governo bolsonaro
Vinicius Torres Freire: No país do pibinho e da revolução conservadora, paciência do povo é a dúvida
Geringonça política e econômica da direita deve continuar, assim como o arrocho do povo miúdo
O Brasil está em crise política ou econômica faz seis anos. Mais pobre do que era faz dez anos. Com o sistema político tradicional desacreditado pelo menos desde 2013 e desmoralizado desde 2015. Caberia perguntar por quanto tempo o país ainda pode se desmilinguir sem revolta social ou rompimento político.
A pergunta parece mais oportuna por causa da renovação da perspectiva de quase nenhum crescimento da economia, como agora. Até quando seria paciente a maioria silenciosa do povo miúdo, que parece ainda mais quieta por causa da algazarra atroz das milícias digitais?
Mas algum rompimento houve, pela via institucional. Jair Bolsonaro é o resultado disso. De certo modo, o tempo de tolerância da crise voltou a ser contado na eleição de 2018. As urnas são momento de renovação de otimismo, por mais estranha ou monstruosa a forma que essa esperança possa tomar.
O sentimento de que o país se esboroa se deve também ao fato de que acontecem mudanças profundas, goste-se ou não. Mudam a Previdência, a poupança pública e privada, as relações trabalhistas, o emprego. Há contenção do gasto público por asfixia.
Houve desmonte da organização do trabalho, em particular das desmoralizadas centrais sindicais. Muda o comando do capital. Empresários com proeminência política são outros. O país não está apenas se desmilinguindo. Sofre uma mutação, que talvez dê em um monstro, mas não se trata dessa história aqui, agora.
Aconteceu também um rearranjo político importante, talvez provisório. O parlamentarismo branco coloca certa ordem no país desgovernado e sujeito aos golpeamentos de Bolsonaro, tolerados pela maioria da elite econômica, incentivados por parte dela. É a geringonça da direita.
Até por falta de opção dos envolvidos, o arranjo político deve continuar com a aprovação de algumas reformas, caso Bolsonaro não promova mais baderna atroz.
Parece uma geringonça estável enquanto os golpeamentos, as tentativas de demolição institucional bolsonariana, não balançarem estruturas (badernas de subalternos em quarteis?). Enquanto não sobrevier um escândalo decisivo dos Bolsonaro ou uma recaída na recessão. No mais, é insondável de quando pode vir nova revolta ou queda relevante do prestígio do governo.
O PIB de 2019, muito parecido com o de 2018, não revelou nada que não se soubesse faz tempo. Uma economia que cresce com consumo baseado em lerdo aumento dos salários e sem investimento vai se recuperar de modo muito lerdo, sujeita a recaídas fáceis devido a qualquer choque. O investimento não virá tão cedo, pois o governo não gastará mais, as empresas têm capacidade ociosa ou medo e gastos maiores em infraestrutura pública e privada só começam a pingar no final deste ano, se tanto.
Nada disso vai mudar tão cedo, embora Rodrigo Maia, em uma atitude meio enigmática no dia do pibinho, tenha criticado a falta de investimento público e esteja pelas tampas com o governo; embora o país esteja desgovernado desde que Bolsonaro resolveu golpear até geringonça.
Mas o arranjo de contenção da ingovernabilidade deve continuar, assim como o crescimento quase nulo; não há movimento social ou partidário de oposição relevante.
A paciência da população é mais imprevisível. Por quanto tempo o povo, passando mal, terá fé nessa geringonça com promessa de revolução de extrema direita e transformação agônica das relações socioeconômicas?
Juan Arias: Três hipóteses alarmantes sobre as manifestações de 15 de março
As guerras e tragédias da humanidade e dos povos começaram muitas vezes com um único tiro e com a centelha de um erro de cálculo
As manifestações de protesto de 15 de março no Brasil a favor do presidente Jair Bolsonaro e contra o Congresso e o STF apresentam três hipóteses igualmente alarmantes. E já não são poucas as pessoas preocupadas com a simples convocação. A ideia do protesto já começou mal. Foi lançada pelo General Augusto Heleno, o importante ministro do Gabinete de Segurança Institucional localizado no Planalto. Foi ele quem pediu a Bolsonaro para convocar os brasileiros a sair às ruas contra o Congresso usando inclusive o palavrão de mau gosto “fodam-se”.
O presidente, em vez de refrear a ideia insensata do general, compartilhou com seus amigos a ideia da convocação em sua defesa e contra as instituições do Estado. A reação das instituições foi imediata e dura. O decano do STF, Celso de Mello, uma das figuras de maior prestígio da corte, chegou a dizer que, se a notícia fosse confirmada, tornaria o presidente “indigno do cargo que ocupa”. E soaram em seguida do outro lado as campanas do impeachment...
Em resposta à iniciativa do general e dos mais aguerridos seguidores de Bolsonaro, o PT também convocou para o dia 18, três dias depois, uma manifestação de protesto contra o Governo Bolsonaro, enquanto no dia 8 acontecerá a já clássica manifestação pelo Dia Internacional da Mulher, que no Brasil este ano será um claro protesto contra os abusos do Governo cometidos contra os direitos e contra a dignidade das mulheres.
Três hipóteses sobre o possível resultado dessas convocações à população são igualmente alarmantes e perigosas. Se a manifestação a favor do Governo e contra as outras instituições for menor que a da oposição do PT e se a manifestação de 8 de março das mulheres no Dia Internacional da Mulher for um sucesso, é bem possível que Bolsonaro e os seus se tornem mais agressivos contra a esquerda e contra Lula. O país continuaria mais dividido e crispado do que já está. É a única coisa de que o Brasil não precisa neste momento, com sua economia atolada e com os militares que começam a aparecer divididos frente ao Governo.
E se ambas as manifestações, as dos dias 15 e 18 fracassarem, uma vez que a das mulheres certamente será importante, se forem um fracasso de público; se na realidade todo o barulho que está sendo feito for mais obra dos robôs em ação nas redes do que de pessoas de carne e osso? Se apenas uma minoria sair à rua apoiando o golpe contra as instituições? Se o PT não conseguir encher as ruas e praças como no passado? Seria outra hipótese igualmente alarmante. Bolsonaro se sentiria mais motivado a endurecer suas posições autoritárias e não sabemos qual seria a reação dos generais que atuam no Governo. Uma fera ferida pode ser mais perigosa do que saudável.
Resta a terceira hipótese, a de um triunfo da manifestação a favor do Governo Bolsonaro, que ocorreria se conseguisse levar para a rua os dois milhões que saíram para pedir o impeachment de Dilma e o “fora Lula”. Esta é a hipótese mais alarmante, porque daria a Bolsonaro e seu Governo, e até aos militares, carta branca para tentar impor pela força um regime autoritário que sangre as outras instituições.
Dado que essa convocação do Governo, neste momento, seria no mínimo imprudente e ninguém sabe quais poderiam ser suas consequências para o futuro do país, o melhor seria que ambas as partes renunciassem a esse duelo nas ruas e trabalhassem democraticamente para devolver ao país a paz que está perdendo em vez de se arriscarem a uma guerra cujas consequências são fáceis de adivinhar. E mais uma vez, a última carta estaria nas mãos dos militares, especialmente daqueles que atuam hoje no Governo. Só eles poderiam ainda convencer Bolsonaro a parar a manifestação com sinais de vingança contra o Congresso. É inédito que um Governo com pouco mais de um ano no poder organize uma manifestação a seu favor. No mínimo, revela fragilidade e falta de confiança em seu trabalho.
Em um momento em que a sociedade continua dividida e crispada, desafios desse tipo com convocação para sair às ruas contra as instituições do Estado acabariam convencendo as forças democráticas, na expressão do decano do STF, de que o presidente Bolsonaro “se tornou indigno” de exercer a alta chefia do Estado. E os militares, se querem ser fiéis à sua lealdade ao Estado e à democracia, deveriam ser os primeiros a convencer Bolsonaro e os seus a recuar de uma iniciativa que, de qualquer lado que se olhe, só pode levar a uma nova crise, e desta vez gravemente ofensiva à essência da democracia, como é o respeito à divisão de poderes.
As guerras e tragédias da humanidade e dos povos começaram muitas vezes com um único tiro e com a centelha de um erro de cálculo. Quando perceberam, as guerras já estavam em andamento e eram imparáveis.
Queremos isso hoje para o Brasil em um clima mundial de crescimento de retorno aos tempos das piores ditaduras, as que produziram no mundo, em um passado ainda recente, tanta dor, morte e fome para milhões de pessoas?
De qualquer forma, neste momento de endurecimento mundial das direitas mais autoritárias e belicosas, o Brasil deveria ser no mundo um elemento de reflexão e de colaboração com os povos que se debatem para que a democracia conquistada com tantos sacrifícios, e que ofereceu riqueza e paz ao mundo, não morra por causa da loucura de um punhado de governantes que se tornaram indignos da responsabilidade que lhes foi outorgada pelas urnas.
Brasil precisa avançar na construção de sistema nacional de educação, diz Ricardo Henriques
Em entrevista à Política Democrática Online, superintendente executivo afirma que Ministério da Educação deveria ter mais força reguladora
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“Precisamos, ainda, avançar muito na construção de um sistema nacional de educação”, afirma o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, em entrevista exclusiva à 16ª edição da revista mensal Política Democrática Online. De acordo com ele, o país avançou numa definição genérica de um regime de colaboração. “Só que não logramos transformar isso num sistema nacional, com responsabilidades compartilhadas em todas as instâncias – federal, estadual e municipal”, afirma ele. Todos os conteúdos da revista, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.
» Acesse aqui a 16ª edição da revista Política Democrática Online
Na entrevista, o superintendente do Instituto Unibanco diz que, se o ensino for de qualidade e equânime, os estudantes brasileiros estarão aprendendo a aprender, arquivando-se o registro do ensino enciclopédico, da memorização, da decoreba. Além disso, ele afirma que o país acumulou, ao longo da história, sobretudo pós-Constituinte, uma visão, por um lado, e uma prática, por outro, de que o compartilhamento da responsabilidade sobre a educação básica entre os entes da Federação fortalece a chance de uma agenda consistente a serviço das crianças e dos jovens no Brasil.
Na avaliação de Ricardo Henriques, o Ministério da Educação deveria ter muito mais força, poder e exercício de função reguladora, de controle de qualidade, de certificação, de garantia de que o pacto federativo funcione a contento, isto é, que a interação entre estados e municípios se aperfeiçoe. “Ao Ministério da Educação, cabe regular essa interação, critérios de qualidade e a universalidade da educação, com o que seria possível aumentar a mobilidade educacional, desde a primeira infância até o ensino médio”, ressalta.
Ricardo Henriques possui uma longa carreira na área da educação. Foi secretário nacional de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação e secretário executivo do Ministério de Desenvolvimento Social, quando coordenou o desenho e a implantação inicial do programa Bolsa Família. É membro do Conselho de Administração do Todos pela Educação, Anistia Internacional, GIFE, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Sou da Paz e do Instituto Natura.
O superintendente do Instituto Unibanco cita também, ao longo da entrevista concedida à revista Política Democrática Online, a necessidade de o país adotar uma Base Nacional Curricular Comum e o papel do Instituto Unibanco, que já conta com 35 anos de atuação em todo o país, entre outros assuntos.
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El País: 'As Forças Armadas não caem em canto da sereia de WhatsApp', diz Santos Cruz
Ex-ministro de Bolsonaro, general da reserva alerta para a politização das polícias, mas diz que no Exército não há contaminação
Flávia Merreiro, do El País
“Quando sai o avião pra África?”. Foi assim, sem nenhum segundo de hesitação, que o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz reagiu quando recebeu, em 2013, um convite da ONU para comandar os milhares de capacetes azuis das forças de paz no Congo, então conflagrado. “Estava almoçando num boteco aqui da esquina quando um cara do Senegal me ligou. Saí de lá para comunicar à família”, contou, com meio sorriso, na sala de seu apartamento em Brasília, na manhã do último sábado.
A anedota emoldura a personalidade que o general de 67 anos, que também serviu no Haiti e até hoje é consultor das Nações Unidas para situações de conflito, gosta de cultivar. Ele é um dos únicos alto oficiais das Forças Armadas brasileiras a ter participado de um conflito aberto convencional. Na longa conversa com o EL PAÍS, mostrou-se de prontidão para falar de qualquer tema, – ainda que esquivando-se dos decibeis —, de cenários de alarme no Brasil (não vê risco institucional, apesar de apontar “loucuras” no discurso bolsonarista).
O gaúcho de Rio Grande só mudou de tom quando o assunto foi sua breve e turbulenta passagem pelo Governo Bolsonaro, na Secretaria Geral da Presidência da República, quando foi alvo de uma virulenta campanha na Internet movida pelas alas mais radicais do bolsonarismo. Uma mensagem falsa atribuída a ele atacando o presidente chegou a ser mostrada ao próprio Bolsonaro. “Meu interesse é saber quem foi o falsário que fez isso, coisa de bandidinho vagabundo de Internet.”
Desde sua saída do Governo, Santos Cruz nunca mais falou com Bolsonaro. Do Twitter, e do alto do seu prestígio no Exército, tem enviado recados, como nesta entrevista. “A instituição Forças Armadas não tem ligação nenhuma com resultados de Governo, com atitudes de governantes”, diz ele, que não descarta concorrer a algum cargo eleitoral no médio prazo. Já sobre as polícias militares adverte: há um processo forte de politização que precisa ser detido.
Pergunta. O senhor se manifestou contra o uso da imagem de generais na convocatória de uma manifestação a favor do presidente Bolsonaro e contra o Congresso. Disse também que “o extremismo só interessa aos extremistas”. Inclui o general Heleno entre os extremistas?
Resposta. Não... Isso eu falei em tese. Não me considero no direito de fazer a lista de quem é e quem não é [extremista]. Isso é o público que tem que analisar. Isso tem a ver com a disputa entre o Executivo e o Legislativo, uma questão orçamentária, aí a temperatura sobe e o pessoal fala mais alto. O artigo que escrevi atende a todos os setores, de direita e de esquerda. O extremismo sempre cria o oponente para poder se posicionar. Tem pessoas que são radicais e extremistas até pela personalidade, outras por ideologia, outras por interesse. Isso não ajuda o quadro geral.
P. O senhor considera o presidente Bolsonaro um extremista?
R. Não. Ele é obrigado a negociar com o Congresso. Não tem como. Mas ele tem um estilo e esse estilo pode deixar o pessoal mais irresponsável. É como torcida organizada. Tem milhões de corintianos, mas a Gaviões da Fiel é um núcleo entusiasmado. Quando você xinga o juiz, tem corintiano que pensa “tudo bem”, mas na Gaviões da Fiel eles vibram. Esse estilo do Bolsonaro, essas tiradas dele, etc têm uma sequência muito forte porque ele é o presidente, e tem pessoas que se entusiasmam.
P. Bolsonaro compartilhou vídeos pela manifestação que falam abertamente em fechar o Congresso. O presidente cruzou uma linha vermelha?
R. Mesmo que fique em cima da linha, você tem os poderes funcionando. Agora o mais importante é que teve reação do Legislativo, do Judiciário, teve reação social.
P. O senhor falou, citando os generais, que “estão confundindo o povo”. Qual o risco da convocatória? Vê risco institucional?
R. Não tem risco nenhum. Tem confusão. Você pega quatro generais de destaque, coloca foto e uma convocação ―não vou entrar no mérito da convocação, que entra na questão da liberdade de expressão e de associação. Mas aquela imagem fica parecendo que você tem uma instituição que está patrocinando aquele convite, e não é. São quatro oficiais de destaque, que já estão na reserva, que sem dúvida nenhuma não autorizaram aquilo. É muito ruim. Não cria risco, mas cria confusão na população.
P. Cria confusão também dentro da caserna, especialmente nas patentes mais baixas?
R. Não, porque essas pessoas conhecem os envolvidos, a situação. É mais pelo público em geral. Aí confunde. Dentro das Forças Armadas não tem efeito nenhum, dentro do Governo não tem efeito nenhum. Porque as pessoas sabem o posicionamento institucional. Eu, como militar, trabalhei no Governo e minha responsabilidade era individual. Não estava representando uma instituição.
P. Vou insistir na pergunta porque hoje há o maior número de militares do Governo desde a redemocratização. Há um general e um almirante na ativa, inclusive... Não confunde institucionalmente?
R. O pessoal da ativa está usando uma prerrogativa legal de que você poder ser cedido a outro poder. Eu, particularmente, acho que isso vai trazer um pouco de confusão. Continua não representando institucionalmente, mas pode criar confusão para um observador olhando de fora. Mesmo estando na ativa à disposição de outro poder, a responsabilidade é individual.
P. Muitos observadores apontam que o presidente está ancorando seu Governo no prestígio da instituição Forças Armadas. Esse vínculo tão forte não será prejudicial para as Forças Armadas a longo prazo?
R. Uma coisa precisa ficar bem esclarecida. Esse grande número de militares pode dar essa impressão para as pessoas, que não têm conhecimento institucional, de que tem um compromisso. E não tem nenhum. Eu não tenho status legal para falar pelas Forças Armadas nem pelo Exército, mas fiquei mais de 45 anos lá e eu posso dizer alguma coisa. Pode ter certeza: a instituição não tem ligação nenhuma com resultados de Governo, com atitudes de governantes. Não acredito que essa participação [de militares] tenha essa intenção. É uma opção do presidente porque ele vem desse meio, conhece muita gente, então facilita. Quando você convida um oficial, você não tem disputa partidária.
P. Há também uma preocupação com a contaminação do discurso bolsonarista nas patentes mais baixas. Tem ainda os chamados à intervenção militar, esse discurso de que os militares são a reserva moral da nação...
R. Não vejo nenhuma contaminação nas Forças Armadas, que eu conheço bem. [Sobre intervenção], você vê que isso não é coisa de militar, mas de civis, inclusive. A sociedade tem todos os tipos de preferência. E hoje, com a facilidade da mídia social, os grupos se expressam de maneira forte. A imprensa tradicional hoje compete com o WhatsApp...
P. Os soldados também leem redes sociais. Se ficam dizendo que vocês são a salvação, isso não pode ser um canto da sereia para algum grupo?
R. O importante é que a estrutura de liderança no Exército está muito em cima daqueles que têm poder de decisão. Essas pessoas têm cabeça no lugar, elas estão muito bem selecionadas e orientam a turma de baixo. Você pega hoje um tenente, um coronel, um sargento, e o pessoal é de alto nível. Sabe interpretar, o pessoal não cai no canto da sereia, é preparado. Tem uma missão constitucional. Mesmo um soldado que fica só um ano no Exército tem um plano de treinamento e percebe que aquela estrutura ali é sólida. Não é um canto [da sereia] de WhatsApp que vai desestabilizar as Forças Armadas. Não é assim, não.
“Você não pode ser militar quando interessa e não ser quando não interessa”
P. Vamos falar de outro corpo militarizado importante, as polícias militares. Como ex-secretário nacional de Segurança do Governo Temer, como o senhor vê o motim que aconteceu no Ceará?
R. Meu pai era da Polícia Militar, embora eu não o tenha conhecido, porque ele faleceu quando eu nasci. Tive um irmão, tenho muitos amigos na polícia. A Polícia Militar tem essa denominação porque tem as características militares: disciplina, hierarquia e dedicação, honestidade de propósito, respeito às autoridades. O comportamento que a gente está tendo não é de militar. Você teve um desvirtuamento em várias coisas. Você não pode ser militar quando interessa e não ser quando não interessa. Tem coisas como a greve, abandonar suas funções, deixar a população exposta sem segurança pública, colocar um capuz para fazer suas manifestações... Eu não posso vir aqui como militar e dar uma declaração para você de capuz. O que que é isso?
P. Não pode alvejar um senador...
R. Aí é briga. Você não pode jogar um trator em cima do pessoal. Eu não entro nessas brigas pessoais. A partir da hora em que você tem sensatez, há sensatez generalizada. Neste caso, chama a atenção a parte comportamental, fora da disciplina, estragar os veículos, sair encapuzado. Vai contra a hierarquia, a disciplina, contra tudo. Quem infringiu a lei que pague de acordo com a lei.
P. Nos bastidores, os governadores se queixam porque nem Bolsonaro nem o ministro Sergio Moro condenaram o motim claramente, como o senhor acaba de fazer. Faltou essa condenação?
R. O que falo aqui não tem reflexo como autoridade. Em compensação, o que o presidente e ministro falam têm uma importância muito grande… As polícias têm vários problemas. Não têm uma lei orgânica nacional que regule o sistema de promoção da mesma forma, a formação. Tem que ter, e aí os Estados seguem. O profissionalismo foi afetado porque hoje você tem polícias onde se trabalha um dia e se descansa três. Isso daí não é descanso. Nesses três dias, uma pessoa normal, com força para trabalhar, vai fazer outra coisa, não vai ficar três dias esperando o próximo turno. Tem que resolver esse regime de trabalho. O pacote de assistência ao policial não é só salário. A parte social das polícias, de saúde, o emocional. Você tem polícias com cinco vezes mais taxa de suicídio do que a média social. Uma coisa é você ter esse pacote de soluções, outra coisa é aceitar esse tipo de conduta.
P. Perguntava sobre a falta de condenação porque analistas também apontam eco dos discursos governistas na radicalização de grupos de policiais. O senhor diz que as Forças Armadas não caem no canto da sereia do WhatsApp. As polícias também não?
R. As polícias militares estão sofrendo um processo mais forte de politização. Não é de hoje. Por causa de sindicalização, por causa da participação em política local. As Forças Armadas têm uma estrutura diferente. Nos Estados, às vezes você pode ser promovido muito rapidamente. No Governo Federal não é assim, é um sistema mais fixo e a influência é menor. Isso é uma coisa que tem que se tratar dentro das polícias para que elas não sofram de politização excessiva.
P. O senhor é a favor de ampliar o excludente de ilicitude, como o presidente fala, por meio de uma mudança legal?
R. Acho que não. Você tem quatro excludentes de ilicitude. Legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito. Isso já pega tudo. O problema está às vezes na interpretação da autoridade judiciária. É mais de interpretação da autoridade judiciária e do Ministério Público.
P. Quando o senhor fala da atuação no Haiti (2007-2009), faz ênfase na meta de evitar dano colateral. Quando o discurso é sobre o policial ou militar terem a certeza de que não vão ser punidos caso aconteça alguma coisa, não inverte essa lógica?
R. Eu sou a favor de aumentar o preparo. No Haiti porque o preparo do pessoal era muito forte. Para cada batalhão que ia, o Governo mandava alguns milhões para facilitar aquele treinamento. Eu participei de combate onde gastamos milhares de tiros e não teve nenhum dano colateral. De vez em quando ainda tinha mulheres saindo de casa no meio do tiroteio com criança e ninguém atirava, porque o cara está com reflexo treinado. Os policiais do Rio de Janeiro são uns herois. Os caras subindo naqueles lugares sem capacete... aquilo é uma guerra. Ele tem família também. Esse cara tem que ser super treinado, tem que receber o melhor equipamento do mundo. Ter Inteligência [por trás]. E não é só problema policial, você precisa ter medidas administrativas para melhorar a situação da população. A população só está na mão do bandido pela falta de Estado. Uma omissão histórica do Estado.
P. Essas operações aéreas nos morros do Rio de Janeiro... o que o senhor, que tem experiência nisso, acha?
R. Tem que ter muito cuidado. O tiro do helicóptero é um tiro muito problemático, porque a dificuldade de precisão é muito grande. Agora também você não pode achar que um sujeito com fuzil na mão não é uma ameaça. Esse cara é uma ameaça social para todo mundo. O problema do Rio de Janeiro não é policial. A corrupção começava no palácio de Governo. E isso vai dando o mau exemplo para baixo. Como ter uma polícia perfeita com a corrupção lá em cima? No Tribunal de Contas, na Assembleia Legislativa? Não é assim.
“Bandidinho vagabundo da internet”
P. A PF recentemente fez um relatório apontando que a mensagem atribuída ao senhor com ofensas ao presidente Bolsonaro foi forjada. O sr. já disse que pretende ir “até o fim” nesta investigação. O que significa?
R. Meu interesse é saber quem foi o falsário que fez isso, coisa de bandidinho vagabundo de Internet. É uma coisa que tem que ser combatida, não por minha causa —eu não tive prejuízo nenhum pessoal—, mas você não pode disseminar esse tipo de coisa na sociedade.
P. Ainda mais dentro do Palácio do Planalto.
R. Em lugar nenhum. Mas o que eu vou fazer prefiro não falar. Fui eu que solicitei à Polícia Federal [a análise das mensagens]. Aquilo não é só falso. Aquilo é medíocre, amador.
P. Bom, parece ter funcionado...
R. Não, acho que não. Porque a minha saída do Governo não tem nada a ver com isso. É aí que as pessoas confundem.
P. Então por que o senhor saiu do Governo?
R. Aí você tem que perguntar para o presidente. Ele que tem essa prerrogativa de convidar e dispensar. Nenhum governo no mundo começa e termina com o mesmo time de ministros. Quando eu fui trabalhar, era por um projeto. Você vai trabalhar porque você acha que pode ajudar. Não fui nem por status de ministro, que isso nunca me encantou. Onde eu cheguei ao máximo foi na minha profissão [no Exército]. Ministro é uma situação temporária. Nem é por necessidade financeira. Mas isso aí tem um limite, que é exatamente a decisão presidencial.
P. O senhor falou com o presidente depois da saída do Governo?
R. Não.
P. Voltaria a servir ao presidente?
R. Não, de jeito nenhum. Porque já tive minha chance. Nesse Brasil tem milhares de pessoas boas.
P. Em outras entrevistas o senhor já falou da influência de Carlos Bolsonaro…
R. Não falei especificamente dele. Eu evito falar de nomes, de pessoas. Tem gente que tem problema mental, tem gente que usa a Internet para terapia ocupacional, tem de tudo. Então hoje a gente tem que conviver com essa liberdade. Mas muita gente esqueceu que essa liberdade não elimina o Código Penal. Calúnia, injúria, difamação tudo isso continua valendo.
P. Se for comprovado que há pessoas do Palácio do Planalto envolvidas no caso contra o senhor, é um problema de Estado.
R. Aí é diferente. Se você tem pessoas em funções públicas, recebendo dinheiro público, é diferente. Mas tudo é coisa que precisa de comprovação. Estamos tratando de crime, não de política. Isso aí faz parte de um comportamento de milícia radical, de gangue de rua dentro do ambiente virtual. Satisfaz a um grupo de cães raivosos. Você percebe que é uma coisa montada, um comportamento de seita. Não significa nada.
P. O senhor falou em outra entrevista que via o Governo deixando de lado o combate à corrupção, que era uma bandeira de campanha. Por que o senhor acha isso?
R. Não falei que deixou de lado, falei que não pegou com a intensidade que poderia, já que era uma das grandes bandeiras.
P. O presidente deveria dar o exemplo no caso dos filhos dele, falando para abrir as portas para que eles sejam investigados? O Ministro do Turismo está denunciado, por exemplo. A denúncia já aconteceu, ele é réu.
R. Eu acho que a partir da hora que está sendo investigado, tem que esperar terminar a investigação. Seja contra quem for. (No caso do ministro), aí tem a promessa de campanha. Ele falou que se fosse denunciado, ele afastaria. Quando você não faz o que prometeu, tem que explicar por que não está fazendo. Mas aí é com o presidente, não vou entrar nessa..
“Não descarto concorrer”
Antes de trabalhar no Governo Bolsonaro, Santos Cruz já havia assumido a chefia de assuntos militares da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) no Governo Dilma. Foi também secretário nacional de Segurança Pública sob Temer. Nas últimas semanas, ele tem se movimentado para criar canais diretos de comunicação com a população. Além do Twitter, tem agora um canal no YouTube.
Pergunta. O senhor fala com desenvoltura de política. Li que tem convites de vários partidos. Vai disputar as eleições? Descarta concorrer em 2022?
Resposta. Não descarto, mas não pensei ainda em nenhuma vertente política.
P. Como se definiria ideologicamente? Direita? Centro-direita?
R. Ideologicamente eu sou um clássico elemento de direita. Sou contra filosofia comunista, conheço os efeitos do socialismo tupiniquim demagógico. Sou contra extremismo. Sou contra essa divisão social de direita e esquerda, ter que estar em um extremo ou outro. A população brasileira quer equilíbrio. Nossa característica principal é de levar a vida. Não de levar a vida brigando.
P. O senhor já criticou o alinhamento automático do Brasil com os Estados Unidos em política externa. Quais custos podemos ter em termos de defesa?
R. Qualquer alinhamento automático não é bom, por filosofia. Você não pode se alinhar automaticamente com outro país, seja China ou Estados Unidos. O Governo pegou uma vertente muito forte pro lado dos Estados Unidos e isso não é bom. Você tem que analisar e não pode ter um comportamento ideológico, porque ele direciona você de tal forma que perde a capacidade de análise.
P. Na discussão atual, o que se sabe por uma reportagem da Folha, é que os americanos dizem que se o Brasil aceitar a empresa chinesa no leilão do 5G, o compartilhamento de tecnologia em defesa ficará comprometido.
R. Sim, mas você tem outras tecnologias de defesa que não só a americana. Isso é um jogo comercial, de política internacional. Eles não querem porque os chineses estão em um estado bem avançado de 5G. E o Brasil é um dos grandes mercados. Existem mecanismos para você fazer um cálculo, ver o que vale a pena e interessa estrategicamente, comercial e politicamente.
P. O Brasil historicamente mediou conflitos na região. O senhor acha que o Brasil perdeu, com o alinhamento automático aos Estados Unidos, uma capacidade de mediar, por exemplo, na Venezuela?
R. O Brasil não rompeu relações diplomáticas com a Venezuela. Teve um reconhecimento daquele [Juan] Guaidó... o Guaidó nem se confirmou como uma figura importante no cenário, né? Mas de qualquer jeito tem aqui uma embaixadora do Guaidó. Não se deve fechar portas e temos canais abertos.
P. Quais os maiores riscos para o Brasil no cenário internacional?
R. Não vejo o Brasil com grandes riscos internacionais. Vejo coisas internamente a que o Brasil precisa se dedicar muito, que é o combate à corrupção e à redução da desigualdade social. No preto no branco, a desigualdade social é uma dos fatores que mais agride o Brasil.
P. O senhor acha que falta essa menção à desigualdade no discurso do Governo?
R. Há algumas iniciativas, mas ainda é pouco. Você tem que ter um plano muito mais forte para reduzir a desigualdade. É um negócio muito sério. O Brasil tem supersalários inaceitáveis. Se você é centro-avante do Flamengo e ganha 500.000 o problema é teu. Paga imposto de renda e está tudo bem. O problema é quando é dinheiro público. Tem salários fantásticos, inimagináveis. Enquanto na base você tem discrepâncias muito grandes, que tem de ser reduzidas.
P. O senhor acha o PCC uma ameaça à soberania, já que agora eles dominam alguns pontos de fronteira no Paraguai?
R. Sem dúvida nenhuma. Tem que ser combatido. Começa a ter muito dinheiro e a querer financiar a política. Existiam boatos até deles financiarem os estudos de pessoas para serem juízes e promotores no futuro. Precisa investigar para ver se é verdade porque se não você daqui a pouco tem gente dentro do sistema, onde advogado, ao invés de ser advogado, é um membro da facção. Em São Paulo tiveram até que prender 25, 30 advogados porque não estavam fazendo um trabalho normal. O crime organizado pode entrar no financiamento de campanha em cidades pequenas na fronteira. O aparato policial precisa ser muito técnico para combater.
P. Para encerrar, quero falar da relação militares e civis na democracia. Hoje em dia existe uma preocupação de que essa exaltação do golpe de 64 ainda aconteça dentro dos quartéis...
R. O problema não é esse. O problema é tentar transferir para a realidade atual. Atualmente não tem sentido você imaginar. Naquela época teve. Era outro contexto.
P. O governo Temer quebrou a tradição, que vinha desde o governo de FHC, de nomear um civil para a Defesa. O senhor acha que precisa ser um militar ?
R. Civil ou militar, o importante é escolher bem. Não pode ter desconfiança [com civil no comando]. Isso se chama atraso. Você não pode criar desconfiança entre um e outro. Isso é mediocridade. Estimular briga, desconfiança entre civil e militar, falar que o Congresso não presta... Isso é loucura. Acho que os militares interferiram corretamente em 1964, mas isso é um posicionamento histórico. Não é porque eu acho isso que eu vou achar que agora tem cabimento. Não, não tem cabimento. Agora não tem conexão nenhuma com a realidade. Fica mais na paixão do que na realidade. Não tem esse negócio de que nós somos a salvação da pátria. A salvação da pátria é todo mundo.
José Luis Oreiro: PIB de Bolsonaro é pior que o de Temer
O IBGE acaba de divulgar os dados de crescimento do PIB de 2019: a economia brasileira apresentou um crescimento de 1,1%, alcançando um patamar de R$ 7,3 bilhões de valor da produção de bens e serviços finais. Esse é valor inferior a média dos valores observados em 2017 e 2018, anos nos quais a economia brasileira cresceu a taxas de 1,32% e 1,31% respectivamente. Dessa forma o desempenho da economia brasileira no primeiro ano do mandato do Presidente Bolsonaro conseguiu a proeza de ser pior do que a observada durante os dois anos de mandato do Presidente Temer, a qual já foi bastante medíocre, ficando muito abaixo da média de 2,81% de crescimento do PIB no período 1980-2014.
Do lado da demanda, o crescimento do PIB foi puxado pelo crescimento do consumo das famílias que cresceu 1,8% ao longo do ano passado. Como o consumo das famílias cresceu num ritmo superior ao PIB, o resultado foi uma redução da (baixíssima) taxa de poupança da economia brasileira, a qual recuou de 12,4% do PIB em 2018 para 12,2% do PIB em 2019. A redução da poupança doméstica levou a um aumento da poupança externa (déficit em conta corrente do balanço de pagamentos), o qual passou de 2,8% do PIB em 2018 para 3,2% do PIB em 2019.
Do lado da oferta, o crescimento foi puxado pelo setor de serviços, o qual cresceu 1,3%, ao passo que a indústria de transformação permaneceu estagnada com um crescimento de apenas 0,1% ao longo do ano de 2019.
Em suma, a economia brasileira em 2019 desacelerou o seu ritmo de crescimento com respeito ao observado durante o governo Temer, amplificando o seu desequilíbrio externo e o peso do setor de serviços na economia, com reflexos negativos para as perspectivas de crescimento da produtividade do trabalho.
A evidência empírica está mostrando de forma bastante contundente de que a agenda de reformas iniciada com o governo de Michel Temer e aprofundada no governo de Bolsonaro simplesmente não está funcionando. Não adianta dizer que a economia ainda está sentindo os efeitos das administrações petistas. A crise de 2014-2016 foi muito profunda mas, ao contrário do que ocorreu em crises anteriores, a economia brasileira está apresentando um padrão de recuperação cíclica extremamente lento. Quantos resultados pífios de crescimento serão necessários até que a sociedade brasileira se convença que a agenda liberal de reformas simplesmente não funciona? Está claro que o Brasil precisa de várias reformas, mas ESSA agenda aplicada desde meados de 2016 (Teto de gastos, reforma trabalhista, reforma da previdência, etc) simplesmente não está funcionando. Chegou o momento da sociedade brasileira dizer NÃO ao programa liberal. Este país só terá um futuro quando discutir seriamente uma Agenda Nacional de Desenvolvimento.
Míriam Leitão: Uma superterça na economia
O problema da epidemia do covid-19 na economia é saber quais os instrumentos apropriados para lidar com uma crise como esta
Na economia também foi uma superterça. O movimento de ontem no mercado americano mostrou o tamanho da crise provocada pelo novo coronavírus. O Fed fez uma reunião de emergência e cortou os juros. As bolsas subiram e depois despencaram. A ação foi entendida não como um estímulo, mas como alerta. Mais cedo, a Austrália também havia cortado os juros. E a Malásia. Houve casos na Argentina e no Chile. O FMI avisou que talvez não faça o encontro de abril. O Banco Central brasileiro soltou nota indicando futuros cortes. O Banco Mundial anunciou linha para auxiliar os países a enfrentaram os efeitos da crise, e o G7 fez uma reunião para discutir o que pode ser feito. Os BCs europeu e inglês defenderam medida para equilibrar a economia. No Japão, informou-se que os Jogos Olímpicos podem ser adiados.
O grande problema da epidemia do covid-19 é quais são os instrumentos econômicos apropriados para lidar com uma crise como esta. A produção está caindo não por uma desaceleração clássica, mas porque há falta de peças e componentes. O consumo está encolhendo porque as pessoas suspendem reuniões e evitam lugares públicos. Os instrumentos convencionais não funcionam.
A revista “Economist” usou um título recente que define o momento: “Globalização em quarentena.” A reportagem tratava de um assunto específico, mas o título reflete de forma ampla o momento de separação entre países, controle de fronteiras, redução da circulação de mercadorias. O fechamento de fábricas na China afetou países em série e isso terá impacto sobre a economia mundial.
Estão sendo revistas no mundo inteiro as previsões de crescimento. Do Brasil, só ontem, a consultoria Capital Economics cortou a projeção de crescimento em 2020 de 1,5% para 1,3% e o Goldman Sachs cortou de 2,2% para 1,5%. Outras instituições estão esperando o resultado do PIB de 2019, que sai hoje, para voltar a fazer contas.
A OCDE cortou a projeção do PIB mundial em meio ponto, para 2,4%, no melhor cenário, de impactos mais localizados na China. No pior, a desaceleração chegará a 1,5%, com a epidemia espalhando pela Ásia, Pacífico e hemisfério Norte. As estimativas da China sofreram o maior corte, de 5,7% para 4,9%. Para o Brasil, foram mantidas em 1,7% este ano e 1,8% no ano que vem.
A entidade explicou que o vírus atingiu a economia em várias frentes. As medidas de contenção levaram a quarentenas, restrições de viagens e fechamentos de espaços públicos. Pelo lado da oferta, fábricas ficaram fechadas, serviços deixaram de ser fornecidos com impactos nas cadeias de suprimento. Pelo lado da demanda, houve queda da confiança, redução do turismo e de serviços de educação e entretenimento.
A economia chinesa hoje representa mais de 15% do PIB mundial, mais de 10% do comércio e 9% do fluxo de turistas. Por isso, a desaceleração do país preocupa e terá efeitos em cascata. Os países exportadores de commodities serão afetados. Para se ter uma ideia, a China importa quase 60% de todo o alumínio vendido mundialmente, mais de 50% do cobre e quase a metade do níquel.
Se na China há falta de informação sobre o tamanho real da paralisação no país, aqui no Brasil entidades setoriais têm feito sondagens para medir os impactos econômicos do coronavírus. O presidente da Abinee, que representa o setor de eletroeletrônicos, Humberto Barbato, explica que o problema é que algumas informações são consideradas estratégicas pelas companhias.
— Ninguém quer mostrar o seu nível de estoque. É uma informação guardada a sete chaves porque pode demostrar vulnerabilidade. Nossa melhor expectativa é que a China consiga superar a crise neste mês de março e volte a produzir plenamente em abril— explicou.
Os segmentos de telefonia celular e computadores têm sido os mais afetados dentro do setor de eletroeletrônicos no Brasil, pela falta de peças e componentes. E não há outros fornecedores disponíveis no mundo para se importar. Até porque é preciso um período de testes que minimizem o risco das fábricas brasileiras.
O maior problema sempre será a proteção da vida humana e a luta para vencer um vírus que ainda não está sob o controle dos médicos e dos cientistas. Ainda se aprende a cada dia sobre sua capacidade de dispersão e letalidade. Enquanto isso, a economia mundial oscila entre o pânico e a incerteza.
Bruno Boghossian: Impasse do Orçamento mostra limitação das bravatas de Bolsonaro
Acordo recauchutado revela fragilidades tanto do governo quanto do Congresso
Governo e Congresso sacaram suas armas, mas ninguém quis atirar agora. A proposta recauchutada de divisão do Orçamento mostrou as limitações da política exercida com base na bravata e revelou fragilidades dos dois lados.
Há cerca de 20 dias, o Planalto costurava os detalhes de um acordo com os parlamentares para rachar R$ 30 bilhões que estavam em disputa nas contas deste ano. No meio do caminho, o general Augusto Heleno implodiu as conversas e acusou o Legislativo de chantagem. Ou não havia extorsão nenhuma ou o governo decidiu negociar com os vigaristas.
A nova oferta feita por Jair Bolsonaro nesta terça (3) aos deputados e senadores para tentar encerrar a tensão entre os dois Poderes tem efeito semelhante à que havia sido feita antes do embate —R$ 15 bilhões para cada lado. O presidente deu aval, na prática, à mesma proposta que o levou a emparedar o Congresso.
Coalhado de intimidações, o vaivém no processo de negociação abala, em certa medida, a estratégia de Bolsonaro de governar pelo medo. O presidente ameaçou apelar às ruas para obrigar o Congresso a seguir seus desejos e devolver a verba, mas acabou precisando recuar.
A situação é tão delicada que Bolsonaro decidiu negar a realidade para acalmar seus apoiadores. Nas redes, o presidente afirmou que não houve negociação com o Congresso, embora sua assinatura esteja nos projetos que podem dar origem à partilha.
O episódio mostra que nenhum ator teve força suficiente para impor a própria vontade. A Câmara chegou a indicar que atropelaria as negociações e manteria o controle sobre todo o dinheiro. Um grupo de senadores considerado mais sensível às demandas das ruas e das redes sociais bloqueou o contragolpe.
Diante da tensão das últimas semanas, o resultado em construção não é necessariamente ruim para Bolsonaro. Ele agitou mais uma vez sua base, ainda que tenha sido empurrado para uma solução intermediária. O Congresso sabe, porém, que este não foi o último duelo.
Cristiano Romero: Conselhos, onde estão as mulheres?
Entidade criada por um grupo de mulheres busca corrigir a ‘discriminação’ de gênero no conselho de empresas no país
Num país onde a escravidão perdurou por quase 400 anos, a discriminação do outro é regra e não exceção. É o que mais nos distancia da possibilidade de sermos uma nação. Tanto tempo vivendo sob um regime escravagista nos condenou a jamais enxergar o outro como um de nós. Na Ilha de Vera Cruz, mas não só aqui, floresceram todas as formas de discriminação: étnica, social, de gênero, origem, opção sexual...
A escravidão, previu o abolicionista Joaquim Nabuco, “permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. A história ensina que decorria do domínio de um povo sobre outro. Na colonização das Américas, de um cálculo econômico: a acumulação de capital, uma vez que escravos eram mercadoria, não recebiam salário e isso dava às colônias do Novo Mundo, dominado pelos europeus, vantagem competitiva em relação à Asia.
O Brasil foi o derradeiro país do continente americano a abolir a escravidão, em maio de 1888. O contexto em que isso se deu evidencia a dificuldade que sempre teremos para superar o vergonhoso legado. Contrários ao fim da escravidão, barões do café ajudaram a derrubar a monarquia pouco mais de um ano após a abolição da escravatura. O regime monárquico esticou a desonra escravagista, mas a nossa República não nasceu para modernizar o país. Fruto de um golpe militar, esteve a serviço dos produtores rurais de São Paulo e Minas Gerais por mais de 30 anos, condenando os habitantes de 48% do continente sul-americano a um atraso extraordinário.
Barões do café, senhores de engenho e correlatos não só odiavam os negros; eles os desprezavam. Por isso, em represália ao fim da mão de obra escrava, forçaram o primeiro governo republicano a abrir a imigração para japoneses e europeus, especialmente das nações que viviam momentos de dificuldade. Muitos imigrantes foram tratados como escravos porque, para os capitalistas nacionais, eles eram custo.
E os escravos? Rejeitados, foram jogados à própria sorte em Estados como Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Não tinham acesso à educação, saúde, nada. Seus descendentes nasciam condenados pela cor da pele. Para sobreviver, voltaram à escravidão, disfarçada de emprego, principalmente, o doméstico.
A ignomínia nos acompanhou por tanto tempo que transbordou para outros aspectos da vida nacional. Discriminar tornou-se a principal forma de organização social. E é. As relações pessoais e profissionais, as distinções entre regiões, Estados, capitais, cidades e bairros, entre sotaques, para ficar nestes exemplos, são mediadas sempre por uma hierarquia. Esta é estabelecida por critérios como cor da pele, naturalidade, gênero, renda...
Neste imenso território, as mulheres só começaram a votar na década de 1930. Observe-se portanto o caráter da República instaurada no início do século passado. A boa nova por aqui é que, depois de superar por duas ditaduras no espaço de apenas três décadas, e de viver acelerado processo de industrialização e crescimento econômico entre as décadas de 1950 e 1980, a sociedade civil começou a andar mais rapidamente que o Estado e suas instituições anacrônicas. Esse caminhar resultou na adoção, pela Constituição de 1988, de aspectos civilizadores, como a penalização de toda e qualquer forma de discriminação.
Jair Bolsonaro chegou à Presidência da República com uma agenda recheada de ideias que contrariam avanços da sociedade no que diz respeito a direitos consagrados não só pela Constituição de 1988, mas também por jurisprudências firmadas por decisões do Supremo Tribunal Federal. Num país marcado pela distinção das minorias, soa muito fora de lugar qualquer iniciativa para reduzir direitos de cidadãos livres.
Até o momento, apesar do alarido, Bolsonaro não logrou sucesso na agenda de sua base social, de seus eleitores naturais. Mas a ameaça de retrocesso tem feito florescer uma série de iniciativas de fortalecimento da diversidade. O curioso é que, embora motivadas pelo temor ao bolsonarismo, as ações combatem a falta de diversidade perpetrada por vários setores da sociedade.
É nesse contexto que um grupo de mulheres criou, no ano passado, a WOB (podia ser no idioma pátrio, mas é a sigla de “Women on Board”, isto é, “Mulheres no Conselho”). Chris Aché, Carol Conway, Carolina Niemeyer e Patrícia Marins constataram que há pouquíssimas mulheres nos Conselhos de Administração das empresas de capital aberto e nos Conselhos Consultivos das companhias familiares, de capital fechado.
Com a ajuda de um software desenvolvido pelo Fundo Teva, a WOB mapeou, a partir dos formulários de referência, os conselhos de todas as empresas de capital aberto. Os critérios são rigorosos. Foram consideradas somente as empresas listadas e negociadas na bolsa. Ficaram de fora as companhias em recuperação judicial ou extra judicial; além daquelas negociadas em mercado de balcão. Não entraram, também, as firmas sem negociação no mês de referência da pesquisa (31 de dezembro de 2019). Empresas que não tenham enviado formulários de composição do conselho nos últimos 12 meses também foram excluídas.
As conclusões são chocantes e mostram a falta de diversidade de gênero no Brasil num segmento da vida nacional (os conselhos de empresas de capital aberto) do qual se espera mais e não menos civilidade: das 272 empresas de capital aberto, mulheres têm assento no CA de apenas 137. Apenas 46 possuem duas ou mais mulheres nos conselhos.
Com o apoio da ONU-Mulher, o WOB criou um selo de certificação para as companhias que tiverem duas ou mais conselheiras, critério que, comprovadamente, mostra força nos conselhos Quando o WOB publicou a lista das que se enquadram nesse critério, as concorrentes correram à sua porta para se comprometer a fazer o mesmo. É um bom começo.
Fernando Exman: A nova realidade do Orçamento e o lobby
Adesão à OCDE pode demandar regulação da atividade
O desfecho do impasse entre o Congresso e o governo em relação à manutenção do veto presidencial que trata da extensão do Orçamento Impositivo às emendas de relator não muda a realidade: o Legislativo passou a ter um poder enorme na definição do destino dos recursos públicos. Autoridades do Palácio do Planalto podem até ter demorado a notar que o Executivo estava deixando de ser o centro de gravidade da gestão orçamentária, dando cada vez mais espaço para o Parlamento ocupar essa posição. Os lobistas, contudo, há meses se adaptaram e transformaram o Congresso em habitat prioritário. É nesse contexto que cresce a importância da aprovação de um marco regulatório do lobby.
O Brasil chega tarde. Apesar de ter apoio de deputados e senadores de diversos partidos - tanto à esquerda, como ao centro e à direita -, as discussões sobre o tema ocorrem muito lentamente no Congresso. Não é de se surpreender que ele tenha se tornado um tabu, depois de o Brasil enfrentar sucessivos escândalos de corrupção. Nos autos da Operação Lava-Jato, por exemplo, não faltam histórias escabrosas sobre o relacionamento indevido entre empresas e homens públicos. Mas elas não deveriam servir de justificativa para travar ainda mais a tramitação dessa agenda no Congresso.
Não é a ausência de regulação que faz com que a prática do lobby deixe de acontecer. Pelo contrário: ele acabará ocorrendo de qualquer forma, com ou sem regras.
Nos últimos meses, o assunto novamente entrou em evidência e a expectativa é que um projeto de lei já em estágio avançado de tramitação ganhe novo impulso. Apresentado em 2007 pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), a relatoria foi da ex-deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) e pode passar por algumas mudanças de redação feitas pelas mãos do líder da maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
O deputado também é relator da reforma tributária e deve ser recebido na semana que vem pela Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig).
Assunto para a prosa não faltará. Diante da morosidade do Congresso em regulamentar a atuação dos profissionais do segmento, a Abrig decidiu discutir alternativas. Uma delas é uma proposta de autorregulação que está sendo preparada em conjunto com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
O texto não está pronto e tampouco terá a força de uma lei. No entanto, pelo menos poderá ajudar a diferenciar quem quer trabalhar com o lobby de modo transparente dos que preferem atuar nas sombras.
Em 2018, o extinto Ministério do Trabalho reconheceu o lobby como uma ocupação. Mesmo assim, nada de se ter definição de regras sobre a identificação dos profissionais, como eles devem se movimentar pelos corredores e gabinetes de autoridades ou até mesmo apresentar suas propostas legislativas. Os registros das agendas de autoridades de todos os Poderes também deveriam conter os nomes dos participantes, o tempo de duração de audiências e os tópicos discutidos.
Seria positivo, por exemplo, saber quem circula em Brasília representando esta ou aquela empresa, associação setorial ou entidade de classe. Isso sem falar na autoria de emendas ou minutas de projetos de lei. Se no Congresso Nacional existe dificuldade para o credenciamento desses profissionais, deve-se refletir o quão obscuro pode ser esse procedimento em assembleias legislativas e câmaras de vereadores.
Mesmo assim, a cúpula da Abrig acredita na construção de um ambiente favorável à aprovação do projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados. Além de um novo impulso das principais lideranças políticas, a iniciativa pode receber um incentivo externo. Isso porque a regulamentação do lobby é alvo de tentativa de padronização na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Sonho de consumo do governo Jair Bolsonaro, a entrada do Brasil na organização pode acabar passando pela discussão dessa agenda. Em seus documentos e relatórios, a OCDE explicita o objetivo de garantir que a atividade de lobby seja exercida com transparência e retidão.
Uma das preocupações da organização é que os países assegurem acesso igualitário para a atuação dos diversos atores interessados na construção de propostas legislativas ou políticas públicas. Outro aspecto levantado é a necessidade de se oferecer um grau adequado de transparência, para que autoridades, cidadãos e empresas possam obter informações suficientes sobre as atividades de lobby em andamento. A implementação de tais regras precisam contar com a adesão dos lobistas, os quais devem cumprir padrões de profissionalismo e transparência. Para a OCDE, os países devem revisar periodicamente o arranjo legal que regula o setor.
Essa última recomendação demonstra como o Brasil está numa etapa anterior desse processo. Esse cenário, contudo, pode mudar.
O projeto de lei que regulamenta o lobby está pronto para ser votado. É um dos temas que pode ser incluído em pauta a qualquer momento pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Na mensagem que enviou ao Congresso em fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro também elenca a regulamentação do lobby como uma das prioridades do Executivo. “Algumas proposições legislativas poderão conduzir para o estabelecimento de um cenário mais positivo na atuação da Controladoria-Geral da União (CGU), considerando a evolução nas discussões relativas às normas gerais de licitação e o disciplinamento da atividade de ‘lobby’, por exemplo”, destaca o texto presidencial.
Esse é um aprimoramento essencial para dar mais robustez à democracia brasileira. Por outro lado, há que se evitar a construção de um arcabouço que acabe afastando desse processo grupos menos influentes e poderosos.
Rosângela Bittar: A arrogância dos fortes
Sérgio Moro vai lapidando seu perfil político apenas com o culto à personalidade
À falta de um presidente que respeite a sociedade e compreenda a natureza de sua função, o Brasil precisa muito de um ministro da Justiça. Autêntico, daqueles que cuidam dos assuntos do equilíbrio político, econômico e social do povo e das instituições que o governam. E, no caso de acumular a Segurança Pública, cuide do ambiente da criminalidade descontrolada e impune em todos os grupos, inclusive o policial, sob seu comando.
Porém, o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, vai lapidando seu perfil político apenas com o culto à personalidade, como se tivesse vindo ao governo só para ser homenageado. A sua arma principal de ação no Executivo é a popularidade que brande ao menor sinal de crítica. Ela lhe dá direito a erros sucessivos e o último foi exemplar.
Na crise de segurança com o motim da Polícia Militar do Ceará, mostrou-se perdido e contraditório. Nunca Moro foi menos ministro da Justiça do que nesse labirinto em que se meteu. Foi ao local, mas disse não ter visto descontrole onde tinham sido assassinados 240 cidadãos, um recorde. A seguir, fez uma distinção que até agora carece de exegese: o motim é ilegal, mas os policiais não são criminosos. Quando juiz em Curitiba, era mais preciso nas tipificações.
Não providenciou a prorrogação da medida de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), era sua função convencer o presidente a despolitizar a questão e manter o apoio ao Estado governado pelo PT. Ao contrário, recrudesceu: quando governadores ameaçaram suprir a tarefa do governo federal, o ministro da Justiça acusou-os de politizar a movimentação. Já ultrapolitizada pelo governo federal.
Os amotinados foram líderes da campanha de Bolsonaro no Estado. O coronel que Moro enviou para chefiar seus homens da Força Nacional é subordinado ao general cearense secretário da Segurança Pública do Ministério da Justiça. O mesmo que, candidato ao governo cearense, disputou e perdeu a eleição para o atual governador em apuros. O coronel elogiou, em assembleia de amotinados, a coragem dos revoltosos, numa aprovação reverente aos grevistas armados. Isso deve ser científico, e não político, no conceito Moro de administração.
E, para encerrar, uma troca de insultos com o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, cujo irmão, senador e ex-governador Cid Gomes, foi baleado no confronto. A retórica dos Gomes é conhecida, um ministro fazer duelo verbal de baixo nível sobre ação de sua pasta, não. Só com a popularidade no coldre, Moro enfrenta o presidente, o Congresso, o Supremo, os governadores. Não aceita decisões e mobiliza um poder contra o outro para modificá-las a seu gosto.
A figura do juiz de garantias é outro exemplo clássico: não conseguindo suprimi-la pelo veto do presidente, correu por fora e foi salvo por manobra expressa de um ministro do Supremo com quem tinha ligação anterior, com firma reconhecida: “In Fux we trust”. O juiz de garantias é importante no sistema jurídico, mas uma questão pessoal para Moro e sua corporação, que refutam qualquer tipo de revisão e controle.
Para corrupção no governo e ameaças à integridade constitucional, fatores muito presentes no primeiro ano de mandato, não há ministro da Justiça. Moro está se perdendo pela autossuficiência, diz uma autoridade. Ou pela arrogância dos fortes, quem sabe. O apoio incondicional dos militares deixa o ministro à vontade. Moro foi salvo da demissão, duas vezes, pelos generais (Fernando Azevedo (Defesa), Augusto Heleno (GSI) e Luiz Ramos (Governo). A aversão ao PT e a Lula os une no apoio irrestrito ao ministro juiz.
O presidente vive o dilema insolúvel de ter um ministro, de quem desconfia, irremovível. Moro sabe disso e parece disposto a manter o jogo. Não há bola de cristal que projete Bolsonaro dormindo com o inimigo num eventual segundo mandato