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Janio de Freitas: Os ossos da eleição
O principal figurante de 2022 ainda está silencioso: é o aumento da pobreza
Jânio de Freitas / Folha de S. Paulo
A pobreza aumenta, voraz, na horizontal e na vertical. Desta vez, com a pandemia como terceiro impulso, sem por isso evitar que os dois outros sejam talvez mais fortes do que nunca. O governo Collor foi um desastre criminoso, com a bondade solitária de sucumbir a meio do mandato, e nem desta Bolsonaro é capaz. Muito menos o será para deter o crescente empobrecimento. E ainda há o descaso histórico de todas as formas de poder, público e privado, diante do crime irreconhecido que é a injustiça social. Vírus, desgoverno, indiferença também são Os Três Poderes.
Entre as características da economia brasileira há muitos componentes importantes que jamais têm a honra de uma referência, ao menos, na prolixidade dos economistas propagados nas telas e nos papéis. Um bom exemplo é a correção salarial, na verdade, um acelerador da pobreza existente e da indução de empobrecimento. A regra básica dada a essa concessão dos poderosos foi não corrigir jamais.
Exceto nos anos chamados pelo reacionarismo de lulopetistas, e apesar do empenho de Sarney e Itamar, as incontáveis correções foram fixadas abaixo da correção de fato. Sem esquecer que a inflação declarada, como o PIB, é outra falcatrua antissocial, perceptível em ida a qualquer dependência do comércio usual.
O noticiário se empolga: “A volta do emprego”. Mas, logo, “Empregos informais são 75% do total”. Três em cada quatro. E chamar de emprego a atividade informal é um dos muitos eufemismos consagrados no jornalismo, para agrado adivinhe de quem. Assim como salário não é renda, falsificação verbal oficializada, atividade informal não é emprego, é trabalho informal. Nele não há o empregado, nem o patrão.
O crescimento da informalidade é sinal de maiores dificuldades nas famílias alimentadas por recebimentos insuficientes, sejam quais forem. É indicador que valeria como advertência, para problemas do futuro e necessidade premente de ação governamental. Não no Brasil. Mesmo a corrida aos ossos despejados, para a guerra contra a fome, causou mal-estar ou indignação muito maiores mundo afora do que aqui, onde não faltou mais revolta com a exibição de ossos e catadores do que a realidade que os uniu, como antes fizeram os cães.
Entre os que se aventuram a formar o elenco das eleições presidenciais de 2022, o principal figurante ainda está silencioso: é o aumento da pobreza, que já chegou aos ossos, os despejados e os próprios, e não terá quem a socorra até lá. O auxílio de fins eleitorais, esperança de Bolsonaro, não dura um mês dos tantos a esperar. Quem sabe, outra vez em vão.
Negócios de quadrilha
O encontro de um segundo plano de saúde aplicador do falso tratamento de Covid, em dezenas de milhares de clientes, é uma revelação e o seu inverso. Ambos com gravidade criminosa.
De uma parte, o segundo caso obriga a constatar crimes médicos como empreendimento expandido, e não exclusivo da Prevent Senior. Com isso, vão muito além de concordâncias entre tal criminalidade e o governo, constituindo ampla quadrilha de corrupção científica e comercial da medicina. Com extensões na Presidência por via do “gabinete ódio”, no sistema de vigilância e regulação das práticas de seguro saúde e de medicina, no Conselho Federal de Medicina, na Agência Nacional de Saúde Suplementar, em várias secretarias do Ministério da Saúde e em diversos ramais da vigarice comercial. Aí não houve boa-fé, nunca. Só interesses materiais.
De outra parte, chega-se aos 600 mil morte com a certeza, agora, de que esse número é uma estimativa ainda mais precária. Além das subnotificações já pressentidas no cômputo em curso, a segunda seguradora sugere outras. Como suscita a existência de mais seguradoras e serviços médicos onde também foi adotado o falso tratamento, com decorrências letais adulteradas.
Descobrir outro caso revelou quanto e como se desconhece, mesmo com a CPI tão bem sucedida, dos horrores da pandemia e da parte, neles, criada pelo bolsonarismo.
Bem apropriados
A defesa postada por Paulo Guedes, no caso de sua firma em paraíso fiscal para driblar impostos brasileiros, estava escrita em inglês. Muito apropriado, sem dúvida, mas de imensa falta de compostura pessoal e de respeito, até agressiva, por parte de um ministro ao país.
O nome COR, dado pelo presidente do Banco Central à sua firma de fuga de capital para o exterior, homenageia o avô. São as iniciais, invertidas, de Roberto de Oliveira Campos. Considerada a finalidade da firma, é homenagem muito justa. Até por todas as suas manipulações serem em inglês e em dólar.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/10/os-ossos-da-eleicao.shtml
Hélio Schwartsman: O tribalismo inviabiliza a democracia?
Ele não impede um país de se democratizar, mas exige adaptações
Hélio Schwartsman / Folha de S. Paulo
Li em vários artigos que os EUA fracassaram em implantar uma democracia viável no Afeganistão porque desconsideraram o caráter tribal do país. Não afirmo que essa análise esteja errada, mas é preciso qualificá-la.
Socorro-me aqui de "The WEIRDest People in the World", de Joseph Heinrich, livro que já comentei. São poucas as nações que lograram desenvolver uma psicologia não tribal, isto é, mais pautada pela crença no individualismo, no livre-arbítrio e na universalidade das leis do que ditada por sistemas de lealdades familiares. O fenômeno, também designado como psicologia "weird" (acrônimo inglês para "ocidental, educado, industrializado, rico e democrático"), é característico da Europa ocidental e de algumas de suas ex-colônias e pouco representativo da média da humanidade.
Não é difícil identificar indivíduos e populações "weird" através de testes como um em que se pergunta se a pessoa testemunharia contra um amigo que tivesse cometido um crime. Povos "weird" aceitam essa ideia. A lei, afinal, é para todos. Já os de mentalidade mais tribal tendem a vê-la como uma traição aos deveres da amizade. A psicologia "weird" está na base de instituições como a democracia, além do avanço das ciências e o rápido crescimento econômico.
As coisas se complicam quando verificamos que alguns países, como Japão e Coreia do Sul, embora conservem a psicologia não "weird", se tornaram democracias ricas. A China não pegou a parte da democracia, mas é potência econômica e científica. Como explicar isso? Segundo Heinrich, esses países já tinham uma longa experiência com Estados fortes, que estimulavam a educação formal. Também não tiveram pruridos em adotar hábitos e instituições copiados do Ocidente, que serviram, se não para eliminar, ao menos para reduzir a influência da lógica de clãs em suas sociedades.
O tribalismo não impede um país de se democratizar, mas requer adaptações.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/10/o-tribalismo-inviabiliza-a-democracia.shtml
Bruno Boghossian: Investigação sobre emendas deve abalar relação Bolsonaro-Congresso
Ministro fala em corrupção e avisa que haverá operação mirando verba de parlamentares
Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo
O chefe da Controladoria-Geral da União deu um aviso curioso na última semana. Wagner Rosário disse não ter dúvidas de que existem casos de corrupção no pagamento de emendas indicadas por parlamentares e anunciou que a Polícia Federal deve bater na porta de alguns dos envolvidos em breve. “Todos nós vamos ficar sabendo no dia da deflagração das operações”, declarou.
O alerta é inusitado porque um investigador não deveria dar aviso prévio de suas ações. Além disso, Rosário é ministro de Jair Bolsonaro, um presidente que sobrevive no poder graças a essas emendas. Para completar, o chefe da CGU falou sobre as suspeitas numa audiência dentro Câmara, onde essa fatia do Orçamento é partilhada.
A revelação de desvios nesses pagamentos é um cenário considerado quase inevitável pelo governo. O ministro tentou mostrar serviço e se antecipou para controlar os respingos de eventuais escândalos. A história tem potencial para criar problemas políticos para Bolsonaro.
O governo ganhou fôlego no Congresso ao entregar a deputados e senadores o controle sobre R$ 16,9 bilhões das emendas de relator. O bônus dessa barganha é uma distribuição relativamente livre e pouco transparente de verba nas bases dos parlamentares. Se a PF acabar com a festa de alguns deles, o acordo para sustentar o presidente pode ficar estremecido ou até implodir.
Uma operação que desmanche supostas cobranças de propina em obras pagas por essas emendas também teria impacto na imagem de Bolsonaro. O presidente pode lançar a culpa sobre os parlamentares e empresários que forem pegos nas investigações, mas será difícil esconder o fato de que a origem do dinheiro é o acerto do Planalto com o centrão.
O alcance do caso dependerá de personagens leais a Bolsonaro: o chefe da PF e o procurador-geral da República. A esperança do governo é que a devassa nas emendas fique limitada a políticos de baixo clero, o que restringiria os danos à governabilidade e ao discurso do presidente.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/10/investigacao-sobre-emendas-deve-abalar-relacao-bolsonaro-congresso.shtml
Elio Gaspari: Para os doidos, fracasso é sucesso
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ainda não se deu conta de que cloroquina é ineficaz para a Covid
Elio Gaspari / O Globo
Na sexta-feira completam-se 140 anos do dia em que Machado de Assis começou a publicar a história do médico Simão Bacamarte, “O alienista”. Ele era “o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua”. Essa obra-prima está na rede. Lendo-a, recua-se no tempo e descobre-se que o doutor Bacamarte tinha suas razões. Bem que D. Pedro II avisaria, oito anos depois, na noite em que o embarcaram para o desterro: “Os senhores são uns doidos”.
Morrem 600 mil pessoas numa epidemia que o monarca republicano chamou de “gripezinha“, e a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ainda não se deu conta de que cloroquina é um medicamento ineficaz para a Covid. Em dois anos, dois ministros da Saúde foram embora porque não queriam receitar a poção. Já o ministro da Tecnologia, um astronauta e coronel da reserva, garantiu, em abril de 2020, que pesquisadores do governo haviam descoberto um remédio contra o vírus. Não disse o nome, mas garantiu que ele estaria disponível em poucas semanas.
Os doidos estavam chegando, mas não se pode dizer que avançavam apenas sobre a saúde pública. Na semana passada, a Petrobras leiloou 92 blocos oceânicos e 87 encalharam por falta de interessados. Ninguém quis se meter com a exploração em áreas de proteção ambiental próximas à ilha de Fernando de Noronha e ao Atol das Rocas. O diretor da Agência Nacional de Petróleo veio à vitrine e anunciou: “O leilão foi um sucesso”. (No dia 1º de novembro começa em Glasgow, na Escócia, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.)
Machado de Assis conhecia os doidos de seu tempo. Nos Estados Unidos um grande empresário subornava servidores para sustentar que a condução da eletricidade por fios incendiaria cidades inteiras. No Brasil, os três homens mais ricos da terra, com três mil escravos, tinham um patrimônio equivalente a 10% do valor de todo o capital investido em ações e empresas. No Senado, um magano dizia que a escravidão era uma prova de caridade cristã, pois os senhores prestavam um grande serviço aos escravos.
Machado criou seu Simão Bacamarte, D. Pedro foi-se embora reclamando dos doidos. Ambos sabiam que, de tempos em tempos, os malucos dão as cartas.
A BBC via a ditadura pelo andar de baixo
Começa a chegar às livrarias a partir desta semana “Nossa correspondente informa — Notícias da ditadura brasileira na BBC de Londres: 1973-1985”, da jornalista Jan Rocha. É uma coleção de centenas de textos curtos que a repórter mandou para a emissora inglesa. O primeiro trata do lançamento da anticandidatura de Ulysses Guimarães à presidência da República. Era uma anticandidatura porque não tinha chance de vitória. A eleição seria indireta, e o presidente seria o general Ernesto Geisel. Um dos últimos textos, de 1985, conta o enterro de Tancredo Neves, eleito indiretamente numa ditadura que agonizava.
Em geral, os correspondentes estrangeiros olham muito para o andar de cima. Jan Rocha olhava quase sempre para o andar de baixo. Índios, fome, meio ambiente e, sobretudo, a repressão política. Tratava de assuntos que a censura proibia e da própria censura. Enquanto o “milagre brasileiro” encantava muita gente, a correspondente da BBC ouvia as queixas da Igreja Católica que, liderada pelo cardeal Arns, de São Paulo, opunha-se aos governos.
Os textos de Jan Rocha atravessam as dificuldades da política de abertura do governo Geisel. Em 1974, ela contou as prisões de professores paulistas, entre os quais esteve o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, chamado para um interrogatório. Anos depois, escreveu sobre a primeira greve de um movimento sindical supostamente domesticado. Lá estava a figura de Luiz Inácio Lula da Silva. Em 1985, Rocha registrou a saída de João Batista Figueiredo, o último general do ciclo.
Ele deixou o Palácio do Planalto por uma porta lateral.
É boa leitura para quem quer saber da época e volume valioso para pesquisadores que queiram ver além da névoa da censura.
Tunga de livreiros voltou ao ar
Renasceu das cinzas uma ideia que pareceu enterrada durante o governo Temer. É o tabelamento dos livros à francesa. Se vingar, nenhuma livraria, física ou eletrônica, poderá dar descontos superiores a 10% do preço de capa durante o primeiro ano de circulação de um livro. Lei parecida existe na França há 40 anos.
Quando essa girafa surgiu, Jeff Bezos era um garoto a caminho da universidade de Princeton. De lá para cá, do nada, ele criou a Amazon e se tornou um dos homens mais ricos do mundo. Começou vendendo livros a US 9,99 (hoje custam cerca de US$ 15). Seu negócio é dar desconto, em tudo. Não há no mundo quem tenha reclamado por ter comprado uma coisa barata na Amazon ou em qualquer outro lugar. Desde que surgiu o Estado, apareceram tabelamentos para impedir que se cobre a mais. Nesse caso, querem tabelar para impedir que se cobre a menos.
O mercado editorial brasileiro melhorou durante a pandemia. Quando ele esteve no apogeu, algumas editoras brasileiras imprimiam seu livro na China, onde a mão de obra era barata. Desde então, grandes redes de livrarias quebraram porque se meteram numa ciranda de vendas consignadas. Problema de quem micou, dando-lhes crédito.
O projeto da tunga no preço do livro dorme no Senado. O tabelamento de um produto para impedir que os consumidores paguem menos é a joia que falta ao mandarinato liberal de Paulo Guedes.
Recordar é viver
Hostilidade da infantaria petista não começou com a vaia a Ciro Gomes na Avenida Paulista.
Em 1984, o PT queria iniciar sozinho sua campanha pelas eleições diretas, mas o comício que organizou ficou fraco. Pouco depois, o governador paulista Franco Montoro começou a montar o comício na Praça da Sé.
Todo mundo sabia que seria um sucesso, mas, para não ser vaiado pela infantaria petista, Montoro chegou ao palanque com Lula. Quem costurou a cena foi o advogado Márcio Thomaz Bastos.
Classificado
O feirão de imóveis da Viúva no Rio incluiu a casa que pertenceu ao general Osório, o grande comandante da cavalaria durante a Guerra do Paraguai. É uma construção térrea, com 13 janelões e bonitos azulejos. Fica na Rua Riachuelo, perto da Lapa, e é um bonito exemplar da arquitetura da época em que ela se chamava Matacavalos.
Quem comprar o casarão ficará com um pedaço da história do Brasil no seu patrimônio.
Tem gato na tuba
A ruína da marca da Prevent Senior provocou um estranho movimento no mercado de operadoras de planos de saúde.
Começou uma satanização das empresas verticalizadas, que operam com plantéis médicos, hospitais e laboratórios próprios, controlam seus custos e cobram menos.
Tem gato nessa tuba, pois as malfeitorias cometidas pelo Executivo, pelas agências reguladoras e pelas operadoras verticalizadas ou não, foram coisa de malfeitores, nada a ver com os seus modelos.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/para-os-doidos-fracasso-sucesso-25231486
Míriam Leitão: A dilacerante dor dos brasileiros
CPI foi o desabafo do país, de todos os que discordam dos rumos aviltantes do governo
Míriam Leitão / O Globo
Nem nos mais pessimistas cenários esse número apareceu. Nem nos piores pesadelos o país imaginou que poderia perder 600 mil vidas na pandemia. Se tentássemos escrever uma distopia, algum enredo de horror político, o presidente seria assim como o que governa o Brasil. Não visitaria hospitais, não consolaria as vítimas, proibiria as medidas de precaução, induziria o uso de um remédio ineficaz e impediria que seus ministros e assessores socorressem a população. E mentiria todos os dias. O que nós vivemos não estava escrito, previsto ou calculado. As marcas ficarão. Como disso o cantor e compositor Criolo, “a pandemia nunca vai acabar para quem perdeu um ente querido.” Ele perdeu a irmã.
Há quem diga que a CPI não dará em nada, que se perdeu, que poderia ter pensado em outra estratégia. Falta nessa análise tanto a visão global quanto a dos detalhes. A CPI foi o desabafo do país, de todos os que discordam dos rumos aviltantes do governo. Nos detalhes, a Comissão revelou um mundo de informação que apenas intuíamos e que agora estão expostas, irrefutáveis. Se isso vai se transformar em alguma punição contra os culpados não depende da Comissão Parlamentar. Se autoridades policiais, políticas e dos órgãos de controle fingirem não ver, serão cúmplices. Se o procurador-geral da República, Augusto Aras, continuar inerte e sinuoso, será cúmplice. Diante de todos os que falham neste momento dilacerante do Brasil estará uma lápide com 600 mil nomes.
Há inúmeros fatos que o país não sabia e que ficou sabendo durante as sessões dos últimos seis meses da Comissão Parlamentar. Havia suspeita, mas agora há certeza de que o governo colocou em prática a tese criminosa da imunidade de rebanho. O presidente sempre insistiu em provocar aglomerações, desacreditar as medidas de proteção e sabotar as vacinas. Antes, tudo podia ser entendido como erros de avaliação e de gestão. Soube-se na CPI que era mais que isso, aquele comportamento delinquente era um projeto. Bolsonaro queria que o número máximo de brasileiros fosse contaminado porque testava em nós a teoria perversa de que se mais gente adoecesse mais rapidamente o país estaria imunizado. Bolsonaro conspirou contra a saúde dos brasileiros em gabinete paralelo, com o apoio de empresários negacionistas, ministros sabujos e invertebrados.
A CPI iluminou o que se passava dentro do Ministério da Saúde. Não era apenas um caso de incompetência. Era roubo. Havia rivalidades entre grupos no comando do Ministério, mas todos tinham o mesmo propósito: obter vantagens financeiras na negociação da vacina. Por isso fechavam as portas à Pfizer, sabotaram a Coronavac e eram atenciosos com os atravessadores e suas propostas mirabolantes. O presidente foi informado das tramoias, admitiu que suspeitava do seu líder na Câmara, mas nada fez e nem tirou o líder. Institutos bolsonaristas, como o Força Brasil, financiado pelo empresário Otávio Fakhoury, difundiam fake news contra vacina enquanto tentavam vender imunizantes para o Ministério da Saúde. Luciano Hang mostrou ser ainda mais abjeto do que se pensava.
O presidente teve o conluio de pelo menos dois planos de saúde, alguns médicos, alguns empresários, do Conselho Federal de Medicina, de generais submissos, dos políticos da base, para mentir e levar brasileiros à morte. Milhares de mortes teriam sido evitadas se o governo fosse outro. A Prevent Senior se transformou em campo de experimentação e extermínio, e a Agência Nacional de Saúde Suplementar, que tem o dever de fiscalizar os planos, soube disso apenas pela CPI. Bolsonaro e seus cúmplices tentaram mudar a bula da cloroquina e foram impedidos pela Anvisa. A vacinação ocorreu no país pela pressão da imprensa, pela luta do pessoal da Saúde, pelo esforço de governos estaduais, principalmente o de São Paulo, e ganhou velocidade por causa da CPI.
A lista das revelações da Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada no Senado é enorme. O país parou para ver o trabalho dos senadores e das senadoras. Atrás de cada pergunta havia estudo, apuração e a dedicação dos assessores. Os méritos da CPI superam em muito os erros cometidos durante as investigações. A CPI nos deu clareza num tempo de brumas, nos entregou verdades na era das mentiras oficiais. Os resultados são matéria-prima para o próprio Congresso, o Ministério Público e a Justiça. Principalmente a CPI honrou os nossos 600 mil mortos.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/dilacerante-dor-dos-brasileiros.html
Cristovam Buarque: Falta confiança
Fracasso em leilão de poços de petróleos alerta para o fator mais escasso hoje no Brasil: a confiança
Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles
O fracasso desta semana para leiloar poços de petróleo deve servir como uma lição para os economistas entenderem a importância do fator confiança na geração de riqueza. Até recentemente, a equação produtiva exigia três fatores: mão de obra, capital e recursos naturais. Com o tempo, passou-se a tratar a tecnologia – o chamado “como fazer”, como mais um fator de produção. O Brasil tem tecnologia e mão de obra, mas o petróleo continua no fundo do mar e sem gerar riqueza, por falta de capital para explorá-lo. O leilão visava superar esta falta e obter o capital necessário, mas fracassou porque a economia moderna requer mais um fator: confiança.
No mundo global, dispondo do fator confiança, o capital, tecnologia e até mão de obra são obtidos no mercado internacional. Este leilão deve abrir os olhos para a importância do fator mais escasso hoje no Brasil: confiança nas regras, na moeda, na sustentabilidade, seja política, fiscal, social ou ecológica. Aparentemente, as empresas não se interessaram sobretudo pelo medo de que exigências mundiais por proteção ecológica venham impedir a exploração de petróleo em áreas consideradas santuários, como Fernando de Noronha, Amazônia, Polo Norte. Além disso, o próprio petróleo não passa confiança diante do seu papel na catástrofe ambiental. Apesar de seu uso na indústria não energética, investir em petróleo nos dias de hoje começa a ser como foi investir na produção de óleo de baleia para iluminar ruas quando se descobriu a iluminação elétrica.
Este não é o único elemento que faz escasso o fator confiança. Também degrada a confiança a volta da inflação; o relaxamento na luta por estabilidade monetária, pobreza e violência nas ruas; a insegurança nas regras jurídicas; a frase do presidente ameaçando a realização das eleições e desafiando Deus a tirá-lo do trono; o baixo nível de educação; o abandono do ensino superior e do sistema de ciência e tecnologia; a imagem de destruidores de florestas e depredadores do Tesouro; a força de corporações empresariais e trabalhistas para manipular as leis. Este cenário deixa o Brasil como país pobre em confiança: a consequência é sermos párias e nossos leilões não terem resultados esperados. E e atraem especuladores que apostam na insegurança e acrescentam insegurança.
No próximo ano, o Brasil dá os primeiros passos no seu terceiro centenário, carregando o peso da falta do fator confiança em sua estrutura produtora e com fortes tentações para aumentar gastos públicos com o presente, aumentando a inflação.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
Fonte: Blog do Noblat
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/falta-confianca-por-cristovam-buarque
Brasil não quer fuzil, quer arroz, feijão, absorvente, vacina, ciência e... justiça
Não se ouve uma única palavra para famílias esmolando ossos para a 'sopa' das crianças
Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo
A boa notícia é que o porcentual de brasileiros vacinados com as duas doses aproxima-se de 50% e a pandemia está arrefecendo. A má notícia é que o Brasil atingiu 600 mil mortos, com média móvel ainda em torno de 450 a cada 24 horas (queda de dois Boeings por dia) e sequelas incômodas, zunindo nos nossos corações e mentes, em busca de respostas e responsabilização.
O pior, aparentemente, passou, mas centenas de famílias ainda perdem seus entes queridos todos os dias, há dúvidas quanto ao futuro e um rastro de dor: pelos mortos, os efeitos em muitos sobreviventes e a sensação desesperadora de que não precisava ter sido assim. Com o aperto no coração de quem chora a morte dos seus: e se?
E se o presidente da República fosse razoável, sensato, responsável, reverente à ciência? Se tivesse mantido médicos com autonomia e caráter no Ministério da Saúde? Se, em vez de dar ouvidos a filhos, terraplanistas e gabinetes paralelos, se guiasse pela OMS e as agências de saúde do mundo civilizado?
E se o presidente não fosse negacionista, desumano, indiferente à dor e ao pânico dos cidadãos? Se, em vez de comemorar os primeiros dez mil mortos num jet ski e dizer que “não é coveiro”, cumprisse seu dever e fosse solidário com a Nação? E se não desprezasse a vacina da Pfizer, não atacasse a Coronavac, não fizesse propaganda contra as máscaras e a favor da cloroquina?
Tantos “e se?” não deixam margem para dúvidas e complacência no relatório final da CPI da Covid, a ser apresentado no dia 19. A tropa bolsonarista vai atacar o relator Renan Calheiros, mas, sem entrar no mérito, todo o País e as famílias e amores dos mortos estarão atentos ao que realmente interessa: sua excelência, os fatos.
Os fatos são acachapantes, com início, meio e fim – um fim cruel. Começam com o negacionismo e o “gripezinha” do líder máximo da Nação, ganham corpo com a estratégia definida no gabinete paralelo do Planalto, blindam-se com aliados no Conselho Federal de Medicina e na ANS, a agência reguladora dos planos de saúde, e são massificados pelos robôs e fake news da internet.
Foi assim a construção do caos, num contexto de desconstrução da imagem do Brasil, da economia, da Amazônia, da cultura, da educação, do humanismo, da generosidade, dos esforços pela igualdade. Não se ouve uma única palavra para famílias esmolando ossos para a “sopa” das crianças. O presidente dá de ombros: “Nada está tão ruim que não possa piorar”.
Ele propõe que todos tenham fuzis e chamou de “idiotas” quem prefere feijão. A ministra Damares Alves vai na mesma linha: “Tem de definir a prioridade, vacina ou absorvente, tirar o arroz da cesta básica para por absorvente?” O presidente e a ministra – vejam bem, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos – acham um absurdo o povo querer arroz, feijão, vacina e absorvente. As prioridades são fuzis, tratoraço e cloroquina.
Como um manda e todos obedecem, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, vai na contramão da Fiocruz e se diz “absolutamente contra” a obrigatoriedade de máscaras e o “passaporte de vacinação”. E que tal o corte de 92% na Ciência? E o secretário da Cultura, Mário Frias, posando com fuzis? Com a economia nos trinques, essas coisas poderiam passar por bizarrices, não com falta de emprego, queda de renda e a maior inflação para setembro desde 1994.
Quanto mais a pandemia recua e a inflação avança, mais as conversas migram da covid para arroz, feijão, carne, luz, gás, gasolina... Mas uma coisa não anula a outra, elas se somam. Até a eleição, a tropa bolsonarista da internet e das fake news conseguirá culpar o Supremo pela pandemia e os governadores e prefeitos pela economia? Tudo é possível, mas está se tornando improvável.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-nao-quer-fuzil-quer-arroz-feijao-absorvente-vacina-ciencia-e-justica,70003864854
Inflação acelera para 1,16% em setembro, maior para o mês desde 1994
IPCA voltou a acelerar com impacto da energia elétrica, diz IBGE
Alerrandre Barros / Agência IBGE
A inflação teve alta de 1,16% em setembro, a maior para o mês desde 1994, quando o índice foi de 1,53%. Com isso, o indicador acumula altas de 6,90% no ano e de 10,25% nos últimos 12 meses, acima do registrado nos 12 meses imediatamente anteriores (9,68%). Em setembro do ano passado, a variação mensal foi de 0,64%. Os dados são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado hoje (8) pelo IBGE.
Oito dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados subiram em setembro, com destaque para habitação (2,56%), que foi puxado pelo aumento de 6,47% na conta de energia elétrica. Em setembro, passou a valer a bandeira tarifária “escassez hídrica”, que acrescenta R$ 14,20 na conta de luz a cada 100 kWh consumidos. No mês anterior, vigorou a bandeira vermelha patamar 2, em que o acréscimo é menor, R$ 9,49. Além disso, houve reajustes tarifários em Belém, Vitória e São Luís.
“Essa bandeira foi acionada por conta da crise hídrica. A falta de chuvas tem prejudicado os reservatórios das usinas hidrelétricas, que são a principal fonte de energia elétrica no país. Com isso, foi necessário acionar as termelétricas, que têm um custo maior de geração de energia. Assim, a energia elétrica teve de longe o maior impacto individual no índice no mês, com 0,31 ponto percentual, acumulando alta de 28,82% em 12 meses”, explica o gerente do IPCA, Pedro Kislanov.
Os preços do gás de botijão (3,91%) também continuaram subindo em setembro. “A gente tem observado uma sequência de aumentos do GLP (gás liquefeito de petróleo) nas refinarias pela Petrobras. Há ainda os reajustes aplicados pelas distribuidoras. Com isso, o preço para o consumidor final tem aumentado a cada mês. Já foram 16 altas consecutivas. Em 12 meses, o gás acumula aumentos de 34,67%”, detalha Kislanov.
O grupo dos transportes (1,82%) acelerou, mais uma vez, por conta dos combustíveis, que subiram 2,43%, influenciados, pela gasolina (2,32%) e o etanol (3,79%). Em 12 meses, a gasolina já aumentou 39,60% e o etanol, 64,77%. Também subiram no mês o gás veicular (0,68%) e o óleo diesel (0,67%).
As passagens aéreas (28,19%) tiveram a maior alta entre os itens não alimentícios no mês, após queda de 10,69% em agosto, registrando o terceiro maior impacto individual no índice geral. Os preços dos transportes por aplicativo avançaram 9,18% em setembro, e já tinham subido 3,06% no mês anterior.
Alimentação no domicílio desacelera com queda nos preços das carnes
Alimentação e bebidas (1,02%) tiveram uma leve desaceleração em relação a agosto (1,39%) por conta do recuo das carnes (-0,21%), após sete meses consecutivos de alta, o que acabou puxando a alimentação no domicílio para baixo (1,19%), frente ao resultado de 1,63% no mês anterior. “Essa queda das carnes pode estar relacionada à redução das exportações para a China. No início do mês, houve casos do mal da vaca louca na produção brasileira. Com a suspensão das exportações, aumentou a oferta de carne no mercado interno, o que pode ter reduzido o preço”, explica Pedro Kislanov.
Também recuaram os preços da cebola (-6,43%), do pão francês (-2,00%) e do arroz (-0,97%). “No caso do pão francês, tivemos uma redução no preço do trigo no mercado internacional, o que pode ter impactado esse resultado”, disse Kislanov.
Por outro lado, o IPCA continua registrando altas expressivas na alimentação dentro do domicílio. É o caso das frutas (5,39%), que contribuíram com 0,05 p.p. no índice de setembro, do café moído (5,50%), do frango inteiro (4,50%) e do frango em pedaços (4,42%). “O frango tem subido bastante por conta da alta do custo da ração animal. Ele também é impactado pela alta da energia elétrica. Por ser um substituto das carnes, o preço do frango costuma subir com a maior demanda”, explica o gerente do IPCA.
Também aumentaram em setembro os preços da batata-doce (20,02%), da batata-inglesa (6,33%), do tomate (5,69%) e do queijo (2,89%).
A alimentação fora do domicílio desacelerou, passando de 0,76% em agosto para 0,59% em setembro. O principal fator foi o recuo do lanche (-0,35%), que havia subido 1,33% no mês anterior. A refeição teve alta de 0,94%, acima do 0,57% observado em agosto. Além disso, os preços da cerveja (1,32%) e do refrigerante e água mineral (1,41%) também subiram em setembro.
Os grupos habitação, transporte e alimentação e bebidas contribuíram com cerca de 86% do resultado de setembro (1 p.p. do total de 1,16). Os demais ficaram entre a queda de 0,01% em educação e a alta de 0,90% em artigos de residência.
O aumento dos preços ocorreu em todas as áreas pesquisadas em setembro. O maior índice foi registrado em Rio Branco (1,56%), influenciado pelas altas nos preços da energia elétrica (6,09%) e do automóvel novo (3,57%). Já o menor resultado ocorreu em Brasília (0,79%), por conta da queda nos preços da gasolina (-0,81%) e do seguro de veículo (-3,36%).
INPC tem alta de 1,20% em setembro
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) teve alta de 1,20% em setembro, também o maior resultado para o mês desde 1994. No ano, o indicador acumula elevação de 7,21% e, em 12 meses, de 10,78%, acima dos 10,42% observados nos 12 meses imediatamente anteriores. Em setembro de 2020, a taxa foi de 0,87%.
Os produtos alimentícios subiram 0,94% em setembro, ficando abaixo da variação observada em agosto (1,29%). Já os não alimentícios tiveram alta de 1,28%, enquanto em agosto haviam registrado 0,75%.
Todas as áreas registraram alta nos preços em setembro. O maior resultado foi registrado na região metropolitana de Curitiba (1,65%), influenciado pelas altas nos preços da energia elétrica (6,80%) e da gasolina (4,91%). Já o menor foi observado no município de Goiânia (0,79%), onde pesaram as quedas nos preços das carnes (-1,65%).
Mais sobre as pesquisas
O IPCA abrange as famílias com rendimentos de 1 a 40 salários mínimos, enquanto o INPC as famílias com rendimentos de 1 a 5 salários mínimos, residentes nas regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, além do Distrito Federal e dos municípios de Goiânia, Campo Grande, Rio Branco, São Luís e Aracaju. Acesse os dados no Sidra.
Fonte: Agência IBGE
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/31848-inflacao-acelera-para-1-16-em-setembro-maior-para-o-mes-desde-1994
Carlos Melo: À espera de fatos novos
O governo é incapaz de criar fatos novos, a política não
Carlos Melo / Valor Econômico
Há meses, o governo e seus fiéis indicavam as condições para a vitória de Jair Bolsonaro, em 2022. O crescimento em “V” e o final da pandemia, após vacinação em massa, seriam fatos novos. Não fossem suficientes, haveria o dispositivo de força que permitiria ao presidente “jogar fora das quatro linhas da Constituição” - seja lá o que isso signifique.
Nada disso se confirmou e a fé fundamentalista foi abalada. Em 2022, a economia crescerá 1% do PIB, com desemprego, inflação e aumento de juros. A crise social está nas ruas. Quanto à pandemia, 600 mil vidas não ressuscitarão, o ressentimento ficará; a CPI da Covid foi além do que se supunha e seu relatório terá efeitos importantes dentro e fora do Brasil.
O dispositivo golpista foi, por ora, desarmado: o STF asfixiou as finanças do “7 de setembro”; a hierarquia nas PMs funcionou; as Forças Armadas resistiram às investidas do presidente; os caminhoneiros isolaram a banda bolsonarista da categoria. Num desfecho constrangedor, a carta que Michel Temer escreveu para Jair Bolsonaro assinar foi irrefutável sinal de fracasso.
Ilusório esperar salvação por reformas que alterem o destino do governo. À parte a embromação dos líderes, o Congresso Nacional já funciona em modo eleitoral: sabe que reformas trazem desgastes imediatos e benefícios, quando ocorrem, no longo prazo. A razão imediatista é implacável. Improvável que a articulação política do governo a dobre.
Restará o caminho do aumento de gastos com sinecuras e liberações de emendas, como contraparte ao compromisso da blindagem presidencial prometida pelo Centrão. Também outros - importantes, sim, mas limitados -, como o imprescindível “Auxílio Brasil”, estimularão despesas feitas, antes, pela lógica do populismo eleitoral do que com o objetivo do atendimento de graves problemas reais.
A alternativa do presidente e seu grupo tem sido não se agarrar ao bote salva-vidas da mobilização do radicalismo da base social. Um contingente que rodeia os 20% da população e que pode levar Jair Bolsonaro ao segundo turno da eleição. Na esperança de reviver 2018, conta com um embate contra Luiz Inácio Lula da Silva, de modo a se favorecer, mais uma vez, do antipetismo.
É uma estratégia manjada, que não muda o rumo do processo. Pesquisas indicam de que o clima da eleição de 2022 será anti-Bolsonaro. As sondagens demonstram que, no segundo turno, o presidente perderia para qualquer postulante; sendo Lula, hoje, o maior favorecido pelos erros e pela rejeição ao governo. Na verdade, é Bolsonaro quem o viabiliza.
Com isso tudo, teremos pela frente quase 15 meses de um governo que sangra a caminho da derrota. Sendo a instabilidade política e administrativa que provoca, exatamente, o fator que aprofunda seus problemas. A realidade é que, em pouco menos de três anos de mandato, Jair Bolsonaro criou à sua roda um ciclo vicioso, estéril de esperança.
Agentes econômicos buscam se antecipar e, do seu ponto de vista, a perspectiva que vislumbram lhes atormenta. Precificam um cenário em que atravessam uma montanha íngreme e, do outro lado, exauridos, defrontam-se com um arco-íris em tons de cinza, cujo pote de ouro traz - como assinalou o empresário Pedro Passos - a “inaceitável” reeleição de Jair Bolsonaro ou a “indesejável” volta de Lula ao comando do país.
O primeiro, uma usina de crises incapaz de superar os impasses que cria; o segundo, temido em razão de erros do passado e da incerteza que ainda hoje desperta. “O que será seu governo?”, é a pergunta de nove, em dez, reuniões realizadas por empresários e economistas. Num cenário de desalento, aflitos, operadores econômicos acendem velas pelo milagre da “terceira via”.
Improdutivo especular sobre vias sem nome, que ainda não estão no Waze. Essa hipotética alternativa só terá futuro como “segunda via”; para isso, carecerá de fatos novos. Espremida entre direita e esquerda, terá pouco espaço para se expandir e ir ao segundo turno. Dependerá da fragilização de uma das margens que a oprimem. Pelas pesquisas, o nome de Lula está consolidado. Já à margem direita, pelos motivos acima, nem tanto.
O impeachment é pouco provável. Ao apaniguado Centrão, fiel da balança na Câmara, nesse momento mais interessa o governo frágil e dependente - e mais à frente, será tarde. Há sombras que não se pode descartar: no TSE, se analisa a impugnação da eleição da chapa Bolsonaro/Mourão. Mas, por enquanto, seria ocioso contar com isso.
Contudo, é bom lembrar que mesmo num ambiente de poucas perspectivas, no Brasil, tudo é possível. Ulysses Guimarães alertava que política é feita de fatos novos - consta que, reunido com amigos, mantinha cadeira reservada à “sua excelência, o fato novo”. Ele pode tardar, mas frequentemente aparece. E desorganizam tudo.
Objetivamente, a desidratação política de Bolsonaro seria um desses fatos. E, como sem Bolsonaro não haverá antibolsonarismo, uma nova segunda via poderia ser aberta com as máquinas do antipetismo. A inviabilidade, legal ou política, do presidente se sentaria na cadeira reservada pelo Doutor Ulysses. São lances possíveis, num jogo ainda pouco previsível.
Lula é sabedor disso e dos riscos num eventual governo. Hoje, não se sente pressionado e joga com a ansiedade dos outros. Em 2002, empurrou a divulgação da “Carta ao Povo Brasileiro” até junho. O presente, entretanto, é mais inclemente: mais cedo do que mais tarde, terá que emitir sinais claros do que pretende. A quem o criticava por decidir apenas sob pressão, Ulysses respondia: “sim, eu só decido sob pressão”. Sob pressão, Lula também pode criar um fato novo. É bom ficar de olho no jogo.
*Carlos Melo é cientista político e professor senior fellow do Insper.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/a-espera-de-fatos-novos.ghtml
Governo Bolsonaro manda cortar 87% de verbas para ciência e tecnologia
Ministério da Economia diminuiu de R$ 690 milhões para R$ 89 milhões complementação de recursos para o setor
Eduardo Rodrigues / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O Ministério da Economia diminuiu em 87% o encaminhamento de verbas para o setor de ciência e tecnologia neste ano - a queda foi de R$ 690 milhões para R$ 89,8 milhões. A perda do dinheiro com outras áreas frustrou pesquisadores, que já contavam com o dinheiro em 2021. Em sua decisão, o ministério alega que a proposta de orçamento para 2022 aumentará consideravelmente os recursos para projetos de pesquisa.
Em 25 de agosto, o governo enviou ao Congresso o Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) 16, que abria um crédito suplementar de R$ 690 milhões para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações no orçamento deste ano. Do montante total, R$ 34,578 milhões iriam para a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) e os R$ 655,421 milhões restantes seriam destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) – que apoia os programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico nacionais.
Entidades - entre elas a Academia Brasileira de Ciências, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e Andifes, que reúne os reitores das universidades federais - reagiram à medida. Em nota, os acadêmicos fazem um apelo pela reversão do corte pelos parlamentares e dizem que "está em questão a sobrevivência da ciência e da inovação no País".
Em ofício assinado pelo ministro Paulo Guedes e enviado nesta quinta-feira, 7, à Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso, o governo decidiu dividir os recursos que iriam integralmente para ciência e tecnologia com outros seis ministérios.
Na nova formatação, já aprovada nesta quinta pelos parlamentares, os recursos projetos de ciência e tecnologia caíram de R$ 655,421 milhões para apenas R$ 7,222 milhões – ou seja, apenas 1,10% da proposta original. Da proposta original de R$ 34,578 milhões para a produção de radiofármacos, o governo aumentou para R$ 82,577 milhões.
A fabricação de remédios para câncer pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), conforme revelou o Estadão, chegou a parar em setembro por falta de recursos. Esses medicamentos atendem entre 1,5 milhão e 2 milhões de pessoas no País.
No ofício do Ministério da Economia desta semana, a pasta alega que outro projeto – o PLN18, que ainda tramita no Congresso - destina mais R$ 18 milhões ao FNDCT neste ano. A equipe de Guedes também argumenta que, dos R$ 104,7 milhões orçados para ações do fundo em 2021, apenas R$ 87,4 milhões foram empenhados até agora.
“Para o ano de 2022, o Projeto de Lei Orçamentária Anual prevê a alocação total dos recursos do FNDCT em suas ações finalísticas, no montante de R$ 8,467 bilhões, sendo metade destinada às despesas primárias e metade às financeiras. No caso das despesas primárias, isso significa um acréscimo de R$ 3,723 bilhões, ou 729,9%, em relação ao PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) 2021”, acrescentou o Ministério da Economia.
No fim das contas, o maior beneficiário das mudanças no PLN16 foi o Ministério do Desenvolvimento Regional, que irá receber R$ 252,2 milhões, seguido pela Agricultura e Pecuária com R$ 120 milhões, o Ministério das Comunicações com R$ 100 milhões. A Educação recebeu R$ 50 milhões e a pasta da Cidadania ficou com outros R$ 28 milhões.
COLABOROU ROBERTA JANSEN
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-bolsonaro-corta-87de-verbas-para-ciencia-e-tecnologia,70003863548
Luiz Carlos Azedo: Um recado dos investidores
Sempre houve problemas, mas o Brasil era protagonista mundial na questão ambiental, por causa da legislação existente e do combate aos crimes ambientais
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Muito emblemático o desfecho do leilão de 92 blocos, ofertados ontem pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), para exploração de petróleo e gás natural: apenas cinco foram arrematados. Estavam distribuídos em 11 setores das bacias Campos, Pelotas, Potiguar e Santos. Entre as áreas que não receberam proposta, felizmente, estão os lotes próximos a Fernando de Noronha, onde, segundo ambientalistas, a exploração oferece riscos à fauna marinha. Foram arrematados dois blocos do setor SS-AP4 e três no setor SS-AUP4, ambos na Bacia de Santos. Das nove empresas que se inscreveram para participar da disputa, apenas duas fizeram ofertas.
A Shell arrematou sozinha quatro dos cinco blocos e formou consórcio com a Ecopetrol para arrematar o quinto. Inscreveram-se no leilão: Petrobras, Chevron Brasil Óleo e Gás Ltda., Total Energies EP Brasil Ltda., Ecopetrol Óleo e Gás do Brasil Ltda., Murphy Exploration & Production Company, Karoon Petróleo e Gás Ltda., Wintershall Dea do Brasil Exploração e Produção Ltda, e 3R Petroleum Óleo e Gás S.A. A ANP arrecadou R$ 37 milhões em bônus de assinatura, um investimento previsto de R$ 136 milhões. Há dois anos não se realizavam leilões, mas o desinteresse de investidores já havia sido registrado na rodada de outubro de 2019, na qual foram arrematados apenas 12 dos 36 blocos exploratórios ofertados pela ANP. Entretanto, à época, houve um recorde de arrecadação: R$ 8,915 bilhões. Agora, não. Talvez tenha sido esse o último grande leilão — o futuro dirá. Quanto mais profunda a camada pré-sal, mais cara e complexa é a exploração.
A forte presença da Shell tem uma explicação. Com 900 funcionários, a empresa está no Brasil há mais de 100 anos, tem forte participação no consórcio de Libra e conseguiu manter no Brasil o seu “cluster” de exploração, um arranjo que envolve centenas de empresas, milhares de técnicos e muita tecnologia, mas que costuma migrar para outras fronteiras de petróleo quando o ciclo de exploração é interrompido por algum motivo. Para dar lucro, da pesquisa geológica à distribuição do produto, esse arranjo produtivo precisa ser renovado, o que somente é possível com a previsibilidade e regularidade dos leilões. Quando são interrompidos, capitais, recursos humanos, financeiros e tecnológicos se dispersam — o Rio de Janeiro que o diga.
Há fatores mais importantes, porém, influenciando a desmobilização dos investidores. O primeiro é a reestruturação da economia mundial, globalizada, que está transitando do carbono para a energia limpa. Os melhores exemplos são a substituição de termoelétricas por usinas de energia solar e a produção em massa de carros elétricos. Europa e Estados Unidos já estão em pleno processo de conversão para a energia limpa, o que vem tendo forte impacto no mercado de petróleo. Não é à toa que os países produtores de petróleo, liderados pela Arábia Saudita e pela Rússia, reduziram a produção e jogaram os preços dos combustíveis para cima. Ou seja, há uma revolução energética em curso, impulsionando a nova economia.
O segundo, com certeza, é a centralidade do conceito de sustentabilidade na agenda globalista, na qual o Brasil adotou uma posição marginal. Em abril, os EUA, sob a liderança do presidente Joe Biden, voltaram a ter protagonismo no debate sobre as mudanças climáticas. No próximo mês, na Escócia, será realizada a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP). EUA, China, Índia, Rússia e Brasil estão entre os 17 países que respondem por 80% das emissões globais de CO2. A pressão internacional sobre esses países por causa do aquecimento global somente aumenta. As grandes expectativas são em relação à China, que promete um programa revolucionário de redução das emissões de CO2, e o Brasil, que continua “passando a boiada”, como diria o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Nova agenda
A nossa vanguarda do combate à degradação ambiental, principalmente às queimadas e desmatamentos, sempre foram os ambientalistas e técnicos dos órgãos governamentais, entre os quais o Ibama e o ICMBio. Sempre houve problemas ambientais, mas o Brasil era protagonista mundial na questão, por causa da legislação existente e da política oficial de combate aos crimes ecológicos. O presidente Jair Bolsonaro inverteu a situação ao implodir as políticas públicas e estimular os predadores do meio ambiente. Agora, porém, uma nova situação está sendo criada, porque as empresas brasileiras inseridas nas cadeias de comércio global e no mercado financeiro internacional estão aderindo às recomendações do Fórum Econômico Mundial, e passaram a ver a sustentabilidade como um dos eixos do ambiente de negócios. Essa aliança entre ambientalistas, técnicos governamentais e lideres empresariais está começando a virar o jogo.
Entretanto, a política continua sendo decisiva e, na atual legislatura, a agenda da sustentabilidade no Congresso está sob ataque do Centrão, em seus múltiplos aspectos, desde a legislação em relação a florestas e mananciais, à questão das terras indígenas. Um amplo espectro de forças, que vai da direita à esquerda, em razão de uma agenda desenvolvimentista, ainda prioriza a velha economia, em lugar da nova política globalista e da economia do conhecimento. É como se regredíssemos ao velho debate agrarismo versus industrialismo, de 100 anos atrás.
Luiz Carlos Azedo: Um olho no Lula, outro no Moro
Ao decidir depor presencialmente no inquérito que apura sua suposta interferência na PF, Bolsonaro faz um cálculo político
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Como aquele sujeito que frita o peixe com um olho na frigideira e outro no gato, o presidente Jair Bolsonaro informou, ontem, ao Supremo Tribunal Federal (STF) que pretende depor presencialmente no inquérito que apura a denúncia do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, ao renunciar ao cargo, de que estaria interferindo politicamente na Polícia Federal. O STF estava para julgar se Bolsonaro poderia prestar depoimento por escrito nesse caso, mas o ministro Alexandre de Moraes informou ao presidente da Corte, Luiz Fux, que o presidente da República havia mudado de posição.
O inquérito que investiga supostas interferências de Bolsonaro fora aberto após as denúncias de Moro, mas as investigações foram intensificadas em agosto, por determinação de Moraes. O caso é uma das razões do estresse de Bolsonaro com o STF, principalmente depois que o então relator do caso, ministro Celso de Melo, defendeu o depoimento presencial do presidente. A Advocacia-Geral da União havia recorrido dessa decisão, mas mudou de posição. A AGU afirma que Bolsonaro “manifesta perante essa Suprema Corte o seu interesse em prestar depoimento em relação aos fatos objeto deste inquérito mediante compare-cimento pessoal”. Segundo Moro, Bolsonaro tentou interferir em investigações da PF ao cobrar a troca do chefe da Polícia Federal no Rio de Janeiro e ao exonerar o então diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, indicado pelo ex-ministro. Bolsonaro sempre negou.
Ocorre que Moro divulgou troca de mensagens com o presidente da República sobre o assunto e revelou o teor da discussão entre ambos na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020, cujos vídeos foram tornados públicos por decisão de Celso de Mello. “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro e oficialmente não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f*** minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Se não puder trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”, dissera Bolsonaro na reunião.
Imagens fortes
A mudança de postura do Bolsonaro tem um cálculo político, não é apenas uma tática jurídica. Primeiro, o plenário do Supremo poderia exigir o depoimento presencial, porque o voto de Celso de Mello, antes de se aposentar, é muito robusto. Segundo, o ambiente é favorável, depois da carta que divulgou em 8 de setembro, desculpando-se pelas declarações contra os ministros Moraes e Luís Roberto Barroso, e o próprio Supremo. Terceiro, talvez a razão mais importante, Bolsonaro precisa produzir imagens vigorosas para a campanha eleitoral, que se contraponham a Moro, que dá sinais da intenção de se candidatar à Presidência, e também ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
As imagens da reunião ministerial e de Moro denunciando a suposta interferência de Bolsonaro são muito fortes, do ponto de vista do marketing político. Estão na memória da opinião pública e desgastaram muito o presidente. São tão impactantes que Moro, mesmo debaixo de críticas e morando nos Estados Unidos, continua pontuando bem nas pesquisas de opinião.
De igual maneira, também são muito fortes as imagens do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao depor perante Moro, no caso do tríplex do Guarujá, quando negou todas as acusações e sustentou sua inocência. São imagens que precisam ser confrontadas por Bolsonaro, não no cercadinho da saída do Palácio da Alvorada, ou nos palanques de suas viagens pelos estados. Tem que ser um cenário no qual também possa aparecer como vítima de falsidades e injustiças.
Do ponto de vista eleitoral, a situação de Bolsonaro não é boa. Sua imagem continua derretendo. Na pesquisa de opinião da Quaest entre quem ganha até dois salários mínimos, para 58% a avaliação é negativa, 22% acham o governo regular, enquanto para 17% o saldo é positivo. A reprovação cai para 49% entre os que ganham mais de cinco salários. Nessa faixa, 26% o consideram regular e 24% têm opinião positiva. Bolsonaro não pode mais se dar ao luxo de se posicionar sem levar em conta o impacto eleitoral de suas atitudes e declarações.