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Vera Magalhães: Distopia bananeira

O que Bolsonaro quer ao afirmar que eleição foi fraudada? Inviabilizar a próxima?

O Brasil e o mundo já viveram crises combinadas antes, de diferentes naturezas e gravidades. Em 2008, a crise dos subprime nos Estados Unidos engolfou as economias de vários países ao redor do globo. No Brasil, a Lava Jato e a reeleição de Dilma Rousseff provocaram um vórtex de recessão econômica, corrupção sistêmica e inviabilidade política de um governo, levando ao impeachment.

Mas o que está em curso em 2020, aliás, desde o advento Jair Bolsonaro, tem características inéditas e com pitadas de surrealismo.

Não serei a primeira a comparar o atual governo do Brasil a um regime digno das distopias literárias e cinematográficas mais conhecidas, mas, agora, é como se os roteiristas tivessem resolvido forçar a mão para além da verossimilhança.

Ao mesmo tempo há pitadas de filme-catástrofe, com uma epidemia, a do novo coronavírus, que se espalha pelo planeta sem que se saiba ao certo sua gravidade e duração, e uma crise econômica também global, associada ao surto. Para fechar o clichê distópico, o Brasil tem no comando (sic) dessa situação caótica um presidente disposto a avançar dia a dia no propósito de implodir as instituições. Não há Posto Ipiranga que dê jeito numa pane dessas proporções.

Bolsonaro, apenas nesta Quaresma, mandou vídeos convocando para os atos a favor de seu governo, mentiu em rede nacional ao negar tê-los enviado, colocou um humorista no carro oficial para distribuir bananas a jornalistas e se esquivar de responder sobre o PIB insuficiente de 2019, fez discurso num púlpito para convocar para o ato que negara estar inflando, mandou três projetos de lei do Congresso (PLNs) para o Legislativo como parte de um acordo para ter seu veto mantido, depois exortou o Congresso a rejeitar os mesmos PLNs que mandou, excluiu um jornal de uma cobertura e, como se já não fosse demais, disse que a eleição vencida por ele há menos de dois anos foi fraudada.

Não há como examinar tal portfólio e não enxergar que ele está testando a aceitação de parte da população que lhe dá suporte a um arreganho golpista. E a resiliência ou o temor dos demais Poderes e das outras instituições a essa ameaça.

É por isso que são francamente insuficientes e acovardadas as reações dos comandantes dessas instituições a tamanha ousadia autoritária.

Não adianta Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre ou Dias Toffoli argumentarem que cabem a eles ter frieza, pregar o diálogo e não agravar ainda mais a situação.

Tal receita faz sentido num ambiente de normalidade civil, mas não em um em que o presidente, em pessoa ou por meio de ministros de Estado, familiares, parlamentares e milicianos digitais, está emparedando a democracia um pouco a cada dia.

Estrangular a imprensa, militarizar a política ao mesmo tempo em que politiza os meios militares, ignorar os riscos de uma epidemia mundial em nome de guerra política e colocar em xeque a lisura do próprio sistema eleitoral não são brincadeirinhas de um presidente humorista, mas, sim, golpes desferidos sistematicamente em pilares do estado democrático de direito.

Se as lideranças nacionais que têm a responsabilidade de frear os ímpetos imperiais de Bolsonaro não cumprirem seu papel, ele logrará êxito em seus intentos. Os atos do dia 15 colocarão mais lenha na fogueira em que arde a credibilidade do Legislativo e do Judiciário. Podem, de quebra, impulsionar um surto até aqui razoavelmente bem contido do novo coronavírus.

E a narrativa mentirosa da fraude eleitoral, se não for desmontada com vigor até aqui não visto em notas protocolares, pode ameaçar a realização dos próximos pleitos. E aí os cruzados bolsonaristas terão derrubado os portões da cidadela e chegado ao castelo a partir do qual pretendem tomar a democracia de assalto.


Bernardo Mello Franco: Diante da crise, Jair age como um Bolsonaro

O cenário de crise exigia um presidente sério e capaz de apontar caminhos. Mas Bolsonaro insiste em estimular a radicalização e o choque entre Poderes

O dólar bateu novo recorde, a Bolsa registrou a maior queda no século e os economistas passaram a falar em recessão. As notícias do início da semana exigiam um presidente sério, equilibrado e capaz de apontar caminhos ao país. Mas Jair agiu como um Bolsonaro. Em vez de se comportar como adulto, voltou a estimular a radicalização e o choque entre Poderes.

Em Miami, o capitão usou sua tropa para manter a faca no pescoço do Congresso. Ele afirmou que as manifestações contra o Legislativo e o Judiciário vão mostrar quem está afinado com o “interesse do povo brasileiro”. No mesmo discurso, o presidente questionou a lisura da eleição de 2018. Sem apresentar provas, disse que só não venceu no primeiro turno porque teria havido fraude nas urnas eletrônicas.

Ao incentivar as marchas a seu favor, Bolsonaro praticou um ato de chantagem explícita. Ele disse que os protestos vão acontecer “de qualquer jeito”, mas indicou que pode esvaziá-los se os parlamentares abrirem mão de controlar parte do Orçamento. A declaração sobre as urnas foi ainda mais irresponsável. O presidente voltou a jogar seus seguidores contra a Justiça Eleitoral, num teatro da conspiração em que ele interpreta o eterno papel de vítima.

Em tempo de crise, Bolsonaro se mantém em campanha aberta contra as instituições. Seu objetivo é sustentar um clima de tensão permanente para acuar adversários e tumultuar o debate público. Ontem os ministros do TSE foram obrigados a sair em defesa das urnas. Ao questioná-las sem provas, o presidente incentiva a sua claque a desconfiar da democracia.

A ofensiva contra o sistema eleitoral cumpre uma dupla função. No curto prazo, Bolsonaro desvia a atenção da CPI das Fake News, que avança na apuração de suspeitas sobre a sua campanha. A comissão parece estar mais perto de comprovar o uso de disparos em massa para difundir notícias falsas na eleição de 2018. No longo prazo, o capitão começa a projeta uma nuvem negra sobre a disputa de 2022. Ao questionar previamente a legitimidade do pleito, ele abre caminho para contestar uma possível derrota.


Merval Pereira: Alimentando fantasmas

Bolsonaro vive da discórdia, se alimenta de intrigas e deixa por onde passa um rastro de destruição moral

É impressionante a irresponsabilidade do presidente Bolsonaro no trato da coisa pública, comportamento que nunca teve maior repercussão nos seus 27 anos de mandatos populares porque ele nunca teve importância política. Todos os assuntos são tratados com leviandade própria dos que cuidam apenas da próxima eleição.

Afirmar que a pandemia do Covid-19 é um exagero que a “grande mídia propaga pelo mundo” é no mínimo uma imprudência governamental que pode gerar uma crise de saúde pública no país. Tão pernicioso quanto a “marolinha” de Lula na crise financeira de 2008.

Se fosse levado a sério a tempo, o mal teria sido cortado pela raiz. Circulam na internet vários vídeos com barbaridades defendidas por Bolsonaro durante sua carreira de deputado federal, inclusive não pagar impostos, sonegação que se hoje fosse adotada por seus seguidores fiéis quebraria o governo que ele preside.

Essas mesmas barbaridades foram ditas e reditas durante a campanha eleitoral, e ele só chegou com chances no segundo turno porque até o último momento seus adversários acreditavam que acabaria perdendo fôlego.

Não contavam com o acirramento da polarização antipetista, e muito menos com a facada, trágico atentado que até hoje prejudica a saúde de Bolsonaro e, na campanha, protegeu-o dos debates.

Temos então um presidente doentiamente paranóico que não sabe o limite entre o populismo eleitoral e a presidência de uma Nação, que precisaria neste momento de crise mundial de uma liderança equilibrada que investisse na unidade, e não na divisão.

Mas Bolsonaro vive da discórdia, se alimenta de intrigas e deixa por onde passa um rastro de destruição moral. Explora as dificuldades do brasileiro comum culpando sempre outros por seus fracassos, que frustram os que ainda crêem nele.

Sua força política é originária dessa frustração de um povo que, de tempos em tempos, busca um salvador da pátria e invariavelmente encontra pela frente um pilantra político pronto a usá-lo em benefício pessoal.

O caso das emendas impositivas, que dão ao Congresso uma autonomia em relação a parte considerável do orçamento da União, é exemplar da maneira sub-reptícia com que Bolsonaro se movimenta no jogo político, dilapidando a confiança que deveria existir entre o chefe do Executivo e os demais chefes de poderes.

Quantas vezes Bolsonaro foi e voltou nesse debate, ora fazendo acordo com o Congresso, para logo depois anunciar que não fizera acordo nenhum? Quantas negou ter avalizado a manifestação contra o Congresso, para depois assumir essa convocação fingindo que não era contra os políticos, mas a favor das reformas?

Até que assumiu a verdadeira intenção ao sugerir que se o Congresso abrisse mão de comandar a verba de R$ 15 bilhões do orçamento, poderia negociar o cancelamento das manifestações, que ele diz que são espontâneas e sem liderança do governo.

Uma chantagem explícita, em que assume a mesma posição que criticou nos políticos, e também a coordenação tácita das manifestações. Bolsonaro gosta de dizer que não tem controle sobre seus seguidores nos meios sociais, insinuando que essa rede de intrigas e ódio tem vida própria para defendê-lo.

Mas a CPI das Fake News está demonstrando que a origem dos ataques das milícias digitais está sempre ligada a seus filhos e assessores que formam o já conhecido Gabinete do Ódio instalado no Palácio do Planalto.

E o que dizer da denúncia de que ganhou no primeiro turno em 2018, mas teve que disputar o segundo turno por fraude na contagem dos votos na urna eletrônica? É de uma irresponsabilidade surpreendente até mesmo para os seus padrões.

Ele já havia jogado essa carta durante a campanha, prevenindo-se de um revés que nunca esteve próximo. Hoje, retoma o tema apenas para manter viva a polarização com a esquerda, que supostamente ainda é uma ameaça à democracia brasileira.

Bolsonaro ataca a democracia a pretexto de protegê-la de fantasmas que vai alimentando, ajudando a instabilidade política do país no momento em que uma liderança madura e adulta seria necessária.


José Roberto Batochio: Dois Poderes da República sob ataque

Convocar manifestação contra o Congresso e o STF constitui atentado à democracia

“Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais que têm sido experimentadas de tempos em tempos” - Winston Churchill, discurso na Câmara dos Comuns em 1947.

Quando pronunciou a frase que se tornaria o mantra da democracia através dos tempos, Churchill era um deputado que acabara de experimentar as agruras desse sistema político, baseado no voto popular. Dois anos antes, a 2.ª Guerra Mundial ainda nem havia acabado, mas o gigante que conduzira a Inglaterra na vitória dos Aliados contra o nazi-fascismo foi derrotado nas eleições e deixou o cargo de primeiro-ministro. Muitos se revoltaram contra o que entenderam ingratidão dos ingleses, porém o estadista não se abalou: “Eles têm o direito perfeito de nos enxotar. Isso é democracia. É por isso que estamos lutando”.

Noutras circunstâncias, quando os inimigos da democracia insistem em atacá-la, os democratas é que devemos arrogar não só o direito, mas o dever de defendê-la. Nossos tempos talvez sejam, desde a grande corrente libertária forjada pelo pós-guerra dos anos 1940, os mais adversos a esse sistema de governo em que o povo detém, pelo voto igualitário, o controle de seu destino político. A democracia representativa, em especial, é submetida a um descrédito que no fundo alveja a política como instrumental de administração e solução institucional dos conflitos na sociedade. A todo instante se escreve o epitáfio da representação política e são, de fato, visíveis os sinais de insatisfação dos eleitores com seus representantes. A pesquisa Barômetro das Américas, realizada de dois em dois anos pela Universidade Vanderbilt, dos Estados Unidos, com apoio no Brasil da Fundação Getúlio Vargas, revelou em sua última rodada, em 2019, que 58% dos brasileiros não estão satisfeitos com o funcionamento da democracia no País, mas, dando razão a Churchill, um porcentual maior, 60%, acha que ela ainda é a melhor forma de governo. Um hiato autoritário imposto por um golpe antidemocrático conta com a simpatia de 35% dos brasileiros, mas a maioria de 65% rejeita a ideia.

Os dados permitem a ilação de que, por maior que seja o desalento com a democracia, é majoritária a preferência nacional por mantê-la como a melhor forma de governo. Trata-se, portanto, de aperfeiçoá-la, extirpar-lhe os defeitos, que mais se devem aos que estão no topo da representação do que às vicissitudes dos representados. Constitui truísmo observar que as instituições democráticas são maiores do que os homens que as conduzem.

Fundamento básico da democracia é uma Constituição que avalize a isonomia republicana, assim como a clássica separação e independência harmônica dos Poderes, os quais, desempenhando papéis específicos, atuam como contrapesos recíprocos. Como no preceito bíblico, a democracia dá a César e a Deus o quinhão que lhes compete. Daí ser inadmissível que integrantes de um dos três Poderes do Estado, extrapolando suas funções discricionárias, embarque na temeridade de limitar a atuação de outro. Quando disputam a preferência do eleitor, os membros do Parlamento e do Executivo podem até apresentar programas eleitorais contendo tais limitações, mas para aplicá-las, já investidos no cargo, devem observar a liturgia constitucional. E na maioria das vezes, como regra do processo democrático, carecem do concurso do Poder em questão para alcançar seus objetivos reformadores. O que não podem é apelar para as “vozes das ruas” com o fim de se fortalecer e intimidar o Poder que, em avaliação autoritária, lhe nega um quinhão maior do que aquele que lhe está atribuído, invocando a fúria dos 35% que apoiam o hiato autoritário.

Divergências de governança entre os Poderes são naturais, mas cabe ao Executivo, embora igualmente eleito pelo povo, reconhecer que o Legislativo é o poder popular por excelência, porquanto diverso, plural, reunião eclética e sincrética das correntes que pulsam na sociedade, formando um mosaico que a contradição democrática tende a transformar em síntese da vontade nacional. Todo ato que emana do Parlamento, obviamente chancelado pela maioria, é um ato federativo que as minorias são obrigadas a respeitar - e o axioma vale para os demais Poderes, cabendo apenas ao Judiciário escrutinar a conformidade constitucional das decisões.

Quando o Executivo exorta seus acólitos em busca de apoio não propriamente à sua linha política, mas para intimidar os demais Poderes, expõe de forma condenável sua incapacidade de governar segundo a ordem democrática. Tal procedimento é típico de governos que não lograram cumprir promessas de campanha, frustraram eleitores e deram razão à oposição, buscando responsabilizar um “inimigo externo” por seu fracasso. Se a regra era culpar a imprensa, agora agitam as redes sociais. No andar dessa carruagem, a convocação do presidente da República para que seus correligionários venham às ruas, em manifestações contrárias à independência e autonomia do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, constitui um atentado à democracia que faria Churchill novamente ir à luta, como o fez contra o Terceiro Reich.

*Criminalista, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi deputado federal (PDT-SP).


Folha de S. Paulo: Guedes quer reformas contra crise, mas Congresso defende mais medidas

Nos EUA, Bolsonaro apoia ministro da Economia e diz que coronavírus está superdimensionado

Danielle Brant , Daniel Carvalho , Julia Chaib , Thiago Resende , Bernardo Caram , Paulo Saldaña e Marina Dias | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA E MIAMI - No dia em que o principal índice da Bolsa brasileira teve a maior queda diária do século, o ministro Paulo Guedes (Economia) se disse sereno. Ele defendeu as reformas para conter a crise.

Em resposta às declarações de Guedes, o Congresso cobrou mais ações e sinalizou que irá desidratar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial. Ela cria gatilhos para conter gastos públicos.

A disputa entre Arábia Saudita e Rússia pelo preço do petróleo agravou a fuga de investidores de ativos mais arriscados, já contagiada por causa do novo coronavírus.

As principais Bolsas mundiais fecharam em forte queda nesta segunda-feira (9). O Ibovespa recuou 12,17%, aos 86.067 pontos, a maior queda diária percentual desde 1998. O dólar fechou em alta de 2%, a R$ 4,727.

A convulsão nos mercados gerou reação de parte dos Poderes e chegou a Brasília. Guedes afirmou que a equipe econômica está tranquila.

Segundo o ministro, "a democracia brasileira vai reagir transformando essa crise em avanço das reformas". "[É hora de] Os três Poderes, com serenidade, cada um resolver sua parte", disse.

A orientação de Guedes à equipe econômica foi a de intensificar o discurso de que a crise exige o aprofundamento das reformas. Para ele, o momento de turbulência ajudará a convencer a sociedade sobre a necessidade de ajustes.

Não está nos planos do governo adotar medidas de estímulo, como ampliação do investimento público ou concessão de incentivos tributários.

Na mesma linha, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, confirmou que não há "nenhuma medida emergencial" a ser adotada pelo governo Jair Bolsonaro.

Ele ainda negou que haja previsão de aumento da Cide –contribuição sobre o preço dos combustíveis recolhida pelo governo federal.

Em meio à crise aguda, governo e Congresso batem cabeça sobre medidas a serem tomadas. A discussão está centrada em uma ação imediata para a crise atual, enquanto as reformas têm efeito de médio e longo prazos.

"Nós estamos prontos para ajudar, como colaboramos no ano passado com toda agenda de reformas. Acho que elas [reformas] ajudam, mas certamente não são o único ponto para solucionar os danos da crise", disse Maia.

Maia externou contrariedade com as cobranças de Guedes pela aprovação das medidas.

"Ainda não chegou nem a administrativa nem a tributária, e a [PEC] emergencial, o governo decidiu encaminhar uma pelo Senado e não usar a do deputado Pedro Paulo, que estava pronta desde 2017, 2018", criticou.

Apesar de não ter indicado quando vai enviar as reformas, Bolsonaro chancelou as decisões de Guedes.

Em Miami, onde falou a um grupo de empresários brasileiros, disse ser leal à política econômica do ministro.

"Honrar compromissos, buscar retaguardas jurídicas e garantias. Temos, na pessoa do nosso ministro da Economia, um homem conhecido dentro e fora do Brasil, o senhor Paulo Guedes, e às suas politicas econômicas somos leais e buscamos implementá-las de todas as formas", disse.

"Estamos mostrando que estamos no caminho certo. Aqui nos EUA estamos mostrando isso", afirmou o presidente.

Bolsonaro ainda atribuiu a queda nos mercados à cotação do petróleo e ao coronavírus.

“No meu entender está superdimensionado o poder destruidor desse vírus”, disse. “Mas acredito que o Brasil não é que vai dar certo, já deu certo.”

Uma das medidas que ajudaria a abrir espaço para o governo fazer investimentos públicos, como defendido por Guedes e Maia, a PEC Emergencial deve ser desidratada no Senado e na Câmara. Esta é uma das três PECs do pacotaço que altera regras fiscais e orçamentárias.

Congressistas indicam que irão impor ritmo próprio à análise da matéria.

Nesta semana, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) fará audiências públicas para a PEC Emergencial.

Pelo cronograma definido pela presidente do colegiado, senadora Simone Tebet (MDB-MS), o relator da proposta, senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), apresentará seu parecer na próxima semana. O texto será votado até a primeira semana de abril.

O texto já enfrenta resistências no Senado. Congressistas dizem que a PEC Emergencial criminaliza o servidor.

"Embora importante, a PEC Emergencial que precisamos não é esta que está posta pelo governo. A base é ela, mas tem excessos que, em vez de aquecer a economia, dar credibilidade ao país, conforto para investidores, vai travar a economia porque tem uma parte dela que fala em redução de jornada de trabalho e salário de servidor público, que é quem hoje aquece a economia", afirmou a senadora à Folha.

Tebet é contra o dispositivo que permite a redução em 25% da jornada dos funcionários públicos com redução proporcional dos vencimentos.

O texto cria gatilhos para quando União, estados e municípios tiverem problemas financeiros. Para evitar que o governo gaste mais do que arrecada, medidas de ajuste serão acionadas quando a despesa corrente exceder 95% da receita corrente.

Guimarães tende a não ceder às pressões de categorias do serviço público. Porém, ele poupou do corte de jornada e salário servidores que ganhem até três salários mínimos (R$ 3.135).

O texto em tramitação ainda proíbe reajustes, criação de cargos, reestruturação de carreiras e concursos.

O governo queria aprovar a matéria ainda 2019.

"Se o governo não se mexer, não vai acontecer nada. Você acha que, em um ano eleitoral, eles [parlamentares que querem eleger prefeitos e vereadores] vão brigar com corporação de funcionário público?", avaliou o senador.

O Orçamento deste ano prevê que a PEC entre em vigor no segundo semestre.

Com isso, seriam economizados R$ 6 bilhões neste ano, valor que foi realocado para programas sociais, como o Minha Casa, Minha Vida e o SUS da assistência social, além de construção de rodovias e apoio a projetos de desenvolvimento sustentável.

Nesta segunda, a diretora de Pesquisa do FMI (Fundo Monetário Internacional), Gita Gopinath, afirmou que os países precisam agir para impedir que crises, como a epidemia de coronavírus, provoquem danos permanentes para famílias e empresas.


Andrea Jubé: ”O que faremos com esse povo na rua?”

Bolsonaro perde “dominância narrativa nas redes”

“O que mete medo em político é o povo na rua”, ensinava o Doutor Ulysses há três décadas. Líder da campanha pelas Diretas Já e ator relevante no impeachment de Fernando Collor em 1992, ele falava com propriedade: assistiu às multidões lotarem o Vale do Anhangabaú em São Paulo e a Candelária, no Rio de Janeiro, nos comícios de 1984, e aos caras-pintadas ocuparem o gramado do Congresso ao som de “Alegria, Alegria”.

A emenda Dante de Oliveira foi rejeitada, mas o ex-senador Heráclito Fortes, um dos mais próximos de Ulysses, pondera que sem a pressão popular a eleição indireta da chapa Tancredo-Sarney não se viabilizaria e a transição democrática seria adiada.

Sem a pressão popular talvez não prosperassem os processos de impeachment de Fernando Collor e Dilma Rousseff, admitiu à coluna um cacique do MDB que acompanhou os bastidores de ambos.

No sábado, o presidente Jair Bolsonaro resgatou a máxima de Ulysses para desafiar o Congresso. Dobrou a aposta em sua popularidade, mesmo em meio à crise econômica aguda, e conclamou a população a sair às ruas no dia 15 para defender o governo.

“Político que tem medo de movimento de rua não serve pra ser político”, discursou, em indireta aos parlamentares.

No primeiro momento, a aposta surtiu efeito e os dirigentes do Legislativo e Judiciário fecharam-se em Copas, em um gesto de cautela pelo temor da reação das redes e das ruas. Pesou, igualmente, uma dose de pragmatismo: uma reação enérgica colocaria em xeque o acordo que lhes garantiu R$ 20,5 bilhões em emendas ao Legislativo.

Trata-se da fatia pactuada dos R$ 30,1 bilhões que originalmente seriam retirados do Executivo na execução do Orçamento, o que levou o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, a falar em “chantagem” do Congresso.

Surpreende, entretanto, que o chamamento de Bolsonaro para os atos não tenha chacoalhado as redes. Ao contrário, o monitoramento das redes indica que, naquele sábado, aumentaram as menções negativas ao governo e às manifestações do dia 15.

“Bolsonaro vem perdendo a dominância narrativa nas redes”, assegura Sergio Denicoli, pós-doutor em comunicação digital e sócio-diretor de Big Data da AP Exata, agência de inteligência em comunicação digital.

Ele monitora o sentimento que Bolsonaro desperta nas redes há cerca de três anos, desde a pré-campanha eleitoral, com base em um sistema desenvolvido na Universidade do Minho, em Portugal.

A ferramenta, que acompanha Twitter, Instagram e YouTube, antecipou o resultado do pleito de 2018 antes da divulgação da boca de urna. A constatação neste momento é de que Bolsonaro perdeu a influência nas redes fora da bolha bolsonarista.

Por isso, Denicoli prevê ruas cheias no dia 15, mas com volume menor do que as manifestações anteriores. Ele não vê brasileiros que não sejam bolsonaristas radicais dispostos a sair de casa em apoio ao governo.

Após um início de mandato conturbado, com a denúncia sobre Fabrício Queiroz e o post do “golden shower”, houve um período de estabilidade do presidente nas redes de março até dezembro. Em maio, o protesto a favor da reforma da Previdência e do pacote anticrime do ministro Sergio Moro levou multidões às ruas nos 26 Estados e no Distrito Federal.

Há dois meses, entretanto, o monitoramento de Denicoli detectou um viés de baixa de Bolsonaro nas redes, que o pesquisador atribui ao PIB de 1,1%, à persistência do desemprego alto, à explosão do dólar, à gasolina cara, entre outros resultados negativos da economia. Essa avaliação contabiliza os chamados “perfis de interferência”, como robôs, fakes e apoiadores.

Denicoli acredita que os simpatizantes não radicais do governo começam a cobrar outra atitude do presidente e atribui a perda de influência à estagnação econômica. “A economia é o equalizador, se estiver ruim, acredito que a questão ideológica passa ao segundo plano”.

Denicoli confirma o medo que os políticos têm da população em massa nas ruas, mas ele vê um clima de apreensão dos dois lados: do Congresso, mas também do próprio Bolsonaro.

Ressalta que o presidente rompeu um padrão ao se expor convocando pessoalmente a população para os atos. “Isso mostra que ele não está seguro da dimensão dos atos”.

Vale relembrar que quando Collor pediu aos brasileiros que saíssem às ruas de verde e amarelo em uma demonstração de apoio, a população vestiu preto em resposta ao apelo. Mas Bolsonaro não é Collor: não tem base parlamentar, assim como o alagoano, mas ainda conta com o respaldo de parte expressiva da população.

Essa parcela de apoio pode não lotar o Anhangabaú, mas fará vista na Avenida Paulista e na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, a ponto de assombrar os políticos.

Um líder de uma das maiores bancadas do Senado admitiu à coluna que os senadores recuaram da intenção de convocar o general Augusto Heleno para não acirrar a crise institucional. Reclama que a “criminalização da política” recaiu sobre o colo do Legislativo.

“Poderíamos inflamar mais as ruas, e a gente precisa ter responsabilidade”, argumenta esta liderança. “Não podemos ser raivosos e imaturos como esse governo”, desabafou.

Quando rompeu o silêncio dos chefes dos Poderes, um dia depois da convocação de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pronunciou-se em tom de serenidade. Cobrou “seriedade e diálogo” e exortou os poderes a agir “em harmonia e com espírito democrático”.

Em 1984, a presença de 300 mil pessoas em um comício pelas Diretas Já em Belo Horizonte assustou Tancredo Neves, contou Plínio Fraga na biografia do ex-presidente. Apreensivo, ele questionou o então líder sindicalista e fundador do PT Luiz Inácio Lula da Silva: “o que faremos com esse povo todo na rua?” Lula respondeu: “tudo o que a gente quer é povo na rua, não tem de ter medo. Coloca na rua e deixa ver o que vai acontecer”. É a fórmula e Bolsonaro: medir o volume das ruas e esperar o que virá depois.


Paulo Fábio Dantas Neto: Prudência e urgência (razões de tática e estratégia políticas)

Pouco mais de um ano de governo Bolsonaro e tornou-se um bordão, aceito em amplos ambientes, a ideia de que os democratas brasileiros precisam se articular e se entender para derrotar a estratégia de enfraquecimento da democracia representativa, levada a cabo pelo Presidente da República. Situação limite essa, pois caberia, a quem ocupa esse posto, ser justamente o mais poderoso e eficaz defensor do regime e da Constituição, graças aos quais chegou aonde está. Os fatos, porém, já não deixam dúvida de que temos um presidente subversivo da lei e da ordem. Esse ponto é tacitamente reconhecido, seja por quem aplaude, seja por quem abomina a sua conduta golpista. Quem aplaude admite lhe dar ainda mais poderes para, supostamente, mandar os políticos embora. Quem abomina, busca a melhor maneira de atalhar esse seu caminho.

No campo bolsonarista, eventuais dúvidas táticas sobre como levar ao sucesso a sua estratégia golpista resolvem-se com ordens do dia de um capitão que se tornou especialista em constranger generais. A ordem em vigor, no momento, convoca abertamente, para o próximo domingo, 15/03, uma manifestação de rua, fisicamente próxima à Praça do Três Poderes, para aclamar o presidente e contestar as autoridades ocupantes dos dois outros poderes da República. A essa altura, a sociedade, apreensiva, já se pergunta, com razão, o que farão a Polícia Militar e as Forças Armadas se algum dos dois poderes postos na berlinda solicitar, legitimamente, sua proteção, em caso dessa manifestação sair dos limites razoáveis e degenerar em agressão direta como, aqui e ali, há muito tempo se ensaia. Augusto Heleno esteve só, em sua provocação golpista? Poderia ser devidamente “enquadrado”, por seus interlocutores na ativa, depois daquelas declarações? Autoridades militares responsáveis e comprometidas com a democracia terão força para não deixar que o ovo da serpente alimente os apetites e contamine a corrente sanguínea de seus pares e comandados?

Essas perguntas não calam porque nenhuma pessoa sensata, que observe com atenção a cena política atual, ignora que as cúpulas dessas corporações já podem estar sofrendo uma dupla pressão nas bases que, por hierarquia profissional, comandam. Refiro-me à disseminação, pelo aparelho de doutrinação bolsonarista, em estratos mais baixos da oficialidade das forças armadas, de uma nostálgica ideologia golpista e salvacionista que a derrota do regime autoritário na transição democrática dos anos de 1980, seguida de três décadas de democracia, puseram em desuso naquele ambiente. Em que grau essa subversão de valores democráticos já avançou recentemente na corporação é algo que só pode ser sabido por quem detém informações privilegiadas. Mas o processo preocupa, assim como deve preocupar também a pressão corporativa que pode emanar, em grau crescente, ainda mais embaixo, diante de uma eventual indisposição, por dever constitucional, de comandantes militares com um presidente subversivo. Sim, pois esse presidente e seus filhos propagam um discurso demagógico que acena às tropas com vantagens materiais e, no caso de policiais transgressores da lei, também com uma odiosa impunidade.

Já nas instituições civis e no campo político heterogêneo que se opõe a essa aventura, parece ainda estar longe o momento em que uma estratégia comum será pactuada. Ela convém, entre outras razões, para tornar consequente a tática de evitar o confronto, que tem sido intuitivamente adotada por todos, por cálculo político racional, e/ou por receio de retrocesso institucional. Paciência e moderação têm sido as contraordens que até aqui interditaram o caminho, democraticamente justificável, de um processo de impeachment, para o qual o presidente já forneceu vários motivos, cometendo sucessivos crimes de responsabilidade.

O bom senso já nos sugere supor que esses crimes estão sendo cometidos deliberadamente, como um risco calculado, para antecipar um confronto político, num momento em que se sabe ainda não existir, no Congresso, maioria qualificada para impedir o presidente. E ela não existe justamente porque ainda não há, no eleitorado, clara rejeição ao presidente (como já existe na sociedade civil), nem há, no empresariado, convicção sobre o malogro da atual política econômica. Com eleitores divididos e empresários indecisos, o Congresso fica neutralizado para um confronto, embora possa operar – e tem operado - como importante força política de contenção do golpismo presidencial.

Assim, ao usarem o cálculo político, lideranças do Congresso e das demais instituições civis têm conseguido evitar que Bolsonaro converta a eventual rejeição de uma denúncia contra si em capital político, isto é, em trunfo para avançar mais em sua estratégia golpista. Ao falarem com prudência sobre o tema, as forças políticas mais responsáveis do País têm evitado dar, ao bolsonarismo, o pretexto que busca para colocar a sociedade (e as forças armadas) diante de um dilema crucial entre um quadro de desordem e uma solução autoritária. Cenário plausível, pois não temos mais direito a duvidar de que a lógica miliciana que guia o Presidente não hesitará em fomentar (inclusive apelando à violência e ao terror) tal quadro problemático para obter tal solução.

Tudo correto, portanto, com a tática dos democratas. Mas alguma tática, por mais racional e prudente que seja, pode ter sucesso, em política, se não estiver ligada, de modo politicamente convincente, a uma estratégia? É possível defender a democracia com eficácia política pensando só em prevenir, isto é, tratando-a - para reiterar jargão conhecido - como plantinha tenra que se deve regar todo dia, tal qual bem alertava Octávio Mangabeira, como sugestão de conduta virtuosa para tempos normais? Se não estamos em estado de exceção, mas estamos num tempo de gravidade excepcional, é preciso ver que a democracia é mais que uma planta tenra. Sequer é só uma árvore.

É complexa floresta de instituições, direitos e interesses, que pode ser agredida, inclusive, pelo manejo demagógico dessa malha. A democracia representativa precisa não apenas ter, mas demonstrar, sempre, a força necessária para dissuadir aventureiros, quando eles a testam.

A missão não é fácil pois o terreno do trabalho atual é pantanoso. A estratégia dos golpistas é ajudada pela imagem má que políticos e partidos têm perante a sociedade e o eleitorado. Aqui não tenho como me deter sobre razões e não razões desse fenômeno, mas chamo a atenção para o fato de que a imagem negativa se refere a apenas um lado da realidade da democracia representativa.

O outro lado, muito positivo, é o suculento inventário de conquistas democráticas que encontram no Congresso uma usina de processamento. A agenda de políticas públicas socialmente positivas avançou muito no Brasil desde que superamos a ditadura militar e isso se deve, fortemente, a processos de elaboração e negociação legislativa. No fundo, o povo sabe disso e não se pode precipitadamente achar que sua insatisfação com outros aspectos da atividade de representação política leve a que ele queira abrir mão dela, seja para entregar seu futuro a ditadores, seja para cair na ilusão de que pode, como povo, governar diretamente o País. Pode ter faltado ao povo brasileiro, no passado, ocasiões de participação maior, para exercer uma cidadania mais qualificada e pode estar lhe faltando hoje um cardápio de representantes de melhor qualidade. Mas algum senso de medidas não lhe falta, mesmo quando suas necessidades e medos abrem espaço a demagogias populistas. Por isso, entre nós, jamais tiveram durabilidade aventuras caudilhescas irresponsáveis, ou discursos meramente utópicos. Nossas elites políticas, mesmo quando não democráticas, precisaram sempre negociar sua legitimação no terreno das realizações concretas.

Mas preocupa, e muito, a ausência ou, ao menos, a invisibilidade, na atual conjuntura, de uma estratégia política comum das forças democráticas, que se preocupe com movimentos táticos, mas também as prepare, desde já, para desdobramentos que não se pode prever de antemão. Deixo claro que não se trata de propor que persigam objetivos político-eleitorais que supostamente possam unir democratas de direita, de centro e de esquerda. Isso é quimera. Trata-se de cuidar, em conjunto, da preservação de condições para que disputas democráticas continuem acontecendo. Isso passa por não deixar dúvidas na opinião pública sobre a capacidade das instituições se fazerem respeitar, inclusive pelos poderosos. Do mesmo modo, não se trata de fazer análises adivinhadoras de cenários futuros, como se ações políticas devessem se orientar por essas especulações. Sabemos que nenhuma linha de ação tem futuro se não se ancorar no que há, no aqui e no agora. Trata-se é de não deixar que um poderoso inimigo da democracia representativa jogue solto e decrete o futuro como resultado de ações ousadas no presente. Ponho-me entre aspas para recorrer a uma metáfora que usei em artigo publicado há três meses: “um desafio à política positiva é ser eficaz na conjuntura. Seus praticantes não podem ser uma zaga que olha para a bola, com foco eleitoral em 2022, sem marcar o atacante demolidor” (Política positiva e política negativa, Estadão, 01.12.2019).

Na ausência de estratégia defensiva comum, cada zagueiro age à sua maneira. Declarações do ex-presidente Lula, em recente homenagem que recebeu da esquerda francesa, se ajustam como uma luva à metáfora acima. Aposta suas fichas num novo embate eleitoral polarizado, em 2022. Nessa posição há dupla racionalidade política: objetivamente, ele lidera, de fato, o partido que ainda é a maior força eleitoral da oposição e que, por isso, pode pensar em desafiar eleitoralmente o bolsonarismo, nem que seja para conservar essa condição de polo de oposição, que conquistou em 2018. E, subjetivamente, Lula raciocina ser esse o melhor modo de seguir politizando seu embate com a Justiça brasileira. Porém, ao dizer que esperar 2022 é dever democrático, ele não apenas descarta, por ora e por realismo político, a defesa de um processo de impeachment. Vai mais longe e admite que Bolsonaro ainda não cometeu crime de responsabilidade que o justifique. Relaxando assim na marcação do atacante agressivo, esse “bom mocismo” fará, da ala do lado esquerdo da defesa democrática, uma avenida. Quantos gols serão marcados por ali até um zagueiro democrata poder se arriscar a um contra-ataque nesse sonhado 2022? Em quanto já estará o placar em favor do time cuja estratégia é asfixiar a democracia? Que chance haverá de haver uma eleição livre?

Zagueiros democráticos mais ao centro (os do fugidio centro político e os que ocupam posições institucionais centrais) costumam usar retórica crítica mais contida que a do PT, porém têm sido mais diligentes na marcação do atacante. Ainda assim não escapam da carapuça da metáfora. Marcam por zona, evitando o enfrentamento individual, justamente porque operam instituições e – é preciso reconhecer - elas objetivamente têm impedido, até aqui, demolições explícitas. Mas os recuos que conseguem impor revelam-se efêmeros porque dirigem ao atacante seguidas advertências, mas não sanções por violação das regras. Assim, no momento seguinte, novos ataques voltam a deixar a defesa em permanente estado de tensão e perigo. Contudo, prevalece sempre a tática da paciência de jardineiros de plantas tenras, sancionada por recentes declarações do também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um experimentado político orgânico que a realidade quer converter em outsider. Aos atores com seu perfil político e aos que detém poder real também cabe fazer a mesma pergunta que pode ser feita à esquerda petista: até que ponto arranhões parciais restantes após cada escaramuça poderão esgarçar - ou já esgarçaram, de algum modo - o tecido da democracia, a ponto de comprometer a chance de chegar-se a 2022 ao menos no compasso da situação atual? O enfrentamento, que táticas prudenciais querem evitar agora, poderá ser evitado se, em dado momento, a infiltração antidemocrática tiver corroído o Estado a ponto de setores decisivos seus comportarem-se como milícias? Haverá eleições “normais” se o bolsonarismo pressentir uma derrota eleitoral? E havendo eleições que, porventura, confirmem sua derrota, haverá paz para que haja governo? Que poder de retaliação terão, então, caminhoneiros em pé de guerra e policiais amotinados, se os laços que os une hoje ao bolsonarismo prosperarem por um continuado e desabrido uso não republicano do poder? E que reação se pode esperar das instâncias judiciais diante dessas retaliações, após as mudanças que podem ser feitas no STF até lá?

Zagueiros com um terceiro tipo de perfil político são imprescindíveis numa hora dessas. Refiro-me a uma direita conservadora que ainda não entrou para valer em campo e precisa entrar. Um cochilo da ala direita, na marcação de um atacante que se apresenta como conservador, embora seja o seu oposto, pode ter efeito bem mais devastador para a democracia representativa do que cálculos políticos e eleitorais de uma esquerda fora do poder. Um conservadorismo político que mereça esse nome não pode, depois de tantas lições do passado, compactuar com uma estratégia desestabilizadora da ordem e das instituições moderadoras, que tenta emparedar o Congresso, intimidar o Judiciário e sabotar, ao modo do chavismo (ver Demétrio Magnoli, “O povo e Exército” – FSP, 29.02.2020) a hierarquia das forças armadas. Principalmente não pode chancelar uma propaganda ideológica que quer desacreditar a conciliação como método, no intuito (quimérico, mas nem por isso menos perigoso) de eliminar a chamada “dialética da ambiguidade”, uma marca de origem da nossa tradição política. Conservadores que se prezam não podem coonestar com a conspiração de um governo passageiro para sufocar e assassinar uma tradição nacional.

Democratas ao centro e à esquerda não podem perder de vista que convencer conservadores a tirar o oxigênio da aventura golpista é o objetivo que pode firmar uma estratégia política comum, que falta aos democratas de todos os matizes para darem consequência política realista – portanto, eficácia - à conduta tática prudencial que têm adotado. Essa conduta precisa deixar de ser só intuitiva e reativa, para ser também racional e propositiva. O momento exige equilibrar sensos de prudência e de urgência para dar à sociedade a confiança em que a democracia é a melhor opção e em que golpistas serão enfrentados não só no terreno das ideias, mas também no da política real.

Se a consequência dessa atitude realista será a abertura de um processo de impeachment não é possível antecipar. Mas não se pode tirar a hipótese da agenda, ainda que ela não esteja na ordem do dia. Criar um abismo lógico entre essa eventualidade e a conduta prudencial é um suicídio político prévio. Equivale a subestimar o poder do adversário de provocar destruição e desordem. A conduta prudencial ajuda-nos não apenas a evitar esses males. Também nos afasta da conduta imprudente de, num ambiente polarizado, fazer política sem um objetivo estratégico no horizonte.

*Cientista político e professor da UFBa


O Estado de S. Paulo: 'Este é o momento de abandonar o teto de gastos', diz Monica de Bolle

Para Monica de Bolle, governo precisa reconhecer que o cenário econômico mudou e trocar reformas por investimentos públicos em infraestrutura

Douglas Gavras, O Estado de S. Paulo

A perspectiva de uma crise global deve obrigar o governo brasileiro a reavaliar sua política econômica: com a suspensão do teto de gastos e a volta do investimento público, para evitar que o Brasil volte a entrar em recessão, avalia Monica de Bolle, pesquisadora sênior em Washington do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos.

Nesta segunda-feira, 9, a Bolsa brasileira fechou em queda de 12,17%, aos 86.067,20 pontos, a maior queda diária, em porcentual, do Ibovespa desde setembro de 1998. O dia foi de caos nos mercados financeiros globais, com o avanço da crise do coronavírus e a queda no preço do petróleo.

Para a economista brasileira, o governo precisa reconhecer que o cenário econômico mudou e trocar a agenda de reformas por uma agenda de investimentos públicos em infraestrutura. "Alguns investimentos podem começar imediatamente. É preciso deixar a ideologia de lado."

A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado:

Há algum sinal de que essa crise possa durar pouco?
Não vai melhorar tão cedo, a coisa tende a ficar tensa por um bom tempo. A questão do petróleo é pontual e afeta o Brasil, mas a crise sanitária é mais grave do que se pensava. A situação atual é muito diferente das crises tradicionais. Em uma crise tradicional, a gente conhece as políticas econômicas necessárias para combater. Em 2008, por exemplo, a resposta foi dar estímulo monetário e fiscal. Isso teve o efeito de apagar incêndio e o de dar sustentação econômica. Agora, a política econômica não tem papel no apagar do incêndio. E só os médicos e cientistas podem fazer alguma coisa a respeito, para frear o número de novos casos.

O governo pode agir para limitar os impactos na economia?
A maneira como a epidemia vem sendo tratada no Brasil e no resto do mundo é um desserviço tremendo. Tanto é, que o número de casos está subindo muito nos países afetados. Diante desse quadro, temos uma crise duradoura e a resposta de política econômica tem espaço limitado. Dá para fazer estímulos monetários e fiscais, mas enquanto a epidemia perdurar o efeito é limitado. Ajuda, mas não resolve.

O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil do ano passado foi uma decepção: cresceu 1,1%, quando as previsões iniciais eram de pelo menos 2,5%. Agora, com a economia mundial desacelerando, a previsão é de um 2020 difícil. Então, como fazer para que a economia responda?
Não agir é a pior escolha. O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda que é preciso pensar em estímulos. No Brasil, o governo está obcecado em manter uma agenda de reformas, de médio e longo prazos, quando o momento é de pensar em como responder a essa crise. É preciso começar a desenhar medidas, deixar as reformas de lado e focar no que é preciso fazer para que o Brasil não entre em recessão.

O que é preciso fazer agora para evitar a recessão?
Suspender ou até eliminar o teto de gastos. A maneira como ele foi desenhado foi equivocada, a gente fez um teto rígido, que não permite que na hora em que precisar de uma medida anticíclica e não permite fazer. Este é o momento de abandonar o teto de gastos, que já tinha um desenho equivocado desde o início. E não é de hoje que eu aponto isso.

O mercado não reagiria ainda pior, caso o teto de gastos fosse suspenso?
Isso é uma bobagem. Agora é um momento de crise. É só olhar para fora, o cenário mudou. As pessoas precisam entender que a realidade é outra e, sem mudar a política econômica, o Brasil, que já está fragilizado, pode sofrer ainda mais. O País já está no pior dos mundos, de dólar alto e crescimento baixo.

Prosseguir com o corte de juros não é suficiente, certo?
Na área monetária, a taxa de juros está baixa e sem pressão inflacionária. É um quadro sustentável, que nos abriu espaço. A dinâmica da dívida pública está melhor. Isso não é um problema, ajudou o País a abrir um espaço fiscal, que é pequeno, mas que precisa ser usado agora. O momento é de pensar que tipo de gasto público e estímulo fiscal podem ser feitos. Eu acho que a medida mais eficiente é aumentar o investimento público, principalmente em infraestrutura.

Seria preciso trocar o remédio de contenção de gastos públicos e de foco nas reformas, aplicado nos últimos quatro anos?
O governo precisa trocar a agenda de reformas por uma agenda de infraestrutura. Alguns investimentos podem começar imediatamente. Há um grande número de concessões paradas e tudo isso terá de avançar. E o governo vai ter de deixar a ideologia de lado e voltar a envolver o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nesses investimentos. Não adianta ficar demonizando o banco.

Há uma série de crises na relação entre o Planalto e o Legislativo. O clima político no Brasil permite que essas medidas emergenciais sejam aprovadas?
É complicado. Uma pessoa que está claramente com a cabeça no lugar certo é o (presidente da Câmara dos Deputados) Rodrigo Maia. Ele percebe a gravidade da situação e sabe o que precisa ser feito no curto prazo. O governo tem de parar de falar bobagem e começar a trabalhar com seriedade. Se a melhor proposta de ação vier do Congresso, que assim seja.


Bruno Carazza: O que querem as mulheres?

Bancada feminina tem uma boa agenda no Congresso

Em outubro de 2019, Melinda Gates publicou na revista Time uma carta aberta prometendo investir US$ 1 bilhão na próxima década em projetos para expandir o poder e a influência das mulheres nos Estados Unidos. A data desse anúncio foi cuidadosamente escolhida: naquele mês completavam-se dois anos do surgimento das primeiras denúncias contra o então todo-poderoso produtor de cinema Harvey Weinstein, desencadeando um amplo movimento a favor da quebra do silêncio em casos de assédio e agressão sexual.

A hashtag #MeToo viralizou e foi fundamental para a condenação de Weinstein - num primeiro momento pública, e depois judicial - e para a promoção do debate sobre a condição feminina no mercado de trabalho. Depois de se alastrar das redes sociais para a sociedade, o #MeToo está enfrentando uma crise típica dos grandes movimentos populares surgidos nos últimos anos: como vencer a improvisação, a organização difusa e a ausência de lideranças e construir uma agenda de prioridades para obter resultados concretos na melhoria das condições de vida das mulheres?

Melinda Gates entende que a repercussão em torno do #MeToo representa uma janela de oportunidade para alavancar o “ativismo de sofá” numa ação coletiva em prol da igualdade de gêneros. Para isso, pretende usar sua fortuna para fomentar iniciativas voltadas a três prioridades: i) redução das barreiras ao desenvolvimento profissional feminino; ii) estimular a ascensão de mulheres nos setores de tecnologia, mídia e governo, que têm um grande impacto na sociedade e iii) mobilizar acionistas, consumidores e trabalhadores para pressionarem as empresas a se tornarem mais diversas, tanto em termos de gênero quanto de cor.

De acordo com Melinda Gates, há mais CEOs chamados James do que mulheres liderando as 500 maiores empresas nos Estados Unidos. E apesar de representarem 51% da população, apenas 24% das cadeiras no Congresso americano são ocupadas por parlamentares do sexo feminino. No Brasil, a situação é ainda pior: embora tenham melhorado de forma expressiva seu desempenho nas últimas eleições, as mulheres representam apenas 15% da Câmara e do Senado.

Para ter uma ideia de como a bancada feminina no Congresso brasileiro tem pautado as discussões sobre proteção às mulheres e promoção de igualdade de gênero em nosso país, realizei um levantamento de todos os projetos de lei e propostas de emenda à Constituição sobre esse tema apresentados por deputadas e senadoras na atual legislatura.

De 162 proposições analisadas, mais da metade (86) trata de prevenção e combate à violência contra as mulheres. Nossas parlamentares partem do diagnóstico de que os avanços obtidos com a aprovação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) ainda são insuficientes. A contar pelo número de propostas, preocupa principalmente a ineficiência das medidas protetivas previstas na legislação atual.

Para combater a recorrência de situações em que o agressor descumpre as determinações judiciais de se manter longe da vítima, deputadas e senadoras sugerem, entre outras ações, monitoramento com tornozeleiras eletrônicas, concessão facilitada de prisão preventiva, majoração do valor da fiança, busca e apreensão de armas de fogo e notificação compulsória às autoridades policiais e judiciais por parte de profissionais da saúde que tenham identificado sinais de violência em suas pacientes.

Um outro grupo de projetos promete atacar o problema da efetividade da Lei Maria da Penha em duas frentes diferentes: de um lado, procurando facilitar o acesso à Justiça das vítimas, com a ampliação dos mecanismos de proteção às autoras e testemunhas nos processos; de outro, elevando as sanções aos agressores, como a imposição do dever de ressarcir despesas do SUS e do INSS com o atendimento aos alvos de sua violência e a vedação de ser nomeado para cargos públicos. Também faz parte da agenda das parlamentares a concessão de benefícios para as mulheres agredidas, como licenças e a possibilidade de movimentar suas contas no FGTS para o custeio de tratamento médico, a fim de se recuperarem dos traumas físicos e psicológicos.

A segunda dimensão com mais projetos na agenda das parlamentares brasileiras diz respeito à maternidade. Tramitam no Poder Legislativo federal propostas para humanizar o acolhimento das gestantes desde o pré-natal, incluindo o direito à opção quanto ao tipo de parto, a prioridade de atendimento e transferência em caso de falta de vagas nos hospitais e a criação de espaços públicos para a amamentação. Também é objeto de sugestão a alteração da legislação para aumentar o período de estabilidade de emprego para as gestantes e a extensão da duração da licença-maternidade para 180 dias para todas as trabalhadoras, abrindo inclusive a possibilidade para que esse prazo seja compartilhado com os pais.

Para promover uma maior igualdade de gêneros no mercado de trabalho, deputadas e senadoras recorrem às cotas para reverter a predominância de homens nos cargos mais altos do setor público e privado, estabelecendo percentuais mínimos para mulheres nos postos de gerência e direção de empresas, entidades da sociedade civil e órgãos públicos. Há ainda iniciativas de desenvolvimento de políticas públicas para apoiar o imenso contingente da população feminina dedicada às atividades de cuidado com familiares que necessitam de atenção especial em função de suas condições de saúde, deficiências ou idade.

Por fim, um número expressivo de proposições procura atacar justamente o fato de possuirmos tão poucas mulheres na política brasileira. Medidas nesse sentido envolvem desde a ampliação do percentual mínimo de candidatas em cada partido (atualmente o patamar é de 30%) ao estabelecimento de critérios mais efetivos para a distribuição dos recursos do fundo partidário, chegando até mesmo à imposição de paridade no número de vagas a serem preenchidas por mulheres e homens nos Legislativos de todo o país.

Há no Congresso Nacional uma pauta extensa de propostas voltadas para a melhoria das condições das mulheres que merece receber mais atenção da sociedade. Estimular uma maior igualdade entre os gêneros deveria mobilizar nossa atenção não apenas em torno do 08 de março. Fica o alerta (for #MeToo).

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”


Demétrio Magnoli: Um vírus para os populistas

Trump agarrou-se ao coronavírus para propagar a xenofobia

O impacto econômico do novo coronavírus reflete-se mais na linguagem fotográfica que na das estatísticas. Duas imagens de satélite revelam que a nuvem de poluentes sobre o nordeste e o leste da China desapareceu durante o intervalo entre janeiro e fevereiro. Fotos mostram o Coliseu e a Piazza Navona, em Roma, sem as habituais hordas de turistas, neste início de março. Nouriel Roubini, “Dr. Desgraça”, o economista que ganhou celebridade ao prever a crise financeira de 2008, volta à cena profetizando uma depressão mundial.

A China conecta os polos das cadeias de produção globais, Ásia de um lado, Europa e EUA de outro. A subtração de pontos percentuais do crescimento chinês implica em forte desaceleração geral. Estimativas da OCDE apontam a hipótese de redução pela metade do crescimento global.

O índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, desabou das alturas dos 29 mil pontos, em 19 de fevereiro, para quase 25 mil, dez dias depois. Acostumados com um mercado ascendente de quatro anos, os investidores ainda imaginam uma efêmera curva em forma de V — e voltaram a comprar no início de março, animados pela rápida reação do Fed, o banco central dos EUA. Vozes mais pessimistas, porém, alertam para um ajuste longo, um poço cujo fundo poderia situar-se nos 16 mil pontos do início de 2016.

Trump agarrou-se ao vírus para propagar a xenofobia, vetando provisoriamente a entrada nos EUA de chineses. Depois, diante da balbúrdia nas bolsas, girou o timão, entregando a condução da crise sanitária a especialistas em saúde pública. No erro e no acerto circunstancial, sua bússola única é a campanha da reeleição.

A Europa, já estagnada, está ainda mais exposta que os EUA. “Suponha um declínio agudo na China”, sugeriu o economista Kenneth Rogoff em meados de janeiro, quando as nuvens de poluentes ainda pairavam sobre o país. “Isso seria catastrófico para a Europa, que depende muito das exportações para a China. Haveria uma recessão global, colocando tremenda pressão nos integrantes frágeis da Zona do Euro.”

Navegando um “novo normal” de taxas de juros reais negativas, o Banco Central Europeu dispõe de escassa munição de política monetária para frear a queda. A alternativa dos estímulos fiscais parece inviável, pois a Zona do Euro carece de política fiscal comum e o consenso ortodoxo alemão fecha esse atalho. A recessão que se desenha detonaria as economias mais deficitárias, como a da Itália.

Há quem ironize as teorias conspiratórias assegurando que o vírus nasceu num laboratório secreto do nacionalismo populista. No palco político, uma reinstalação da crise do euro impulsionaria os partidos da direita nacionalista, especialmente na Itália (a Liga, de Salvini) e na Alemanha (a AfD).

O pânico difunde-se mais até que o próprio vírus. O isolamento compulsório de metrópoles chinesas inteiras, as quarentenas de navios de cruzeiro e resorts, o noticiário alarmista, a torrente de fake news nas redes sociais produzem efeitos sociais de longo prazo. Os partidos populistas de direita enxergam no vírus um pretexto ainda mais perfeito que o dos imigrantes e renovam seu clamor pelo fechamento das fronteiras internas da União Europeia. Roubini ecoa o grito dos populistas, pedindo a medida extrema que produziria a depressão para a qual ele alerta.

A crise de 2008 brotou das engrenagens descontroladas dos mercados financeiros. A depressão que se insinua no horizonte emergiria da difusão do pavor num ambiente intoxicado pelos nacionalismos. A China é parceiro comercial decisivo e fonte crucial de investimentos para as economias do mundo árabe, da América do Sul e da África. Nessas periferias, o fantasma da turbulência social espreita atrás dos gráficos da desaceleração do PIB.

Paulo Guedes oculta as insuficiências da política econômica na coroa do vírus, mas seus críticos erram quando ignoram o cenário externo. A fuga de capitais rumo à fortaleza do dólar anula os efeitos da queda dos juros e sabota a reativação do investimento privado. Os populistas europeus celebram; os nossos não têm nenhum motivo para festejar.


El País: Trump troca afagos com Bolsonaro e reforça imagem de aliança entre os dois países

Presidentes reiteram apoio a Guaidó e a eleições na Bolívia, e sinalizam ampliar relação comercial. Governo cortou a Folha de S. Paulo da cobertura do jantar, repetindo gesto de Trump com CNN 

Esta é a quarta visita de Bolsonaro aos Estados Unidos desde que assumiu em janeiro de 2019 com a promessa de que iria estreitar laços com Trump, fonte de inspiração na área econômica, no discurso verborrágico e nos ataques à imprensa. Na Flórida, o Palácio do Planato decidiu excluir a Folha de S. Paulo da cobertura do jantar, repetindo o ataque que Trump já havia promovido contra a rede CNN em 2018, quando lhe cortou a credencial de cobertura da Casa Branca – depois restaurada.

Na campo diplomático, os dois países reiteraram o apoio ao papel de Juan Guaidó como presidente da Venezuela, além do apoio “aos esforços da Bolívia para a realização de eleições livres e justas”, diz comunicado conjunto dos dois países. “O Presidente Bolsonaro e o Presidente Trump reiteraram o apoio de seus países à democracia na região, incluindo apoio ao presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, e à Assembleia Nacional da Venezuela democraticamente eleita”, afirma o comunicado.

A crise na Venezuela é uma prioridade da Administração Trump na América Latina. O Brasil está alinhado à estratégia de Washington de isolamento total ao regime de Nicolás Maduro, e nesta mesma semana o Governo do Brasil ordenou a retirada de todos os seus diplomatas ligados ao chavismo que se encontravam na Venezuela.

Os dois assumiram compromisso com a paz no Oriente Médio também, muito embora os dois tenham promovido fissuras na região. Bolsonaro ao insisitr que pretende transferir a embaixada brasileira de Telaviv para Jerusalém, ponto sensível para os países árabes, e Trump que liderou um conflito com o Irã ao ordenar um bombardeio que matou o principal general do país, Qassem Soleimani. Agora Trump trabalha num acordo de paz entre Israel e Palestina, mas seu acordo vem sendo rebatido pela Liga Árabe.

Alumínio, comércio e OCDE

Esta é a primeira reunião entre os dois líderes populistas de direita desde que Trump desconcertou Bolsonaro com o anúncio, em dezembro do ano passado, de novos impostos ao aço e alumínio brasileiros. O líder brasileiro afirmou que Trump não levará adiante sua ameaça, mas o norte-americano ainda não a retirou formalmente e nem falou do assunto publicamente durante o encontro.

O comunicado da Casa Branca que detalhava a pauta do encontro antes do jantar, não mencionava esses tarifas. Em comunicado conjunto, anunciaram que ”trabalham por um pacote bilateral de comércio este ano, visando à intensificação da parceria econômica entre os seus dois países”, e especialmente, a reiteração de apio dos Estados Unidos ao início de processo de entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). “O Presidente Trump reiterou o apoio dos Estados Unidos ao início do processo de acessão do Brasil à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e exorta seus parceiros na OCDE a trabalhar em conjunto com os Estados Unidos para esse objetivo, que ajudará o crescimento da economia brasileira e o aumento de sua competitividade.”

A agenda de Bolsonaro que deve ficar nos Estados Unidos até terça, inclui uma visita neste domingo, na cidade de Doral, ao Comando Sul dos Estados Unidos, que coordena as operações militares no Caribe, Centro e América do Sul. Bolsonaro vai assinar lá um “acordo de projetos de pesquisa” para “compartilhar informação no desenvolvimento de novas capacidades de defesa”. Na segunda-feira terá um encontro com empresários dos dois países, e na terça-feira, depois de um encontro com o senador republicano da Flórida, Mark Rubio, visitará em Jacksonville a fábrica da empresa brasileira de aviões Embraer. O Governo brasileiro informou que o presidente Bolsonaro se reunirá com membros da comunidade brasileira da Flórida, formada por 400.000 pessoas.

Para Bolsonaro, a viagem também será uma oportunidade de se reunir com empresários à procura de investimentos. O PIB de 2019 de 1,1% (contra 1,3% em 2018 e 2017) anunciado na última quarta (4) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) , e a ameaça de uma queda global provocada pela crise do coronavírus, pode nublar ainda mais o horizonte de uma economia que não consegue se recuperar após a grave recessão de 2015 e 2016. Na sexta-feira, a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos (Anfavea) já anunciou o risco de paralisar a produção de carros em função do coronavírus que afeta a China, seu principal fornecedor de autopeças.

O presidente vai testar seu talento para convencer empresários a investir num momento de incerteza na economia, estimulada por ele mesmo, como afirmou o presidente da Câmara do Brasil, Rodrigo Maia. “O governo gera uma insegurança grande para a sociedade e para os investidores. As pessoas estão deixando de investir pela questão do meio ambiente e pela questão democrática”, disse Maia em evento em São Paulo, nesta sexta.

No comunicado conjunto, Bolsonaro e Trump anunciaram discutir o projeto Um Trilhão de Árvores, de replantio até 2050, o que soa irônico para o Brasil diante do avanço do desmatamento e do avançø sobre reservas ambientais estimuladas por um discurso de desprezo do presidente brasileiro com o meio ambiente.

O encontro entre os dois presidentes ocorre um ano depois de Trump receber Bolsonaro na Casa Branca. Os dois políticos têm o mesmo estilo de conservadorismo populista, e Bolsonaro baseou sua bem-sucedida campanha de 2018 na que levou Trump à Casa Branca em 2016. Para o mandatário brasileiro, o encontro gerou imagens que fortalece o apoio da sua base num momento em que reforça o clima bélico com outros poderes e incentiva o ataque à imprensa. Em seu twitter, partilhou a notícia de que havia cortado a Folha de São Paulo da cobertura do jantar.