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Governo Bolsonaro anula anistias e suspende busca por desaparecidos políticos
Comissões são formadas por militares que têm anulado reparações concedidas no passado e rejeitado novos pedidos
Evandro Éboli / O Globo
BRASÍLIA - O técnico em eletrônica Edson Benigno, hoje com 72 anos, foi perseguido, preso e torturado durante a ditadura militar no Brasil. Então servindo à Marinha, Edson viu os agentes do regime, em 1975, invadirem sua casa, no Rio. Eles o algemaram, encapuzaram e apontaram uma arma para a barriga de sua mulher grávida. Levaram-no junto com o pai, José Benigno, e foram jogados dentro de dois Opalas. Apanharam. Um ano depois, ficou 50 dias preso. Foi submetido a choques elétricos e pau de arara. Teve sequelas.
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Edson foi detido aos 26 anos pela ação política do pai, antigo militante do Partido Comunista Brasileiro. Mas mesmo com o histórico de perseguição, prisão e tortura, não conseguiu ser anistiado. Seu processo chegou a ser aprovado na Comissão de Anistia, no governo de Michel Temer, mas não teve a portaria publicada até hoje. Ao logo do governo de Jair Bolsonaro, o caso segue parado na comissão, sem previsão de aprovação da anistia e reparação econômica.
— Não tenho qualquer expectativa de que esse governo, que elogia a ditadura, irá reconhecer que fui vítima daquele período — diz Edson.
O governo revisa e reconta a história à sua moda. Nas duas comissões instituídas há mais duas décadas para tratar e julgar as violações cometidas naquele período — de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos — os conselheiros, escolhidos a dedo, ignoram os fatos, negam a perseguição política, “desanistiam” militantes já anistiados e abandonam a busca por desaparecidos.
Na gestão Bolsonaro, as comissões são formadas por muitos militares que, além de rejeitar as anistias, têm anulado reparações concedidas no passado. Entre eles, está o general da reserva Rocha Paiva, autor do prefácio do livro “A verdade sufocada”, livro de memórias do coronel reformado Brilhante Ustra, condenado pelo crime de tortura na ditadura.
Os conselheiros desses colegiados entendem que não houve perseguição do Estado a essas pessoas. Em julgamentos, é comum os perseguidos pela ditadura serem chamados de “terroristas” e “foras da lei”. Um antigo militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) teve seu pedido negado, num julgamento em maio deste ano, e o relator escreveu em seu voto: “Ser monitorado por pertencer aos quadros da luta armada ilegal e criminosa não configura perseguição política, pois assim acontecia e aconteceria, hoje, em qualquer investigação policial, máxime, militando em grupos criminosos. Ele não era um militante político em organização legal, pelo contrário, integrava organização fora da lei, que cometia crimes bárbaros e violência”.
O Ministério Público chegou a entrar com uma ação para suspender a nomeação de militares na Comissão de Anistia por terem histórico de postura “incompatíveis” com a missão de reparação das vítimas de violações cometidas nos anos de chumbo. O atual presidente da comissão, João Henrique Freitas, assessor no Palácio do Planalto, é autor de ações contra indenização a 44 camponeses, vítimas de torturas na Guerrilha do Araguaia, e também moveu ação para impedir a reparação à família do ex-guerrilheiro Carlos Lamarca. O comandante da Polícia Militar de Santa Catarina, coronel Dionei Tonet, também integra a comissão. A ação dos procuradores para excluí-los foi rejeitada pela Justiça.
Desde a criação da comissão, em 2001, foram julgados cerca de 75 mil pedidos. A grande maioria — 55 mil —, nos oito primeiros anos dos governos Lula, que aprovou 64,3% dos pedidos.
A comissão, no governo Bolsonaro, aprovou 6% dos casos em tramitação, percentual apenas um pouco maior do que o registrado no governo Temer, quando o índice ficou em 4%. Mas aprovou pouquíssimas reparações econômicas. A diferença principal é que, sob comando do ministério de Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a comissão tem anulado anistias aprovadas no passado e adotou medidas que dão poderes à ministra de, monocraticamente, decidir o destino dos anistiandos.
— Não há mais vontade política em conceder novas anistias. Prova disso são os mais 6.500 pedidos indeferidos na atual gestão. Nossa esperança está no Judiciário, já que os recursos na comissão são infrutíferos — diz o advogado Humberto Falrene, que defende perseguidos políticos na comissão.
Entre os casos pendentes está o da ex-presidente Dilma Rousseff, que foi presa e torturada durante o regime. O caso da ex-presidente, que requer a condição de anistiada e reparação econômica, já entrou e saiu da pauta de votação três vezes. Dilma não tem feito questão que essa composição da comissão julgue a perseguição que sofreu.
Sem pedido de perdão
Na Comissão de Mortos e Desparecidos, instituída no governo tucano Fernando Henrique Cardoso, o andamento não é diferente. Além da suspensão de diligências em busca dos restos mortais de opositores de regime, como os que atuaram na Guerrilha do Araguaia, os conselheiros também já revisaram casos de pessoas consideradas mortas nas mãos do Estado. Foram suspensas e revistas as certidões de óbitos de esquerdistas constando a real causa de suas mortes: “morte não natural, violenta, perpetrada pelo Estado brasileiro no âmbito de perseguição sistemática a opositores políticos”. Esse trecho foi abolido no atual governo, assim como, na Comissão de Anistia, desapareceu o ritual do pedido de “perdão” aos familiares. Na Comissão dos Mortos, Vera Paiva, filha do desaparecido e ex-deputado Rubens Paiva, e Diva Santana, irmã de Dinaelza Santana, ex-guerrilheira e desaparecida que atuou no Araguaia, são minoria e resistem aos novos entendimentos do conselho.
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— Infelizmente, isso vai aprofundando o débito que o Estado tem com essas famílias — diz a procuradora Eugênia Gonzaga, que já presidiu a Comissão de Mortos.
As ações de indiferença do governo com os que enfrentaram o regime de exceção são contínuas. O ministério de Damares fez um convênio com o Comando da Aeronáutica que prevê o uso de militares em intimações e notificações pessoais aos perseguidos políticos, em suas residências. Até agora, essa era uma incumbência dos Correios. São documentos sobre andamento e instrução dos processos, decisões, informação sobre prazo para recursos. A iniciativa incomodou militantes da esquerda, estudiosos e professores do assunto, que enxergam na ação uma nova perseguição e um processo de revitimização.
— Imagina a situação: eu entro com um requerimento dizendo que fui perseguida, torturada, barbarizada por militares e peço a declaração de anistiada política e a reparação. Aí, bate na minha porta um militar fardado para dizer que eu tenho que juntar prova disso ou daquilo, senão meu processo será indeferido. Isso é deboche. A Constituição me garante o direito de pedir reparação integral por ter sido perseguida política, e o que recebo é uma nova perseguição. Sou vítima novamente das mesmas Forças Armadas que 50 anos atrás me perseguiram e tornaram a minha vida quase insuportável — diz a historiadora e professora da UnB Eneá Stutz, que dirige um grupo de Justiça de Transição e integrou a Comissão de Anistia no passado.PUBLICIDADE
Damares ‘vira página’
A ministra Damares Alves minimiza as críticas a atuação das comissões e diz ser hora de “virar essa página”. Questionada pelo GLOBO se pretende encerrar as atividades das comissões, ela respondeu que “um dia não terá mais requerimento para analisar”. A ministra disse que baixou portarias com poderes de decisão monocrática porque havia uma “possibilidade eterna de recursos”.
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“A pessoa podia ter seu pedido indeferido dez vezes e ainda assim continuar recorrendo. Lembro que anistia significa esquecimento. A discussão do mesmo caso é uma ferida eternamente aberta. As famílias precisam de uma resposta”, disse Damares, em resposta por escrito, explicando que recebeu um passivo de 11 mil requerimentos para julgar. Hoje, restam cerca de 3 mil.
Sobre o fim das buscas dos desaparecidos, Damares afirmou lamentar que “os governos anteriores não tenham se esforçado mais para realizar essa localização enquanto era tempo, mesmo após investimento de tanto dinheiro público”.
O presidente da Comissão de Anistia, João Henrique Freitas, afirmou que em algum momento será necessário enfrentar a questão do encerramento dos trabalhos do colegiado. Ele conta que nesses 20 anos foram pagos R$ 14 bilhões em reparação, “apesar da realidade vivida pelos brasileiros”.PUBLICIDADE
“Somente este ano foram protocolizados 114 novos requerimentos de anistia solicitando indenização pecuniária. Não me parece razoável, com todo o respeito, considerando que já se passaram 42 anos desde a primeira Lei de Anistia, e a lista total de pessoas beneficiadas até agora inclui cerca de 39 mil nomes”, disse Freitas, em resposta por escrito.
O presidente afirmou que a lei que criou a Comissão de Anistia não impede a participação de militares ou de notórios defensores dos militares, mas disse que a análise dos casos é “justa”.
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O presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos, Marcos Vinícius Carvalho, afirmou que foram realizadas 36 expedições de busca de desaparecidos, que custaram R$ 23 milhões, “e nada se encontrou”. Ele se refere a buscas ocorridas no passado e afirma que irá transportar as ossadas que estão guardadas na Universidade de Brasília (UnB) para a Holanda, e verificar se é possível identificar o material.
Carvalho afirmou que a comissão faz esforços para manter a identificação das ossadas de Perus, um cemitério clandestino da ditadura militar, descoberto nos anos 1990.
Sobre a intimação às vítimas da ditadura, o Comando da Aeronáutica informou que se trata do cumprimento da lei que regula a administração pública, que tem unidades em todo o país para acessar os anistiando e que detém os dados cadastrais dos anistiandos.PUBLICIDADE
“O emprego dos recursos humanos da Força Aérea Brasileira (FAB) para prover as intimações e notificações pessoais que devem ser expedidas no âmbito dos referidos processos em curso na Comissão de Anistia representa importante economia para a Fazenda Nacional, em atenção ao princípio constitucional da eficiência da administração pública. A FAB possui unidades em todo o território nacional, bem como os dados cadastrais dos interessados e dos beneficiários submetidos a processo na Comissão”, informou o Comando da Aeronáutica.
Míriam Leitão: Um governo sem remédio
A inflação está de volta aos dois dígitos com seu efeito devastador sobre os mais pobres, num momento em que há um forte aumento da pobreza. Isso deveria estar no centro das atenções do governo, mas o presidente está ocupado em fazer campanha antecipada, em jogar a culpa dos problemas sobre os governadores. O Ministério da Economia não conseguiu formular uma boa proposta de combate à inflação, de redução da pobreza, e está num jogo de faz de conta fiscal.
Faz de conta que o teto de gastos está sendo respeitado, faz de conta que a Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo obedecida. O teto fica onde está, mas muitas despesas vão sendo depositadas sobre ele. E quanto mais despesas sobem, mais fictícia se torna essa trava fiscal. A ideia de financiar um novo programa social com receitas ainda a serem criadas é delirante. E sim, fere a LRF. O secretário especial de Fazenda, Bruno Funchal, diz que se o projeto do Imposto de Renda não for aprovado não haverá o novo programa. Isso é de tranquilizar, por um lado, mas não resolve a outra questão. Há necessidade de mais dinheiro para as transferências de renda. E isso é necessário porque os pobres ficaram mais pobres, e há mais pobres no país.
Na visão do mercado financeiro o que está claro é que o governo não quer cortar despesas para compensar a ampliação da rede de proteção aos mais pobres. Espaço há, como as emendas bilionárias de relator, que só servem para comprar o apoio dos políticos do centrão. A saída, então, será através do velho truque do aumento de impostos. Por isso subiu o IOF e o governo quer urgência na aprovação do seu projeto de IR. Ainda assim, as contas não fecham, porque existe a limitação do teto de gastos. A proposta inicial era ruim, foi piorada na Câmara e empacou no Senado. Não há qualquer certeza de que ela de fato vai arrecadar mais. O governo diz que o projeto será neutro, mas que com o aumento da receita vai financiar o programa. Ou é neutro ou aumentará a receita. Mas vários economistas estão prevendo que, na verdade, haverá perda de arrecadação. Os estados sabem que perderão.
O que o Brasil não precisa? De inventar um programa de transferência de renda só para tirar a marca do PT do Bolsa Família. E foi exatamente o que governo fez. Ele baixou uma Medida Provisória extinguindo o programa e criando o novo Auxílio Brasil, mas não sabe ainda como vai financiar. Enquanto isso, cria-se o que já existiu, como o vale-gás. Ele foi extinto quando o governo Lula eliminou vários programas para concentrar no Bolsa Família, porque uma política potente é melhor do que a pulverização dos programas sociais.
Tempo para formular ideias melhores houve. E foi desperdiçado neste improviso constante que domina o governo Jair Bolsonaro. O negacionismo é ruim em si mesmo e por todos os efeitos colaterais. Ele impede que o governo tenha uma visão da sequência dos eventos e planeje a ação pública. Bolsonaro achou que a pandemia seria curta, negou a segunda onda, combateu as vacinas, brigou com os dados, desuniu o país e só agiu empurrado. Agora, unido ao Ministério da Economia, o presidente lança mão de medidas populistas para ver se consegue reverter a queda forte de popularidade.
A inflação vai atingir, com o dado de setembro, 10,2% segundo o Banco Central. As famílias estão endividadas, empobrecidas, e os juros terão que subir porque o BC tem que cumprir seu mandato de atingir a meta de inflação. Seria melhor se o presidente não atrapalhasse tanto a economia, com suas ameaças, mentiras e ataques.
O Brasil já reduziu tanto a sua expectativa em relação ao comportamento adequado de um presidente da República que comemora o fato de ele não falar de golpe desde o dia 7 de setembro. O país vai contando os dias como se, por decurso de prazo, Bolsonaro fosse deixar de ser o que é. Nesse meio tempo ele usou descaradamente o dinheiro público em campanha antecipada, atacou os governos estaduais por causa do preço do combustível, mentiu inúmeras vezes, fez apologia de armas colocando uma criança no ombro com um fuzil de brinquedo na mão, ameaçou as famílias dizendo que quem não se armar terá que atirar com balas de feijão quando invadirem sua casa. Não há o que salve esse governo. Ele não tem remédio.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/um-governo-sem-remedio.html
Merval Pereira: Comunismo em xeque
Na China, não há mais referência ao comunismo, o socialismo ganha dimensão, mesmo à moda chinesa.
O anúncio do governo de Cuba de que empresas privadas poderão operar na ilha, no que chamam de “atualização do socialismo”, traz de volta o debate sobre modelos de governo totalitários que tendem a adotar, na visão ocidental, um “capitalismo de Estado”. A Constituição de Cuba já diz que o socialismo é regime político “irrevogável”, o que representou uma mudança importante, pois anteriormente o socialismo era apenas uma etapa para o comunismo.
Também na China, embora, ao comemorar o centenário do Partido Comunista Chinês, seu Secretário-Geral e presidente da República Popular da China Xi Jinping tenha reforçado uma visão marxista, não há mais referência ao comunismo, o socialismo ganhando dimensão, mesmo à moda chinesa. A revista "Qiushi", veículo teórico do Partido Comunista da China, publicou sexta-feira artigo de Xi Jinping em que pede que o marxismo seja compreendido e praticado, reforçando assim a confiança no caminho socialista.
Ele já havia ressaltado, na abertura das comemorações do centenário do PCCh, o papel central que o partido ocupa na sociedade chinesa. "Dediquem tudo, até mesmo suas preciosas vidas, ao partido e ao povo". Éric Li, cientista social e empreendedor de risco na China, define bem: “China tem muitos problemas, mas o sistema chinês estado-partido tem provado a todos uma extraordinária habilidade em mudar. Na América, você pode mudar de partido político, mas não pode mudar a maneira política de ele agir. Já na China, você não pode mudar o partido, mas pode mudar a maneira política de ele atuar”.
“Nesses últimos anos a China tem sido administrada por esse único partido e, ainda assim, as mudanças têm sido extensas e amplas, possivelmente maiores do que do que qualquer outro grande país. China é uma economia de mercado, mas não é um país capitalista. Não há jeito ou maneira de um grupo de bilionários controlar o comando das decisões politicas, como os bilionários americanos controlam os fazedores de politica dos partidos. Na China você tem uma economia vibrante, mas o capital não se sobrepõe às autoridades políticas. Capital não tem direitos eternos e entronizados. Na América, capital e juros se colocaram acima dos interesses na Nação americana. A autoridade política não pode auditar o poderio do capital, por isso América é um país capitalista, e a China não é.”
A crítica sobre o modelo chinês, que eles classificam de “meritocracia” e, no Ocidente, chamamos simplesmente de “ditadura”, está em discussão há muito na China, e ganha cada vez mais destaque à medida que o modelo ocidental de democracia representativa está em crise. A eleição de presidentes como Donald Trump nos Estados Unidos é usada para indicar que o modelo eleitoral é sujeito a distorções e corrupção, o que na China não aconteceria, pois os líderes, até chegarem ao topo do Comitê Central, passam por um longo processo de subida na hierarquia partidária, que seria uma seleção natural.
Xi Jinping projeta uma “Comunidade de Futuro Compartilhado para a Humanidade”, que seria fruto do Socialismo com Características Chinesas na Nova Era. No meu novo livro recém lançado, “Desafios da Democracia”, da editora Topbooks, há relatos de seminários de que participei na China nos últimos anos que debatem o chamado “modelo chinês”, que não seria simplesmente um "capitalismo de Estado" como comumente é conhecido no Ocidente, mas uma organização social que lida com valores específicos.
Até o momento o modelo chinês não leva em conta "valores universais" tais como liberdade, direitos humanos, democracia, fraternidade, mas lida com "valores fundamentais" como estabilidade, harmonia e desenvolvimento. Por isso que, no 72º aniversário da República Popular da China, o controle das grandes empresas tecnológicas, como exemplo o grupo Ali Baba, e outras big techs, tem sido perseguido pelo governo central, para deixar claro que o controle é do Estado, através do PCChc, e que a disfunção do capitalismo na distribuição de rendas não será tolerada.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/comunismo-em-xeque.html
Oposição a Bolsonaro mostra força, e "frente ampla" engatinha
Atos levaram milhares às ruas em todo o país. Partidos variados participaram da organização, mas em São Paulo esquerda se destacou
DW Brasil
Os protestos de rua realizados neste sábado (02/10) em diversas cidades do país e do exterior contra Jair Bolsonaro, a exatamente um ano das eleições de 2022, mostraram que a oposição ao governo segue capaz de levar pessoas para a rua, mas que uma "frente ampla" substantiva contra o presidente ainda está distante.
A pauta dos atos deu ênfase à crise econômica e social do país, com menções aos preços da gasolina e do gás de cozinha, à fome e ao desemprego. Na Avenida Paulista, uma estrutura inflável em frente ao Museu de Artes de São Paulo (MASP) representava um grande botijão de gás, com o preço de R$ 125.
Também eram presentes faixas e palavras de ordem pelo impeachment do presidente, apesar de faltarem as condições objetivas para isso no momento. Bolsonaro segue com apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a quem cabe deflagrar o processo de impeachment, e de parte significativa do Congresso e do Centrão.
Organização diversa, público nem tanto
Os atos deste sábado tiveram um arco de organizadores mais amplo do que as manifestações antibolsonaristas que vinham sendo convocados pela centro-esquerda e esquerda desde maio, puxados inicialmente pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo e pelo PSOL e que depois ganharam o apoio do PT e outras legendas.
Neste sábado, participou ativamente da organização, por exemplo, o Solidariedade, que apoiou o impeachment de Dilma Rousseff e chegou a indicar pessoas para cargos de segundo escalão no governo Bolsonaro, mas agora sinaliza apoiar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. A legenda é presidida pelo deputado federal Paulinho da Força (SP), que também é presidente licenciado da Força Sindical. Além do PT, do PSOL e do Solidariedade, estavam na organização dos atos deste sábado PC do B, PSB, Cidadania, PV, Rede e PDT.
As manifestações também tiveram o apoio do grupo Direitos Já!, criado em 2019 e que reúne dezenove partidos à esquerda e à direita, incluindo o PSDB, o PSL e o Novo. O movimento Acredito!, uma das iniciativas de "renovação da política", participou do ato. No carro de som, discursos ressaltaram a importância de ter "pessoas de todas as cores" contra o governo.
"Temos muitas divergências, mas temos uma unidade. Não queremos mais Bolsonaro governando este país", afirmou a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, de cima do caminhão de som. "O grito de hoje não é um ponto final, mas o início de uma caminhada que une os diferentes contra um desgoverno que quer restringir liberdades", disse a senadora Simone Tebet (MDB-MS), em mensagem gravada reproduzida em São Paulo.
O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), enviou mensagem reproduzida no ato em São Paulo. "Esse Brasil exige união de todos os democratas. O lado certo é o lado da resistência, da denúncia dos desmandos do atual governo", afirmou. O ex-senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) também enviou um vídeo com sua fala.
A participação de siglas à direita, porém, foi fragmentada e restrita a algumas pessoas. Lideranças importantes desse campo, como o governador paulista João Doria, do PSDB, não compareceram – ele estava fazendo campanha das prévias do PSDB em Minas Gerais. O Livres, movimento liberal suprapartidário, tampouco foi aos atos.
Márcio Moretto, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, foi ao ato da Paulista fazer uma pesquisa de campo e relatou à DW Brasil que havia nove caminhões de som na avenida, dos quais oito tinham uma clara orientação à esquerda.
No carro de som central, em frente ao MASP, ele notou um "esforço grande" dos organizadores para compor uma frente ampla de oradores, "mas os manifestantes não estavam tão abertos a essa amplitude toda". Ciro Gomes, do PDT, foi bastante vaiado durante a sua fala, assim como Paulinho da Força.
Em termos de comparecimento, as manifestações deste sábado foram significativamente mais amplas do que as de 12 de setembro, quando os grupos de direita Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua, que haviam convocado atos para aquela data, tentaram atrair setores da esquerda mas não encheram as ruas . Naquela oportunidade, não houve envolvimento direto de partidos na organização, e esquerdistas evitaram engrossar atos que tinham originalmente o mote "Nem Bolsonaro, nem Lula" – que foi retirado pelo MBL na véspera.
Mas, na Avenida Paulista, a impressão de Moretto é que o ato não superou o número de apoiadores de Bolsonaro que foram ao local ouvir o presidente no feriado de 7 de setembro. Na ocasião, os bolsonaristas adotaram como estratégia concentrar os protestos em São Paulo e em Brasília, em vez de se dispersar em cidades variadas, e a Polícia Militar estimou um público de 125 mil pessoas na capital paulista.
Segundo o portal G1, neste sábado foram registrados atos em 84 cidades do país, incluindo as 27 capitais. A Polícia Militar de São Paulo calculou um público de 8 mil pessoas na Avenida Paulista, enquanto os organizadores estimaram o público em 100 mil pessoas.
"Abaixo da expectativa"
O cientista político Bruno Bolognesi, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), avalia que os atos deste sábado ficaram abaixo da expectativa que havia sido criada pelas legendas em torno de uma suposta capacidade de mobilização da "frente ampla", e não foram capazes de oferecer uma "resposta satisfatória" diante dos atos bolsonaristas de 7 de setembro. "Não foi o suficiente para botar pressão e dizer 'somos maiores, temos mais gente'", diz.
Ele é cético quanto à tentativa de criação de uma "frente ampla" contra Bolsonaro comandada por partidos, que no Brasil, diz, em geral não refletem de forma orgânica as suas bases nem têm capacidade de mobilização de militantes.
"É uma ilusão achar que uma frente com 15 partidos vá mobilizar, pois não estamos em um país onde os partidos fazem sentido para seus militantes. O que mobiliza no Brasil são líderes carismáticos", diz. Bolognesi nota que a eventual ida de Lula ao ato poderia alavancar a participação de mais pessoas, mas o petista não tem ido às manifestações "por questões estratégicas de sua campanha".
Ele considera a tentativa de "frente ampla" "capenga", pois "o que aparece nas ruas não é frente ampla, é a esquerda, pois a direita e a centro-direita não conseguem mobilizar".
Bolognesi acrescenta que outro motivo para os atos deste sábado não terem sido mais cheios é que a pauta do impeachment de Bolsonaro perdeu força, pois "institucionalmente não há nenhuma vontade de fazer isso acontecer", o que teria um efeito desmobilizador.
"Diante das circunstâncias, um sucesso"
A cientista política Márcia Ribeiro Dias, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), tem uma avaliação diversa e diz que, diante de desafios atuais para levar a oposição a Bolsonaro às ruas, os atos deste sábado tiveram resultados muito positivos.
Entre esses desafios, ela menciona que o campo de oposição ao presidente está dividido entre um polo em torno de Lula e um polo de centro-direita que não aceita o ex-presidente como um possível líder de uma "frente ampla".
Além disso, Dias afirma que a prática de realizar protestos em finais de semana, segundo ela introduzida pela direita durante os atos pelo impeachment de Dilma, acabou sendo adotada pela esquerda, mas desfavorece esse campo. "A tradição da esquerda era fazer manifestação de dia de semana, para o trabalhador ir depois do expediente, para atrapalhar e chamar a atenção. É outra coisa mobilizar durante o final de semana", diz.
A professora da UniRio acrescenta que há pessoas que fazem oposição a Bolsonaro que ainda preferem não ir às ruas por causa da pandemia, e que mesmo assim as manifestações foram muito maiores do que as do dia 12 de setembro, convocadas por MBL e Vem Pra Rua. Ela também considera os protestos deste sábado mais significativos que os atos bolsonaristas de 7 de setembro, considerando a amplitude nacional. "Acho que foi um sucesso", diz.
O momento do governo Bolsonaro
O presidente enfrenta a sua pior aprovação popular desde o início do governo. Pesquisa realizada pelo PoderData em 27 a 29 de setembro mostra que 58% dos brasileiros consideram seu governo ruim ou péssimo, maior taxa desde que ele tomou posse. É a terceira pior marca para um presidente neste momento do mandato, e só perde para Michel Temer e José Sarney.
A alta na sua desaprovação ocorre em um momento de crise econômica no país, que vê a inflação anual se aproximar de 10%, com alta no preço de alimentos e da energia, como gasolina, gás e eletricidade – este último, em função da crise hídrica – e mais de cinco meses de uma CPI no Senado expondo má gestão e suspeitas de irregularidades na condução da pandemia de covid-19, que se aproxima da marca de 600 mil mortos.
A taxa de desemprego atingiu seu recorde da série histórica no trimestre encerrado em abril, em 14,7%, e recuou para 13,7% no trimestre encerrado em junho, mas ainda atinge 14,1 milhões de pessoas. Em abril, havia cerca de 27,7 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, o equivalente a 13% da população, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas divulgada em setembro – em 2017, essa taxa era de 11,2%.
O auxílio emergencial, transferência de renda mensal criada em abril de 2020 para amparar as famílias mais pobres afetadas pela pandemia, está programado para terminar neste mês de outubro. Bolsonaro chegou a anunciar que o substituiria por um novo programa Bolsa Família, com maior valor e para mais beneficiados, mas dificuldades orçamentárias e políticas do Planalto reduziram as chances de isso ocorrer. O governo estuda prorrogar o auxílio emergencial por mais alguns meses.
Por outro lado, além do prestígio junto ao presidente da Câmara, que protege Bolsonaro de um impeachment, a parcela da população que avalia sua gestão como boa ou ótima está estável há vários meses em cerca de um quarto da população. Quando Dilma foi afastada do cargo de presidente, 13% consideravam seu governo ótimo ou bom, e Fernando Collor deixou o Palácio do Planalto com essa taxa em 9%.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/oposi%C3%A7%C3%A3o-a-bolsonaro-mostra-for%C3%A7a-e-frente-ampla-engatinha/a-59387543
George Gurgel: Paulo Freire e os desafios da educação brasileira
Educação é parte integrante de formação da Cidadania e um dos fundamentos de modernização do Estado e da Sociedade
George Gurgel de Oliveira / Democracia Política e Novo Reformismo
No presente texto, fazemos algumas reflexões sobre a educação, como parte integrante de formação da Cidadania e um dos fundamentos de modernização do Estado e da Sociedade brasileira.
É a nossa maneira de homenagear o centenário de nascimento de Paulo Freire que, por toda a vida, buscou a inclusão social, através da educação, como o caminho mais democrático de transformação da sociedade. Lembrando ainda Anísio Teixeira e Darci Ribeiro, referências quando se fala em educação no Brasil, e o nosso incansável Cristovam Buarque, quixotes de uma educação a ser construída com a participação efetiva dos que, no dia a dia, fizeram e fazem a educação no Brasil.
Discussão oportuna face a atual realidade brasileira, em plena pandemia, desafiada a transformar o sistema nacional de educação frente à nossa difícil realidade política, econômica, social e ambiental, comprometendo as forças democráticas a pautar a questão da educação como um dos fundamentos de um Programa de Governo reformista a ser construído para as próximas eleições presidenciais, em 2022, com a participação efetiva da sociedade.
A educação brasileira continua enfrentando sérias dificuldades que vão se ampliando neste segundo ano de Covid-19, nos colocando o imperativo de avaliar o atual sistema educacional brasileiro nas suas vulnerabilidades e potencialidades, durante e pós Pandemia.
A sociedade contemporânea é herdeira da revolução industrial quando a ciência, a tecnologia e a educação profissionalizante começam a ser incorporadas nos processos de produção e distribuição de mercadorias, transformando o cotidiano da humanidade, construindo novas relações políticas, econômicas, sociais, culturais e espirituais da sociedade entre si e com a própria natureza.
Desde então, a base técnica, científica e educacional construída criou as condições materiais de resolver a maioria dos problemas sociais, econômicos e ambientais existentes, inclusive os desafios educacionais enfrentados hoje pelo Brasil e por toda a humanidade. A internet, a robótica, a micro-eletrônica, as tecnologias de informação, os novos materiais e as energias renováveis entraram definitivamente nas nossas vidas, transformando as relações sociais estabelecidas, modificando a maneira de ser e estar das pessoas em sociedade.
Como os que trabalham com educação, o alunato e a sociedade em geral estão dialogando e vivendo estas novas realidades educacionais em plena Pandemia e quais seriam os desafios imediatos da educação brasileira?
Os educadores, as organizações acadêmicas, científicas e tecnológicas estão desafiados a enfrentar e superar os antigos e novos dilemas em defesa de uma educação pública de qualidade frente às transformações em curso que estão acontecendo nesta área. As atividades educacionais, hoje realizadas à distância, deverão continuar e ter um papel de destaque durante e pós a Pandemia, podendo consolidar-se um sistema híbrido presencial e à distância, refletindo as mudanças e as novas relações entre formas, conteúdos e resultados pedagógicos diante desta nova realidade.
O que deve permanecer e o que deve mudar em relação à educação brasileira?
A partir da Constituição de 1988, melhorias vêm acontecendo, inclusive com alguns bons resultados, nos últimos anos. No entanto, em uma velocidade que fica muito a desejar considerando a atual realidade educacional – são mais de 10 milhões de analfabetos no Brasil, além dos analfabetos funcionais. Ainda há que considerar os impactos causados pela própria Pandemia e os desafios econômicos, sociais e ambientais da maioria da sociedade e a necessidade de colocar a educação como fundamento estratégico de afirmação e transformação da sociedade brasileira frente à sociedade mundial.
A inexistência de um Sistema Nacional de Educação (SNE) dificulta e muito uma visão mais abrangente da educação brasileira, a curto, médio e longo prazos. Embora previsto já na Constituição de 1988 e no artigo 13 da Lei que institui o Programa Nacional de Educação (PNE), o SNE - que deveria ser constituído até 2016 - ainda não o foi no Brasil.
Assim, as demandas e as contradições da educação brasileira vão se acumulando nas últimas décadas, hoje desnudadas com a Pandemia, impondo mudanças urgentes frente à nossa realidade. Como não destacar, por exemplo, uma dessas maiores contradições: em geral, as melhores Escolas de Educação Básica no Brasil são privadas e as melhores Universidades são públicas - uma parcela significativa dos estudantes de Escola Pública, do ensino básico, vão estudar à noite, em faculdades privadas, muitos sem direito a diploma no final do curso, por não serem reconhecidas pelo Ministério da Educação.
Portanto, é urgente a criação de um Sistema Nacional de Educação como espaço institucional de diálogo com todos os atores políticos, econômicos e sociais que nos leve à equidade educacional como política de Estado e de toda a Sociedade no caminho da otimização dos recursos materiais e da inteligência nacional em prol de uma educação de qualidade no Brasil.
Neste contexto, deve-se incorporar todas as experiências educacionais bem sucedidas nos últimos anos no Brasil. Sejam elas da área federal, estadual ou municipal como também de escolas privadas ou mantidas por fundações e ONGs educacionais. A partir de parâmetros educacionais federais, todas estas escolas e universidades seriam avaliadas e incorporadas, quando bem avaliadas, ao Sistema Nacional de Educação ora proposto.
Neste processo de transição para a construção de uma educação de excelência no Brasil, com foco nas regiões de menor Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (IDEB), a área federal deverá ter um papel de destaque. A estratégia de federalização da educação pública brasileira aconteceria em função das prioridades destacadas no próprio PNE, criando as condições para a melhoria do IDEB em níveis e conteúdos educacionais de excelência, compatíveis com as demandas educacionais dos Estados e Municípios, considerando a realidade social e econômica onde estão inseridos.
Assim, o Governo Federal deveria também assegurar, de maneira permanente, os recursos financeiros, a viabilidade técnica e pedagógica do planejamento e da gestão das demandas federais, estaduais e municipais que alavancariam as regiões de menor IDEB, em cooperação com o Estado e os Municípios da região em questão. Aqui as experiências educacionais bem sucedidas das Fundações, ONGs e Organizações privadas seriam avaliadas a nível federal e, quando aprovadas, incorporadas neste esforço nacional de melhoria da educação pública brasileira.
O conceito de sustentabilidade social, econômica e ambiental nos ajuda nesta construção. Deve nortear, de uma maneira transversal, todo o processo de elaboração e viabilização de uma política de educação no Brasil, considerando as distintas realidades sociais, econômicas e ambientais nos planos nacional, estadual e municipal, como instrumento de transformação da vida de cada uma das crianças e da juventude brasileira, em todo o território nacional.
O Governo Federal, dialogando com as diversas representações existentes na área de educação do Estado, do mercado e da sociedade civil em geral, deve com a urgência devida realizar uma ouvidoria da realidade atual da educação brasileira, a partir da educação básica, diagnosticando os avanços e limites do atual PNE.
A partir do conhecimento da realidade atual da educação pode-se construir, em discussão com a sociedade brasileira, um Sistema Nacional de Educação que venha a implementar um Plano de Metas Educacionais para o horizonte dos próximos 5, 10, 20, 30 anos.
São os desafios de uma nova política de educação para o Brasil que devem avaliar a realidade educacional existente, a instabilidade vivida atualmente pelo próprio Ministério de Educação, sem uma política nacional clara para enfrentar os complexos desafios da nossa realidade educacional, funcionando sem a devida integração com os Estados e Municípios, demonstrando como o Governo Federal enfrentou e está enfrentando a situação educacional já no segundo ano de Pandemia. As perdas de aprendizado, individuais e coletivas, são significativas e ainda estão por ser devidamente avaliadas. Esta situação tem atingido diretamente os(as) trabalhadores(as), os(as) educadores(as) e os milhões de alunos(as) de escolas públicas que continuam sem as condições de estudar à distância, em suas casas, desorientando-os(as) e sem um devido apoio governamental que os(as) ajude a superar esta triste e preocupante realidade.
Esta situação tem atingido diretamente os(as) trabalhadores(as), os (as) educadores(as) e os milhões de alunos(as) de escolas e universidades públicas que continuam sem as condições de estudar à distância em suas casas, desorientados(as) e sem um devido apoio governamental que os(as) ajude a superar esta triste e preocupante realidade.
A agenda nacional da área de educação, a ser pactuada pela sociedade brasileira, deve realizar as reformas educacionais, pensando a educação brasileira no presente e no futuro imediato, considerando as suas especificidades e as desigualdades regionais. A construção de um modelo educacional nacional deve incorporar a educação, a ciência e a tecnologia como valores estruturantes e estratégicos, integrado a um projeto nacional para a melhoria da qualidade de vida da infância e da juventude dos brasileiros e brasileiras com uma atenção devida aos(às) professores(as) e trabalhadores(as) da área de educação.
Finalmente, a agenda nacional da área de educação, a ser pactuada pela sociedade brasileira, deve enfrentar os reais problemas educacionais agravados com a pandemia: realizar as reformas educacionais pensando a educação brasileira no presente e no futuro imediato, considerando as suas especificidades e os desafios regionais. A construção de um modelo educacional nacional deve incorporar a educação, a ciência e a tecnologia como valores estruturantes e estratégicos, integrados a um projeto nacional para a melhoria da qualidade de vida da infância e da juventude dos brasileiros e brasileiras, com uma atenção devida aos professores e trabalhadores da área de educação.
São os desafios a serem superados. Seremos capazes?
Uma contribuição recente para enfrentarmos os desafios e os dilemas da educação brasileira é a publicação e a discussão em andamento realizadas pela Fundação Astrojildo Pereira. A Revista Política Democrática, publicada recentemente: A Educação Presente e o Futuro, reúne textos e análises sobre o presente e o futuro da educação brasileira. Destaque-se o Manifesto: Por um Sistema Nacional Único de Educação, do Professor Cristovam Buarque, como uma colaboração efetiva nesta direção (Revista Política Democrática, ano XXI, nº 57, www.politicademocratica.com.br).
*Professor Doutor da Oficina da Cátedra da UNESCO - Sustentabilidade da UFBA e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia
Empresários cobram protagonismo do Brasil na Conferência do Clima
No documento, que será encaminhada ao governo, 107 companhias listam ações para reduzir as emissões de carbono
João Sorima Neto / O Globo
SÃO PAULO — De olho na Conferência sobre o Clima, a COP-26, que acontece em novembro na Escócia, um grupo de 107 empresas e dez entidades setoriais do país pede que o Brasil retome o protagonismo em defesa da agenda verde global e defende metas ambiciosas para a transição para uma economia de baixo carbono.
Presidentes de empresas como BRF, Bradesco, Alcoa, Cargill, Braskem assumem que têm responsabilidade no combate às mudanças climáticas e assinam a carta "Empresários pelo Clima", que deve ser entregue ao governo para ser levada à COP-26.
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"O mundo precisa caminhar com urgência para um economia de baixo carbono e o setor empresarial reconhece sua responsabilidade nessa transformação. O Brasil tem vantagens comparativas extraordinárias na corrida para alcançarmos uma economia de emissões líquidas de carbono neutras valendo-se de nossos recursos naturais", diz um trecho da carta.
Os empresários defendem planejamento estratégico para o crescimento sustentável e o combate às mudanças climáticas. O documento observa que o setor produtivo está trabalhando para recuperar o país dos efeitos da Covid-19, promovendo uma retomada verde, com base na chamada economia circular, de baixo carbono e inclusão.
Carbono neutro até 2050
"As empresas do Brasil já vem adotando medidas para a redução e compensação das emissões de gases causadores do efeito estufa, investimentos em tecnologias verdes e estabelecimento de metas corporativas ambiciosas de neutralidade climática até 2050", diz o texto.
A questão climática tem colocado o Brasil no centro de uma polêmica no exterior recentemente. Assustados com o desmatamento na Amazônia e grande queimadas que atingem o país, grandes investidores e companhias que importam produtos brasileiros têm cobrado do governo cada vez mais ações práticas na proteção do meio ambiente.
Sem essa postura, o Brasil corre o risco de assistir a uma debandada de investidores,a lém de sofrer represálias de empresas internacionais que compram produtos do agronegócio brasileiro.
Ações corporativas: Falta de padronização dificulta avaliação de dados ESG das empresas
O documento será apresentado a diversos ministros, entre eles Paulo Guedes, da Economia, e Tereza Cristina, da Agricultura. A presidente do CEBDS, Marina Grossi, afirmou que o encontro com Guedes já está marcado. Segundo ela, há disposição dos ministros em realizar esses encontros e aprofundar-se nos dados, que podem trazer mais competitividade ao país.
— É preciso um passaporte verde para exportar nossos produtos agrícolas, com rastreabilidade e sem o carimbo de desmatamento. Virou 'uma chave' nos empresários: não basta só falar, tem que demonstrar ação — afirma.
Lorival Luz, presidente da BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, uma das empresas signatárias do documento, afirmou, em nota, que a empresa está determinada a fazer mais e com maior rapidez ao longo da cadeia de produção. Para chegar à meta de ter zero emissões de carbono até 2040 a BRF estabeleceu quatro frentes de atuação, como compra sustentável de grãos, estímulo à agricultura de baixo carbono, aumento do uso de energia renovável e incremento da eficiência operacional.
"Entendemos que na BRF e no setor privado só alcançaremos a urgência necessária na descarbonização das operações com envolvimento de todos", escreveu Luz.
Ricardo Carvalho, presidente da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) disse que ao assinar o documento a empresa reafirma o compromisso com o clima, por meio de uma agenda que prevê a oferta de alumínio de baixo carbono, desenvolvimento social e atuação em toda a cadeia de valor.
— Sabemos que, quando se trata de sustentabilidade, não existe uma linha de chegada. Há sempre mais a ser feito. Por isso, acreditamos que um futuro melhor e mais sustentável é mais colaborativo e demanda engajamento de todos os setores, bem como da sociedade.
A diretora executiva do Bradesco Glaucimar Peticov diz que a carta dos Empresários pelo Clima reforça a importância do comprometimento mais amplo da sociedade e de uma ação conjunta a favor de objetivos climáticos ambiciosos. Ela lembra que os últimos acontecimentos no Brasil, como as altas taxas de desmatamento, desencadeiam uma séire de prejuízos, que podem ser agravados por uma participação secundária na Cop-26.
— Chegamos a um novo patamar de gestão climática. Vemos importância na união das empresas e lideranças para elevar o Brasil a uma posição de destaque — diz Peticov.
Alem das empresas, entidades empresariais como Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Associação Brasileira do Alumínio (Abal), Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Associação Brasileira e Sindicato Nacional da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq/Sindimaq)também assinaram o documento.
Ações mais práticas
Em discurso na abertura da 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro usou dados distorcidos para exaltar a política ambiental.
Bolsonaro citou dados fora de contexto para dizer que o desmatamento na Amazônia diminuiu. Entre janeiro e agosto de 2021, o desmatamento na Amazônia alcançou 7.715 km², o que equivale a cinco vezes o tamanho da cidade de São Paulo e representa aumento de 48% em relação ao mesmo período de 2020.
Os dados são do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Diante desse quadro, empresas já vêm cobrando do governo ações mais práticas em sua política ambiental por conta da péssima imagem do país no exterior e de possíveis prejuízos financeiros com boicote a produtos brasileiros.
Em julho, por exemplo presidente de 40 empresas como Natura, Klabin, Shell, Itaú e Bradesco, entre outras, cobraram do Executivo, Legislativo e Judiciário cobrando ações no combate ao desmatamento, sob risco de prejuízos financeiros para o país.
A iniciativa de elaborar o documento foi do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). O Conselho representa cerca de oitenta grupos empresariais com atuação no Brasil, responsáveis por 47% do PIB brasileiro e 1,1 milhão de empregos.
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Receita de R$ 951 bilhões
Das 107 empresas, 46 têm capital aberto e somam uma receita líquida de R$ 951 bilhões. Assinam a carta representantes de companhias do agronegócio, alimentos, aviação, elétrico, farmacêutico, finanças, infraestrutura, logística, papel e celulose, petroquímico, saúde, tecnologia, telefonia e varejo.
O documento será entregue a autoridades brasileiras envolvidas na agenda de combate às mudanças climáticas. O texto foi apresentado previamente ao presidente da COP-26, Alok Sharma, durante visita ao Brasil, em agosto passado, para reforçar o compromisso do setor empresarial com a neutralização das emissões.
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Entre as medidas propostas pela carta estão o apoio à proposta de mercado de carbono regulado no Brasil. O tema está em discussão no Congresso Nacional e o setor privado gostaria de ver a iniciativa aprovada antes da COP-26.
Segundo as empresas, uma transição rápida para uma economia de baixo carbono é possível e desejada. As empresas dizem que o Brasil pode antecipar sua meta de redução das emissões de gases do efeito estufa.
Soluções para mudanças climáticas
Um estudo com apoio do Cebds mostra que o país pode diminuir essas emissões em até 42% já em 2025, em relação aos níveis de 2005. O compromisso do governo brasileiro é de uma redução de 43% até 2030.
— Nós não só sabemos combater as mudanças climáticas como já temos as soluções. O setor empresarial brasileiro tem adotado ações corporativas concretas, como o preço interno de carbono e as metas de neutralização, assim como está liderando iniciativas de políticas climáticas públicas com instrumentos de mercado e inclusão social. A COP-26 será uma oportunidade para compartilhar esse comprometimento e reforçar nosso engajamento mundial — disse a presidente do CEBDS, Marina Grossi.
Ações práticas: Empresários cobram do Congresso retrocesso em questões ambientais
Muitas empresas já identificaram os impactos climáticos gerados pela sua operação e estão ajustando seus processos para modelos mais sustentáveis, inclusive companhias que assinam o documento.
O grupo de empresários avalia que o Brasil tem vantagens comparativas únicas na corrida para alcançar uma economia de emissões líquidas de carbono neutras. Mas para isso, "o país precisa de um arcabouço político-regulatório que apoie essa trajetória dentro de um compromisso firme, com ações eficazes para o fim do desmatamento ilegal e a conservação do meio ambiente", diz o documento.PUBLICIDADE
— Temos ambição climática e nossas empresas contam cada vez mais com metas de neutralização baseadas na ciência, utilizando parâmetros criteriosos de governança corporativa, social e ambiental (ESG) — diz Grossi.
Ela observa que a maior biodiversidade, o uso de matriz de energia limpa, com 85% de fontes renováveis, fazem o Brasil ter vantagem em relação a outros países para a transição a uma economia de baixo carbono. Ela afirma que o maior problema do país está ligado ao desmatamento, já que 98% dele é ilegal.
Paulo Fábio Dantas: Atos democráticos contrastam com os mil crimes de cada dia
Tendo os mil dias como pretexto inicial, as usinas de fake news voltaram a operar intensamente
Paulo Baía / Democracia e Novo Reformismo
Ainda não há número razoável de pesquisas para captar com segurança algum virtual efeito sobre a avaliação de imagem e sobre o nível de rejeição de Jair Bolsonaro que possa ter havido a partir de 9 de setembro, o dia da carta em que recuou da escalada golpista que culminara nos atos do dia 7. Seguiu-se uma distensão na sua atitude, o que levou parte dos analistas a supor que ele chamaria de volta à cena o Bolsonaro 2, mais contido e razoável. Afinal, era a conduta racional óbvia a seguir, diante da queda livre nos seus índices de popularidade e do isolamento político em que se metera. Amigos de fato (se é que os tem) devem ter lhe dito que valia, ao menos, testar a inflexão, para tentar reverter o desastre.
Parece que não haverá tempo para captar coisa alguma. A tal distensão logo se converteu em campanha eleitoral aberta (que em si mesma já é um delito), cenário propício para Bolsonaro voltar a ser o Bolsonaro de quase sempre. Tendo os mil dias como pretexto inicial, as usinas de fakenews voltaram a operar intensamente, elegendo alvos habituais de combate. Comunismo, homossexuais, a China e - é claro - Lula e o PT voltaram a ser temas privilegiados de suas taras retóricas, que são a base “conceitual” das fakenews.
Poupo os leitores de previsões sobre efeitos dessa recaída em índices de pesquisa. É preciso notar, por outro lado que, pela enésima vez, se revela o lugar que eleições ocupam na escala de prioridades de Bolsonaro. Lugar complexo, que é de prioridade no seu texto, mas no subtexto a prioridade é o movimento contra elas, para esterilizá-las, se possível ensanguentá-las e, no limite, cancelá-las. A cada dia é menos crível que tenha sucesso, mas ele segue nessa toada, como é da sua natureza. Se sucumbir, apesar de sua vontade indômita, ou por causa dela, quer levar muitos consigo, se possível a humanidade toda.
Trata-se do exercício pleno de um direito de natureza superficialmente hobbesiano (direito a fazer tudo que seu apetite quiser, por meios que seu cálculo indicar). Em sua versão bolsonarista, esse suposto direito não conhece limite de qualquer lei, nem mesmo da primeira lei de natureza que Hobbes sugere como uma lei racional de autopreservação. Ela indicaria ao apetitoso celebrar alguma paz, por ver também nos demais o potencial egoístico e destrutivo que reconhece em si. Esse cálculo racional seguinte ao movimento (também “natural”) de fazer a guerra, faria, do” homem lobo do homem”, um sujeito racional, com senso de perigo, ainda que dotado de razão limitada, guiada por instinto. O lobo que nos sequestra, tosco, temerário e criminoso, ofende a complexidade do homem hobbesiano e segue, na ignorância de si e do mundo, instando um país a pular com ele na vertical do precipício, endereço oposto ao que pode nos levar a política, sua maior inimiga.
É compreensível que uma sociedade assim sequestrada, como a do Brasil atual - onde vigora uma república democrática altamente inclusiva do ponto de vista eleitoral e governada num sistema presidencialista - resista institucionalmente, como corpo social e nacional (sociedade política e sociedade civil) e, ao mesmo tempo, busque, ao se constituir em eleitorado, sua salvação em quem encarne a ideia de política, na sua comunicação concreta com o cotidiano das pessoas comuns. Felizmente os dois movimentos estão ocorrendo e mostram que o país não está inerte, apesar da dor. Da reação institucional e civil resultam o relativo isolamento político e a contundente rejeição popular a Bolsonaro. Sua tradução pré-eleitoral é, no momento, a confortável liderança de Lula nas pesquisas. Engana-se quem tiver a visão toldada por certas idiossincrasias de cunho partidário. Os dois fenômenos são complementares. São, respectivamente, as faces republicana e democrática de um só movimento de autopreservação do país. A face republicana (a reação institucional e politicamente unitária em defesa da democracia) é perene, conservadora, como um firmamento e é bom que assim seja. A face democrática (liderança de Lula nas pesquisas) é, por definição, mais dinâmica e, como as nuvens no firmamento, está sujeita a deslocamentos visíveis, sem comprometer o sentido geral do movimento.
Proponho que se analise, sob essa moldura, as manifestações contra Bolsonaro, marcadas para este sábado. Escrevo antes que tenham ocorrido, logo, evitarei previsões imprudentes sobre seu nível de sucesso ou insucesso, em termos de afluência de público e, também, ilações prévias sobre como os atores políticos diversos as interpretarão a partir da noite de hoje. Sobre o que é esperado (ao menos do ponto de vista lógico, que, como sabemos, não é o único ponto de vista válido numa conjuntura como essa) pode-se dizer apenas que quem está contente com Bolsonaro deve torcer para que fracassem e recepcionará de modo simpático qualquer versão, real ou fake, que constate o fracasso. Inversamente, quem está descontente com o que se vive no Brasil engrossará a manifestação e/ou torcerá por elas. Aqui também se deve reparar em textos e subtextos.
Há visível e meritório esforço para divulgar esses atos de modo amplo, digo mesmo plural, evitando-se sua apropriação prévia por esse ou aquele partido. Do mesmo modo evita-se realçar os aspectos eleitorais que, objetivamente, estão envolvidos no ambiente político em que se dá a iniciativa. Há um evidente contraste entre esse tom moderado e precavido e a despudorada apelação eleitoral da insólita “celebração” bolsonarista dos seus mil dias de catarse, respectivos aos mil dias que já dura o infortúnio, para a maioria da nação. Um Henrique VIII de fancaria, que já cercado de varões de sangue, não pode, contudo, obrigar o povo a aceitar essa herança. Por isso insiste em sacrificar eleições e tudo o mais que há de feminino ao nosso redor, em busca de entregar o futuro do país a milícias de machos toscos e sanguinários, que hoje formam um séquito para ele e seus rebentos numerados.
Haverá quem diga que nas aventuras golpistas e machas de Bolsonaro sobra autenticidade, quem sabe até sinceridade, enquanto em atos políticos liberal-democráticos a dissimulação é a marca. Sociedades sofrem muito até compreenderem que a política é dissimulação benfazeja, se vista sob o prisma da representação. É ela, a representação, que permite (e obriga) ao político agir na direção de algo mais, além do seu interesse particular. Ao se dirigir a um ato público perante cidadãos mobilizados, ou ao falar com o eleitor que se dirige à urna, o político democrático procura, seja por convicção ou por sobrevivência (e uma coisa não anula a outra), prestar atenção nas aspirações e interesses desse público e colocar seus próprios interesses e expectativas em interação com eles. Por isso, um potencial candidato contém sua “sinceridade” ao perceber que as pessoas comuns ainda não estão se preocupando centralmente com a eleição e sim com coisas que afligem mais objetivamente o seu cotidiano e que podem fazê-las protestar contra Bolsonaro. Mais adiante votarão em alguém, mas atrapalha quem quiser fazê-las decidir seu voto agora.
O mesmo político que tem esse senso de limites e sabe calibrar seus desejos na dose e proporção corretas em que possam ser compartilhados por quem, afinal, é o senhor do seu futuro político, também sabe que não está na mesma posição objetiva do cidadão comum e eleitor. Se confunde realmente a sua posição de representante com a dos representados, ele é um descompreendido que deveria estar em outro lugar diferente da política. Se não confunde e faz de conta que confunde essa não é uma dissimulação benigna porque deseduca. Ele dissimula e adia a exposição de suas motivações não em respeito à prioridade das motivações do eleitor, mas no intuito de confundi-lo, tentando ocultar sua condição de parte da elite política, ou de aspirante a essa condição. Uma das coisas mais importantes para a maturidade de uma república democrática é a compreensão realista, por parte dos cidadãos e cidadãs, de que ela não é o governo do povo, mas sim o governo de governantes escolhidos pelo povo e exercido através de mandatos e partidos. Quem esconde isso dos seus eleitores pode se considerar democrata ou até sê-lo, em certo sentido. Mas será, principalmente, um demagogo.
Então que seja bem-vinda, no presente momento, a dissimulação das motivações eleitorais de políticos e partidos que apoiarem ou aparecerem nas manifestações de hoje. O país agradecerá por essa prioridade concedida à sua necessidade de protestar contra o que aí está. Mas isso não isenta o analista da conjuntura política de interpretar os movimentos dos vários atores políticos, pois eles, apesar de contidos pelas circunstâncias e limites da sua missão representativa, não podem e não devem deixar de agir estrategicamente. É exigência básica do ofício, que a sociedade deve fazer à elite política para que seja eficaz
Foi feliz a senadora Simone Tebet, ao se manifestar no modesto, mas significativo ato da Avenida Paulista, em 12 de setembro último. Disse ela que ali estavam reunidos o centro e a direita democráticos, que em outubro seria a vez da esquerda e que ela acreditava ser possível, em novembro, todos estarem reunidos num ato só. A sabedoria da fala consiste em, ao mesmo tempo, pregar a unidade e reconhecer, de modo realista, a diversidade que faz a sua construção ser complexa e por isso exige um tempo político para ser veraz.
Pois bem, chegou o dia da esquerda se submeter ao teste das ruas. Por mais que ela tenha dividido, estrategicamente, a convocação dos atos com outras forças, essa sabedoria prática (política) não revoga o fato de que é ela, a oposição de esquerda, a mola propulsora da mobilização de hoje. Políticos de centro e de direita nada perderão se reconhecerem isso. Assim como não perderão se admitirem o que salta aos olhos, isto é, que a esquerda tem uma capacidade de mobilizar muito maior. Ir além do óbvio é dever de quem pensa. Tentar negá-lo é erro crasso de quem age. Ademais, qualquer iniciante em política sabe que isso não é predição de necessário sucesso eleitoral. Há vários exemplos de situações políticas em que mobilizações da esquerda nas ruas abriram caminho a soluções políticas de centro pelas urnas. São exemplos de sinergia positiva entre esquerda e centro. Outros exemplos, agora de sinergia negativa, ocorreram quando manifestações volumosas da esquerda (como a do “elle não”, a uma semana do segundo turno de 2018) ajudaram à agregação do eleitorado conservador em torno de um proto-fascista como Bolsonaro. Em parte, isso depende do tom e sentido da mensagem política emitida por um ato público. Na maioria das vezes dá em desastre dizer em público o que se diz sob o teto da sua cozinha.
Penso que os atos desse sábado estão distantes desse erro. As cozinhas mais importantes estão fechadas em público e se pretende que o ato transcorra no salão principal, onde a moderação é a regra. Mas principalmente os políticos de centro ou de centro-direita que a ele comparecerem não podem se iludir ou fazerem de conta que não sabem quem é o sujeito oculto das festas que se farão Brasil afora, mesmo se o anfitrião real, sabiamente, se fizer representar por terceiros e, no caso de São Paulo - o salão principal - pelo terceiro que o representou até na urna, mas que agora, ao que tudo indica, terá sua missão limitada ao eventos preliminares, ou eventos-teste, como esse de hoje. Treino é treino, jogo é jogo. A folha seca não precisa vir agora e a rigor não se sabe de quem ela partirá, na hora devida.
Se Lula está, ao que parece, se contendo em limites convenientes ao que pode vir a ser uma candidatura ampla, de envergadura maior que sua própria trajetória como personagem do campo da esquerda (ainda que tenha um dia dito não ser de esquerda, hoje isso poderia ser um sincericídio, mas pode deixar novamente de ser, daqui a pouco), a contenção que se espera de quem pode vir a ser seu parceiro conflitivo num eventual futuro palanque é a de quem sabe o terreno em que pisará hoje e por isso pisará devagarinho. São todos convidados a uma festa que tem dono, por mais que venha a ser uma festa ampla e aparentemente gratuita, com direito a assinaturas colegiadas no convite formal.
Há dois tipos de visitas indesejáveis e incômodas em qualquer festa, mesmo as feitas oficialmente para apenas protestar: o puxa-saco e o bicão. O primeiro quer mimetizar os anfitriões, ostentar afinidades e sintonias artificiais e com isso enche o saco e granjeia desprezo. O segundo disputa protagonismo, é capaz de querer fazer as honras da casa aos desavisados, aparecer como parceiro nos bem-feitos e/ou crítico dos malfeitos da família. Para esse aí o primeiro remédio – “dar gelo”, que pode funcionar melhor com puxa-sacos – pode não bastar e aí os anfitriões podem tratá-lo como penetra e chamar a segurança.
Os que perseguem (no bom sentido) a terceira via não precisam proferir a palavra maldita. Cão que late não morde. Cabe ser educado na casa alheia, comportar-se como visita sensata, mas altiva, mesmo se convidada a se sentir em casa. E seguir trabalhando seu campo político para que chegue ao grau de agregação política e densidade eleitoral ao qual a esquerda chegou, não importa por quais caminhos ou com qual discurso ou programa. Importará sim, e muito, na hora de se dirigir ao eleitor, se o golpista que ocupa o governo já não oferecer perigo, nem de reeleição, nem de promover caos. Mas não nesse momento de ato unitário contra ele, quando o primeiro perigo saiu do horizonte, mas o segundo não.
*Cientista político e professor da UFBa.
Fonte: Blog Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/10/paulo-fabio-dantas-neto-gestos.html
Everardo Maciel: O Senado deve aprovar a reforma do IR como está? Não
Projeto promove descapitalização e aumento do endividamento das empresas
Everardo Maciel / Folha de S. Paulo
A legislação do Imposto de Renda no Brasil tem, sem lugar a dúvidas, imperfeições, da mesma forma que a legislação de todos os países. A despeito disso, é reconhecidamente uma das mais simples e eficientes do mundo, inclusive em termos arrecadatórios, como bem demonstra hoje o excepcional desempenho das receitas federais.
Contra esse exitoso modelo propôs-se uma reforma do IR, que não foi demandada por nenhum contribuinte e atropelou o processo legislativo na Câmara, sendo votada sem debates públicos e sem a apresentação de estimativas confiáveis quanto às suas repercussões sobre contribuintes e entes federativos.
Vou concentrar-me nos seguintes pontos do projeto: elevação do limite de isenção da pessoa física, tributação dos dividendos e extinção dos juros do capital próprio.
Reajustar o limite mensal de isenção do IR das pessoas físicas de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 é uma boa iniciativa, mas é preciso sublinhar que, ao menos entre os contribuintes que se encontram entre essas duas faixas de renda, o ganho máximo será de R$ 7,20 mensais, insuficiente portanto para comprar um quilo de pão.
O Brasil tributou lucros e dividendos por mais de 70 anos. A ineficácia dessa sistemática é que inspirou a não incidência do IR, a partir de 1996, na distribuição de dividendos, no contexto de uma ampla reforma na tributação da renda, bem recebida pelos contribuintes e que propiciou, entre 1996 e 2020, um crescimento real de 117% na arrecadação do IR corporativo, cuja participação no PIB aumentou em 50%.
Investimentos em empresas almejam, obviamente, retorno do capital investido, que se efetiva pela distribuição de dividendos. Esse retorno é impactado pela tributação dos lucros e dos dividendos, isolada ou conjuntamente.
Quando temos tributação de lucros e dividendos há sempre algum tipo de integração, porque as duas incidências se interconectam. Ao estabelecer a tributação exclusiva nos lucros, o Brasil, assim como mais de 20 países, optou pela integração completa. O projeto perfilha a desintegração total, comprovadamente malsucedida.
Em favor da incidência exclusiva nos lucros militam as seguintes razões: maior simplicidade, prevenção da sonegação associada à distribuição disfarçada de lucros, mitigação do planejamento tributário abusivo, menor vulnerabilidade arrecadatória em decorrência de virtuais restrições à distribuição de dividendos e maior liberdade nas opções de investimento.
A instituição dos juros do capital próprio representou uma alternativa, mais elaborada, à prevenção da tributação sobre lucros ilusórios, como pretendia a dedutibilidade da correção monetária do patrimônio líquido, que, além de premiar as grandes empresas, preservava a correção monetária em desfavor do Plano Real. Afora isso, aquele instituto promovia um relativo equilíbrio entre a capitalização mediante empréstimos ou investimentos diretos.
Com os juros do capital próprio, o Brasil conquistou uma liderança em termos de inovação de política tributária. Estranhamente, pretende-se sua extinção justamente quando a União Europeia, em maio passado, aconselhou sua adoção nos países que a integram.
Enfim, essa contrarreforma tributária promoveria a maior desorganização empresarial dos tempos recentes, com descapitalização e aumento do endividamento das empresas, em contexto de desemprego, risco fiscal, baixo crescimento do PIB e inflação.
*Everardo Maciel é Consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal (governo FHC, 1995-2002)
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/10/o-senado-deve-aprovar-a-reforma-do-ir-como-esta-nao.shtml
Aquecimento pode expor 12 milhões de brasileiros a nível intolerável de calor
Estudo mostra como desmatamento na Amazônia e mudanças climáticas devem tornar fisiologicamente impossível habitar a região em 2100
Edison Veiga, especial para o Estadão
Desidratação, exaustão, cãibras e, em casos graves, um quadro irreversível de hipertermia que leva à morte. Este seria o resultado, sobre o corpo humano, do cenário climático previsto a partir de modelagem computacional para a Região Norte do Brasil em 2100. Tecnicamente, e considerando a demografia atual — ou seja, sem prever deslocamentos, rearranjos ou mesmo variação de tamanho populacional —, 12 milhões de brasileiros estarão expostos a níveis fisiologicamente intoleráveis de calor.
Isto é o que conclui um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros e publicado nesta sexta-feira pelo periódico internacional Communications Earth & Environment, revista científica segmentada da britânica Nature. “As florestas fornecem serviços ecossistêmicos benéficos para a saúde humana, incluindo o resfriamento local”, comenta ao Estadão uma das autoras da pesquisa, a enfermeira Beatriz Fátima Alves de Oliveira, pesquisadora em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz em Teresina, no Piauí.
“Em geral, seres humanos possuem uma faixa de temperatura interna ideal para a manutenção da homeostase sistêmica, mas a exposição ambiental às condições extremas de temperatura pode exceder a capacidade do corpo humano em manter a termorregulação, provocando efeitos na saúde, como desidratação, exaustão, cãibras e, em casos graves, morte por hipertermia”, explica ela. Alterações de humor, distúrbios psicológicos e redução de habilidades físicas e mentais também são consequências de uma exposição constante a níveis elevados de calor.
Nessas condições extremas, ressalta a pesquisadora, os grupos mais sensíveis são os idosos, as crianças e os portadores de doenças prévias.
De acordo com o estudo, se nada for feito para mitigar os efeitos do aquecimento global e para conter a devastação da floresta amazônica, a região norte do País viverá um clima quente sem precedentes contemporâneos. Enquanto a elevação da temperatura média na maior parte da América do Sul ficará entre 2 e 5,5 graus Celsius, na bacia Amazônica as projeções indicam um aumento de 11,5 graus, considerando o pior cenário.
Isto tudo por causa da destruição do bioma, que agrava ainda mais as previsões decorrentes das mudanças climáticas. “A savanização da Amazônia acarreta a diminuição do transporte de vapor d’água do Oceano Atlântico para o interior do continente, impactando assim tanto a pluviosidade, com redução das chuvas, quanto o controle da temperatura do ar, as ondas de calor, no interior do País”, contextualiza ao Estadão o meteorologista Paulo Nobre, pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e outro dos autores do trabalho.
Restante do Brasil
As modelagens também serviram para prever o impacto do aquecimento no restante do País. No total, os pesquisadores concluíram que 16% dos 5.565 municípios brasileiros sofreram, em alguma medida, estresse térmico relacionado não só ao aquecimento global, mas também especificamente à savanização da Amazônia. Isso significa 30 milhões de pessoas.
O cenário mais grave, contudo, é o da região Norte, onde 12 milhões de pessoas poderão estar expostas a risco extremo de calor na virada do próximo século. Se nada for feito para conter esse cenário, a previsão é de que haja uma migração em massa, já que essas pessoas não suportariam viver em clima tão hostil.
Embora difícil, a receita, lembram os cientistas, já existe. “Ações coordenadas de proteção ao meio ambiente a níveis local, regional e global representam uma das formas mais eficazes de ‘seguro climático’ contra as consequências adversas das mudanças ambientais locais e globais”, afirma Nobre. “Não basta zerar o desmatamento amazônico, do Cerrado, da Caatinga, da Mata Atlântica. É preciso reflorestá-las.”
A deterioração ambiental chegou a tal ponto que, para evitar o colapso, não adianta mais simplesmente parar de destruir o meio ambiente. O ser humano necessita recuperar as áreas já degradadas.
Embora o estudo seja circunscrito à realidade ambiental brasileira, os pesquisadores acreditam que outras partes do mundo devem enfrentar problemas semelhantes nas próximas décadas. “Particularmente em regiões que sofrem acelerado processo de desflorestamento”, frisa Nobre.
E, seguindo a velha máxima de que a corda arrebenta sempre para o lado mais fraco, evidentemente que os que mais sofrem são aqueles mais desprovidos de meios para se proteger. “Os impactos são mais acentuados em regiões com baixa capacidade de resiliência e alta vulnerabilidade social”, ressalta a pesquisadora Oliveira.
Estrutura de saúde
Ao trazer o debate da crise ambiental para o prisma da saúde pública, os pesquisadores não só demonstram que, na destruição da natureza, o ser humano segue dando tiros no seu próprio pé. Também lançam luz sobre a necessidade, premente, de que o problema seja pensado e planejado dentro das políticas de atendimento às populações que serão mais fortemente afetadas.
Oliveira lembra que é preciso incluir “novas perspectivas nos serviços de saúde que, na maioria das vezes, não estão aptos para diagnosticar agravos decorrentes do aumento da temperatura”. Isso já dificulta registros e notificações de potenciais problemas associados às condições extremas. “Um exemplo é a ausência de dados relacionados a problemas psicossociais pós-traumáticos”, elenca ela.
A enfermeira cobra o fortalecimento da atenção primária e uma melhor capacitação dos profissionais de saúde “para a melhoria na notificação de doenças e agravos fortemente associados às mudanças climáticas”. E diz que é necessário o “desenvolvimento de ferramentas e de sistemas de alerta para identificação de áreas de risco, contribuindo para adoção de respostas rápidas por parte do setor de saúde diante de riscos extremos.”
E, claro, não se pode descuidar do anteparo social. Afinal, quanto mais vulnerável a população, mais suscetível ela está a sofrer de forma irreversível os efeitos do aumento da temperatura. Por isso, Oliveira defende o “fortalecimento da atenção básica” e a “implementação de ações e programas intersetoriais para a redução de vulnerabilidades sociodemográficas, econômicas e de acesso aos serviços de saúde”. “Tudo o que possa reduzir os impactos do aumento extremo da temperatura”, comenta.
Outros estudos
Embora seja inédito por fazer uma previsão de aumento de temperatura considerando os impactos da saúde pública, este não é o primeiro estudo recente a relacionar a crise climática diretamente à sobrevivência humana.
Em maio, a revista Nature Climate Change, também da Nature, publicou um estudo em que foram tabulados registros de óbitos ocorridos entre 1991 e 2018 em 732 cidades de 43 países diferentes. E a conclusão é que o aquecimento global já está matando pessoas.
Isto porque, de todas as mortes em consequência de calor ocorridas no período, 37% não podem ser explicadas por ocorrências naturais ou sazonalidades, e sim desencadeadas por ação antropogênica, ou seja, feitas pelo próprio ser humano.
Um dos responsáveis pela análise dos dados brasileiros foi o médico patologista Paulo Saldiva, professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP). Ele e sua equipe concluíram que 1% das mortes consideradas “de causa natural” atualmente no País já podem ser atribuídas, na verdade, a efeitos adversos decorrentes do aumento da temperatura média.
Em setembro, o periódico científico Lancet publicou um outro estudo com consequências nefastas da degradação ambiental sobre a saúde pública. O grupo de pesquisadores se debruçou sobre dados de internação hospitalar de 2000 a 2015 de 1814 municípios brasileiros, uma estrutura de atendimento que cobre 80% da população nacional. E concluiu que a poluição decorrente dos incêndios florestais já é a causa de internação de 47.880 pacientes por ano — 35 casos por 100 mil habitantes.
Problemas respiratórios, seguidos por doenças cardiovasculares, estão entre os principais problemas de saúde.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,aquecimento-pode-expor-12-milhoes-de-brasileiros-a-nivel-intoleravel-de-calor,70003856365
Lula une Paes e Molon e faz do Rio laboratório da estratégia para 2022
A corrida eleitoral de 2022 dispara em outubro
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
A corrida eleitoral de 2022 dispara em outubro, com o presidente Jair Bolsonaro investindo no contato direto com a população, o ex-presidente Lula focando nas articulações políticas com governadores e cúpulas partidárias e as forças de centro ainda incapazes de dar cara e corpo ao tão desejado e tão distante candidato de centro.
Bolsonaro passa mais tempo em aviões e palanques do que governando em seu gabinete e pode ser mais visto, fotografado e filmado do extremo norte ao extremo sul do que em Brasília. Inaugura qualquer coisa, em qualquer lugar. O que importa é repetir 2018 e cair nos braços do “povo” – o seu “povo”, diga-se.
Já Lula usa a lábia, o carisma e a experiência para definir um leque de apoios muito além do PT e das esquerdas e que, na prática, não deixa franjas para uma terceira via. Para ele, não basta inviabilizar um nome ao centro; é preciso garantir que o centro e a centro-direita não pulem no colo de Bolsonaro.
Em sua última visita ao Rio, Lula brindou o PT e a esquerda com duas pérolas de pragmatismo. A primeira: “Se há uma coisa que aprendi na política é que você só ganha se tiver 51%, senão perde. Com o que temos aqui nesta sala, não temos 51% e não vamos ganhar”. Tradução: ou a esquerda faz alianças com centro e centro-direita, ou ninguém vai a lugar nenhum, especialmente na principal base eleitoral de Bolsonaro.
A segunda pérola: Rio e Minas são os “swing states” das eleições no Brasil, ora indo para um lado, ora para outro. “Quem ganha no Rio e em Minas ganha a eleição”, concluiu Lula, que faz do Rio o grande laboratório da sua estratégia. O foco é o prefeito Eduardo Paes, que virou a maior liderança do Estado e deu um golpe de mestre, ao deixar de lado sua dianteira nas pesquisas para o governo e continuar na prefeitura.
Paes é homem-chave da estratégia de Lula, assim como Lula é central das articulações de Paes, que trocou o DEM pelo PSD e amarra um acordão: para o Guanabara, o neófito Felipe Santa Cruz, presidente da OAB nacional, e, para o Senado, o ex-adversário Alessandro Molon, deputado federal que saiu da Rede para o PSB. Uma aliança, até então improvável, entre a esquerda e a centro-direita. Pró-Lula, contra Bolsonaro.
É isso que Lula busca reproduzir pelo País afora, com um instrumento de grande utilidade: o PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab (SP) que, de esquerda, não tem absolutamente nada. Kassab anima a plateia lançando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (que, como Paes, deve ir do DEM para o PSD), enquanto nos bastidores articula de fato o apoio do partido a Lula. Assim como Paes no Rio, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, é do PSD e bem avaliado. A diferença é que ele deve concorrer ao Palácio da Liberdade.
Com Rio, Minas e PSD sob controle, Lula consolida sua força no Nordeste e tem jantar na próxima quarta-feira, em Brasília, com os mandachuvas do MDB, o ex-presidente Sarney, senadores e até o governador do DF, Ibaneis Rocha, que tem elos, mas não compromisso, com Bolsonaro.
Enquanto o PSDB se divide em torno das prévias entre os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) e os candidatos de centro esvaziam uns aos outros, Lula está lá na frente, comendo pelas bordas – e por dentro – o mingau do centro. E Bolsonaro é carregado por anticomunistas, negacionistas, conservadores e uma massa um tanto disforme. Tudo junto, isso soma um quarto das pesquisas.
Lembram? Só vence quem tem 51%. Hoje, ninguém tem. Mas terá quem trabalhar melhor, unir mais, convencer e tiver armas políticas. Não fuzis e revólveres, mas discurso para a economia, a miséria e mesmo a pandemia. Além de acenar com união e carisma, que nunca é demais.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lula-une-paes-e-molon-e-faz-do-rio-laboratorio-de-sua-estrategia-para-2022,70003856316
Vera Magalhães: Chega de dar palco para maluco
Não fossem as sessões da CPI, o escândalo da negociação da vacina indiana Covaxin não teria vindo à tona
Vera Magalhães / O Globo
A CPI da Covid só foi necessária e se tornou relevante e urgente porque o presidente Jair Bolsonaro promoveu, desde o início da pandemia, uma gestão irresponsável que fez com que o Brasil visse explodir o número de casos e de mortes enquanto atrasava o início da vacinação da população e apostava em tratamentos sabidamente ineficazes.
O rol de revelações da comissão do Senado é estarrecedor, e o saldo de seu trabalho, que só foi possível graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal, é amplamente positivo.
Não fossem as sessões da CPI, o escândalo da negociação da vacina indiana Covaxin por meio de atravessadores e com sobrepreço e irregularidades de toda natureza provavelmente não teria vindo à tona.
Da mesma forma, a cronologia do oferecimento insistente de doses de vacinas ao Brasil pela farmacêutica Pfizer, já em meados de 2020, seguido da total falta de resposta e interesse por parte do governo Bolsonaro, foi revelada graças aos trabalhos da comissão do Senado, bem como as tentativas de boicotar a compra da CoronaVac, desenvolvida em parceria do laboratório chinês Sinovac com o Instituto Butantan.
Mas, ao longo desses quase cinco meses de funcionamento, a CPI errou ao servir de palco para um elenco de negacionistas, charlatães, lobistas ou simplesmente malucos, que turva o resultado de seu trabalho e, de certa forma, pode ter ajudado a confundir o público quanto a protocolos sanitários, tratamentos e até a segurança e a eficácia das vacinas.
Esta semana foi exemplar dessas duas faces da moeda da CPI, a virtuosa e a deletéria. Depois do depoimento acachapante da advogada Bruna Morato, de que tratei aqui na quarta-feira, em que ela, representando um grupo de ex-médicos da Prevent Senior, apresentou ao país um relato nauseante de práticas criminosas que atribuiu à operadora, os senadores, em vez de procurar se aprofundar nesse importante veio de investigações, pegaram um desvio e promoveram dois dias de espetáculo circense e show de negacionismo.
Já era óbvio que o empresário Luciano Hang, figura caricata que tem feito a promoção do kit Covid, inclusive usando a morte da própria mãe como palanque ideológico, não teria nada a acrescentar à CPI.
Sua audiência não era necessária para fechar o caso Prevent Senior, uma vez que os senadores já dispunham de documentos como o atestado de óbito da mãe de Hang. Tampouco ajudaria a trazer elementos para os capítulos que tratam do gabinete paralelo ou da disseminação das fake news na pandemia. Pelo contrário: sua fala só serviu para tumultuar a CPI e disseminar ainda mais desinformação e lixo ideológico.
Da mesma natureza foi a inquirição do empresário bolsonarista Otávio Fakhoury ontem. Os senadores já dispunham do compartilhamento de dados do inquérito do STF em que Fakhoury é investigado, que mostram que ele financiou atos antidemocráticos. Também já tinham elementos que mostravam sua participação nas campanhas de desinformação sobre máscaras e vacinas. Por que, então, dar palco para que ele repetisse suas mentiras, proferidas com cinismo explícito, em rede nacional?
É notório que a CPI da Covid foi um ponto de virada na trajetória política de muitos de seus integrantes. O trio que comandou os trabalhos e outros, como Alessandro Vieira e Fabiano Contarato, com sua contribuição técnica, e Simone Tebet e Eliziane Gama, que, mesmo não sendo membros, mostraram a importância da participação feminina na investigação, ganharam novo status diante do público.
Por isso mesmo, é preciso terminar no auge, de forma a mostrar que o que se busca ali é justamente a antítese do show de embuste promovido pelo governo federal e por seus satélites na classe política, na medicina e no empresariado.
É vital que, até o encerramento, a pauta seja expurgada de palhaços e charlatães. O país quer responsabilização dos culpados pela nossa tragédia, e não circo.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/chega-de-dar-palco-para-maluco-na-cpi-da-covid.html
Lula e Meirelles querem dinheiro da Petrobras para baixar o preço do gás
Ex-presidente e líder liberal culpam lucro de acionistas pela carestia dos combustíveis
Vinicius Torres Freire / Folha de S. Paulo
Lula da Silva (PT) quer tirar dinheiro da Petrobras para dar a quem consome combustíveis. Henrique Meirelles também. Meirelles é secretário da Fazenda de João Doria (PSDB), foi ministro da Fazenda de Michel Temer e presidente do Banco Central de Lula. Jair Bolsonaro prometeu tirar dinheiro da Petrobras, mas levou uma tunda no mercado e não fez nada. Desde então, promete tirar dinheiro dos estados a fim de aliviar o preço de gás, diesel e gasolina, entre outras patranhas. Meirelles não gostou.
A base do argumento de Lula e Meirelles é a mesma.
Lula: “O que a Petrobras está fazendo é acúmulo de dinheiro para pagar os acionistas... Quem está ganhando com isso são os investidores nas ações...” (foi o que disse à rádio Capital FM, de Cuiabá, na quarta-feira).
Meirelles: “Se queremos controlar o preço da gasolina ou do óleo diesel, é muito simples. É preciso diminuir a margem de lucro da Petrobras. Já está com margem extraordinária e precisa diminuir um pouco a remuneração da Petrobras e dos acionistas”, disse a jornalistas, também na quarta.
Pode ser que Lula e, ainda mais, Meirelles pensem que a Petrobras é um monopólio safado, que explora os consumidores. Se é, que o digam. Poderia ser até o início de uma conversa divertida sobre setores concentrados da economia.
Sim, é possível tirar dinheiro da Petrobras, mesmo que a empresa não seja um monopólio safado. Pode-se evitar o reajuste de seus produtos de acordo com os preços do mercado internacional (que começaram com Temer, em 2016), o que tiraria dinheiro dos acionistas. É ora ilegal, mas se pode mudar a lei ou, então, se criar um “imposto sobre lucros extraordinários”.
A Petrobras então perderia valor de mercado (o preço de suas ações cairia), o que é apenas um aspecto da redução do crédito da empresa. A petroleira lucraria menos, teria relativamente mais dívida, tudo mais constante; pagaria, pois, juros mais altos e perderia capacidade de investir e crescer.
O governo poderia então dar um jeito de colocar dinheiro na petroleira, para manter ou até aumentar o investimento. Mas, ainda que houvesse dinheiro, por que usá-lo na Petrobras? Para reflexão.
É verdade que desde o começo da liberalização dos preços, de Temer-Meirelles, até Bolsonaro-Guedes, o preço dos combustíveis subiu 72%, muito mais do que a inflação média (25%) ou do que o preço da comida (33%). Aumentou não porque o governo quisesse. Mas o governo não meteu o dedo nos preços de combustível ou da energia elétrica. No governo de Dilma Rousseff 1, foi o contrário. Não deu certo, né.
Para piorar, a renda do país e do povo miúdo em particular caiu muito desde 2014. O número de pessoas empregadas em julho deste ano (dado mais recente do IBGE) é menor do que em 2012. A “massa de rendimentos do trabalho” (a soma do que todo mundo recebe trabalhando) ainda é uns 6% menor do que em julho de 2019 (em termos reais, descontada a inflação).
A melhor solução emergencial é dar subsídio para os mais pobres (“mais Bolsa Família”), de preferência com imposto sobre mais ricos.
Apesar do tom ameno de tédio desencantado destas linhas, convém notar que esse debate político sobre combustíveis fica entre a incompetência e o disparate. A dúvida é saber se a demagogia e a desconversa vão aumentar até a eleição ou se todo mundo vai fazer “carta ao povo brasileiro” em algum momento de 2022. O preço dos combustíveis é apenas um aperitivo do cardápio de problemas de uma economia empobrecida, ineficiente, estruturada para a desigualdade, no mercado e no Estado, e em que ricos rejeitam mais imposto.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/09/lula-e-meirelles-tambem-querem-dinheiro-da-petrobras-para-baixar-o-preco-do-gas.shtml