmate coroa o desmonte ambiental de Bolsonaro e Salles”. Diz, ainda, que os dados de desmatamento são decorrência direta da estratégia do governo para desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso, criminosos ambientais.
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Carlos Andreazza: O presidente da República contra a imprensa
O presidente Jair Bolsonaro falou ontem, referindo-se à administração pública, que tem dificuldades seríssimas em muitas áreas. Nós sabemos.
Aliás, nesta ocasião, referiu-se ao Tribunal de Contas da União como se parte de sua mesma equipe; como se não fosse o TCU um órgão de controle externo, que opera com autonomia. Não se trata de novidade. Já estendera essa visão privatizadora (para si) do Estado, por exemplo, à Polícia Federal – que enxerga (ou deseja) como uma instituição subordinada a seu governo, e não como um organismo de Estado com autonomia funcional. É assim mesmo. Bolsonaro ainda não entendeu – nunca entenderá – a ideia de República.
Por isso, claro, tem também dificuldades seríssimas em compreender o papel da imprensa e a impessoalidade republicana. Muitos dos atos de flagrante inconstitucionalidade perpetrados pelo presidente derivam de seu inconformismo em não haver sido eleito para imperar, com mandato para moldar o Estado de acordo com suas vontades, afetos e desafetos.
É comum que governantes não gostem de jornalistas e reclamem da atividade jornalística. Em Jair Bolsonaro, no entanto, esta hostilidade escalou. Integra um discurso. Constitui-se mesmo num dos pilares do projeto de poder autoritário bolsonarista. Como a lógica sectária que fundamenta o fenômeno personalista do bolsonarismo exige adesão incondicional, toda e qualquer instituição que exerça algum grau de independência será uma ameaça a ser emparedada.
O bolsonarismo não aceita – não admite – autonomia que não a sua.
Isto serve para o Parlamento, para o Supremo; e também para a imprensa. Que deve ser desqualificada, ter a credibilidade artificialmente esvaziada, sufocada – para que o governante, líder populista, faça prosperar a farsa de que o filtro intermediário jornalístico é prescindível, descartável, e que ele pode falar ao povo diretamente ou por meio dos canais a seu serviço. Afinal, como sabemos, o presidente – um governante – não mente...
A cruzada personalista de Jair Bolsonaro contra a Folha de S. Paulo – e usando o aparelho de Estado para tanto – não é contra o jornal; mas contra o jornalismo e, portanto, contra a liberdade de imprensa. Não se pode calar diante disto.
Não se pode calar ante um presidente que constrange empresários com alertas sobre anunciar em certos jornais e emissoras. Isto é crime de responsabilidade.
Ao cumprir uma promessa de imperador eleito e excluir a Folha – sem qualquer base técnica, a partir de inaceitável questão pessoal – de um processo de licitação para fornecimento de acesso digital ao noticiário da imprensa, o presidente não atentou somente, e gravemente, contra a impessoalidade republicana, mas turbinou, valendo-se novamente da máquina estatal, sua campanha autocrática contra a atividade jornalística e, por consequência, contra o Estado Democrático de Direito.
Não interessa que Jair Bolsonaro se sinta perseguido pela imprensa; vítima do jornalismo. Ele é o presidente. Fala como presidente. Age como presidente. Não existe Jair Bolsonaro, o homem e seus desafetos, quando se expressa via (musculatura da) máquina federal.
Já passou da hora de uma medida cautelar – pedagógica – sustar esse processo licitatório e colocar o presidente e suas vontades imperiais no cercadinho dos limites da República.
Estamos ainda ao 11º mês do primeiro ano do governo Bolsonaro. Nunca, desde a redemocratização, tal volume de ataques à imprensa – por um governante, o próprio presidente – foi disparado. Difícil supor que não vá piorar.
‘Óleo nas praias brasileiras mostra incapacidade do governo’, diz Anivaldo Miranda à Política Democrática
Jornalista aponta, em artigo à revista da FAP, falta de sincronia de esforços diante de catástrofes
Cleomar Almeida, da Ascom/FAP
Das praias do Maranhão às do Espírito Santo, a tragédia causada pelas manchas de petróleo assusta pela quantidade de óleo vazado, os impactos à vida marinha e os prejuízos que afetarão a saúde humana, os produtos do mar e a economia do país. A avaliação é do jornalista Anivaldo Miranda, em artigo que ele publicou na 13ª edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília.
» Acesse, aqui, a 13ª edição da revista Política Democrática online
A revista pode ser acessada de graça no site da fundação, que é vinculada ao Cidadania. Miranda, que também é mestre em meio ambiente e desenvolvimento sustentável pela Ufal (Universidade Federal de Alagoas), diz que o caso serve para destacar “a recorrência não só da demora da resposta, mas também da incapacidade de sincronia de esforços diante das ocorrências catastróficas que se estão multiplicando no Brasil, resultantes tanto de fenômenos naturais, como da ação ou inação humanas”.
Conforme ele escreve no artigo publicado na revista Política Democrática online, o poder público tardou em perceber a gravidade e a abrangência do evento, e as providências deram-se de forma tardia, apesar dos instrumentos legais e operacionais que já estão disponíveis para enfrentar contextos de tal criticidade. “Tal atraso é sempre nocivo, tendo em vista que a larga experiência internacional ensina que tempo e agilidade podem minimizar significativamente os danos relativos a quaisquer acidentes”, alerta.
O autor afirma, ainda, que fontes do governo federal insistem em dizer que, desde a primeira notícia do aparecimento do óleo nas praias da Paraíba, em 30 de agosto último, teve início a mobilização oficial para avaliar e enfrentar o problema. No entanto, segundo ele, é diferente da versão do Ministério Público Federal no Nordeste, que acionou a União e acusou o Ministério do Meio Ambiente por não ter reconhecido formalmente a “significância nacional do desastre ambiental”.
Em razão isso, segundo Miranda, o governo não acionou em sua integridade o PNC (Plano Nacional de Contingência). Na sua opinião, a omissão que gerou luta de liminares bastante ilustrativa das complicações de ordem burocrática que atravancam a operacionalidade da ação estatal, até mesmo em situações de emergência.
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Revista Política Democrática || Sérgio C. Buarque: Os sinais e as incertezas
Economia do país reage e apresenta sinais alentadores, com ambiente macroeconômico favorável, com inflação de 3,4% ao ano e a mais baixa taxa Selic da história recente do Brasil (5% ao ano, menos de 2% em termos reais). É só o presidente não atrapalhar e as tensões externas arrefecerem
Os sinais da economia brasileira são alentadores. Apesar do tímido crescimento esperado para este ano e dos níveis alarmantes de desemprego, a combinação de inflação em patamares civilizados (3,4% ao ano) com a mais baixa taxa de juros de referência (Selic) da história recente do Brasil (5% ao ano, que representa menos de 2% em termos reais) cria ambiente macroeconômico muito favorável. Se o presidente da República não atrapalhar e as tensões comerciais externas arrefecerem, é provável que a economia brasileira retome ciclo de crescimento nos próximos anos. Nada espetacular e rápido, contudo, como seria desejável para a geração de renda e emprego e para ampliação da receita pública. Mesmo com a reforma da Previdência, a crise fiscal ainda vai se arrastar por alguns anos, as famílias e as empresas continuam endividadas e a economia internacional caminha a passos de tartaruga.
A queda da taxa de juros de referência deve gerar três efeitos positivos e complementares na economia. De imediato, reduz o custo da dívida pública, contendo a tendência de expansão do endividamento, que gera insegurança e instabilidade, e diminuindo o tamanho do superávit primário necessário para pagamento dos juros. Ao mesmo tempo, a redução da Selic já está empurrando para baixo os juros do crédito comercial, mesmo com a persistência de oligopólio bancário e da elevada inadimplência.
Além disso, a redução da Selic deve levar a uma redução da atratividade das aplicações financeiras em títulos da dívida pública, grande parte dos quais são remunerados pela taxa de referência. Como consequência, pode haver migração das aplicações da poupança nacional para produtos mais rentáveis, incluindo ações, e mesmo para o consumo ou o investimento. O desestimulo da “economia rentista” anima os empreendedores à procura de negócios com maior remuneração e risco mais elevado. Como a economia está operando com alto índice de ociosidade, a ampliação da utilização da capacidade instalada, acompanhada da contratação de mão de obra desocupada, complementa o ciclo virtuoso de recuperação do crescimento econômico.
Entretanto, esta conjuntura favorável convive com muitas incertezas, que assustam os agentes econômicos e podem comprometer o crescimento da economia. O primeiro fator de insegurança reside no próprio governo, na incompetência e no desequilíbrio emocional e ideológico do presidente da República, sua incontinência verbal alimentada pela paranoia reacionária, provocando quase cotidianamente o conflito e a instabilidade. A isto se agrega a recente libertação de Luís Inácio Lula da Silva com um discurso de radicalização política que deve acentuar a polarização entre lulistas e bolsonaristas, elevando a temperatura política, o que pode desfocar o debate das reformas estruturais.
É surpreendente, em todo caso, a consistência da política econômica de um governo completamente desorientado, parecendo indicar que o presidente delegou, efetivamente, ao ministro Paulo Guedes e a outros ministros da área econômica a condução das reformas que podem destravar a economia e estimular novos investimentos privados. Além das iniciativas para privatização de várias estatais e concessão de serviços públicos, o governo vem avançando em algumas reformas do Estado para flexibilizar, regular e reduzir as despesas públicas. O Ministério da Economia falha, lamentavelmente, quando se omite das negociações que levam à reforma tributária (com duas propostas tramitando no Congresso), fundamental para melhoria do ambiente de negócios, que estimula os investimentos.
Não bastassem as incertezas internas, a situação internacional emite ondas de instabilidade que podem atrapalhar muito o desempenho da economia brasileira. A disputa comercial dos Estados Unidos com a China, amenizada transitoriamente, pode gerar retração da economia global e, de imediato, atingir os dois maiores parceiros comerciais do Brasil. A União Europeia, às voltas com um nacionalismo retrógrado e com a confusão do Brexit, mostra sinais de estagnação econômica que contraem também o comércio internacional. Mais perto do Brasil, o renascimento do peronismo kirchnerista na Argentina, nosso terceiro parceiro comercial, ameaça a existência do Mercosul, base para negociação de acordos comerciais com grandes centros econômicos, especialmente o entendimento com a União Europeia, já muito abalado pelas barbaridades do presidente Jair Bolsonaro.
Mesmo com toda a reserva em relação a um presidente autoritário e reacionário em áreas importantes da vida brasileira, há motivos para otimismo quanto a uma possível retomada do crescimento da economia brasileira. Os sinais são positivos, embora as incertezas ainda sejam muito grandes.
El País: Guedes admite freio em reformas ante temor de contágio de protestos na América Latina
Ministro enviou superpacote de "choque liberal" no Estado no começo do mês, mas agora diz ponderar reação da oposição. Governo enfrenta falta de base sólida no Congresso às vésperas de ano eleitoral
A onda de descontentamento e protestos de ruas que varre a América do Sul não chegou ao Brasil, mas o temor e o nervosismo diante de um possível contágio são evidentes. O ministro da Economia, o ultraliberal Paulo Guedes, admitiu na noite de segunda-feira nos EUA que o medo de um incêndio nas ruas é o motivo pelo qual o Governo freou seu ambicioso programa de reformas para abrir a economia e encolher o Estado. Guedes chegou a evocar o AI-5, o decreto da ditadura que deu início aos anos de chumbo e fechou o Congresso, porque “é irresponsável chamar alguém à rua agora pra dizer que tem que tomar o poder”, disse ele, referindo-se ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E advertiu: “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”. A indignação foi imediata.
Guedes explicou com franqueza a situação em uma longa entrevista coletiva em Washington, depois de se reunir com membros da Administração Donald Trump. Admitiu que a inédita onda latino-americana de protestos é o motivo pelo qual o Governo do presidente Jair Bolsonaro estacionou a reforma tributária e a administrativa, que iria apresentar ao Congresso neste mês. “É verdade que se desacelerou. Quando começa todo mundo a ir pra rua sem motivo aparente, você fala: ‘Não, pare tudo para gente não dar nenhum pretexto. Vamos ver o que está acontecendo primeiro. Vamos entender o que está acontecendo”, disse, segundo o Estado de São Paulo.
O ministro plenipotenciário em assuntos econômicos, um antigo banqueiro de investimentos com pouca experiência política, e sua agenda reformista são os motivos pelos quais o empresariado deu, desde o início, seu apoio ao Governo Bolsonaro. Este Governo conseguiu levar adiante a impopular reforma da previdência, mas não quer arriscar. Guedes salientou que a economia brasileira começa a se recuperar, disse que Bolsonaro mantém sua aposta na agenda reformista e minimizou o fato de o dólar estar batendo recordes em relação ao real. O dólar abriu a 4,25 reais nesta terça-feira, novo recorde nominal para a modea americana.
Depois da aprovação da reforma da Previdência, o pacote econômico de Guedes tem pelo menos cinco propostas legislativas que exigem alteração da Constituição. Oficialmente, agora o ministro admite que foram adiadas pelo temor de que a esquerda mobilize sua militância com grandes manifestações nas ruas são a tributária e a administrativa —a primeira, projetada para simplificar o sistema de impostos, e a segunda, para reduzir os salários e a estabilidade dos novos funcionários públicos.
Mas o quadro é mais complexo. Para começar, a resistência de uma mudança tão profunda no serviço público não afetaria apenas as tradicionais forças de esquerda, mas os poderosos lobbies de servidores em Brasília. O mesmo vale para os planos do Governo, ao menos no papel, de retirar subsídios de alguns setores produtivos, que também não avançariam sem resistências do empresariado.
Como pano de fundo, está também desorganização da própria base de Bolsonaro no Congresso. O presidente abriu uma nova crise com sua bancada parlamentar ao abandonar seu partido para criar uma nova sigla, a Aliança pelo Brasil, enquanto a Câmara decidiu concentrar seus esforços no debate de uma proposta para reverter a decisão do Supremo Tribunal Federal que permitiu a libertação de Lula e de outros 5.000 presos.
Rodrigo Maia, o presidente da Câmara de fato tem coordenado a aprovação das pautas econômicas no Legislativo, não comprou o discurso de Guedes pelo preço de face: "Se a gente está preocupado com a insatisfação da sociedade, a gente não vai resolver o problema apenas criticando o discurso do ex-presidente Lula. Foi muito radical, propondo que alguém possa falar de AI-5", disse Maia. "A gente tem que dar soluções permanentes. Onde está o problema do Estado? Está na concentração de recursos de impostos e transferências na elite da sociedade brasileira. Do setor público e privado. Nós temos que ter coragem de enfrentar esse debate", defendeu.
Brasil de olho nos vizinhos
No Brasil, ninguém tira os olhos da agitada vizinhança. As manifestações que persistem no Chile −o modelo para as reformas de Guedes− e na Colômbia, os protestos já menos intensos na Bolívia, no Equador e no Peru, a vitória da esquerda peronista na Argentina e até mesmo a recontagem de votos no sempre estável Uruguai preocupam o Governo Bolsonaro e inspiram a oposição. O discurso duro de Lula após sair da prisão só acrescentou pressão a esse coquetel. A Venezuela e sua arraigada crise são um capítulo à parte.
Guedes investiu contra o duro discurso de Lula agora que recuperou a liberdade, embora o ex-presidente não possa disputar eleições. “É irresponsável chamar alguém à rua agora pra fazer quebradeira, pra dizer que tem que tomar o poder. Se você acredita na democracia, espera vencer e ser eleito”, disse o ministro, que se referiu em duas ocasiões ao decreto AI-5 (de dezembro de 1968, o quinto dos Atos Institucionais da ditadura), que, além de fechar todos os Legislativos, suspendeu os habeas corpus, entre outras medidas. Guedes tentou convencer depois a imprensa de que a entrevista era off-the-record, ou seja, não era para ser publicada, e enfatizou que “o Planalto jamais apoiaria um AI-5, isso é inconcebível”.
O Brasil teve sua grande revolução de descontentamento a partir de 2013. Começou como agora nos países vizinhos, de maneira inesperada. O aumento da passagem de ônibus foi a faísca que levou os brasileiros a tomar as ruas contra a corrupção e a classe política. A longo prazo, aquela explosão desaguaria numa polarização política sem precedentes. Veio na esteria a destituição da presidenta Dilma Rousseff e a própria Operação Lava Jato, com a prisão de boa parte dos líderes políticos e empresariais e, indiretamente, a eleição de um presidente como Bolsonaro.
Revista Política Democrática || Reportagem: Um Oásis no meio da destruição
Lago em Serra Pelada está cercado por desmatamento que aumenta com ação de garimpeiros, mostra segunda reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois
Por Cleomar Almeida, enviado especial
Um lago de 200 metros de profundidade sobrevive como um oásis em meio ao cenário de terra arrasada, em Serra Pelada, no Sudeste do Pará. A ação das chuvas criou o reservatório no mesmo local onde há 40 anos passou a ser aberta uma cratera de 24 mil metros quadrados para exploração do maior garimpo livre do mundo até o final dos anos 1980. Contudo, ao redor do lago, dentro da floresta amazônica, garimpeiros aumentam cada vez mais o desmatamento, já que são explorados para trabalharem como tatus atrás de ouro na região.
No Pará, o aumento da destruição do meio ambiente tem relação direta com a exploração do ouro, que teve seu auge anos 1980. Desde aquela época, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Estado perdeu 148,3 mil km² de floresta, o equivalente à área do Ceará. A maioria dos garimpeiros atua em situação ilegal, como mostrou a primeira reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois.
Os garimpeiros deixam seus rastros visíveis de destruição ao se embrenharem na floresta em busca do ouro. Derrubam árvores. Acumulam montanhas de terra em cima da vegetação. Com pás, enxadas, picaretas e motosserras, exploram uma área até se esgotar qualquer chance de encontrar o metal. Em seguida, partem para outra região da Amazônia e repetem o mesmo ciclo do desmatamento.
— A gente vem para o garimpo para não passar necessidade, mas todo mundo sabe que destruir a floresta não é certo. O patrão, que foi quem descobriu o garimpo, é quem manda a gente passar a motosserra de madrugada. A gente só obedece, diz um garimpeiro da região que pediu para não ser identificado.
De agosto de 2018 a julho de 2019, o Brasil bateu novo recorde do desmatamento na Amazônia nesta década, de acordo com números oficiais do governo federal divulgados, no dia 18 de novembro, pelo Inpe. No período, a área desmatada na floresta foi de 9.762 km², o que representa um aumento de 29,5% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018), que teve 7.536 km² de área desmatada.
O aumento percentual deste ano é o terceiro maior da história. Outros aumentos preocupantes só foram registrados nos anos de 1995 e 1998. Os dados são do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), considerado o mais preciso para medir as taxas anuais.
O Pará é o que mais destruiu a região desde o ano passado, com 3.862 km² de área desmatada. De acordo com o Prodes, foram 39,56% de toda a floresta derrubada. Juntos, os estados do Pará, Rondônia, Mato Grosso e Amazonas foram responsáveis por 84% do total desmatado no período, cerca de 8.213 km².
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuiu o aumento do desmatamento à “economia ilegal” na Amazônia, citando o garimpo, a extração de madeira e a ocupação do solo nessa situação. Ele disse que há negociações na esfera governamental para criar uma sede do órgão na Amazônia. As medidas incluiriam transferência de parte dos órgãos de identificação, monitoramento e pesquisa de biodiversidade e floresta, e o setor de ecoturismo, que faz parte do ministério.
— Os garimpos que foram autuados neste ano foram os mesmos autuados em anos anteriores, o que mostra que essa colocação de que atividades ilegais tenham começado agora por causa de discurso, seja ele qual for, não é verdade, afirmou Salles.
Em menos de um ano de mandato, o presidente Jair Bolsonaro tem repetido discursos de apoio a garimpeiros prometendo legalizar a atividade, enquanto critica os fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e ataca os dados de desmatamento monitorados e divulgados pelo Inpe.
O Observatório do Clima considera que “a alta no desmate coroa o desmonte ambiental de Bolsonaro e Salles”. Diz, ainda, que os dados de desmatamento são decorrência direta da estratégia do governo para desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso, criminosos ambientais.
— O dado divulgado pelo Inpe é o indicador mais importante do impacto da gestão Bolsonaro/Salles para o meio ambiente do Brasil até agora: um imenso desastre. E propostas como legalização da grilagem de terras públicas, mineração e agropecuária em terras indígenas, infraestrutura sem licenciamento ambiental só mostram que os próximos anos podem ser ainda piores”, disse o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl.
Ruínas de mineradora canadense mancham paisagem da região
As ruínas de um esquema fraudulento de retomada da exploração do garimpo pioram o cenário de destruição e abandono em Serra Pelada, no Sul do Pará. Excesso de concreto – alguns acumulando água da chuva –, vigas de ferro jogadas por todos os cantos, balcões vazios e túnel desativado dão um sinal do que restou da desenfreada ação humana atrás do ouro na região, de 2008 a 2014.
O novo empreendimento de exploração de ouro foi resultado de uma parceria entre a Cooperativa dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) e a empresa de mineração Colossus Minerals, do Canadá. A aliança, firmada em 2008, gerou uma terceira empresa, a Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral (SPCDM), detentora da portaria de lavra, documento concedido pelo governo federal que permite a retirada de minério do local.
Na época, a operação de retomada do garimpo foi articulada pelo senador e ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão. A suspeita era de que operação envolvia pagamentos suspeitos a cabos eleitorais dele e empresas - algumas supostamente de fachada - instaladas no Brasil e no Canadá.
Ainda em 2007, como senador, Lobão agiu para que o governo federal convencesse a Vale, até então detentora da mina, a transferir à cooperativa seus direitos de exploração de ouro e outros metais nobres em Serra Pelada. Na época, a Vale submeteu a proposta a seu conselho de administração, que concordou em atender ao pedido de Brasília e, em fevereiro de 2007, assinou um "termo de anuência" repassando à cooperativa dos garimpeiros o direito de explorar a mina principal.
A Colossus ingressou na sociedade com 51% de participação na nova empresa. A Coomigasp ficou com 49%. Pouco depois, sempre com a anuência dos diretores da cooperativa ligados a Lobão, a mineradora canadense conseguiu ampliar sua participação para 75%.
Em 2010, a Colossus Minerals encontrou dois depósitos inesperados com alta concentração de ouro e platina no seu projeto de Serra Pelada, no Pará, aumentando as expectativas de que existam mais reservas minerais ainda não descobertas na região. Em 2014, a mineradora fez demissões em massa e comunicou a paralisação das atividades.
— Com certeza tiraram várias toneladas de ouro e os garimpeiros não ficaram com nada. O que estamos pedindo, agora, é para as autoridades investigarem o processo. Queremos que o governo nos ajude a desvendar o que houve aqui, diz o diretor da cooperativa Almir José da Cruz Arantes, que assumiu o cargo após eleição de nova diretoria.
Em nota, a Vale informou que não tem qualquer participação na Colossus. A reportagem não conseguiu contato de representantes da mineradora canadense e de Edison Lobão. O governo federal não se pronunciou.
Fotógrafo lançará livro com primeiras fotos de garimpo
Serra Pelada é conhecida por fotos históricas de um formigueiro humano dentro da cratera de exploração de ouro. O fotógrafo André Dusek (63 anos), o primeiro profissional brasileiro a registrar essa “cena babilônica”, como ele mesmo a denomina, deve lançar em janeiro um livro com fotografias históricas de Serra Pelada em três épocas: 1980, 1996 e 2019. A previsão dele é de que o lançamento do livro ocorra em Brasília, Florianópolis, São Paulo e Rio de Janeiro.
Dusek conseguiu seu primeiro acesso livre à Serra Pelada, em 1980, enquanto fazia um trabalho para o Correio Braziliense, em outro garimpo, em Conceição do Araguaia, no Sul do Pará. Anos depois, trabalhou também para veículos de circulação nacional, como o Estado de S. Paulo e a revista IstoÉ.
A autorização ocorreu após um encontro rápido com o Major Curió, como ficou conhecido Sebastião Rodrigues de Moura, que ficou conhecido no Norte do país por ter sido o comandante da ação que exterminou a Guerrilha do Araguaia, em 1974. Quando o governo quis “organizar” a exploração do ouro em Serra Pelada, Curió foi destacado como interventor, em maio de 1980. Era a única autoridade civil e militar na região.
Acompanhado de Curió, o fotógrafo chegou de helicóptero a Serra Pelada. Como havia usado boa parte dos filmes de sua máquina fotográfica em outra reportagem, Dusek, que tinha 23 anos na época, seguiu para o maior garimpo a céu aberto do mundo com muito frio na barriga e uma vontade enorme de fotografar todos os detalhes possíveis. Ficou dois dias no local.
— Talvez, seja um dos trabalhos mais importantes da minha vida. Só tinha 5 filmes de 20 poses, ou seja, 100 chapas para fazer as fotos. Tinha mais um filme de 36 fotos coloridas. Essa foto mesma eu só fiz uma, disse ele, referindo-se à fotografia do formigueiro humano na cratera de exploração de ouro.
Em 1981, o fotógrafo fez uma exposição na Aliança Francesa e publicou parte de seu material na revista francesa de fotorreportagem. Fez uma seleção minuciosa e, para o seu novo livro, pretende construir um trabalho que reúna o seu retorno à região nos anos 1996 e 2019.
— No garimpo de ouro, as pessoas ficam obcecadas. É como se estivessem em um jogo. Começam a tirar ouro e não querem parar. Estive lá e presenciei isso, na época. Foi algo muito emocionante. Não estava ali para procurar ouro, queria era fazer foto boa, conta Dusek.
Na história
O tenente-coronel Sebastião Rodrigues Moura era um nome pouco conhecido nos garimpos do Pará, nos anos 1980. A mesma pessoa usou nomes falsos durante oito anos: Marco Antônio Luchini e Major Curió. Ele foi agente do Sistema Nacional de Informação (SNI) e comandou as operações oficiais em Serra Pelada. Hoje, aos 81 anos, vive com o auxílio de um profissional de saúde em uma casa no Lago Sul, em Brasília.
Com a promessa de ser a ponte entre garimpeiros e Estado, Curió proibiu a entrada de mulheres, cachaça e armas na zona de trabalho em Serra Pelada. Usou sua popularidade como major da região para chegar ao Congresso. Foi eleito deputado federal pelo Pará, em 15 de novembro de 1982, com 49.529 votos. Sua candidatura foi anunciada em maio daquele ano. Em Brasília, Curió tentou prolongar ao máximo a concessão de direitos ao trabalho manual dos garimpeiros.
Até 1984, o garimpo manual seguiu instável, passando por longos meses de fechamento. Em junho, o governo estendeu por mais cinco anos a chance de trabalho humano nos barrancos de Serra Pelada. Um churrasco com direito a fogos de artifício e à liberação da visita de mulheres foi realizado no povoado. Em entrevista à imprensa, Curió declarava que a questão estava resolvida, ou seja, que a lavra manual seria mantida.
Revista Política Democrática || Sérgio C. Buarque: Os sinais e as incertezas
Economia do país reage e apresenta sinais alentadores, com ambiente macroeconômico favorável, com inflação de 3,4% ao ano e a mais baixa taxa Selic da história recente do Brasil (5% ao ano, menos de 2% em termos reais). É só o presidente não atrapalhar e as tensões externas arrefecerem
Os sinais da economia brasileira são alentadores. Apesar do tímido crescimento esperado para este ano e dos níveis alarmantes de desemprego, a combinação de inflação em patamares civilizados (3,4% ao ano) com a mais baixa taxa de juros de referência (Selic) da história recente do Brasil (5% ao ano, que representa menos de 2% em termos reais) cria ambiente macroeconômico muito favorável. Se o presidente da República não atrapalhar e as tensões comerciais externas arrefecerem, é provável que a economia brasileira retome ciclo de crescimento nos próximos anos. Nada espetacular e rápido, contudo, como seria desejável para a geração de renda e emprego e para ampliação da receita pública. Mesmo com a reforma da Previdência, a crise fiscal ainda vai se arrastar por alguns anos, as famílias e as empresas continuam endividadas e a economia internacional caminha a passos de tartaruga.
A queda da taxa de juros de referência deve gerar três efeitos positivos e complementares na economia. De imediato, reduz o custo da dívida pública, contendo a tendência de expansão do endividamento, que gera insegurança e instabilidade, e diminuindo o tamanho do superávit primário necessário para pagamento dos juros. Ao mesmo tempo, a redução da Selic já está empurrando para baixo os juros do crédito comercial, mesmo com a persistência de oligopólio bancário e da elevada inadimplência.
Além disso, a redução da Selic deve levar a uma redução da atratividade das aplicações financeiras em títulos da dívida pública, grande parte dos quais são remunerados pela taxa de referência. Como consequência, pode haver migração das aplicações da poupança nacional para produtos mais rentáveis, incluindo ações, e mesmo para o consumo ou o investimento. O desestimulo da “economia rentista” anima os empreendedores à procura de negócios com maior remuneração e risco mais elevado. Como a economia está operando com alto índice de ociosidade, a ampliação da utilização da capacidade instalada, acompanhada da contratação de mão de obra desocupada, complementa o ciclo virtuoso de recuperação do crescimento econômico.
Entretanto, esta conjuntura favorável convive com muitas incertezas, que assustam os agentes econômicos e podem comprometer o crescimento da economia. O primeiro fator de insegurança reside no próprio governo, na incompetência e no desequilíbrio emocional e ideológico do presidente da República, sua incontinência verbal alimentada pela paranoia reacionária, provocando quase cotidianamente o conflito e a instabilidade. A isto se agrega a recente libertação de Luís Inácio Lula da Silva com um discurso de radicalização política que deve acentuar a polarização entre lulistas e bolsonaristas, elevando a temperatura política, o que pode desfocar o debate das reformas estruturais.
É surpreendente, em todo caso, a consistência da política econômica de um governo completamente desorientado, parecendo indicar que o presidente delegou, efetivamente, ao ministro Paulo Guedes e a outros ministros da área econômica a condução das reformas que podem destravar a economia e estimular novos investimentos privados. Além das iniciativas para privatização de várias estatais e concessão de serviços públicos, o governo vem avançando em algumas reformas do Estado para flexibilizar, regular e reduzir as despesas públicas. O Ministério da Economia falha, lamentavelmente, quando se omite das negociações que levam à reforma tributária (com duas propostas tramitando no Congresso), fundamental para melhoria do ambiente de negócios, que estimula os investimentos.
Não bastassem as incertezas internas, a situação internacional emite ondas de instabilidade que podem atrapalhar muito o desempenho da economia brasileira. A disputa comercial dos Estados Unidos com a China, amenizada transitoriamente, pode gerar retração da economia global e, de imediato, atingir os dois maiores parceiros comerciais do Brasil. A União Europeia, às voltas com um nacionalismo retrógrado e com a confusão do Brexit, mostra sinais de estagnação econômica que contraem também o comércio internacional. Mais perto do Brasil, o renascimento do peronismo kirchnerista na Argentina, nosso terceiro parceiro comercial, ameaça a existência do Mercosul, base para negociação de acordos comerciais com grandes centros econômicos, especialmente o entendimento com a União Europeia, já muito abalado pelas barbaridades do presidente Jair Bolsonaro.
Mesmo com toda a reserva em relação a um presidente autoritário e reacionário em áreas importantes da vida brasileira, há motivos para otimismo quanto a uma possível retomada do crescimento da economia brasileira. Os sinais são positivos, embora as incertezas ainda sejam muito grandes.
Revista Política Democrática || Reportagem especial - Serra Pelada vive à míngua do ouro (Parte 1)
Promessa do governo, de legalizar garimpo, reacende a exploração manual na Amazônia, como mostra a primeira das duas reportagens da série Sonho Dourado: 40 anos depois
Cleomar Almeida
Nas mãos calejadas de Antônio Soares (69 anos), a picareta com cabo de madeira ganha velocidade e avança contra a estrutura rochosa no fundo de um barranco de 70 metros de profundidade que ele e outros garimpeiros abrem em Serra Pelada, no Sudeste do Pará. O suor mina do corpo. O barro vermelho-amarelado ofusca a pele. Eles atuam na clandestinidade em busca de ouro, mas só encontram migalhas na região em que, há 40 anos, teve início o maior garimpo a céu aberto do mundo.
Em situação ilegal, a maioria dos garimpeiros deflagra entre si uma guerra silenciosa em parte da floresta amazônica, sem qualquer precisão sobre a existência de ouro no local em que operam e sem infraestrutura que diminua o risco de desabamento dos barrancos. Para não perderem tempo na corrida pelo ouro, outros já exploram o metal com auxílio de empresas que identificam minas por meio de imagem via satélite.
O consenso entre diversos grupos de garimpeiros é para que o presidente Jair Bolsonaro cumpra a promessa, feita em agosto, de que pretende legalizar os garimpos. No início deste mês, Bolsonaro criticou a empresa mineradora Vale pela exploração de minérios no país e reforçou seu discurso em defesa dos garimpeiros, que veem a multinacional como uma grande barreira para exercerem a atividade, manualmente.
– Minha alma está no garimpo. Aqui tem muita riqueza ainda e não quero que o ouro escorra entre os meus dedos de novo, afirma Antônio, que atua em um barranco perfurado aleatoriamente, enquanto solta um largo sorriso com dois dentes de ouro.
Antônio esteve em Serra Pelada em 1980, mas foi embora no ano seguinte porque diz ter se desanimado pela multidão atraída para a região. Voltou em janeiro. Deixou a família para trás – 17 filhos em Mato Grosso, Maranhão e São Paulo, além de netos e bisnetos – para se unir aos garimpeiros. Sem equipamentos de segurança, eles passam o dia inteiro revezando picareta, cavadeira, enxada e pá. Na minguada disputa pelo ouro, só há intervalo para fazerem uma rápida refeição em fogão de tijolo à lenha, tomar água e dormir, à noite. Ninguém dá detalhes da quantidade de ouro encontrado.
– A gente trabalha para o patrão, que ajuda com o sustento e dá proteção. De vez em quando, aparece uma pepita, mas é coisa miúda, diz o garimpeiro José da Silva (66), que trabalha no mesmo barranco que Antônio.
Entre os garimpeiros, vale a lei do silêncio. No grupo, o olhar de um é suficiente para chamar o outro em um canto afastado. Qualquer comportamento suspeito por parte de algum integrante é recebido pelo garimpeiro-chefe com sinal de advertência. A maioria deles é analfabeta e mora em casas de madeira desgastada, como é predominante em Serra Pelada, aonde as pessoas chegam em lotação após trafegarem 50 quilômetros – 35 deles em estrada de terra – a partir de Curionópolis, a 675 quilômetros de Belém.
Apesar de boa parte deles atuarem em terreno público, garimpeiros que descobrem uma área com potencial de exploração antes dos demais se autodefinem como donos dela e convidam outros para trabalhar, pagando-lhes por meio de diária ou porcentagem do total de ouro achado. Eles reproduzem um código próprio do garimpo, semelhante ao que existia na década de 1980, quando foram extraídas 42 toneladas do metal na região. Na época, Serra Pelada atraiu 100 mil pessoas. Hoje, tem oito mil moradores.
O garimpeiro Jó Borges da Silva (33) opera em uma mina conhecida como mais bem organizada e identificada com auxílio de uma empresa de monitoramento de imagem via satélite. Na cabeça, usa um capacete improvisado e passa o dia explorando ouro em um barranco de 80 metros de profundidade com as laterais protegidas por estrutura de madeira. Usada para puxar as pedras de dentro do buraco, uma gangorra com corda grossa também serve como elevador improvisado dos garimpeiros.
– Meu sonho é achar uma pepita de 30 quilos, maior que a minha cabeça. A maior que já achei aqui tem dois gramas. Quero terminar de construir minha casa em Eldorado dos Carajás. Comecei há três anos e nunca consegui terminar, conta Jó.
O sonho dele corresponde à metade do peso da maior pepita identificada em Serra Pelada e que fica exposta no Museu de Valores do Banco Central, em Brasília. Em 1983, o garimpeiro Júlio de Deus Filho encontrou a pepita Canaã (de 60,8 quilos no total, dos quais 52,3 quilos são de ouro). É a maior parte de uma pedra de quase 150 quilos, que se partiu em vários pedaços quando foi retirada do solo.
O garimpeiro Antônio da Cruz Arantes (59), que se apresenta como proprietário de um dos garimpos identificados por imagem via satélite em Serra Pelada, pretende expandir o negócio e torce para que tenha apoio do Governo Federal. Enquanto faz o processo de lavagem da terra para separar o ouro em uma bateia, ele mostra onde vai instalar um britador próximo ao pequeno barranco.
– Em poucos dias, vamos colocar esta estrutura para funcionar e aqui já queremos separar o ouro o máximo possível. O garimpo está quase vencido, mas a proposta de Bolsonaro vem reacender o sonho de milhares de garimpeiros que esperam pelo funcionamento do garimpo de Serra Pelada, que está adormecido desde os anos 1990, diz Antônio.
Assim como outros trabalhadores da região, o garimpeiro dos dois dentes de ouro torce para que a atividade seja legalizada e que o governo promova ampla discussão com a sociedade, além de ter mais controle sobre a área para coibir a exploração indevida de minérios e mão de obra. Seu maior desafio é, como disse, não deixar o ouro escorrer pelos dedos, como ocorreu quando esteve em Serra Pelada pela primeira vez.
– Não sei se estarei vivo, mas tomara que isso tudo melhore. Vai que eu consiga completar os dentes de ouro da minha boca. Mas, para falar a verdade, não quero, não, porque depois me matam só para roubar os dentes.
Garimpeiros e mineradora Vale acirram briga
Garimpeiros de Serra Pelada reclamam que a empresa mineradora Vale atrapalha as atividades de exploração manual de ouro que eles realizam no Sudeste do Pará. Desde os anos 1970, segundo líderes locais, a multinacional avançou sobre a área que antes estava demarcada para a atividade da cooperativa. Em nota, a Vale nega e informa que não tem intenção de prejudicar os garimpeiros.
Diretor da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp), Almir José da Cruz Arantes diz que a Vale expandiu seu campo de atuação após a descoberta de ouro por parte de um grupo de garimpeiros na região. A empresa informa que não é contra a exploração de minério realizada por pequenos garimpeiros e que cedeu à cooperativa o título minerário de ouro.
A cooperativa também reclama que a Vale construiu em cima da pista de pouso do garimpo uma estrada de escoamento de produção de minério de ferro da mina da unidade de Serra Leste. Segundo os garimpeiros, a obra teve como objetivo atrapalhar a logística de exploração de minério por parte deles e a chegada de pessoas em pequenos aviões.
A Vale informa que construiu a estrada em 2015, com o devido cumprimento do que estabelece a legislação brasileira e licenciamento ambiental junto ao órgão competente. A atividade, segundo a empresa, contribui para o desenvolvimento de Curionópolis, do qual Serra Pelada é distrito, com a geração de empregos, arrecadação e a dinamização da economia local.
Somente em 2018, segundo a mineradora, a operação de Serra Leste gerou R$ 17,3 milhões à União, ao Estado e ao município. Deste total, acrescenta, Curionópolis recolheu R$ 10,4 milhões em Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. A Vale diz que, no Pará, desenvolve atividades diversificadas de mineração, com produção de ferro, cobre, níquel e manganês e também atividade logística, por meio da Estrada de Ferro Carajás.
BLOCO | NA HISTÓRIA
Em outubro de 1977, o então presidente da Companhia Vale do Rio Doce, que tinha direitos sobre a jazida, confirmou a existência de ouro na Serra dos Carajás. Em 21 de maio de 1980, o Governo Federal promoveu uma intervenção na área. No ano seguinte, os depósitos de ouro na superfície se esgotaram e a Vale tentou reaver a posse da área. Na época, interesses eleitorais, porém, levaram o governo a fazer obras para prorrogar a extração manual, já que havia 80 mil garimpeiros na área. Em 1984, a Vale recebeu indenização de US$ 59 milhões.
Diante da queda do volume da extração no final dos anos 1980, o governo, em março de 1992, não renovou a autorização de 1984, e o garimpo voltou a ser concessão da Vale. Em 1996, os garimpeiros restantes invadiram a mina, mas uma operação do Exército e da Polícia Federal pôs fim à obstrução de 171 dias nos acessos a Serra Pelada.
25% do ouro produzido no Brasil é ilegal, diz agência
A Agência Nacional de Mineração (ANM) estima que até 25% de ouro produzido no país é ilegal. Em média, segundo a autarquia, o volume da produção do minério chega a 80 toneladas por ano. Desse total, 20 toneladas estariam em situação irregular. A agência não informou se fiscaliza regiões de garimpo para evitar a exploração ilegal de minério e com qual frequência.
Segundo relatório da agência, os estados com maiores reservas de ouro são Pará, Minas Gerais, Bahia, Goiás e Mato Grosso. A ANM também informa que concedeu 2.394 Permissões de Lavra Garimpeira (PLGs) no país. Desse total, 1.711 são para exploração de ouro. O documento, emitido pela autarquia, é a autorização do garimpo.
Para legalizar um garimpo, primeiramente tem de ser observado se a área está livre, ou seja, não onerada por título de lavra, por questão de conservação ambiental ou outro motivo, como barragens de água e linhas de transmissão de energia. Se estiver onerada, deve-se verificar a possibilidade de solução do conflito, como a cessão parcial da área. Depois, é preciso providenciar o título autorizativo de lavra.
Segundo a ANM, a exploração ilegal de minério pode ser verificada em diversas situações. Entre elas, a inexistência do título autorizativo ou de licença ambiental, inobservância das normas regulamentares, lavra ambiciosa pelo não aproveitamento racional e condições operacionais inseguras e insalubres.
A agência não informou se realiza investimentos em monitoramento por satélite para identificação de jazidas de ouro no país, assim como fazem alguns pequenos garimpeiros da região de Serra Pelada. A ANM alega que depende de denúncias para apurar os casos de garimpos ilegais e saber quantos foram registrados no país.
Ricardo Noblat: Deixem o capitão trabalhar!
Nem tudo ainda está perdido
Ao presidente da República deveria ser permitido no fim de semana sair para almoçar na casa de um amigo sem ser importunado pelos jornalistas, sem ter a obrigação quase sempre desagradável de responder a perguntas fora de hora, principalmente as mais incômodas que não quer ou que não saberia responder.
No caso de Bolsonaro, dentro ou fora do expediente de serviço, nada se lhe deveria indagar sobre economia porque ele simplesmente não entende. Quantas vezes ele não disse que de economia entende o ministro Paulo Guedes? Ou que os que diziam entender de economia empurraram o país para o buraco? Referia-se aos petistas, claro.
Mas os jornalistas são uma praga. E ontem, à saída de Bolsonaro da casa de um amigo no Lago Sul, em Brasília, quiseram saber o que ele acha das projeções sobre o crescimento do Produto Interno Bruto do país depois da queda de 0,2% no primeiro trimestre deste ano. Isso é lá coisa que se pergunte a um presidente num sábado luminoso?
“Já falei que não entendia de economia?” – devolveu Bolsonaro. “Quem entendia afundou o Brasil e eu confio 100% na economia do Paulo Guedes”. Ante a pressão de repórteres ansiosos por notícias, o presidente decidiu saciá-los com platitudes do tipo: “A gente quer melhorar os nossos índices, agora passa por questões até externas”.
Das internas preferiu não falar, e com razão. Sempre que tenta demonstrar domínio de alguns temas, é encrenca na certa. Foi assim quando mandou a Petrobras suspender o reajuste do diesel. Ou quando anunciou um milagroso projeto econômico do qual ninguém ouvira falar dentro ou fora do governo. Admoestado, recuou.
Depois de cinco meses de governo Bolsonaro, a economia está ao rés-do-chão e não oferece o mais pálido sinal de que possa levantar-se, nem quando. Guedes e equipe parecem não ter tido tempo de pensar em algo para além da reforma da Previdência que renderia uma economia de 1 trilhão de reais em 10 anos.
Fala-se vagamente de outras reformas, da privatização de empresas estatais, do achatamento do salário pago a determinadas categorias de servidores públicos, e coisas que tais. Mas de medidas pontuais ou de longo prazo que reduza o número de desempregados, neca de pitibiribas. Quem gosta de pobre é o PT, disse Bolsonaro outro dia.
Há presidentes despreparados para governar, mas que mesmo assim acabam aclamados por terem governado bem, e outros apenas despreparados e que ao fim do seu mandato são esquecidos. O segredo do sucesso dos primeiros foi montar boas equipes e não atrapalhar seu trabalho. Os outros se deram mal por fazer o inverso.
Como quem nada aprendeu antes de chegar à presidência e nada esqueceu depois de chegar, Bolsonaro ainda tem a chance de dar-se bem. O primeiro passo seria reconhecer sua abissal ignorância sobre tudo. O segundo, reformar sua equipe. O terceiro, atrapalhar o mínimo possível. Quem sabe assim não se reelegeria? Não duvidem.
Abaixo do Brasil acima de tudo e de Deus acima de todos está o povo. Ou não? Um bom domingo para todos.
Fora com o dançarino
A propósito de peças defeituosas
Os repórteres que, ontem, subtraíram a paz do presidente Jair Bolsonaro cravando-lhe com perguntas quiseram saber o que ele achou da nota do Ministério da Educação proibindo professores e alunos de divulgar e estimular protestos durante o expediente escolar.
Bolsonaro, primeiro, disse que ainda não conversou a respeito com o ministro Abraham Weintraub – sim, aquele que se valeu de chocolates para explicar o corte de verba para a Educação, e que depois dançou no seu gabinete para desmentir uma falsa notícia.
Em seguida, Bolsonaro respondeu assim:
– O que eu sempre recomendo aos ministros é o menos de marola possível. Faz a coisa em silêncio. Há interpretação, muitas vezes, equivocada e isso não é bom para a gente.
Fazer a coisa em silêncio… Ora, mesmo em silêncio depois não se fica sabendo? Mas como o ministro da Educação poderia fazer em silêncio uma nota dirigida a todos os professores e alunos de escolas e universidades do país? Isso esqueceram de perguntar a Bolsonaro.
Weintraub sucedeu no cargo o professor Ricardo Veléz, indicado pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho que o conhecera na internet. Foi Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, que indicou Weintraub para ministro. Trabalhara com ele durante quatro meses, se tanto.
Bolsonaro reconheceu que foi um erro ter nomeado Vélez. Para não ser obrigado a reconhecer um novo erro, insiste em manter Weintraub. O ministro é umas das várias peças defeituosas do governo, assim como seus colegas dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente.
El País: Indígenas se reúnem em Brasília sob forte tensão com o Governo Bolsonaro
Acampamento Terra Livre começa marcado ofensiva do Planalto contra políticas indígenas. Força Nacional atuará nas intermediações do evento, que ocorre todo ano na capital federal
O Acampamento Terra Livre (ATL) começa nesta quarta-feira sob forte clima de tensão. O evento ocorre anualmente no mês de abril em Brasília e reúne lideranças e representantes para chamar atenção para as demandas da população indígena. Desta vez, porém, o cenário de animosidade, que vem se agravando desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro, deve marcar o encontro que ocorre até sexta-feira, 26.
Por diferentes frentes, o Governo vem se preparando para o evento há dias. Primeiro, em uma live no Facebook, Bolsonaro chamou o acampamento de um “encontrão de índios” financiado com dinheiro público. “Quem vai pagar a conta dos 10.000 índios que vêm pra cá? É você [contribuinte]”, afirmou o presidente, preparando o terreno ideológico para o que viria em seguida: na semana passada, Bolsonaro autorizou o uso da Força Nacional pelos próximos 33 dias na região da Praça dos Três Poderes e da Esplanada dos Ministérios, onde o evento ocorre.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que organiza o acampamento, negou, por sua vez, que o evento acontecerá com dinheiro público. Por meio de nota, a entidade afirmou que o encontro, que ocorre há mais de 15 anos "em caráter pacífico", é “autofinanciado com a ajuda de diversos colaboradores”. Por meio de sua conta no Twitter, Sonia Guajajara, coordenadora executiva da APIB, chama a portaria que autorizou o uso da Força Nacional de intimidatória. "Como sempre, seguiremos na resistência", escreveu.
Esse jogo de forças entre o Governo e as lideranças reforçaram o caráter de bomba-relógio na qual se transformaram as políticas indígenas desde janeiro. Logo no primeiro dia como presidente, Bolsonaro assinou o decreto que retira da Fundação Nacional do Índio (Funai) o poder de identificar e demarcar as terras indígenas. Essas atribuições passaram a ser do ministério da Agricultura, comandado por Tereza Cristina da Costa (DEM), uma das lideranças da bancada ruralista até o ano passado. Com a mesma caneta, Bolsonaro autorizou a retirada da Funai da aba do ministério da Justiça, colocando o órgão sob o guarda-chuva da pasta das Mulheres, Família e Direitos Humanos. Essa decisão é um dos alvos de protesto do acampamento deste ano.
A port. de Moro tenta nos intimidar e o presidente em sua live fala em nos integrar. Nos integrar a sociedade presidente? A que vc nos oferece é a da guarda armada, a que queremos é a das terras demarcadas, da defesa da vida, do bem viver. Como sempre, seguiremos na resistência.
Nessa mesma esteira, as sucessivas críticas do presidente, tanto à Funai, quanto a outros órgãos como o Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio), enfraquecem seus poderes de fiscalização. Na semana passada, o presidente do ICMBio, Adalberto Eberhard, pediu demissão após ficar três meses no cargo, alegando "questões pessoais".
Cabo-de-guerra
Em alerta, e vivendo no país mais perigoso para os defensores dos direitos indígenas segundo a ONU, os povos da floresta estão mobilizados: no ano passado, a primeira deputada indígena da história, Joênia Wapichana (Rede-RR), conquistou uma vaga na Câmara. Fora de Brasília, milhares de indígenas organizaram protestos pelo país no último mês depois que o Governo ameaçou extinguir a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Do saguão da Prefeitura de São Paulo, ocupado pelos guarani, à comunidade Maturacá, na fronteira com a Venezuela, foram registradas mobilizações. Diante da crise, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, recuou da decisão.
Mas o capítulo da vitória durou pouco neste cabo-de-guerra entre índios e o Governo. Na última semana, Bolsonaro anunciou a extinção de centenas de conselhos sociais com participação popular, dentre eles, os que tratam das questões indígenas. Ao EL PAÍS, especialistas avaliaram que a decisão coloca em risco as políticas para minorias.
Apesar da ofensiva da atual gestão contra os indígenas, a tensão entre o asfalto e a floresta é uma constante, ora em maior, ora em menor grau. No acampamento indígena de 2017, a Polícia Militar usou bombas de gás, balas de borracha e spray de pimenta para impedir que os índios entrassem no Congresso. Em resposta, os indígenas, que protestavam contra o Governo de Michel Temer, atiraram flechas contra os policiais. Quatro deles foram detidos.
Demonização da esquerda já se aproxima de uma escalada muito perigosa, avalia Davi Emerich
Em artigo na Revista Política Democrática Online, jornalista alerta para a escalada contra a esquerda no Brasil de Bolsonaro, que já chega a limites perigosos
O governo Jair Bolsonaro, cuja legitimidade é inquestionável, apresenta-se com três núcleos programáticos bastante distintos, que não necessariamente mantém relações diretas entre si: o da economia e de suas reformas, as questões de segurança e de combate à corrupção e, terceiro, o chamado de valores. A avaliação, feita pelo jornalista Davi Emerich é tema de artigo publica na sexta edição da Revista Política Democrática Online.
» Confira a aqui a Revista Política Democrática – Edição 06
Para Emerich, que também é mestre em Comunicação Social pela Universidade de Brasília (UnB), neses primeiros meses de gestão fica cada vez mais claro que o presidente deixou nas mãos de Paulo de Guedes e Sérgio Mouro a tocata dos dois primeiros, sem interferir em demasia no processo e chegando a trazer alguns problemas ao Ministério da Economia como ocorreu quando problematizou a reforma da Previdência.
"O projeto de valores não, o presidente resolveu assumi-lo diretamente, erigindo-o em coluna dorsal da administração para manter a sua base original mobilizada, na expectativa de que uma certa direita possa hegemonizar no tempo a política, o estado, a inteligência e a cultura nacionais", avalia Emerich.
Dessa forma, "a escalada da demonização da esquerda, parece que feita de forma criteriosa, precisa ser bem entendida por todas as forças democráticas nacionais e, também, pelos militares", acredita Emerich. "Omissão, confronto estéril ou oposicionismo reto não são um bom caminho. É hora da unidade de todo o campo democrático para que não tenhamos desastres políticos e sociais mais à frente", conclui.
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El País: Conselhos sociais sobre indígenas, LGBTs e população de rua estão na mira de Bolsonaro
Decreto extingue colegiados sociais sob o argumento de redução de gastos. Decisão reduz participação popular no Governo e põe em risco políticas para minorias, avaliam pesquisadores
O presidente Jair Bolsonaro anunciou a extinção de centenas de conselhos sociais com participação popular, responsáveis pelo debate e pelo acompanhamento de políticas federais em distintas áreas, no como parte das medidas anunciadas no evento em alusão aos seus 100 dias de Governo. Em 11 de abril, foi publicado no Diário Oficial da União o decreto 9.759 assinado pelo presidente — que determina a extinção de colegiados que não foram instituídos por lei e que não tenham sofrido nenhuma modificação por seus ministros — sob o argumento de desburocratizar e economizar na administração pública. Sem apresentar a lista dos conselhos afetados nem a estimativa de seus gastos, o Governo se limitou a contabilizar que existem mais de 700 coletivos atualmente. Os participantes, porém, não são remunerados pelo trabalho que exercem. Recebem apenas transporte e diária para as reuniões em Brasília. Dentre os conselhos afetados, estão os que tratam de pautas da população de rua, de indígenas e de LGBTs — grupos que já têm pouca voz tradicionalmente, e que viram ameaçadas neste Governo as poucas brechas abertas para interferir em discussões que lhes sejam de interesse. Para pesquisadores, a canetada do presidente afasta a gestão da sociedade civil organizada e põe em risco políticas públicas para minorias.
Conforme o decreto, os ministérios têm até o dia 28 de maio para apresentar à Casa Civil a proposta dos colegiados acomodados em suas estruturas que não desejam ser encerrados. O Governo vai analisar as petições e estabelecerá os que deverão permanecer. A ideia, explicou o ministro Onyx Lorenzoni, é reduzir o número de conselhos para até 50 colegiados. A advogada e doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, Carla Bezerra, fez um levantamento dos conselhos criados até 2014 e que têm participação da sociedade civil e concluiu que pelo menos 34 grupos podem ser extintos com o decreto presidencial, um número bem inferior aos 700 anunciados pelo Governo. "O decreto deve incluir colegiados que não têm participação da sociedade civil, que são formados apenas por integrantes do Governo com a função de monitorar políticas", afirma. Para ela, a forma que a gestão escolheu para extinguir os grupos, com uma canetada, é simbólica e representa um recado de distanciamento do atual Governo com a sociedade civil organizada.
A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), que tem representação neste conselho, emitiu uma nota de repúdio ao decreto e acusou o Governo de promover "retrocessos" nas ações para o setor, citando como exemplo a extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. "Os conselhos são instrumentos importantes, conquistados pela luta da sociedade civil organizada e garantida na Constituição Brasileira, extingui-los é a expressão da perseguição aos movimentos sociais e o impedimento da participação e fiscalização dos cidadãos", diz a nota.
Pelo menos dois colegiados ligados aos povos indígenas — cujas demarcações de terras e políticas não integracionistas são alvo de críticas de Bolsonaro desde as eleições — estão na mira do presidente: a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena. "Essas medidas representam um aprofundamento do caráter autoritário do Governo", afirma Cléber Buzzato, membro do CNPI. Segundo ele, o Governo já tinha mostrado que não tem disposição de ouvir os povos indígenas quando assinou, no primeiro dia de gestão, a Medida Provisória que retirou a Funai do Ministério da Justiça sem consultá-los.
A Comissão Nacional de Política Indigenista funciona como uma plataforma de interlocução entre as etnias e o Governo e se reúne a cada três meses. Instituída por um decreto de 2015, tem comissões para discutir temas que vão desde a educação e saúde indígena até as questões territoriais. Teve uma atuação fundamental para a criação da Secretaria de Saúde indígena (Sesai), assim como para evitar a sua extinção no atual Governo. "Tudo isso fica em suspenso. O Governo agora decreta que não quer ter qualquer tipo de interlocução. Isso é extremamente ruim porque acaba produzindo um hiato. Nossa avaliação é de que isso vai aprofundar os conflitos [territoriais]", declara Buzzato.
Além desses colegiados, o decreto pode extinguir grupos de trabalho sobre pessoas com deficiência, trabalho escravo, pessoas em situação de rua, direitos dos idosos, previdência, segurança pública, educação em direitos humanos e questões ambientais. O decreto ainda revoga expressamente a Política Nacional de Participação Social, que foi instituída no Governo Dilma, em 2014, abrindo novos mecanismos para a criação de grupos de trabalho que pudessem aprofundar a participação popular na gestão federal. Na época, o decreto da presidenta — que chegou a ser chamado de decreto bolivariano — gerou polêmica, pois parlamentares entendiam que o controle social já era realizado pelo Congresso.
O presidente Jair Bolsonaro chegou a enaltecer o seu decreto por meio das redes sociais e defendeu que ele significará uma "gigantesca economia" aos cofres públicos. Também argumentou que a extinção dos colegiados representará uma "redução do poder de entidades aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades". Para a pesquisadora Carla Bezerra, a redução de gastos à qual se refere o Governo não é real. "O Governo até agora não apresentou nenhuma lista desses órgãos, então como sabe o custo disso?", questiona. O EL PAÍS solicitou essas informações à Casa Civil, mas ainda não recebeu resposta. "Há uma questão simbólica aí, e várias políticas publicas podem ficar paralisadas [sem a atuação dos grupos populares]", avalia Bezerra.
Gigantesca economia, desburocratização e redução do poder de entidades aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades, ignorando a lei e atrapalhando propositalmente o desenvolvimento do Brasil, não se importando com as reais necessidades da população.
Republica de Curitiba@republica_ctbaBolsonaro assina decreto que deve acabar com os “sovietes” do PT https://republicadecuritiba.net/2019/04/13/bolsonaro-assina-decreto-que-deve-acabar-com-os-sovietes-do-pt/ …
Controle social comprometido
A ONG Transparência Brasil defendeu, em nota, que o decreto pode comprometer o controle social. “O Governo mostra que não está interessado em ouvir o que a sociedade tem para dizer”, afirma a entidade. Já a consultora em Educação Mariza Abreu, formada em História e Direito, pondera que colegiados fundamentais, como por exemplo os conselhos nacionais de Saúde e Educação, foram instituídos por lei e, portanto, não correm risco de extinção. No setor educacional, pelo menos quatro grupos estão ameaçados: Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos, Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-Brasileiros, Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos e Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena.
Para Mariza Abreu, a extinção desses colegiados não deve trazer grandes impactos para a política educacional. Ela defende a necessidade de grupos populares para uma gestão participativa, mas acredita que houve um "exagero" na quantidade de grupos incluídos na estrutura dos ministérios. "Também é complicado o jeito que o Governo determinou a extinção [com o decreto de Bolsonaro], sem explicitar quais conselhos seriam extintos. Isso gera uma tensão", afirma. A publicação do decreto pegou esses conselhos consultivos de surpresa. Na semana passada, dezenas de órgãos buscavam seus departamentos jurídicos para entender se estavam dentro das regras de extinção. O Comitê Gestor da Internet, por exemplo, foi instituído por decreto. De lá, saíram as primeiras linhas para o marco civil da internet. O colegiado, porém, não corre risco de extinção porque já houve ato do Governo sobre o comitê nesta gestão, uma das regras contidas no decreto presidencial.
O temor do ex-presidente do Conselho Nacional de Educação, César Callegari, é de que o atual decreto de Bolsonaro seja uma espécie de laboratório e que posteriormente o Governo ameace os conselhos criados por lei. "Muitos desses colegiados foram criados para assegurar a participação da sociedade civil na formulação e acompanhamento das políticas públicas e para protegê-las das descontinuidades e arroubos autoritários de governantes de plantão. Colegiados criados por Lei, como o CNE, podem ser os próximos alvos desse desmonte e aparelhamento", avalia.
DECRETO PÕE FIM AO GRUPO DE TRABALHO QUE BUSCAVA DESAPARECIDOS POLÍTICOS
O Decreto 9.759 do presidente Jair Bolsonaro também põe fim ao Grupo de Trabalho Perus, responsável pela identificação dos restos mortais de desaparecidos políticos entre as 1.047 caixas com ossadas da vala comum do cemitério de Perus, em São Paulo, segundo revelou reportagem desta segunda-feira do jornal O Estado de S.Paulo.
O grupo buscava identificar as vítimas da ditadura militar que permaneciam desaparecidas e atuava desde 2014, embora a vala clandestina de Perus tenha sido descoberta em setembro de 1990. Os trabalhos, entretanto, foram interrompidos e só foram retomados 24 anos depois.
O Governo Bolsonaro não informou ao jornal se dará continuidade aos trabalhos de identificação das ossadas da maior vala clandestina encontrada até então no país.