governo bolsonaro

Demétrio Magnoli: Pátria de Bolsonaro não é Brasil, EUA ou Israel, mas sua própria família

Nação de Bolsonaro não é Brasil, EUA ou Israel, mas sua própria família

Política é um jogo de signos. O PT oscila, taticamente, entre o verde e amarelo e o vermelho. O bolsonaro-olavismo insiste nas cores nacionais, mas empunha três bandeiras simultâneas, desfraldando também as dos EUA e de Israel. Nesse passo, revela um nacionalismo equívoco, uma aversão essencial ao Brasil e a alma de um partido sem pátria.

O cálculo de marketing norteia o PT. Verde e amarelo funciona para ofensivas destinadas a vencer eleições ou conservar a popularidade de seus governantes. Já o vermelho funciona para as conjunturas de recuo, quando se trata de reunificar sua base militante, evitando dissensões.

A postura ofensiva tem raiz autoritária, pois identifica a parte (o partido) ao todo (a nação). A defensiva, ainda que acompanhada ritualmente por discursos sectários, é democrática: "Nós, vermelhos, somos uma corrente política, entre as várias disponíveis no mercado de ideias".

O impulso autoritário, representado pela invariável apropriação partidária das cores brasileiras, norteia o bolsonaro-olavismo. Mas a presença dos pendões estrangeiros, que provoca tanta curiosidade, indica algo mais: a pátria amada não é a realmente existente. Para esses patriotas de araque, o Brasil não serve: deve ser substituído não por uma, mas por duas pátrias imaginárias.

A primeira tem contornos seculares: EUA. O Brasil precisa tornar-se uma outra coisa, que não existe de fato, mas pertence à mitologia identitária. No universo delirante do cortejo presidencial, o modelo é uma nação de colonos armados organizada como Estado-milícia. Na base dessa ideia-força encontram-se o elogio do individualismo extremado, o desprezo às políticas sociais, a aversão à diferença, a nostalgia de uma "idade de ouro" puramente ficcional. Donald Trump, o líder adorado, sintetiza a pátria terrena imaginária.

A segunda tem contornos sagrados: Israel. Seitas neopentecostais oriundas dos EUA adotaram o "sionismo cristão", doutrina escatológica apoiada na profecia de que a reunião de todos os judeus em Israel é condição para o segundo retorno de Jesus.

No Brasil, os chefes dessas igrejas messiânicas tornaram-se aliados vitais de Bolsonaro, oferecendo-lhe acesso privilegiado a seus estoques de fiéis. Binyamin Netanyahu, um líder sionista secular, aproveita-se da crença apocalíptica que não compartilha para obter respaldo à sua política de anexação dos territórios palestinos ocupados.

A natureza do bolsonaro-olavismo impede que se articule como partido nacional. De um lado, porque recusa a condição de parte, de corrente singular, almejando obsessivamente representar a totalidade da nação: não é casual que o esboço inconcluso de entidade partidária bolsonarista, a Aliança pelo Brasil, carregue na sua certidão de batismo o nome da pátria. De outro, porque rejeita a política nacional, alistando-se em dois movimentos estrangeiros: a "Internacional dos nacionalistas", de Trump e Bannon, e a "Internacional cristã-sionista", do neopentecostalismo.

O caleidoscópio de cores e bandeiras que cerca Bolsonaro é um fruto dos detritos filosóficos espalhados por Olavo de Carvalho. O grau de influência do Bruxo da Virgínia sobre o círculo presidencial não deve ser desprezado, pois é função direta da ignorância desses acólitos. Mas o personagem central da tragédia é Bolsonaro, que não compreende os significados da paisagem simbólica erguida ao seu redor. Ao contrário do mestre místico, ele tem uma única pátria, que não é o Brasil, nem os EUA ou Israel.

A pátria de Bolsonaro é a família. Não a família brasileira ou a família tradicional, essas fabricações de reacionários de churrasco, mas a sua própria família, com o entorno de relações suspeitas e conexões obscuras que um dia virão à luz. O brasão dos Bolsonaro --eis o estandarte oculto no carnaval das manifestações domingueiras.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Monica de Bolle: Estado mínimo para quem?

Esse Brasil que Paulo Guedes carrega na cabeça e tenta concretizar por atos e palavras está sendo rejeitado por todos aqueles que, da quarentena da indignação, batem panelas e gritam de suas janelas

Nesta quarentena da indignação não há um dia sequer em que não soframos alguma afronta do governo Bolsonaro, de seus ministros e de suas respectivas equipes. Mais uma vez, meteu os pés pelas mãos recentemente o ministro Paulo Guedes, cujos feitos dessa natureza são realmente espantosos. Perguntado sobre a prorrogação do auxílio emergencial, aquele cujo objetivo era impedir que as pessoas vulneráveis tivessem de escolher entre passar fome ou se contaminar, Guedes disse que pensa em reduzir o valor do benefício de R$ 600 mensais para R$ 200 mensais, o valor inicialmente defendido pelo governo federal. Antes dele, o secretário do Tesouro havia dito que não há dinheiro para pagar a renda básica, qualquer renda básica de natureza permanente. Quais contas ele apresentou? Em que dados fundamentou sua fala? Ora, em nenhum, evidentemente.

Neste exato momento, há pesquisadores pelo país trabalhando em diferentes propostas de renda mínima: fazem contas, buscam os fatos. Em artigo publicado no jornal britânico Financial Times, apresentei alguns cálculos para o Brasil e mostrei que daria, sim, para adotar um programa de renda básica permanente. Há vários projetos de lei para a criação da renda básica tramitando no Congresso. Destaco dois: o de autoria do senador Randolfe Rodrigues, que ajudei a elaborar, e o de autoria do senador José Serra. Em meio a todo esse trabalho, o secretário do Tesouro de Guedes teve o desplante de vir a público, mão na frente outra atrás, para dizer que não é possível fazer o que é preciso fazer sem apresentar qualquer sustentação para seu argumento. Será difícil esquecer essa fala.

Ao mesmo tempo, seu chefe tenta voltar à ladainha dos R$ 200, sumariamente atropelada em abril pela sociedade civil e pelo Congresso Nacional, que enxergaram as necessidades da população brasileira. Para piorar, Guedes tenta retomar a discussão de seu infame “coronavoucher” enquanto acena para as empresas aéreas. Sim, as empresas aéreas estão sofrendo nessa pandemia. Sim, vários países fizeram pacotes de socorro para empresas do setor, e alguns tentam fazer até mais do que já fizeram. Mas reparem: socorrer as empresas aéreas significa destinar recursos públicos para elas, uma espécie de estatização parcial. Quem está defendendo a estatização parcial é ninguém menos do que o ministro Estado Mínimo, aquele que na semana passada queria privatizar tudo. Como é isso então? Estatizamos parcialmente empresas aéreas gastando dezenas de bilhões de reais em recursos públicos, mas nada fazemos pela população que precisa do auxílio emergencial? Se o cobertor é curto, como vem nos dizendo o secretário do Tesouro, qual é a escolha moral? Essa não é uma pergunta retórica. Trata-se de uma crise humanitária.

“As escolhas de política pública, ou seja, a decisão sobre como gastar em um cenário que envolve recursos escassos e consequências mortais é uma escolha moral”

A depender de como forem feitas as opções e de quais forem os parâmetros que as determinarem, os responsáveis no mínimo terão de responder moralmente junto à sociedade. Afinal de contas, trata-se de escolher entre salvar vidas diretamente ou de preferir ignorar o único dilema que importa.

Em artigo para o jornal O Estado de S. Paulo desta semana, escrevi sobre nossa falência moral como sociedade, nossa decadência. Ela está aí, para ser vista a olhos nus. Nossos companheiros de números espantosos da epidemia são Donald Trump, Vladimir Putin e Boris Johnson — a tríade que forma a quadra nacionalista-populista-negacionista com Jair Bolsonaro. Jair Bolsonaro, aquele cuja popularidade cai a cada dia de desgraça. Mas, sim, divago.

Volto ao ministro e a sua equipe. A quem diz respeito o Estado Mínimo de Paulo Guedes? Aos pobres? Aos vulneráveis? Àqueles que nada podem fazer para penalizar a infinita incompetência desvelada a cada dia? Esse Brasil do Estado Mínimo para os pobres é velho, tosco, injusto, desgraçado. Esse Brasil que o ministro carrega na cabeça e tenta concretizar por atos e palavras está sendo rejeitado por todos aqueles que, da quarentena da indignação, batem panelas e gritam de suas janelas. Paulo Guedes entrou no governo como superministro, posto Ipiranga. Se tiver sorte, sairá do governo — porque um dia tudo passa, sobretudo ministros — tão microscópico quanto seu abjeto Estado Mínimo.

*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins


Ribamar Oliveira: Programas precisam ser mais agressivos

Ação do governo para ajudar micro e pequenas empresas é necessária antes que seja tarde demais

A trajetória de contaminação da população brasileira pelo novo coronavírus parece ser aquela traçada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, de que o pico da doença ocorrerá somente em julho, com um platô em agosto e uma queda a partir de setembro. Se esse é o cenário mais provável, o governo precisa adotar programas mais agressivos, que deem sustentação financeira às micro e pequenas empresas, antes que seja tarde demais.

O noticiário mostra que o crédito não está chegando a essas empresas, que são aquelas que mais empregam trabalhadores na economia. Milhares de pequenos e microempresários lutam para sobreviver e não encontram quem lhes dê suporte financeiro para enfrentar esta fase de hibernação da economia, que vai passar. Eles se viram diante de uma situação em que, de uma hora para outra, o dinheiro deixou de entrar no caixa de suas empresas, pois as vendas acabaram. E estão à beira da falência, se é que muitos já não sucumbiram.

Não se pode exigir que os bancos privados, que devem satisfação aos seus acionistas e precisam apresentar resultados, assumam esse papel. Ao analisar o pedido de empréstimo de um pequeno empresário em dificuldade, o gerente avalia a situação da empresa sem fluxo de caixa, as perspectivas da economia para os próximos meses e conclui que o crédito pedido não será pago.

Ele teme, e ninguém pode culpá-lo por pensar assim, que se a inadimplência crescer, a sua instituição poderá ficar comprometida. O que menos se deve querer na atual pandemia é uma crise bancária.
Resumindo, o crédito não está chegando aos micro e pequenos empresários por uma razão simples: os bancos não podem arcar com o risco da operação, mesmo que um ou outro banqueiro eventualmente queira fazê-lo.

Na situação que estamos vivendo, de quase completa paralisação da atividade econômica, com economistas mais pessimistas já projetando queda do Produto Interno Bruto (PIB) acima de 10% neste ano, só há uma maneira de ajudar as pequenas e micro empresas: o Tesouro (ou seja, nós contribuintes) bancar o risco da operação de crédito. Vários economistas já elaboraram propostas de como isso pode ser feito.

No início da atual crise, o governo se preocupou em garantir a liquidez do sistema financeiro e fazer fluir o canal de crédito. A ideia era que os bancos tivessem recursos em volume suficiente para emprestar e para refinanciar dívidas das pessoas e empresas mais afetadas. Para isso, o BC reduziu o compulsório dos bancos e adotou uma série de medidas para facilitar o crédito.

Dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostram que as concessões de crédito, no período de 16 de março a 8 de maio de 2020, somaram R$ 540,3 bilhões, incluindo contratações, renovações e suspensão de parcelas. Segundo a Febraban, o setor já renegociou 8,5 milhões de contratos com operações em dia, que têm um saldo devedor total de R$ 468,2 bilhões. A soma das parcelas suspensas dessas operações repactuadas totaliza R$ 47,5 bilhões.

Os dados do Banco Central corroboram esse cenário, pois indicam que da 15ª à 18ª semana deste ano, ou seja, de 6 de abril a 3 de maio, as concessões de crédito livre aumentaram 8,7% para as pessoas físicas e 27,4% para as pessoas jurídicas, na comparação com igual período do ano passado. No acumulado deste ano, as operações livres aumentaram 12,7% para as pessoas físicas e 32,5% para as pessoas jurídicas. O problema, no entanto, está no fato de que o crédito não chegou aos e micro e pequenos.

Ao mesmo tempo em que o Banco Central adotava medidas para fazer o crédito fluir, o governo federal criou três programas para ajudar as empresas durante a crise. Criou uma linha especial de crédito para o pagamento de pessoal. O Tesouro entra com 85% do valor do crédito e o restante é bancado pelas instituições financeiras. A linha de crédito não funcionou. De um total de R$ 40 bilhões disponíveis, só cerca de R$ 1,6 bilhão foi emprestado até agora.

Apenas as médias e grandes empresas tomaram os recursos, de acordo com informações de fontes do governo. No início, muitos interessados foram descartados porque estavam inadimplentes com a Previdência Social. Apenas depois da aprovação da Emenda Constitucional 106 é que essa exigência foi excluída.

A maioria das empresas descartou a linha de crédito, entre outras razões, porque o governo deu mais duas opções. A primeira é a suspensão temporária dos contratos de trabalho. A segunda, a redução da jornada de trabalho em até 70%, com a correspondente diminuição dos salários.

Em uma avaliação pragmática, o empresário concluiu que era preferível suspender os contratos, reduzir salários ou simplesmente demitir os seus funcionários do que pegar um empréstimo para pagar os salários, com o compromisso de não os demitir pelo período de quatro meses da data da contratação da operação.

O problema atual está em garantir sustentação financeira às micro e pequenas empresas, até que seja possível reabrir a economia. Os sinais emitidos pelo governo federal, no entanto, estão indo em direção oposta. Na terça-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei 13.999, que institui o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).

O programa cria uma linha de crédito em condições vantajosas para a pequena e média empresa, de até 30% de sua receita bruta anual. Os juros serão iguais à Selic, acrescidos de 1,25% sobre o valor concedido, com prazo de amortização de 36 meses. O presidente vetou o artigo que previa carência de oito meses.

A justificativa do veto foi que a medida “contraria o interesse público e gera risco à própria política pública, ante a incapacidade dos bancos públicos executarem o programa com as condições apresentadas pelo projeto”. O governo pode alegar que essa não é uma regra que possa ser permanente, mas ela poderia, perfeitamente, ser utilizada neste momento de pandemia.


Benito Salomão: Novo mundo, nova década, velhos problemas

No Brasil, diferentemente de países cujo governo federal atua com eficiência, a crise sanitária se agrava na mesma proporção em que se agravam os indicadores econômicos. A pandemia atingiu Brasil cerca de 1 mês após ter atingido a Europa continental e 2 meses após ter atingido a China e alguns vizinhos asiáticos. Poderíamos ter aprendido com os erros dos outros, tendo assim minimizado os impactos humanos e sanitários, reduzido os efeitos da quarentena no tempo e criado as bases para uma recuperação econômica em um futuro próximo.

Pelo contrário, as atitudes do presidente Bolsonaro criaram uma crise institucional dentro das já graves crises sanitária e econômica em curso que tendem a se prolongar, a sanitária até o final do ano e a econômica até 2021. O Brasil foi atingido pela Pandemia em uma situação fiscal frágil, as soluções emergenciais para reagir ao COVID-19 exigem necessariamente expansão do gasto público. Neste sentido, quanto mais rápido resolvermos a crise sanitária, menos dinheiro público precisará ser dispendido em socorro aos Estados e Municípios e no pagamento de Coronavaucher às famílias afetadas, ou ainda ao socorro das empresas proibidas de funcionar.

Não quero com este argumento, simplesmente transmitir a visão fiscalista de que dinheiro público não deve ser gasto, a dívida pública pode e deve amortecer o sofrimento humano durante esta pandemia, mas a ausência de uma política sanitária responsável fará com que os custos fiscais sejam maiores e menos efetivos do que seriam. Qual o problema disto? O problema é que em função disto as medidas de ajuste pós pandemia deverão ser mais drásticas do que também seriam e como já adiantamos no artigo anterior, a indesejada CPMF estará inevitavelmente presente neste pacote.

Isto é péssimo porque o Brasil sairá de uma crise e cairá em outra. Explico! Sairemos da crise do Coronavírus com um passivo fiscal entre 95 e 100% do PIB, isto terá que ser enfrentado. Também não sabemos ainda quais serão as condições políticas para resolver tal problema, isto também preocupa. O problema é que voltaremos novamente para a agenda de curto prazo, ao debate pobre sobre cortar gastos ou aumentar impostos que dominou toda a década de 2010.

Enquanto isto o Brasil continuará crescendo pouco, é possível que a renda per capita do país continue crescendo negativamente tornando nosso país, na média, ainda mais pobre. As desigualdades sociais tendem a se ampliar com os efeitos deletérios da Pandemia sobre o desemprego e a renda e com isto a exacerbação dos ânimos políticos. Pior, sairemos também mais isolados do restante do mundo, acordos que tenderiam a beneficiar em larga escala a economia brasileira como o Mercosul – UE devem ser paralisados, também sairemos desta crise mais distantes da China, do mundo Islâmico e até do Mercosul.

Um outro aspecto que certamente irá contribuir para a estagnação da economia brasileira, trata-se do gap tecnológico existente entre o Brasil e as demais economias importantes. Agendas do século XXI como o carro elétrico e uma economia de baixo carbono, a internet 5 G, a internet das coisas, big data e a utilização de algoritmos no setor de serviços entre inúmeras outras transformações que já são realidade no mundo desenvolvido, no Brasil não encontram espaço pela ausência de uma política de desenvolvimento científico e tecnológico.

Nós entraremos na década 2020 resolvendo problemas fiscais que tínhamos em 2013 enquanto a nossa defasagem tecnológica para com as economias importantes aumenta. A começar pelo desenvolvimento da vacina ao COVID-19, ao que tudo indica, estaremos mais uma vez dependentes da pesquisa desenvolvida em outros países para lidar com este assunto. Isto é ruim, porque uma política educacional e científica demora pelo menos uma geração para produzir frutos, envolve muitos mandatos presidenciais e uma cultura de política de Estado que se perdeu no Brasil entre os governos Dilma e Bolsonaro.

É bem verdade que, justiça seja feita, a defasagem educacional e científica não começou com Bolsonaro, perpassa inúmeros governos. É bem verdade também, que seu governo representa uma sensível piora neste quesito. Isto significa que além de termos um déficit tecnológico e, portanto, de produtividade com o resto do mundo, este déficit está aumentando cada vez mais e logo não teremos condições de competir em vários setores da economia em que um dia já tivemos protagonismo global.

O Brasil está à deriva, sem rumo, sem governo e sem noção de prioridades. Refém de corporações públicas e privadas. Também de narrativas políticas estapafúrdias que não encontram respaldo nos fatos, não se debate o que interessa. Éramos a 7ª economia mundial em 2010, hoje somos a 9ª, talvez em 3 anos não estejamos mais entre as 10. Não tenho otimismo sobre a inclusão de uma agenda de desenvolvimento de longo prazo para o Brasil, nossos problemas de curto prazo serão muitos e graves, devendo asfixiar todo o debate de economia, também dependem da política, que no Brasil dos últimos anos se transformou em um nó. Estamos entrando em um novo mundo, em uma nova década reféns dos nossos velhos problemas.

Benito Salomão – Doutorando PPGE UFU e Visiting Researcher VSE UBC.


O Estado de S. Paulo: Bolsonaro impõe e Saúde libera cloroquina para todos pacientes com covid-19

Documento divulgado nesta quarta-feira recomenda a prescrição do medicamento desde os primeiros sinais da doença causada pelo coronavírus

Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo

Diante da recusa de dois ministros da Saúde, que optaram por pedir demissão para não assinar o documento, coube ao general Eduardo Pazuello, que assumiu a pasta de forma interina,  liberar a cloroquina para todos os pacientes de covid-19. Em documento divulgado nesta quarta-feira com o novo protocolo, o ministério recomenda a prescrição do medicamento desde os primeiros sinais da doença causada pelo coronavírus

Embora não haja comprovação científica da eficácia do medicamento contra a doença, o Ministério da Saúde alega, no documento, que o Conselho Federal de Medicina autorizou recentemente que médicos receitem a seus pacientes a cloroquina e a hidroxicloroquina, uma variação da droga. "A prescrição de todo e qualquer medicamento é prerrogativa do médico, e que o tratamento do paciente portador de COVID-19 deve ser baseado na autonomia do médico e na valorização da relação médico-paciente que deve ser a mais próxima possível, com objetivo de oferecer o melhor tratamento disponível no momento

Na prática, com o novo protocolo, o governo autoriza que médicos da rede pública de saúde receitem a cloroquina associada ao antibiótico azitromicina logo após os primeiros sintomas da doença, como coriza, tosse e dor de cabeça. As doses dos medicamentos se alteram conforme o quadro de saúde. "Os critérios clínicos para início do tratamento em qualquer fase da doença não excluem a necessidade de confirmação laboratorial e radiológico", diz o documento do Ministério da Saúde.

Até então, o protocolo do Ministério da Saúde era mais cauteloso e seguia o que dizem sociedades científicas. A droga pode causar efeitos colaterais graves, como parada cardíaca. Esse é um dos motivos para a resistência de comunidades de saúde em recomendar a cloroquina sem acompanhamento médico.

Médicos que lidam com a covid-19 já levantam dúvidas sobre o documento. O Ministério da Saúde não é claro em exigir a confirmação laboratorial da infecção para a covid-19 para começar o tratamento. O risco, dizem estes especialistas, é que um caso apenas detectado em análise clínica já seja submetido ao tratamento.

Além disso, o documento do Ministério da Saúde orienta a realização de uma série de exames e monitoramento eletrocardiográfico do paciente. Este tipo de procedimento pode exigir a ida ao hospital de alguém  que poderia apenas fazer repouso em casa para se curar.

Embates

Em entrevista ao jornalista Magno Martins, na terça-feira, o presidente brincou com o tema, alvo de divergências devido aos possíveis efeitos colaterias. "Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda, Tubaína", repetiu várias vezes ao fazer piada com o assunto.

O uso da substância se tornou foco de embate de Bolsonaro com os agora ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Médicos, eles argumentaram a falta de respaldo científico para que a substância fosse receitada logo no início do tratamento da covid-19. A cloroquina é usada para tratamento de malária e outras doenças autoimunes. Em publicação no Twitter antes de ser demitido, Teich chegou a alertar sobre possíveis efeitos colaterais da droga. Diante de um "ultimato" de Bolsonaro, optou por deixar o governo.

“Um alerta importante: a cloroquina é um medicamento com efeitos colaterais. Então, qualquer prescrição deve ser feita com base em avaliação médica. O paciente deve entender os riscos e assinar o ‘Termo de Consentimento’ antes de iniciar o uso da cloroquina”, escreveu Teich no Twitter no dia 12 de maio, três dias antes de pedir demissão.

Antes de sair, em abril, Mandetta também disse ter sido pressionado, em uma reunião no Palácio do Planalto, a assinar um decreto permitindo a prescrição da cloroquina a todos os pacientes da doença. Na ocasião, disse que só o faria quando entidades médicas respaldassem a orientação.

Para poder usar o medicamento, o paciente deverá assinar um termo de "Ciência e Consentimento". O documento inclui declarar conhecer que o tratamento pode causar efeitos colaterais que podem levar à "disfunção grave de órgãos, ao prolongamento da internação, à incapacidade temporária ou permanente, e até ao óbito."

No termo de consentimento que o paciente deverá assinar, também divulgado pelo Ministério da Saúde, o paciente diz aceitar o risco de tomar a droga "por livre iniciativa".

"Estou ciente de que o tratamento com cloroquina ou hidroxicloroquina pode causar os efeitos colaterais descritos acima, e outros menos graves ou menos frequentes, os quais podem levar à disfunção grave de órgãos, ao prolongamento da internação, à incapacidade temporária ou permanente, e até ao óbito", diz o termo, também divulgado pelo ministério.

A posição de médicos e entidades

O Estadão ouviu três dos principais médicos e pesquisadores que têm se dedicado nos últimos meses ao estudo e tratamento do novo coronavírus no Brasil. Eles afirmaram, de forma unânime, que ainda não existem testes que comprovem a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da doença.

O médico Alexandre Biasi Cavalcanti, diretor do Instituto de Pesquisa HCor e integrante da Coalizão Brasil COVID, grupo de pesquisadores independentes que conduz um dos maiores e mais aprofundados estudos sobre o vírus no Brasil, disse que os resultados dos primeiros levantamentos sérios no exterior não apontam a eficácia da droga. 

Rachel Riera, do hospital Sírio-Libanês e da Unifesp, também coordena uma série de levantamentos que incluem toda a literatura já produzida sobre a cloroquina e covid no mundo. Segundo ela, o Ministério da Saúde já foi informado de maneira categórica que não existem evidências científicas sobre a eficácia da droga. 

Infectologista do hospital Emílio Ribas, em São Paulo, Rosana Richtmann atua na linha de frente do combate ao coronavírus. De acordo com ela, a cloroquina já foi a “droga da esperança” no início da pandemia mas não é mais, pelo no que diz respeito ao uso preventivo ou em estágio avançado da doença. 

Na terça-feira, três entidades nacionais que representam médicos de especialidades diretamente ligadas ao novo coronavírus aprovaram um documento com diretrizes para o enfrentamento da pandemia no qual recomendam que a cloroquina e a hidroxicloroquina não sejam usadas como tratamento de rotina da doença. As entidades são a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.


O Estado de S. Paulo: Bolsonaro demite Regina Duarte da Secretaria Especial da Cultura

Agora, a atriz vai comandar Cinemateca, em São Paulo; expectativa é que o ator Mário Frias assuma o cargo

Jussara Soares e Emilly Behnke, O Estado de S. Paulo

Após dias de "fritura", o presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta quarta-feira, 20, a demissão da atriz Regina Duarte do cargo de secretária Especial da Cultura. Segundo postagem nas redes sociais, ela vai assumir o comando da Cinemateca Brasileira, que fica em São Paulo. O nome do substituto ainda não foi confirmado. A expectativa é que o ator Mário Frias, apoiador de Bolsonaro, fique com o cargo. Regina Duarte estava no comando da Secretaria Especial da Cultura desde o início de março. Antes dela, o secretário foi Roberto Alvim, demitido por fazer alusão ao nazismo.

Jair M. Bolsonaro✔@jairbolsonaro

Regina Duarte relatou que sente falta de sua família, mas para que ela possa continuar contribuindo com o Governo e a Cultura Brasileira assumirá, em alguns dias, a Cinemateca em SP. Nos próximos dias, durante a transição, será mostrado o trabalho já realizado nos últimos 60 dias

Vídeo incorporado

24,6 mil

Informações e privacidade no Twitter Ads
9.521 pessoas estão falando sobre isso

Os dois gravaram um vídeo juntos, na área externa do Palácio da Alvorada, em que Regina começa questionando Bolsonaro se ele está a "fritando". "Jamais ia fritar você", responde o presidente.

Ao anunciar a mudança, pouco mais de dois meses após assumir a secretaria de Cultura, Regina diz que assumir a Cinemateca é um "sonho de qualquer pessoa de comunicação, audiovisual, cinema e teatro". Na prática, ela assumirá um posto em que será subordinada ao seu substituto na secretaria.

"Pode ter um presente melhor que esse? Obrigado presidente", diz a atriz. "Estou sentindo muita falta dos meus filhos e dos meus netos. É um presente duplo. É a Cinemateca e é estar próxima da minha família."

O anúncio desta quarta-feira, 20, ocorreu um dia após o presidente compartilhar nas redes sociais um vídeo em que o ator Mário Frias fala sobre a possibilidade de assumir o cargo da colega de profissão.

O vídeo publicado nesta terça pelo presidente é uma entrevista de Frias à emissora CNN Brasil, exibida no dia 6 de maio, em que o ator diz torcer por Regina Duarte, mas que está à disposição de Bolsonaro. “Para o Jair, o que ele precisar estou aqui”, afirma o ator.

Na gravação, publicada com cortes, Frias defende o presidente e diz que Bolsonaro é “preocupado com o povo” e “defende os três Poderes”.

A entrevista com o ator ocorreu no mesmo dia em que Regina havia se reunido com Bolsonaro no Palácio do Planalto. Na ocasião, o presidente havia demonstrado insatisfação pública com a atuação da secretária e renomeado o maestro Dante Mantoavani no comando da Funarte. O maestro havia sido afastado do cargo logo após a posse da nova secretária. No fim do dia, a nomeação foi suspensa, mas o gesto foi visto no governo como um processo de “fritura” de Regina.

Depois do encontro, em outro gesto considerado como parte do processo de "fritura", o número 2 da pasta, o secretário especial adjunto, Pedro José Vilar Godoy Horta, foi exonerado do cargo. A demissão, publicada em edição extra do Diário Oficial de sexta-feira, 15, levou a assinatura do ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto.

Como revelou o Estadão, Bolsonaro estava incomodado com a ausência de Regina em Brasília e acredita que a secretária é suscetível ao setor “todo de esquerda”. Já a secretária se sente desprestigiada e pressionada pela “ala ideológica” do governo.


Míriam Leitão: O que Bolsonaro deu ao centrão

O FNDE tem dinheiro, obras, relação com prefeitos, licitações. Bolsonaro o coloca no balcão de negócios para ficar no cargo

O pote de dinheiro do Ministério da Educação fica no FNDE. O Fundo tem mais do que dinheiro, tem capilaridade. Através dele se fala com prefeitos do país inteiro, porque de lá é que saem as obras para a construção de creches e escolas, as compras de ônibus para o transporte escolar, a distribuição de material escolar e o fornecimento de merenda. É isso que o presidente Bolsonaro está entregando aos indicados de Valdemar Costa Neto, do PL, e Ciro Nogueira, do Progressistas.

— Dos R$ 140 bi a R$ 150 bilhões do orçamento do Ministério da Educação, dois terços são carimbados. Dinheiro para as universidades federais, os institutos federais, os hospitais universitários. Dos R$ 50 bilhões do FNDE, uns R$ 14 bilhões vão para o Fundeb. O resto — uns R$ 36 bilhões — é o dinheiro almejado. Por isso, todos os prefeitos quando chegam a Brasília vão lá falar com diretores e presidente do FNDE — explica o catedrático da Universidade de São Paulo Mozart Neves Ramos, especialista em educação, e ex-secretário de Pernambuco.

Binho Marques, ex-governador do Acre, e também especializado em educação, acompanha o trabalho do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação desde 1993, quando na gestão Murílio Hingel, no governo Itamar Franco, o fundo, criado no governo militar, começou a ser aperfeiçoado. Esse fundo é formado com o dinheiro do salário educação, mas, conta Binho, Hingel passou a adotar critérios para liberação dos recursos. Depois, houve novas mudanças na gestão Paulo Renato e nos governos do PT. O papel do FNDE foi ficando mais técnico. A tal ponto que Binho acha que existe menos espaço para desvios.

— No passado, o FNDE era um balcão, bem bagunçado. Eu comecei a trabalhar com ele, na condição de secretário de educação, num período promissor, com o Hingel. Ele chamou os secretários para construir regras de distribuição dos recursos. O Henrique Paim, que ficou muitos anos no MEC e foi presidente do FNDE, democratizou esses programas. Digo isso tudo porque não é como antigamente. O balcão deu lugar a um mecanismo com repasse automático por número de aluno. Antes era balcão mesmo, levava mais quem chegava lá com um deputado, senador, coisas desse tipo. Alimentação escolar, transporte escolar ganharam um sistema diferente de distribuição e mecanismos de controle. Isso reduz a manipulação política. O papel do FNDE ficou mais técnico, uma pessoa de perfil político fica perdida por lá — diz Binho Marques.

É uma esperança, mas não há o que este governo e o ministro Abraham Weintraub não consigam destruir. Os políticos lutam por esse cargo exatamente por essa mistura irresistível entre dinheiro, capilaridade, muitas licitações e distribuição de benesses aos municípios. A Secretaria de Educação Básica, explicam os especialistas, é importante para definir políticas, mas quem vai dar o dinheiro para a construção da escola ou da creche é o FNDE.

A entrega do FNDE no balcão de negócios do presidente Bolsonaro com os partidos do centrão é uma tragédia a mais que se abate sobre o Ministério da Educação.

— Já tínhamos um desafio enorme no meio de uma pandemia com um presidente na contramão de tudo, e um ministro que não sabe o que é educação — diz Mozart.

Binho Marques chama atenção para outro angustiante problema:

— A gente perdeu muito tempo discutindo o Fundeb sem a participação do governo. Felizmente o Congresso, principalmente a deputada Dorinha, teve um bom protagonismo. Mas agora veio a pandemia, o Fundeb não está reestruturado e está perdendo recursos, porque depende diretamente do ICMS, cuja arrecadação está diminuindo. Se cai o valor do Fundeb despenca o financiamento à educação.

E no meio de tudo isso, há esse ministro.

— Parou tudo no MEC, o Ministério desapareceu — diz Binho.

A opinião é muito semelhante a de Mozart.

— Para se ter uma ideia, o Conselho Nacional de Educação é que teve que fazer um parecer para orientar todo o sistema de ensino brasileiro durante a pandemia, para a reorganização do calendário escolar, que atividades podem ser contempladas no ensino à distância desde a educação infantil ao ensino médio. Seria papel do Ministério — diz Mozart.

No meio desta devastação que virou o Ministério da Educação, Bolsonaro decidiu abrir um dos seus mais vistosos balcões de negócios para blindar seu mandato.


Ricardo Noblat: Para os bolsonaristas, o melhor é já irem se acostumando

Filhos acima de tudo, só abaixo do pai

O presidente Jair Bolsonaro tem mais o que fazer do que se preocupar com o coronavírus que já matou quase 17 mil pessoas e infectou 254 mil; o índice de desmatamento na Amazônia, o maior registrado nos últimos 10 anos no mês de abril; a dificuldade enfrentada por donos de pequenos negócios de acesso a linhas de crédito especiais. Mesmo a escolha de um novo ministro da Saúde, o terceiro em pouco mais de 500 dias de governo, pode esperar.

No momento, são duas as prioridades de Bolsonaro: preparar-se para defender seu mandato ameaçado por um processo de impeachment; e salvar a pele do seu filho Flávio, investigado sob a suspeita de que embolsou parte do salário dos funcionários de seu gabinete à época em que era deputado estadual no Rio. Foi para ajudar a carreira política dos filhos que ele se lançou candidato a presidente. Uma vez eleito, imaginou que o futuro deles estava garantido.

Um amigo de Bolsonaro, que ele chama de Fred, ouviu seu desabafo na noite da vitória, em 28 de outubro de 2018: “Estou fodido”. Em seguida, o presidente começou a chorar. Fred não sabe dizer se o desabafo e o choro tinham a ver com a situação de Flávio, avisado por um delegado da Polícia Federal de que em breve viria a público a história do esquema da rachadinha comandado por ele e Queiroz. Ou se tinham a ver com o despreparo de Bolsonaro para governar.

É possível que o interesse de Bolsonaro em controlar a Polícia Federal tenha nascido depois da operação que, em 8 de novembro daquele ano, prendeu 10 deputados colegas de Flávio, acusados de corrupção. Eleito senador, Flávio escapou ileso. Mas nem tanto. Virou um grande problema para o pai, só menor do que o outro filho, Carlos, vereador, o mais instável deles. Sempre que Carlos entra em crise, o pai teme que ele possa cometer um tresloucado gesto.

Filhos acima de tudo, só abaixo do medo do pai de não completar o mandato. Até porque, sem o pai, eles não seriam nada. Às favas todos os escrúpulos, o que não fará tanta falta a Bolsonaro. Seus eleitores que o perdoem por esquecer a promessa de jamais ceder cargos públicos em troca de votos para governar. Não se trata mais do toma-lá-dá-cá para aprovar no Congresso projetos do governo. Trata-se impedir que o governo acabe antes da hora.

Na semana passada, para delírio dos bolsonaristas de raíz, Abraham Weintraub, ministro da Educação, teve o desplante de proclamar que não cederia cargos sob o seu comando para saciar o apetite de políticos fisiológicos. Deu a entender que se fosse obrigado na fazer isso, iria embora. Pelo visto, alguém lhe deu um toque e Weintraub recuou. O cargo de diretor de Ações Educacionais passará a ser ocupado por um nome indicado pelo Partido Liberal (PL).

A diretoria de Ações Educacionais é responsável por alguns dos programas mais importantes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Tem um orçamento de mais de R$ 50 bilhões. Cuida da compra de livros didáticos, merenda e transporte escolar. O PL indicou um nome sem nenhuma experiência na área de educação – o advogado Garigham Amarante Pinto, ex-assessor do deputado Wellington Roberto, líder do partido, que por sua vez…

Wellington Roberto é o homem de confiança de Valdemar Costa Neto, ex-presidente do partido, mas, na prática, o dono do PL. Costa Neto ganhou fama quando vendeu por R$ 6 milhões o apoio do partido à eleição de Lula para presidente em 2002. A fama cresceu quando ele foi condenado e preso no caso do mensalão do PT. Da Penitenciária da Papuda, em Brasília, continuou mandando no partido e negociou cargos com Dilma Rousseff.

Melhor para os bolsonaristas já irem se acostumando. Para o bem de Bolsonaro e dos seus filhos, o leilão de cargos está mal começando.

O preço que Bolsonaro pagará por ser quem é

À espera de vê-lo na tela

Previsão compartilhada por ministros de tribunais superiores em Brasília e advogados com larga experiência em assuntos dessa natureza: do ponto de vista legal, dará em nada para o presidente Jair Bolsonaro a denúncia do ex-ministro Sérgio Moro de que ele tentou intervir politicamente na Polícia Federal.

E também dará em nada a denúncia de que ele soube com antecedência do adiamento da operação da Polícia Federal, no Rio, que resultaria na prisão de deputados envolvidos com corrupção. A operação traria a público o esquema da rachadinha, comandado por seu filho Flávio e seu amigo de mais de 40 anos, Fabrício Queiroz.

Quando trouxe, sobrou até para Michelle, mulher de Bolsonaro, em cuja conta bancária apareceu dinheiro de Queiroz. Bolsonaro apressou-se em dizer que era dinheiro de uma dívida, contraída por Queiroz com ele. Assessorado por advogados indicados por Bolsonaro, Queiroz nada disse que pudesse comprometer a família.

Segundo ministros e advogados, será muito difícil provar que Bolsonaro cometeu crime de obstrução de Justiça só por ter manifestado sua intenção de mandar diretamente na Polícia Federal. Mesmo que se prove que vazou para ele a informação sobre o adiamento da operação da Polícia Federal, foi antes da eleição.

Presidente da República só pode ser processado por crime cometido no exercício do cargo. Não foi o caso. Bolsonaro sofrerá, sim, desgaste político com as duas revelações. Mais com a primeira, se o ministro Celso de Melo, do Supremo Tribunal Federal, liberar para divulgação integral o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril último.

Que tal assistir Bolsonaro ameaçar de demissão Moro e o diretor-geral da Polícia Federal? Que tal ouvir os palavrões que ele costuma dizer quando está nervoso? E a gargalhada que deu quando o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, chamou o coronavírus de “comunavírus”, culpando a China por sua criação?

Como Bolsonaro reagiu quando o ministro da Educação sugeriu a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal, e a ministra da Mulher e dos Direitos Humanos acrescentou que governadores e prefeitos também deveriam ser presos? O vídeo eternizou muitas outras coisas capazes de envergonhar até devotos dessa gente.


Carlos Andreazza: Programa de Aceleração do Radicalismo

Bolsonaro é instabilidade. Se há crise, ele será o multiplicador

A saída de Teich informa que até a inexistência individual tem limites; e que mesmo um inexistente — cujo contrato para ser ministro consistia em não ser sujeito —pode ter alguma espinha dorsal.

Teich teve, afinal. Alguém se deve ter orgulhado. Não os que percebem que seus dias na pasta se somam aos outros tantos, consumidos pela batalha que resultaria na queda de Mandetta, no curso dos quais o ministério esteve paralisado; isto em meio ao totalitarismo de um vírus cuja sanha configura a peste.

A contribuição de Teich ao país seria nenhuma se o papel que aceitou cumprir não tivesse ampliado o campo a que o chefe expusesse o autoritarismo por meio do qual exerce a atividade executiva na República: o presidente que quer e que, porque quer, terá; no caso, o protocolo para utilização da hidroxicloroquina expandido a pacientes sob infecção leve.

A lacuna Teich comunica que somente Bolsonaro pode ser ministro da Saúde de Bolsonaro. A ver apenas quem — explorando nova fronteira para flexibilização de vértebras morais — lhe será o cavalo. Não é muito diferente da vontade que se move para interferir na PF. A saída de Moro comunicou que somente Bolsonaro poderia ser a polícia política de Bolsonaro.

Repito: o presidente está trocando de pele, inaugurando um governo que se liberta da carcaça narrativa eleitoral, num processo de radicalização acelerado pela janela de oportunidades escancarada pela Covid-19. Há também, insisto, a mudança de base social: a aposta bolsonarista em compensar a perda de apoio na classe média com a conquista das camadas populares.

Dos pilares artificiais que tornaram Bolsonaro persona eleitoral consumível só resta o liberalismo econômico guedista; o que avaliou ser possível, em nome das reformas, liquefazer a coluna vertebral do liberalismo político para se associar ao populismo autocrático bolsonarista — um projeto de poder reacionário de pulsão para a ruptura, revolucionário mesmo, comandado por um elemento que é o centro gerador de conflitos e cujo palácio, um sindicato de servidores públicos, está fundamentado em variáveis daquilo em que ele mesmo, o presidente, consiste: um militante de interesses corporativos.

Já era um arranjo de sucesso improvável em tempos de paz — esse entre reformas liberais e desestabilizações bolsonaristas. O que dizer de agora, e doravante, com o vento virado?

Bolsonaro é instabilidade. Se há crise, ele será o multiplicador de imprevisibilidade. Reagirá radicalizando. É o que está em curso. O vento virou — e é vento que lhe enche a vela e o impulsiona a ser plenamente o que é. Em matéria econômica, para tornar Guedes e o que representa prescindíveis (antes do esperado).

O Bolsa Jair já se espraia, a própria âncora da mudança de base social, alcançando milhões de brasileiros pobres, muitos dos quais até então invisíveis ao Estado, inclusive no Nordeste, onde o presidente não conseguia penetrar. São milhões de outrora inexistentes incorporados por um programa de auxílio emergencial — milhões também de novos títulos de eleitor mapeados pelo surgimento de uma ajuda, a do Jair, temporária. Temporária?

A tentação é grande, e o mar puxa para o afogamento do teto de gastos.

O vento virado — para o projeto liberal guedista — é o que traz uma nova convenção social, que descarta o pacto por austeridade fiscal em prol da demanda por que o Estado injete dinheiro na economia e sustente artificialmente o setor produtivo e aqueles cuja parca renda foi aterrada. O milagre bolsonarista?

Há quem diga que Guedes fica por ser mais parecido com o chefe do que se gostaria de admitir. Não se trataria de elogio, a essa semelhança contribuindo a noção de democrata segundo o ministro, capaz de abranger até o presidente. Guedes vai ficando. Sua agenda, porém, comprometida. Talvez fatalmente. A favor de sua permanência, ainda que de norte fulminado, pesando a avaliação de que Bolsonaro não poderia se dar ao luxo de perder — hoje — esse derradeiro estribo de credibilidade narrativa. Que usa bem.

Penso na reunião virtual havida, na quinta última, com um grupo de empresários graúdos. A repercussão jornalística da conversa definiu-a como desprovida de propostas da parte do presidente; um erro de leitura grave. A proposta houve — e claríssima, doutorada pela presença de Guedes: para que aqueles cidadãos enfrentassem, em guerra, as medidas restritivas decretadas, particularmente, por João Doria. O presidente pregando a desobediência civil.

Avalizada pela ciência de Guedes, a proposta de Bolsonaro para a crise — um plano de enfrentamento do enfrentamento à pandemia — nem sequer vagamente tem a reação da economia como centro de preocupação; mas o estímulo à reação de grupos de pressão, que vão dos caminhoneiros aos donos das cargas, passando por milicianos dentro das polícias, contra os decretos dos governadores.

Está acelerado. Vai piorar. Dá-lhe lustro quem concorda.


Sérgio Abranches: Bolsonaro em modo defesa

Presidente já perdeu a capacidade de governança

A aproximação de Bolsonaro com o centrão é uma mudança de modo de governo. Ele não quis formar uma coalizão majoritária, quando tinha condições políticas e poder de barganha para tanto. Agora não tem, nem uma, nem outra. O desgaste precoce, o conflito com o Legislativo, o Judiciário e os governadores, as trapalhadas na pandemia e o caso Moro lhe tiram as condições objetivas de negociar a maioria. Escolheu ser um presidente minoritário e o será até o fim. Então, o que ele e o centrão negociam?

Certamente nada parecido com uma coalizão programática, ou o mais próximo disso, como imagina o vice-presidente, general Mourão. Bolsonaro está em modo defesa. Este modo tem precedente na história recente do presidencialismo brasileiro. Foi o que paralisou de vez o governo Michel Temer, depois do “caso JBS”. A presidente Dilma Rousseff até ensaiou algumas tentativas nesse modo, mas não teve sucesso.

Bolsonaro cometeu dois erros políticos importantes. O primeiro foi demitir o ministro da Saúde. Ao fazê-lo, perdeu a possibilidade de ter pelo menos esta parte do governo atuando de forma positiva na pandemia. Agora ficou claro que o governo federal é parte do problema no avanço da Covid-19, o que enfraquece seu apoio social. O outro foi forçar a saída de Sergio Moro. Perdeu o apoio de parte dos que votaram nele para combater a corrupção e expôs-se num caso rumoroso de comportamento irregular. Este pode se agravar com a revelação do vídeo da reunião ministerial em que pressionou o ministro da Justiça a intervir na Polícia Federal. Teve que entrar em modo defesa. Um sacrifício para quem vive do confronto.

O modo defesa leva o presidente a negociar sua imunidade junto ao Parlamento, em troca de cargos e fatias do Orçamento. Imunidade para bloquear autorizações para que seja processado por crime comum pelo Supremo Tribunal Federal e para evitar a aprovação de pedidos de impeachment. Não faz parte da troca qualquer apoio a uma agenda de políticas. O modo defesa produz uma colusão e não uma coalizão. A colusão é sempre uma aliança negativa, nunca uma união propositiva. Não precisa de maioria, apenas de número de votos suficiente para bloquear a formação da maioria qualificada na Câmara dos Deputados necessária para autorizar o processo ou o impeachment, que é de 2/3. Bastam-lhe 172 votos. É muito mais caro em cargos e recursos do que a coalizão. O presidente fica refém e tem que pagar resgate o tempo todo.

Uma das características do modo defesa no presidencialismo de coalizão é a paralisia legislativa. Houve, porém, uma mudança na atitude do Legislativo, que aumentou seu poder de manejar a agenda decisória, diante da fraqueza política de Bolsonaro. O Legislativo se tornou mais ativo. O que antes era paralisia decisória, agora passou a ser um jogo de voto e veto. O Legislativo vota o que quer, aumentaram muito as proposições de iniciativa dele próprio, e o presidente veta o que não quer. Sempre com o risco de ver seus vetos derrubados. Outro traço do modo defesa é a crise política permanente. Estamos em crise política crônica desde o segundo governo Dilma. Há momentos em que ela se acalma, como no primeiro ano de Temer, e outros em que se torna aguda, como agora.

Bolsonaro já perdeu a capacidade de governança. A dúvida é se terá condições de manter o mandato. Isto lhe custará cargos, recursos e a política econômica. Para ficar com o mandato, terá que abandonar a política de Paulo Guedes que o sustenta no mercado financeiro. Ele terá que evitar conflitos com seus neoaliados no Congresso e abandonar a atitude de confronto com os governadores a eles ligados, além de reduzir o contencioso com o Legislativo. Como Bolsonaro só opera por confronto, será que consegue manter sua colusão de pé?

*Sérgio Abranches é cientista político


Míriam Leitão: A politização da economia

Guedes tem politizado o seu ministério ao se lançar contra adversários do presidente. Deveria ser o ponto de equilíbrio

O pior que pode acontecer no meio de uma crise é a politização do Ministério da Economia. E é o que está acontecendo na gestão de Paulo Guedes. Quando o ministro dispara sua retórica cheia de ofensas aos supostos adversários do presidente, ele está sendo parte do problema e não da solução. A demora na sanção do projeto de socorro aos estados decorre do fato de que o programa passou a ser parte do arsenal na briga contra o isolamento social. Não faz sentido usar isso na queda de braço com os governadores.

As suas frases de imagens fortes e sempre com sujeito indeterminado são feitas sob medida para fortalecer o presidente Jair Bolsonaro na guerra perigosa que ele trava com os estados. “Vamos nos aproveitar de um momento de gravidade, uma crise na saúde, e vamos subir em cadáveres para fazer palanque? Vamos subir em cadáveres para arrancar recursos do governo? ”, disparou ele na sexta-feira, no balanço dos 500 dias de governo.

Ele ajudaria se dissesse de quem está falando. Quem está transformando tudo em palanque, desde o início? Se ele olhasse para o presidente Jair Bolsonaro, acertaria a resposta. O dinheiro não é do governo federal, é dos contribuintes. A dívida, se for contraída, será em nome dos brasileiros. Este é o momento em que necessariamente teria que haver uma solidariedade entre a União e os entes federados que estão na frente de combate contra a pandemia. O Ministério da Economia nestes momentos de crise precisa ser um ponto de equilíbrio comprometido principalmente com seus princípios e pontos inegociáveis.

Há bons quadros técnicos no Ministério que seguem fazendo seu trabalho, mas o ministro tem dado sempre um tom político e exaltado nas suas intervenções públicas, replicando o estilo do chefe. E vamos convir que ninguém precisa pôr mais lenha nesta fogueira que é acesa diariamente por Jair Bolsonaro.

Na questão do congelamento do salário do funcionalismo, ele atirou para todos os lados — Congresso, estados, servidores — e esqueceu, pelo visto, que o grande problema veio do próprio governo. Guedes não conseguiu convencer Bolsonaro de que deveria propor a redução salarial dos servidores federais. Também não conseguiu fazer um projeto próprio de congelamento. Por isso, negociou para que fosse incluída a proibição dos reajustes dentro do projeto do senador Davi Alcolumbre. Mas, para seu desgosto, o próprio líder do governo, falando em nome do presidente, votou a favor de livrar uma lista grande de categorias. Em vez de se voltar contra essa contradição interna do governo, ele ataca. “É inaceitável que tentem saquear o gigante caído, que usem a desculpa da saúde para saquear o Brasil.” Ora, se tivesse unificado a linguagem do governo ele poderia pôr sempre a culpa em terceiros.

Quando foi aprovado o projeto na Câmara, em abril, o presidente Bolsonaro atacou diretamente o deputado Rodrigo Maia. O ministro fez coro. Bolsonaro disse que Maia estava “conduzindo o Brasil para o caos” e que o deputado queria tirá-lo do governo. O ministro poderia ter sido água nessa fervura. Se tivesse negociado antes a proposta da Câmara poderia, quem sabe, evitar a conta em aberto que dizia ser a proposta de compensação das perdas do ICMS e ISS. Guedes preferiu dizer que o modelo era “irresponsável”, um “cheque em branco”, e uma “farra fiscal” e passou a trabalhar para ignorar o projeto no Senado. Rodrigo Maia havia sido o grande aliado para a aprovação da reforma da Previdência. Mas a briga agradava bastante Bolsonaro, que naquele momento disparava contra o presidente da Câmara, até com o velho método de ter sempre um adversário na algibeira.

Há muito o que o Ministério da Economia possa fazer para ajudar a apaziguar o país no meio desta crise, se ele entender que não pode ser parte da artilharia lançada contra os supostos adversários políticos. Ele, como presidente do Confaz, conselho que reúne os secretários de fazenda dos estados, poderia, por exemplo, ajudar nessa interlocução federativa.

Quando, na teleconferência com empresários, pede a eles que usem o fato de serem “financiadores de campanha”, para pressionar o Congresso a apoiar o governo, ou quando participa da caravana do lobby industrial sobre o STF, o ministro vira parte da confusão. O Ministério da Economia precisa ser técnico e saber exatamente quais são seus objetivos na economia.


José Casado: A crise em câmera lenta

Construção do impedimento está se tornando fato político

Quem assistiu ao vídeo da reunião ministerial de 22 de abril pôde confirmar: o governo resolveu preencher com palavras o vazio de ideias sobre a crise humanitária.

Morreram mais de 16 mil pessoas até ontem. São 1.105% mais vítimas do que o país possuía apenas um mês atrás. É como se, em quatro semanas, houvesse desaparecido a população inteira de cidades do tamanho de Sumidouro, no Rio, Pindorama, em São Paulo, ou Canudos, na Bahia.

As cenas gravadas são de inusual crueza. O Planalto surge como centro de um pandemônio político na pandemia. Bolsonaro e alguns ministros se desqualificam em atmosfera de vulgaridades, incapazes de discernir entre a realidade e a fantasia autoritária. Confirmam a ironia do vice Hamilton Mourão: “Está tudo sob controle… só não se sabe de quem.”

O vídeo contém fragmentos de um processo de suicídio político, em câmera lenta. É parte do mosaico de autoflagelo que justifica pressões crescentes, hoje materializadas em três dezenas de pedidos de impeachment. Elas aguardam decisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Há pedido no STF para impor à Câmara uma rápida resolução dos requerimentos sobre o impedimento de Bolsonaro. O Supremo vai decidir sobre o tempo de Maia para aceitar ou recusar. O caso é relatado pelo juiz Celso de Mello e tem desfecho previsto para esta semana. Maia alegou que não há prazo regimental, mas especialistas acham que o tribunal tende a reconhecer o direito de petição, e a obrigação de resposta diligente do servidor público.

A construção do impedimento está se tornando fato político, a despeito da decisão do procurador-geral sobre eventual crime de responsabilidade ou de Maia rejeitar os atuais pedidos de impeachment.

É impossível prever o desfecho, mas Bolsonaro percebeu o quanto já aumentou o custo da sua permanência no poder. Ontem entregou ao grupo de Valdemar Costa Neto, do PL, notório ex-presidiário do mensalão, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), onde se gasta por ano o equivalente a 20% do orçamento do Ministério da Saúde.