governo bolsonaro
Carlos Andreazza: A epidemia do golpismo
Bolsonaro vai — foi —para a briga de rua
O presidente foi ou não infectado pelo novo coronavírus? Ninguém saberá. Há um estímulo oficial à descrença constante. Diz-se que não. Mas quem acredita?
O procedimento bolsonarista já está mapeado: plantar — neste caso, lá fora (numa TV americana) — a notícia (de que Jair Bolsonaro estaria contaminado) que se negará em seguida. O que interessa é desmentir; subsidiar a trombada de versões, a desconfiança generalizada.
Estamos na mais baixa cavidade da depressão política que nos consome desde 2013 — da qual o bolsonarismo é a mais intensa convulsão. A degradação é veloz. Mas o fundo do poço é fundo. O presidente comete sucessivos crimes de responsabilidade. Estica progressivamente — todos os dias — a corda dos arreganhos autoritários. Sem qualquer resposta institucional de corpo, ousa — ousará — cada vez mais. Escrevi, na semana passada, que não tardaria até que tomasse parte numa das manifestações contra os Poderes da República. Aí está.
A ação é coerente se considerarmos a série de imposturas e irresponsabilidades por meio da qual, nos últimos 30 dias, Bolsonaro liderou uma implacável blitz autoritária contra o equilíbrio democrático no Brasil. Não é dinâmica de quem pretenda se submeter aos filtros republicanos por muito tempo. Há um quê de desespero. O prometido crescimento econômico não veio. O presidente sabe que frustrará e perderá apoio. Sua única gramática — tanto mais se acuado— é a da guerra. Ele vai — foi —para a briga de rua. O clima de crise é a temperatura ideal para medidas de exceção.
Onde estão as provas de que a eleição presidencial de 2018 foi fraudada? Não se pode esquecer desse esboço para golpe. Tampouco se pode esquecer da reação covarde do Judiciário.
Faz já mais de semana desde que o presidente atentou, com gravidade sem precedente, contra o sistema eleitoral — auge de um arco dramático totalitário encenado enquanto a linha evolutiva da Covid-19 já se traçava como alarmante realidade mundial. Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional optaram pela omissão. Bolsonaro captou o recado: o próprio convite a que comparecesse a uma manifestação que, ora, alvejaria Congresso e STF.
Nada exprimirá melhor a mentalidade bolsonarista — o projeto autocrático de poder — do que a fala do presidente à nação, na quinta-feira passada. O eixo do pronunciamento jamais foi a gravidade da situação decorrente do avanço da Covid-19, mas uma mensagem sectária, destinada exclusivamente a seu povo, acerca dos últimos atos de rua.
O país desafiado por uma pandemia, mas a preocupação de Bolsonaro era — é — com o fomento aos grupos organizados em que investe como instrumento de força para emparedar as instituições. Para que não haja dúvida: o presidente se valeu de cadeia de rádio e TV para difundir uma falsa desconvocação para os protestos. No domingo, comportando-se como um sociopata, foi prestigiá-los in loco.
É estratégia arriscada — mas que, por isso mesmo, impõe que se reflita sobre seus propósitos. A possibilidade de que tenha ido para o all-in não é remota.
A linguagem reacionária bolsonarista é inconsistente com o trânsito da normalidade — com os parâmetros da estabilidade democrática — e não tem recursos para se sustentar em longo prazo senão sob a aposta no golpismo. Atenção: golpismo. Donde se explicaria o elevado aporte na radicalização chantagista que caracteriza a tentativa de implantar uma cultura plebiscitária entre nós.
O Palácio do Planalto é uma célula difusora de mentiras — uma estrutura inconfiável, incapaz de semear o terreno de previsibilidade necessário a pactos e contratos. O governo não tem palavra. Trai. Dinamita pontes. Confunde. Age como situação e oposição simultaneamente. Só o firme propósito autocrático de fomentar a anomia — numa circunstância propícia à ruptura institucional — justifica que, em meio a tamanha crise, com todos os elementos de uma tempestade perfeita, o centro do governo se coloque, deliberadamente, como centro gerador de desinformação e conflito.
É uma atitude para o choque que cansa, que estressa — e que é avessa a qualquer ambiente de negócios, que fere as mais básicas necessidades de um chão em crise. Quem investirá aqui? Há um horizonte projetado. A economia, mal saída da recessão, regredirá. Os tais mercados — que aderiram ao bolsonarismo sem considerar que reforma liberal é inconsistente com projeto revolucionário — não tardarão a pular fora. Não tardará a pular fora também o trabalhador cujo saco cheio financiou o ressentimento bolsonarista, mas que agora percebe que instabilidade não gera emprego. Um cenário a que Bolsonaro, com menor base social, responderá com ainda maior tribalismo golpista.
As chances de o Brasil singrar celeremente para a ingovernabilidade são grandes. Até o impasse absoluto, entretanto, o novo coronavírus servirá de desculpa para muita incompetência, muito embuste — e alguns crimes.
Luiz Carlos Azedo: Faça a coisa certa
“Bolsonaro faz tudo ao contrário. Depois de quebrar o isolamento e apertar as mãos de mais de duzentos manifestantes, disse que, se contrair o coronavírus, ninguém tem nada com isso”
Qualquer coisa para dar certo precisa do conceito correto, o método adequado e um ambiente favorável. O esforço para evitar que a pandemia de coronavírus se transforme numa tragédia social e em longa recessão não foge à regra. A externalidade mais negativa é a anunciada recessão da economia mundial, cujo impacto já está sendo sentindo no câmbio, com o dólar acima dos R$ 5, e a Bovespa despencando 14%, ontem. A pandemia de coronavírus já é uma realidade interna, pois a chamada “transmissão comunitária” começou em São Paulo e no Rio de Janeiro.
O crescimento da epidemia é exponencial: no balanço de ontem, o Ministério da Saúde confirmou a existência de 234 casos, sendo 152 em São Paulo, o estado mais populoso, mais rico e mais aparelhado; no Rio, são 31. A idade média dos infectados é 40 anos. O cenário de “transmissão comunitária” ocorre quando não se sabe quem foi o transmissor da doença. O Ministério da Saúde está trabalhando com o conceito correto para enfrentar a doença, como a maioria dos governadores e prefeitos, que estão tomando medidas para aumentar o distanciamento social e assim “achatar” a curva da epidemia, ou seja, fazer com que a propagação ocorra de forma mais lenta e seja interrompida.
Essa é a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), adotada com base nos casos asiáticos, sobretudo da China e da Coreia do Sul. No primeiro exemplo, houve tudo, por isso mesmo, os estudos mostram situações muito diferenciadas e não somente o caso dramático de Wuhan; no segundo, uma epidemia com a menor taxa de letalidade: 0,6%. Na Europa, as autoridades relutaram em adotar a estratégia de distanciamento social, mas o caso da Itália e a propagação da doença nos demais países fizeram com que a ficha caísse. Ontem, o presidente da França, Emmanuel Macron, em pronunciamento dramático e exemplar, conclamou os franceses a lutarem contra o coronavírus como quem vai à guerra.
Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump corre atrás do prejuízo. Ontem, admitiu que ainda é impossível prever quanto tempo vai durar a crise do coronavírus e que os EUA podem caminhar para uma recessão por causa disso. O governo adotou novas recomendações para os próximos 15 dias, entre elas a de evitar qualquer tipo de reunião social com mais de 10 pessoas. Os governadores foram instruídos a fechar escolas em todas as áreas próximas a qualquer sinal de que uma comunidade tenha sido afetada por algum caso. Nesses locais, deverão ser fechados bares, restaurantes, praças de alimentação, academias e outros ambientes fechados onde haja reuniões de grupos. Trump pediu ainda que as pessoas estudem em casa, evitem viajar e comer fora.
Fator de risco
No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro faz tudo ao contrário. Depois de cumprimentar mais de 200 apoiadores e endossar as manifestações realizadas no domingo passado, em entrevistas, chegou a dizer que, se contrair o coronavírus, ninguém teria nada a ver com isso, que as pessoas não podem ser impedidas de ir às ruas, e por aí vai. Manteve o foco nos seus interesses políticos mais imediatos. Bolsonaro trabalha com o conceito errado. Ao contrário do que disse, a sociedade inteira tem a ver com o que o presidente da República fala e faz, não apenas seus apoiadores de extrema direita mais fanáticos. Cabe a Bolsonaro liderar o esforço do governo para conter o coronavírus.
Não é preciso entrar no mérito das razões subjetivas ou psicológicas que levam um presidente da República a tomar atitudes que não são pautadas pela racionalidade, o importante é identificar a razão da falta de foco na verdadeira solução dos problemas: Bolsonaro não acredita na ciência. Não há nenhuma questão nacional relevante na qual suas concepções ideológicas e religiosas não subordinem as evidências científicas. A situação somente não é mais grave porque o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, vem fazendo a coisa certa. Um alento, porém, foram as medidas anunciadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes: serão empregados R$ 147,3 bilhões em medidas emergenciais para socorrer setores da economia e grupos de cidadãos mais vulneráveis, além de evitar a alta do desemprego.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/faca-a-coisa-certa/
Marco Aurélio Nogueira: O vírus Bolsonaro
Onde estão as forças, as instituições e as pessoas dispostas a frear a insanidade presidencial?
É difícil não se horrorizar ao ver as fotos de Jair Bolsonaro participando de um ato contra o Congresso, abraçando pessoas e apertando as mãos de seguidores.
É pavoroso constatar que existem pessoas que tratam a atual situação de calamidade pública como se fosse uma “armação da mídia”, pessoas cegas em seu fanatismo, indiferentes a milhões de brasileiros. Posam de verde e amarelo e se dizem patriotas, mas são traidores da Pátria, se quisermos falar assim.
Um presidente que infringe regras e orientações estabelecidas por seu próprio governo é uma aberração. Ele debocha daquilo que deveria ser norma de conduta. Põe em risco a saúde da população e mostra não estar à altura da crise em que nos encontramos, que é epidemiológica e mundial, mas é também política, moral, econômica. O País está parado, à espera de alguém que o lidere e governe.
Em se tratando de Jair Bolsonaro, não dá para dizer que chegamos ao fundo do poço. Dele podemos esperar coisas sempre piores, mais graves, deletérias. Trata-se de um presidente que faz do poder um jogo de vida e morte, o contrário do que se esperaria de alguém eleito para governar um País enorme, complexo, diversificado. É um exibicionista, agarrado a ‘lives’ patéticas, nas quais demonstra toda a sua grosseria, seus maus modos, seu egocentrismo, sua irresponsabilidade. Tanto pode aparecer de máscara como se estivesse em quarentena, quanto pode cair nos braços da galera que o acompanha como se não houvesse amanhã.
Bolsonaro é uma versão do vírus do fanatismo populista e retrógrado, essa monstruosidade que se espalhou pelo mundo como uma pandemia. É uma ameaça à sociedade, à democracia, à dignidade humana.
Até quando o País suportará? Onde estão as forças, as instituições e as pessoas dispostas a frear a insanidade presidencial? O presidente hoje conspira abertamente contra seu próprio governo. Seus ministros e assessores parecem achar graça em suas peripécias, pensam que não atrapalharão demais, acham que ‘o cara é assim mesmo, é o jeito dele’. E a trupe de seguidores segue atrás, batendo bumbo e tirando fotos, contra tudo e contra todos.
Aqueles que compõem o governo atual e lhe dão sustentação ou são covardes irresponsáveis, que temem fazer alguma coisa, ou estão mancomunados com a mesma fúria de destruição que o presidente exibe, de modo cada vez mais escancarado.
Igor Gielow: Bolsonaro abre guerra aos Poderes com irresponsabilidade sanitária
Cenas insólitas deste domingo fazem conversas sobre impeachment deixarem de ser tabu
O ato de irresponsabilidade sanitária do presidente Jair Bolsonaro fez confluir de vez a crise política com o Congresso com a emergência da chegada da pandemia do novo coronavírus ao Brasil.
Neste domingo, o mandatário máximo saiu do isolamento recomendado devido à possibilidade de estar infectado com o coronavírus para confraternizar com apoiadores do ato contra o Congresso e Supremo. Uma cena insólita em todas as suas dimensões.
Enquanto governadores de estado e dirigentes de empresas se digladiam com dilemas diários acerca da dramaticidade das medidas contra o vírus, Bolsonaro achou por bem estimular aglomerações, abraçar pessoas e tirar selfies com seus celulares.
Nada surpreendente, a examinar a folha corrida do bolsonarismo no trato com a ciência —das franjas terraplanistas às políticas ambiental e educacional oficiais.
A pregação da ignorância antiacadêmica é um dos motes entre aqueles aderentes mais fanáticos da seita presidencial. Mas o que se viu neste domingo foi um patamar acima.
O grupo de WhatsApp dos governadores, uma espécie de termômetro do espírito dos estados ante a lida com o Planalto, fervilhou com mensagens unânimes de desaprovação dupla. Primeiro, do ato em si, e segundo, da ligeireza com que o presidente trata uma ameaça à saúde pública.
Entre outros políticos, ouviu-se até referência à lei 1.079/50, que prevê os crimes de responsabilidade que podem levar ao impeachment.
Lá há referências a “tentar impedir de qualquer modo o funcionamento” do Congresso, “opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário” e a violar direitos sociais fundamentais, como a saúde.
A rigor tudo vago, claro, mas não é preciso muita criatividade para encaixar as peças. Isso não significa que Bolsonaro corre o risco de ser impedido imediatamente. Mas é certo que o tema deixou de ser tabu, passados pouco mais de três anos do episódio com Dilma Rousseff (PT).
O fator de crise econômica, antes ausente de forma aguda, ameaça tornar-se preponderante à medida que o fechamento radical de grandes países europeus sugere um novo estágio da turbulência global.
Já o vetor ruas não pôde ser aferido de forma correta neste domingo, já que as aglomerações haviam sido inicialmente desestimuladas pelo próprio presidente —pelo visto, de forma dissimulada, num papelão que incorre na falta de decoro também presente na lei 1.079.
Assim, não foi possível saber o grau de adesão. Certamente não foi baixo do ponto de vista de pulverização, já que houve carreatas aqui e ali em vários estados. Na avenida Paulista, em São Paulo, havia claramente pouca gente.
Pode-se asseverar, contudo, uma coisa: se havia uma pessoa contaminada nas aglomerações notadas, quem estava por perto correu risco.
Em termos numéricos, Bolsonaro parece só poder contar com seus apoiadores mais fiéis, talvez um terço do eleitorado, talvez menos. Seja como for, é preciso tomar cuidado com relatos de obscurantismo explícito e tomá-los como majoritários.
Como ele resolveu redobrar a aposta contra o Congresso e o Judiciário, apesar de achar que já havia sido dado “um tremendo recado ao Parlamento”, é de se supor que a contabilidade presidencial só veja o conflito aberto como forma de lidar com as outras forças políticas do país.
Se a opção for essa, a agenda das pautas-bombas e da irresponsabilidade fiscal já ensaiada pelo Congresso estará pronta à sua espera. Paulo Guedes ficará pregando aos ventos a necessidade de reformas que dificilmente virão.
A pandemia parece agora acelerar essa dinâmica, a exemplo do que ocorreu politicamente em outros países.
O bolsonarismo se guia, como já foi dito, por uma pulsão de morte, pela fé em conflitos apocalípticos e no destino messiânico da liderança forjada na violência daquela esquina em Juiz de Fora.
Com a tempestade perfeita acionada pela pandemia na vida real e na economia, terá oportunidade única para testar ao limite suas motivações, salvo a hipótese de um surto de racionalidade de última hora abater-se sobre o país.
Eliane Cantanhêde: Isolamento
Presidente, bananas não salvam vidas e não reduzem danos numa economia já combalida!
Tudo o que este mundo enlouquecido precisava para um freio de arrumação era um inimigo comum a toda a Humanidade, mas veio o novo coronavírus e o que se vê, assustadoramente, é o contrário: os líderes aproveitando para reforçar fronteiras e se isolar ainda mais, enquanto o presidente Jair Bolsonaro se ocupa em dar bananas para jornalistas, incorrigível, entre um teste e outro para o vírus.
A história está cheia de exemplos comprovando que é nos piores momentos que se forjam os grandes líderes, mas o inverso também é verdadeiro: nas crises, líderes ou emergem ou desaparecem. Há décadas não se vê uma crise da dimensão atual. Vamos ver quem sobrevive e quem sucumbe.
O novo coronavírus contamina as pessoas e as economias de países de todos os continentes. Nos dois casos é potencialmente letal e ele veio com tudo justamente num ambiente de desaquecimento global e quando a migração é uma das questões mais graves na agenda internacional. É hora de testar os líderes, saber quem tem ou não visão estratégica e grandeza pessoal. Restarão poucos, nesses tempos de Trump, Putin, Erdogan e tantos outros.
No Brasil, o presidente deveria aproveitar o isolamento para deixar de lado a obsessão por bananas, parar de atacar tudo e todos e refletir sobre sua imensa responsabilidade. O mundo está em crise, o Brasil está em crise, os casos de coronavírus vão disparar, a Bolsa teve a maior queda desde 2008, são 12,5 milhões de desempregados. E, antes mesmo do tsunami, o pibinho já foi de 1,1%.
A economia brasileira não tem margem para piorar. E vai piorar. As previsões de crescimento já não eram animadoras e agora não param de cair, deixando no ar a sensação – ou o pavor – de uma nova recessão. Logo, o governo precisa fazer um malabarismo estonteante para dar suporte a setores estratégicos sem explodir as contas públicas.
Quem tem a caneta e o poder de decisão é o presidente e, goste-se ou não, lamente-se ou não, trata-se de Jair Bolsonaro. Como ele não tem conhecimento e não manifesta interesse, significa que é o ministro Paulo Guedes quem está no centro do furacão.
Na Saúde, como dito aqui desde o início, a forte cultura e os quadros de excelência da saúde pública, mais a grata surpresa que é Luiz Henrique Mandetta, estão fazendo sua parte. Ao contrário do que ocorreu, por exemplo, na Itália e nos EUA, onde as mortes já passavam de 40 e não havia nem estatísticas sobre contaminados quando Donald Trump enfim anunciou emergência e abriu as torneiras.
Distante de disputas partidárias, o ministro da Saúde prepara o País para a rebordosa. Contratou leitos de UTI à disposição dos Estados, encomendou 17 milhões de máscaras hospitalares da China para o pessoal de Saúde, antecipou a maior operação de vacinação do mundo, com 75 milhões de doses contra a influenza.
Na economia, todos parecem atordoados, mas a expectativa é de um pacote de medidas amanhã. Assim como Mandetta, Guedes precisa agir para reduzir danos. A diferença é que um foi mais previdente e o outro corre atrás do prejuízo, sem que o presidente demonstre real compreensão da situação. Guedes bate na tecla das reformas e Bolsonaro bate no Congresso, até mesmo ao desarticular as manifestações previstas para hoje.
Assim como não há vacina nem tratamento específico para a covid-19, só paliativos, também na economia não havia como impedir a crise e não há tratamento sem dor para um país parado, com as pessoas evitando viajar, circular, comprar, os serviços esvaziando e as empresas esfarelando nas bolsas ou em solo, como as companhias aéreas. Mas há, sim, como evitar um número maior de vítimas e um prejuízo maior. O presidente, se não consegue ajudar, deve aproveitar o isolamento para não atrapalhar.
Bruno Boghossian: Na crise do coronavírus, Bolsonaro será mais Bolsonaro do que nunca
Presidente deve dobrar aposta em comportamento conflituoso na política e na economia
O Jair Bolsonaro que surgiu de máscara nas redes não é diferente daquele que se instalou no Palácio do Planalto há pouco mais de um ano. Suas últimas reações à crise do coronavírus mostram que o presidente está disposto a dobrar a aposta num comportamento conflituoso na política e na economia.
Apesar de ter recomendado o adiamento dos protestos deste domingo (15), Bolsonaro sai da novela das manifestações cada vez mais inclinado a fazer um chamado às ruas quando quiser pressionar o Congresso.
Durante sua última transmissão ao vivo nas redes, o presidente indicou que pretende guardar esse megafone no coldre. Ele disse que a mera convocação dos protestos já foi “um tremendo recado ao Parlamento” e que uma nova manifestação poderá ser feita em “um ou dois meses”.
Embora integrantes do governo recomendem uma postura de pacificação para enfrentar os efeitos do vírus, o presidente continua apontando em sentido contrário. Na quinta (12), Bolsonaro usou a cadeia nacional de TV para fazer uma ameaça velada aos congressistas. No pronunciamento, ele avisou que “as motivações da vontade popular continuam vivas e inabaláveis”.
Líderes políticos acreditam que o presidente deve recorrer cada vez mais ao enfrentamento e à radicalização, especialmente diante das turbulências provocadas pelo coronavírus na economia. Com a expectativa de recuperação em xeque, Bolsonaro precisará animar seus apoiadores com outros confetes.
Esse cenário também deve ampliar a tentação do Planalto em se desviar do ajuste das contas públicas e abraçar medidas populistas. Quando a cotação do petróleo despencou no início da semana, o presidente se mostrou mais sensível à variação de centavos no preço da gasolina do que aos bilhões que o governo deixará de arrecadar em royalties.
Os próximos tempos poderão ser um teste definitivo para a cartilha liberal de Paulo Guedes. Tudo indica que, daqui por diante, Bolsonaro será mais Bolsonaro do que nunca.
Celso Lafer: ‘Diários da Presidência, 2001-2002’
No errático momento atual do Brasil, a palavra e a sabedoria de FHC merecem atenção
A publicação deste quarto volume finaliza o disciplinado empenho de Fernando Henrique Cardoso em dar acesso ao registro que fez do dia a dia de suas atividades nos oito anos que presidiu o País. É empreitada de largo fôlego, cujo enredo esclarece como caminhou sem perder o rumo no “grande sertão” da política brasileira no democrático exercício das responsabilidades da Presidência.
É uma obra original na sua feitura. Não é um diário na acepção usual da literatura confessional da sensibilidade de estados de espírito. Nada tem que ver com uma burocrática agenda comentada do expediente do dia a dia. Não é uma autobiografia política, mesmo porque o registro feito no calor da hora não permite uma narrativa organizadora, decantada pela memória da experiência, no tempo mais longo da reflexão. Não é igualmente uma discussão elaborada com rigor acadêmico sobre como mesclar pensamento e ação. Essa mescla, no entanto, está presente nos Diários, pois com frequência FHC se posiciona como analista observador da ação, extraindo do cotidiano de sua experiência presidencial o alcance mais amplo dos movimentos das forças sociais e políticas, da lógica política das instituições e das pessoas com quem interagiu.
FHC tem os dotes da facilidade da narrativa. É o que dá sabor aos Diários, nos quais não falta o realismo político da objetividade nem, ocasionalmente, a acrimônia da irritação, sempre permeada pela educada civilidade que caracteriza o seu modo de ser.
Todos os ingredientes dos gêneros acima mencionados têm presença, mas não dão a identidade intelectual dos Diários da Presidência. Trata-se de uma obra singular, única na sua amplitude, no campo da ciência política sobre o que é o processo decisório no ápice do sistema político brasileiro. “Governar é escolher”, afirmou Mendès-France, e os Diários explicitam circunstanciadamente, com a disciplina da responsabilidade, “de dentro”, e não “de fora”, o desafio de conduzir a pauta decisória de um país grande e complexo.
Não são triviais os riscos desses desafios. Passam por não se afogar na avassaladora demanda dos pleitos da vida política, para não reduzir o governo à mera rotina da “politique politicienne” de que falam os franceses. Exige coragem e capacidade de enfrentar os graves riscos do inesperado, que tem o potencial de descarrilar um governo. Disso são exemplos as múltiplas crises financeiras que superou. Não prescinde da aptidão na lida com a resistência que a realidade impõe a uma ação inovadora.
Enfrentar esse desafio requer a qualificada competência de liderança dotada de visão do País baseada na experiência e no conhecimento e com antenas para o movimento das coisas, entrelaçada com o ânimo da “ideia a realizar” dos novos rumos a serem trilhados. Os componentes estratégicos do fim, do caminho e da vontade estão sempre presentes na impregnação dos rumos norteadores do processo decisório que permeia os Diários e no modo como FHC direcionou e acompanhou o trabalho dos seus ministros e colaboradores.
No explicar e compreender, fluem as razões das políticas públicas da gestão da economia e da sua consolidação institucional, da atenção dada às de educação e saúde e ao papel que tiveram no resgate da dívida social do País, das relacionadas à tutela dos direitos humanos e da sustentabilidade ambiental e de uma miríade de medidas voltadas para a melhoria das condições do País, como a elevação generalizada dos indicadores do desenvolvimento humano na sua gestão revela.
Também tem destaque a dedicação a um novo patamar de presença e de credibilidade do Brasil no globalizado mundo contemporâneo, voltado para assegurar a tradução de necessidades internas em possibilidades externas. Nessa matéria os Diários ilustram os méritos e o alcance de uma diplomacia presidencial, conduzida com pleno domínio das prioridades e das relevâncias de quem sabe se orientar no mundo.
É inequívoco o inventário do positivo legado da Presidência FHC. Criou condições de um futuro melhor para o Brasil, governando democraticamente e sem violência, com respeito pelo Estado de Direito, pelas instituições e pelas divergências de opinião.
Na sua pós-Presidência FHC se afastou da militância política diária. Criou com espírito universitário uma reconhecida instituição apartidária de estudo e reflexão e vem participando do debate público. Essa participação está norteada pelas preocupações com a agenda do presente na perspectiva do futuro, permeada pelo tema dos rumos e do sentido de direção que assinalou construtivamente o processo decisório de sua Presidência e que é parte de seu legado de homem público.
É esse lastro que confere autoridade à sua palavra. Autoridade, para me valer das indicações do politólogo Karl Deutsch, traduz-se na prioridade da transmissão de mensagens, na qualidade e na legitimidade do seu conteúdo e da sua relevância para a sociedade.
No errático e desestabilizador momento atual do Brasil, a palavra e a sabedoria acumulada de FHC merecem respeito e atenção.
* Professor emérito da Faculdade de Direito da USP, foi ministro de Relações Exteriores (1992 e 2001-2002)
Míriam Leitão: Democracia na armadilha
Bolsonaro espalha o vírus da dúvida na democracia em vários dos seus atos e palavras, e as instituições não sabem responder
A democracia brasileira está numa armadilha. Autoridades de outros poderes tentam manter o decoro diante de um presidente que as afronta, e desta forma se enfraquecem. Mais fracas ficariam se imitassem o destempero presidencial. Os governadores reagem com cartas conjuntas aos ataques de Bolsonaro, mas o sentido delas não chega à população. A imprensa segue a pauta aleatória jogada sobre ela a cada manhã de desatino do mandatário. Os ministros têm medo do presidente e só ganham prestígio os que imitam o estilo do chefe.
Os eventos se repetem. Os ministros do TSE reagiram em nota contra a acusação do presidente de que houve fraude na eleição de 2018. A ministra Rosa Weber superou a alergia que tem às entrevistas e falou com os jornalistas. Isso é suficiente? Não. Se algum cidadão sabe de um crime, tem que comunicá-lo ao Ministério Público. Bolsonaro disse: “Minha campanha, eu acredito que, pelas provas que eu tenho em mãos, que vou mostrar brevemente, eu fui eleito no primeiro turno, mas no meu entender teve fraude. E nós temos não apenas palavras, nós temos comprovado, brevemente eu quero mostrar, porque nós precisamos aprovar no Brasil um sistema seguro de apuração de votos. Caso contrário, passível de manipulação e de fraudes.”
Ficou claro, apesar da costumeira oscilação. Ele disse que tem provas. E depois diz que no seu “entender, houve”. Horas depois, desconversou. “Eu quero que você me ache um brasileiro que confia no sistema eleitoral.”
Essa é uma das artimanhas que Bolsonaro usa. Para agitar os seguidores virtuais e alimentar os bots, ele jogou uma isca: “Houve fraude”. Para as instituições, ele diz que “confia no sistema eleitoral”. E as autoridades respondem com uma nota formal. “Eleições sem fraudes foram uma conquista da democracia” e há “absoluta confiabilidade do sistema”. A resposta foi divulgada, mas o tom é fraco e incapaz de neutralizar o efeito do vírus da dúvida que o presidente quis deliberadamente espalhar.
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, formulou uma resposta para agradar a todos. Disse que não recebeu qualquer prova de fraude, mas defendeu a “implantação da caixa coletora do voto impresso”.
O assunto atravessou um céu cheio de nuvens carregadas pelas crises externas, incompetência do governo em diversas áreas, um PIB estagnado, indícios de relação da família presidencial com a fábrica de fakenews e conflitos criados pelo governo com o Congresso. Surge assim extemporâneo porque é uma manobra para criar outro centro de atenção, colocar o vencedor das eleições como vítima de uma suposta conspiração, enfraquecer a confiança no voto.
No episódio da briga de Bolsonaro com os governadores, seu truque funcionou. Ele disse que poderia retirar os impostos federais sobre os combustíveis. Não poderia. São R$ 30 bilhões em um cofre exaurido. Mas desafiou os governadores dizendo que retiraria se eles também tirassem os seus. Repetiu em todos os canais de divulgação que usa e por vários dias. A equipe econômica ficou muda, apesar de nos bastidores admitir que era impossível abrir mão dessa receita. Grande parte da população acredita que ele só não reduziu os preços porque os governadores não deixaram.
Na crise do orçamento, a manobra foi tortuosa. O executivo fez um acordo verbal com os líderes do parlamento, o general Heleno acusou o Congresso de chantagem, houve a crise, entraram os bombeiros, foi formalizado o acordo nos moldes que havia sido negociado. O presidente garantiu que não fez o acordo que de fato fez. Tudo isso tendo como pano de fundo uma manifestação contra o Congresso estimulada pelo presidente e financiada por seus amigos empresários. Na quinta-feira, com a manifestação murchando, ele foi à TV em cadeia nacional. Era para falar sobre a pandemia de coronavírus, mas a ela Bolsonaro dedicou apenas 82 palavras. Depois, disse que a recomendação das autoridades é a de evitar grandes concentrações. A partir daí, ele dedicou 120 palavras para defender a manifestação que pedia para ser “repensada”. Em outra transmissão disse que o “recado” havia sido dado ao Congresso. Nas democracias, o povo é livre para ocupar a rua. Mas governos não estimulam atos contra outros poderes.
As instituições olham as leis, seguem os rituais, respeitam o decoro. Bolsonaro pisoteia onde bem entende. E a democracia brasileira vai caindo na armadilha.
Luiz Sérgio Henriques: A Venezuela como questão de método
Com seus remédios salvadores, hipóteses ‘revolucionárias’ arruínam sociedades
A palavra “venezualização” passou a fazer parte do vocabulário político, por motivos óbvios. E como é próprio de palavras que nascem em contexto de ódio, divisão e radicalismo, trouxe consigo uma atemorizante carga negativa. Segundo próceres da direita, ou, mais propriamente, da extrema direita, a começar por Donald Trump, processos degenerativos como os que aquele termo implica decorrem inevitavelmente de qualquer experimento ou política associados, ainda que remotamente, ao “socialismo” e à “esquerda”.
Bem verdade que não há modos suaves para qualificar a tragédia venezuelana. Houve quem, no campo progressista, desconfiasse desde o princípio - e claramente a ela se opusesse - da aventura do comandante Hugo Chávez, mas é forçoso reconhecer que boa parte da esquerda brasileira e latino-americana não viu motivos para se distanciar de um militar ultranacionalista que prometia refundar ou regenerar o país, explorando a crise da democracia liberal e a debilidade da estrutura econômica, incapazes ambas - aquela democracia e aquela economia - de se abrir para uma participação maior dos venezuelanos. Com aguçado faro para a demagogia, Chávez relançou, pela primeira vez no século, menos a ideia do que o slogan do socialismo, o que bastou para que muitos deixassem num canto, sem uso, as armas da crítica e aceitassem como verossímeis as bravatas do caudilho.
O chavismo e o madurismo, para também mencionar o precário sucessor, constituem também, e sobretudo, um método. Como tal, o processo de venezualização não está restrito a uma desafortunada nação latino-americana, sangrada ainda por cima pela fuga de parte expressiva da população, não só dos setores mais ricos. E também não se restringe aos episódios massivos de tortura, violência policial e miliciana, que ninguém mais pode desconhecer - quando menos desde a publicação, em meados de 2019, do relatório da ONU sobre sistemáticas violações de direitos humanos organizado sob a direção de Michelle Bachelet, egressa das fileiras do socialismo chileno e vítima, ela própria, da ditadura no seu país.
Se nos limitássemos a esse tipo de constatação, diríamos que Chávez e depois Maduro seriam “somente” a versão populista de esquerda de um ditador infame como Pinochet. No entanto, o método que passaram a simbolizar tem que ver com algo ainda mais grave, a saber, o esvaziamento obstinado e contínuo das formas da democracia, rumo a um regime autocrático supostamente legitimado por expedientes plebiscitários e pela ligação direta entre o povo e seu líder. Um e outro se identificam a ponto de tornar tendencialmente impossível o papel da oposição e a alternância regular de poder. Opor-se ao líder, que encarna sem restos a pátria e as virtudes cívicas (quando não as religiosas!), é trair o povo, agindo como quinta-coluna de inconfessáveis interesses. E é nesse ponto que governantes extremistas se dão as mãos: nenhuma diferença essencial entre todos os que, a exemplo do presidente Jair Bolsonaro, prometem “varrer” os opositores, tratando-os ora como agentes do império norte-americano, ora como emissários do comunismo apátrida.
Foram incontáveis as vezes que Chávez ou Maduro denunciaram as tentativas de “magnicídio”, as tramas mirabolantes extraordinariamente próximas das fake news hoje “cientificamente” propagadas pela extrema direita no poder. Numa circunstância infeliz em que alguns dirigentes da “maré rosa” latino-americana se viram acometidos de câncer, Chávez aventou, com fingida seriedade ou autêntica paranoia, a hipótese de um vírus preparado nos laboratórios da CIA para assassinar os líderes e frear a marcha de redenção dos povos. Donald Trump foi um dos corifeus do movimento birther, que negava, com deslealdade a toda prova, o nascimento de Barack Obama em solo americano. E move-se com tanta maestria na “arte” da manipulação que, segundo afirmou certa vez, ainda que atirasse em alguém numa avenida nova-iorquina, nem por isso perderia um só voto. A tanto, sem dúvida, chega a cegueira deliberada.
A “venezualização” não é um risco associado unicamente ao populismo de esquerda. A “maré rosa” da primeira década do século tinha como área mais radical os regimes ditos bolivarianos, com a tática, num primeiro momento aparentemente invencível, de concentrar o poder em torno do Executivo, desautorizar os Parlamentos regularmente constituídos e destruir os delicados equilíbrios entre as instituições de Estado e entre este último e a sociedade civil. Contudo a régua e o compasso desse projeto infaustamente “revolucionário” se transferiram recentemente para outras mãos não menos ameaçadoras. E a ameaça presente - da parte da extrema direita liberticida - só faz confirmar que hipóteses “revolucionárias” de qualquer natureza, com seus remédios salvadores, costumam arruinar sociedades inteiras ou, no mínimo, encerrá-las em estéreis e prolongados conflitos e convulsões. Apesar do que somos e do que aspiramos a ser como povo e como nação, não podemos mais dizer que estamos alheios a esse tipo de atribulação.
* Tradutor e ensaísta, um dos organizadores das obras de Gramsci no Brasil, é autor de ‘Reformismo de esquerda e democracia política’ (Fundação Astrojildo Pereira)
José Márcio Camargo: De volta ao paraíso
Suspender ou flexibilizar o teto fatalmente levará a uma reversão da trajetória de queda dos juros
Na semana passada, o Congresso derrubou o veto do presidente Bolsonaro ao projeto que aumenta o limite para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) de ¼ para ½ do salário mínimo. Segundo o Ministério da Economia, isso significa um aumento de gasto obrigatório de R$ 20 bilhões em 2020 e R$ 217 bilhões em dez anos, o que tornaria impossível o cumprimento do teto para o crescimento do gasto público. Uma decisão em total desacordo com as necessidades do País.
No final de 2019, o governo enviou ao Congresso três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que, em conjunto com a PEC da Regra de Ouro, caso aprovadas, criariam condições para a redução dos gastos obrigatórios do governo e tornariam o teto do gasto sustentável. A derrubada do veto ao aumento do limite do BPC faz com que a aprovação dessas propostas seja uma condição necessária, mas talvez não suficiente, para a manutenção do teto.
A pandemia da covid-19 é uma emergência que vai requerer recursos públicos e, portanto, redução de outras despesas para que o teto seja respeitado. Este é um dos objetivos do teto dos gastos: criar na sociedade brasileira (população, Legislativo e Executivo) a cultura de ordenar e definir prioridades no processo orçamentário. As quatro PECs que estão no Congresso viabilizam essas escolhas ao diminuir os gastos obrigatórios. A opção seria suspender ou flexibilizar o teto, como já sugerem alguns analistas. Por que não adotar essa alternativa?
Um importante objetivo do teto é criar condições para uma redução estrutural das taxas de juros da dívida pública brasileira, que, por décadas, estavam entre as maiores do mundo. Por que a existência do teto atingiria esse objetivo?
Para respeitar o teto, os gastos públicos terão de permanecer constantes em termos reais até 2026. Ou seja, todo aumento de receita terá de ser alocado para reduzir o déficit primário, ou a dívida pública, ou a carga tributária. Portanto, qualquer crescimento real do PIB vai, eventualmente, levar a uma redução da dívida como proporção do PIB. Afinal, se o PIB cresce, crescem as receitas tributárias e, como os gastos estão constantes, eventualmente vão sobrar recursos para diminuir a dívida.
Como a relação entre a dívida pública e o PIB é o principal indicador de solvência do País, a existência de um teto é uma garantia de que o grau de solvência do Brasil vai melhorar no futuro. Quando isso acontecer, a demanda pelos títulos públicos e, portanto, seus preços deverão aumentar, com a consequente queda das taxas de juros.
Mas os investidores só conseguem lucrar com suas aplicações financeiras se forem capazes de antecipar os movimentos dos preços dos ativos. Ou seja, se a expectativa dos investidores é de que os preços dos títulos vão aumentar no futuro, a melhor estratégia é comprar hoje e esperar os preços aumentarem para vender no futuro. Com a antecipação do movimento, o resultado é um aumento dos preços e queda nas taxas de juros no presente.
Não deve ter sido por simples coincidência que as taxas médias de juros reais pagas pelos títulos do governo brasileiro mostraram forte redução (de 21% ao ano para 5% ao ano) desde que o teto para o crescimento do gasto público foi aprovado, em dezembro de 2016.
Suspender ou flexibilizar o teto retira a restrição para o crescimento do gasto público e destrói este mecanismo automático de ajuste, o que fatalmente vai levar a uma reversão da trajetória de queda dos juros que ocorreu nos últimos três anos e meio. E, com juros mais elevados, aumenta a probabilidade de uma volta da recessão. Um tiro no pé.
Também não foi coincidência que, após a derrubada do veto ao aumento do BPC, uma decisão que mostra total irresponsabilidade do Congresso, as taxas de juros dos títulos públicos subiram acentuadamente. Um indicador eloquente do que poderá estar à frente caso o teto seja flexibilizado ou suspenso: a volta do paraíso dos rentistas!
* Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos
O Globo: Pré-candidato do PSDB à prefeitura do Rio, ex-ministro Gustavo Bebianno morre em Teresópolis, aos 56 anos
Informação foi dada pelo presidente do PSDB fluminense, Paulo Marinho. Ambos atuaram na campanha presidencial de Jair Bolsonaro, mas romperam com ele no primeiro ano de governo
RIO - O ex-secretário geral da Presidência e pré-candidato a prefeito do Rio, Gustavo Bebianno, morreu esta manhã após um infarto fulminante, aos 56 anos. A informação é do presidente estadual do PSDB, Paulo Marinho.
Bebianno estava em seu sítio em Teresópolis com um caseiro e seu filho. Segundo Marinho, por volta de 4h30 ele comunicou ao filho que estava passando mal e se dirigiu ao banheiro para ingerir um remédio. Minutos depois, sofreu uma queda e teve ferimentos na cabeça.
Bebianno foi levado para uma unidade hospitalar da cidade, mas não resistiu.
O ex-ministro, neto do ex-presidente do Botafogo, Adhemar Bebianno, era um apaixonado por jiu-jitsu. Em 1990, depois de receber a faixa preta, o advogado trancou o curso de Direito na PUC do Rio e foi tentar a vida dando aulas da arte marcial em Miami. Abriu uma academia na cidade que chegou a ter cem alunos. Mas, quatro anos depois, voltou ao Rio para retomar os estudos e se formou.
Em 2006, voltou à Flórida, desta vez como sócio de Rilion Gracie, um dos filhos da família de lutadores. Investiu cerca de US$ 60 mil em uma academia com Gracie, com quem treinava desde os 18 anos em Ipanema. Em 2008, voltou ao Brasil.
Seu contato com o então candidato Jair Bolsonaro aconteceu por intermédio do engenheiro Carlos Favoretto, amigo do ex-publicitário Gutemberg Fonseca, ex-secretário de governo de Wilson Witzel, governador do Rio.
Ainda durante a campanha, Bebianno, na condição de fã, apareceu em um estúdio na Barra da Tijuca onde Bolsonaro era fotografado. Se aproximou oferecendo auxílio jurídico voluntário à campanha do atual presidente da República.
De outsider político, manobrou para arrancar a candidatura de Bolsonaro do nanico Patriota e levá-la ao PSL de Luciano Bivar. O êxito na manobra lhe garantiu a vaga de presidente interino do partido e culminou com a sua nomeação para o primeiro escalão do governo, com gabinete no Palácio do Planalto.
Depois de diversas crises e brigas internas, inclusive com filhos do presidente Bolsonaro, foi demitido do cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência em 18 de fevereiro do ano passado. Sua pré-candidatura à prefeitura do Rio foi lançada no início do mês.
Ascânio Seleme: Saúde e política
Não há dúvida de que a pandemia de coronavírus vai ser usada politicamente no Brasil e em todo lugar
Nenhuma dúvida de que a maior crise sanitária global desde a gripe espanhola vai ser usada politicamente aqui e em todo lugar. Nos Estados Unidos já virou matéria central da recém-iniciada campanha para a eleição presidencial de novembro. Os sinais são evidentes. Donald Trump, que menosprezou o coronavírus dizendo que não era nada, que iria passar etc., acabou tomando uma medida tão sem precedentes que guarda uma conotação política evidente. Ao anunciar a suspensão de voos da Europa para os EUA, Trump disse “nosso time é o melhor do mundo (...) tomamos intensas ações e temos muito menos casos do que a Europa (...) a União Europeia falhou”.
Papo furado. Os EUA foram pegos de calça curta e só começaram efetivamente a se mobilizar nesta semana. Ninguém irá se surpreender se em alguns dias houver mais casos lá do que na Europa, Itália inclusive. O que Trump quis dizer na sua fala é que não lhe cabe qualquer responsabilidade, que ele fez o dever de casa. Não é verdade. As ações do seu governo foram tímidas desde o começo e eram endereçadas apenas para a China. Ainda agora, fora o cancelamento dos voos da Europa, todas as iniciativas estão sendo tomadas por prefeitos e governadores ou por instituições privadas como universidades, museus e ligas esportivas.
Na terça-feira passada, Trump chegou a acusar a Organização Mundial de Saúde (OMS) de mentir sobre a taxa de mortalidade do vírus, de 3,4%. Além de minimizar a transmissão do vírus, dizendo que “isso vai passar”, o presidente se mostrou surpreso com o dado quando a ele foi apresentado numa entrevista para a Fox News. “Eu acho que o número 3,4 por cento é um número realmente falso”. Ele disse esta barbaridade um dia antes de a OMS oficializar a pandemia de coronavírus. E só então sua ficha caiu.
A mobilização em curso nos EUA ocorre também em razão do esforço das grandes emissoras de TV, abertas ou por cabo, que dedicam 70% a 80% de seus espaços noticiosos para esclarecer as pessoas, ouvir médicos, infectologistas, especialistas que trazem informações de como proceder. Nenhuma autoridade sanitária se manifestou oficialmente até aqui, apenas em entrevistas. Quem fala aos americanos são os líderes políticos. A discussão sobre o coronavírus ganhou contorno político e será o principal tema do debate entre os pré-candidatos democratas Joe Biden e Bernie Sanders, domingo.
Em Nova York, o protagonismo foi assumido pelo governador Andrew Cuomo e pelo prefeito de NYC, Bill de Blasio, ambos democratas. Foram eles que arregaçaram as mangas, colocaram seus coletes e bonés e ganharam as ruas. Em Washington, a presidente da Câmara, a também democrata Nancy Pelosi, saiu na frente e convocou a imprensa ontem para dizer num solene pronunciamento que os democratas estavam aprovando um pacote contra o coronavírus e a favor das famílias americanas. Poucas horas depois, Trump anunciou um plano de emergência liberando US$ 50 bilhões para atender pacientes e hospitais.
Claro que a culpa pelo coronavírus não é de Trump ou de sua administração. Mas é claro também que a demora em dar uma resposta forte pode resultar em rápida perda de capital político. E o eleitor americano sabe disso. Uma pesquisa da Reuters mostrou que apenas dois republicanos em cada dez diziam acreditar que o coronavírus seria uma ameaça iminente. Entre os democratas, quatro em dez enxergavam o perigo batendo à porta. Estas respostas carregam uma implícita vontade política. Que alívio seria para Trump e sua turma se tudo não passasse de uma marolinha.
No Brasil, o impacto sobre Bolsonaro não será sentido logo. Mas talvez alcance as eleições municipais.
Aprendeu e gostou
O Congresso aprendeu a exercer o poder e gostou da experiência. Até a entrada em vigor do método Bolsonaro de governar, deputados e senadores se satisfaziam com suas emendas paroquiais, e um bom número de partidos era “comprado” pelo Executivo. E não foi só Lula com o mensalão, todos os presidentes sempre abusaram do poder de barganhar com o Congresso. Com a recusa do capitão de ceder a demandas parlamentares em troca de apoio político, até mesmo estimulando que o Congresso exercesse o seu poder, a história mudou. E agora Bolsonaro e sua turma reagem como se fosse o fim do mundo. Não há razão para pânico, o Parlamento não fez mais do que cumprir a Constituição, ocupando legitimamente espaço político aberto por Bolsonaro.
O perigo da quarentena
O Brasil respira aliviado, seu presidente não pegou coronavírus. Imaginem se Bolsonaro estivesse de fato infectado e fosse obrigado a se submeter uma quarentena de 15 dias. O país iria à loucura com o capitão em casa, tendo nada para fazer, dedicando tempo integral ao Twitter.
Home office
Trabalhar em casa, aliás, tem algumas vantagens. Em tempos de coronavírus, empresas tendem a aumentar significativamente o trabalho remoto para muitos dos seus postos que não exigem presença física do empregado. Parece muito bom: trabalhar em sossego, sem distração, fazendo refeições saudáveis, sem se estressar no caminho do escritório. Pedro Doria publicou ontem uma boa coluna sobre o assunto. Mas há quem pense de modo distinto. O colunista de tecnologia do jornal “The New York Times”, Kevin Roose, fez uma pesquisa para um livro e concluiu que pessoas que trabalham em casa perdem em criatividade e pensamento inovador. E os que trabalham em conjunto chegam mais rapidamente a soluções de problemas do que os que trabalham remotamente.
Recado de Rothschild
Se deu bem quem seguiu o conselho de um do mais importantes banqueiros da História financeira global, o Barão de Rothschild. “Compre bens quando há sangue nas ruas”, disse o barão, com a experiência de quem atravessou guerras e delas saiu ainda mais rico. O sangue de hoje atende pelo nome de coronavírus e jogou as bolsas de todo mundo no chão. Quem comprou ações na baixa, se deu bem.
Já não se faz mais capitalista…
Falta álcool gel (hand sanitizer) em Nova York. Desde o início da semana não se encontra o produto em farmácias e lojas de conveniência. E o incrível é que até ontem não houve reabastecimento. Fabricantes e comerciantes estão perdendo a oportunidade de produzirem mais e venderem mais. No Rio, durante a crise da geosmina da Cedae, não faltou água mineral para quem quisesse e pudesse comprar. Estavam empilhadas em supermercados, padarias e postos de gasolina. Essa é a regra número 1 do capitalismo, não perder oportunidades e sempre atender as necessidades do mercado.
Enquanto isso
Uma rede de cafés dos EUA lançou uma inusitada maneira de fidelizar clientes. Criou uma espécie de assinatura onde o consumidor paga US$ 8,99 (R$ 42,79) por mês e toma quantos cafés quiser ao longo dos 30 dias. Outra: uma rede de academias de ginástica inovou apresentando um programa em que o cliente paga US$ 22 (R$ 104) por mês e pode sempre levar um convidado para malhar consigo. Vai ver o preço do cafezinho no Rio. E nas academias daqui o cliente tem que pagar mensalidade até para o seu personal trainer.
O México é aqui
Dezenas de milhões de mulheres não saíram às ruas no México na segunda-feira passada, dia 8. Não se tratou de precaução contra o coronavírus, mas sim um protesto no Dia Internacional da Mulher contra a escalada de violência a que mexicanas são submetidas sem serem efetivamente defendidas pelas autoridades judiciárias e policiais do país.
Choko popsicle
Tudo aponta para que Joe Biden seja mesmo o candidato democrata na eleição presidencial deste ano. O problema é que Biden é uma espécie de picolé de chuchu americano, meio sem graça, fala mais ou menos mansa, um pouco tímido. Mas talvez seja isso o que os EUA precisem depois dos ruidosos quatro anos de Trump.