governo bolsonaro general
Arminio Fraga: ‘Não é justo governar só para economia formal’
Ex-presidente do BC cobra investimentos em educação e capacitação do trabalhador para reduzir a desigualdade
Douglas Gavras, O Estado de S. Paulo
“O governo atual parece não ter esse tema (o combate à pobreza) como prioridade, eles parecem comprar uma ideia mais antiga de que tem de fazer crescer o bolo antes de distribuí-lo. Ou que o crescimento por si só vai resolver o problema.”
Para Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, a reversão do avanço da desigualdade de renda e da pobreza passa pela retomada do crescimento mais robusto da economia com investimentos, de longo prazo, em educação e formação do trabalhador. “Não é justo governar só para os que estão na economia formal”, afirma. Para ele, é preciso olhar para a informalidade.
A necessidade de reverter o avanço da desigualdade de renda e da pobreza nos últimos anos, a partir da recessão de 2014 a 2016, passa pela retomada do crescimento mais robusto da economia e, no longo prazo, pelos investimentos em educação e formação do trabalhador, afirma o economista Arminio Fraga.
Ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, ele diz que é preciso prestar atenção ao aumento do trabalho informal, geralmente de pior qualidade e de remuneração mais baixa, e garantir que ele não seja um outro vetor de aumento da desigualdade.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que pode ser feito para reverter o aumento da desigualdade?
O País está há décadas crescendo pouco e houve um descaso histórico com áreas importantíssimas, que têm ligação com qualidade de vida e desigualdade: educação e saneamento, por exemplo. A piora dos últimos anos tem a ver com a profunda recessão que ainda nos assola. Aqui, o Banco Central vem agindo dentro do seu mandato, reduzindo bastante os juros. Essa seria a resposta mais direta e mais natural, pois o Brasil não é um país que está em uma armadilha de liquidez. Além da política monetária, o BC vem perseguindo uma relevante agenda de redução dos juros para as pessoas e empresas, ainda altos na maioria dos casos. E algumas reformas feitas nos anos recentes, como a trabalhista, devem contribuir para um aumento do emprego.
O aumento da pobreza e da desigualdade já era esperado, dado o tamanho da crise?
A pobreza extrema caiu ao longo dos anos, a desigualdade também, mas ela vem caindo pouco desde 2006 – esse cenário só piorou nos últimos quatro anos. Ouço dos especialistas que tem mais a ver com o impacto assimétrico da recessão sobre os mais pobres. Parece claro que existem algumas dimensões que precisam ser repensadas ou reforçadas. Os investimentos em educação estão no topo da lista, mas são de longo prazo. Tenho batido bastante na tecla de que redução das desigualdades e crescimento têm de andar juntos. Existe uma imensa agenda de redução de desigualdades e aumento de mobilidade social que precisa ser posta em prática. E inclui a viabilização de investimentos em outras áreas sociais, como saúde, transporte urbano, saneamento, segurança.
Se a volta do crescimento é importante para a redução da desigualdade, o que tem atrapalhado?
A minha visão é que prevalece um grau elevado de incerteza política, jurídica e até mesmo institucional que afeta decisões de longo prazo. E, como o espaço maior para investimento no Brasil parece ser o da infraestrutura, isso dificulta o deslanchar de projetos em uma área que já é, por natureza, muito difícil.
Se os índices pioraram desde a recessão, a tendência é que eles voltem a melhorar, com o reaquecimento da economia?
Sim, por definição, seria bom. Mas mesmo que as coisas deem muito certo, serão décadas para recuperar o tempo que se perdeu e reduzir a distância que nos separa dos melhores padrões globais. E também é importante levar em conta as tensões sociais e políticas, que prejudicam a formulação de boas políticas. Não vejo o Bolsa Família como uma política de combate à recessão. Ninguém quer estar em recessão, mas isso, às vezes, permite respostas mais rápidas.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que falta ao governo levar a questão da pobreza para o centro das discussões.
Sim, concordo. Esse deveria ser um foco permanente de atenção. O que acontece é que diferentes governos têm diferentes prioridades. O governo atual parece não ter esse tema como prioridade, eles parecem comprar uma ideia mais antiga de que tem de fazer crescer o bolo antes de distribuí-lo. Ou que o crescimento por si só vai resolver o problema. E outros, como eu, pensam que há muito espaço para agir em paralelo e que um lado reforça o outro.
A falta de recursos públicos pode justificar a ação do governo?
É uma questão de estabelecer prioridades, pois a falta de recursos é real. Especialistas em políticas sociais dizem que existe um problema de gestão e que repensar a maneira de gastar os recursos teria um impacto de primeira ordem. É um ponto de vista que precisa ser considerado, sobretudo quando o Estado brasileiro está em situação fiscal tão precária, do lado das suas finanças.
A ideia que o governo Bolsonaro já considerou, de não reajustar o salário mínimo, poderia frear a redução da pobreza e da desigualdade?
Quem analisa no detalhe o papel do salário mínimo, reconhece que o aumento dele foi muito importante ao longo de mais de 20 anos. No entanto, como política social, existem também custos. Fica essa questão. Outro tema delicado, quase censurado, é a questão da informalidade, que merece mais discussão. Falta uma análise aberta e honesta dessa questão. Ter 50% das pessoas desempregadas ou empregadas na informalidade é um problema social e de produtividade gravíssimo. É inevitável analisar isso de uma maneira desapaixonada. Não é justo governar só para os que estão empregados na economia formal e pertencem a sindicatos, que são mais fortes e cuidam mais dos seus. Como ficam os outros? Isso é debatido na academia, mas não vejo esse tema chegando à política.
Ricardo Noblat: O que Bolsonaro tem a aprender com a luta de boxe do século
Muhammad Ali x George Foreman, 1974
Queriam o quê? Que Lula, menos de 24 horas depois de ter sido solto, falasse moderadamente para um país que não o ouvia há 580 dias? Que fosse mais Lulinha paz e amor do que a jararaca que ficou enjaulada tanto tempo e que se diz inocente?
Lula reapareceu em São Bernardo com um único objetivo: retomar o comando de sua tropa. Foi para ela que falou, não falou para os que o detestam, nem mesmo para os que no futuro poderão ou não segui-lo. Um general de pijama, sem tropa, não vale nada.
Falou o que ela esperava ouvir. Mexeu com seus brios. Animou-a. E avisou aos interessados que passará os próximos 20 dias preparando um pronunciamento que fará ao país. Algo mais bem pensado e que dessa vez não contemple apenas os convertidos.
Estava em boa forma. Reinseriu os pobres na agenda de discussões que passa ao largo deles desde que Bolsonaro e Paulo Guedes subiram a rampa do Palácio do Planalto pela primeira vez. Ensinou que sem povo nas ruas as coisas ficam como estão.
Horas antes do reencontro de Lula com os petistas de raiz, Bolsonaro comportara-se mais ou menos da mesma forma. Convocou os seus a se reagruparem para combater “o canalha” que fora solto. Não citou o nome de Lula, nem precisava.
Lula livre deverá travar a língua de Bolsonaro. Ou deveria. Porque, sem responsabilidade de governo, Lula pode dizer o que lhe vier à cabeça. Bolsonaro, não. O presidente é ele. E qualquer passo em falso que dê o prejudicará, e por extensão ao país.
Nos últimos 10 meses, Bolsonaro governou com céu de brigadeiro. Sem oposição. Sem rebeliões de monta às suas costas. As confusões que enfrentou foram criadas por ele mesmo ou por seus filhos. Uma oposição abatida a tudo assistiu inerte e perplexa.
Se Bolsonaro não entender que a situação mudou e que está na hora de descer do alto dos seus sapatos, pagará um preço caro. Se não for capaz de assimilar golpes sem perder o controle e sem ir à lona, se arriscará a ver rolar morro abaixo a ideia de se reeleger.
Algum assessor de Bolsonaro deveria ler para ele o relato do escritor americano Norman Mailer sobre a luta monumental entre Muhammad Ali e George Foreman, no Zaire, África, em 1974, pelo título mundial dos pesos-pesados.
É considerada a mais inesquecível da história do boxe de todos os tempos. Ali perdera o título por ter se recusado a lutar a guerra do Vietnã. Então desafiou Foreman, seu sucessor, uma máquina de disparar socos. Retomou o título quando parecia derrotado.
Se quiser reunificar os cinturões, Bolsonaro deveria estudar a estratégia que Ali usou para vencer Foreman. Mais não conto porque seria spoiler.
Correio Braziliense 'A política não está e não vai entrar nos quartéis', afirma futuro ministro da Defesa
Para o general Fernando Azevedo e Silva, futuro ministro da Defesa, não serão os militares que ocuparão o poder, mas um presidente e um vice eleitos pelo povo. "Eles representam a população brasileira"
Por Ana Dubeux, Leonardo Cavalcanti e Paulo Silva Pinto, do Correio Braziliense
Nas salas e nos corredores do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) reservadas aos integrantes do governo de transição há uma inquietação típica das preleções de partidas de futebol. “É como se estivéssemos no vestiário à espera de entrar em campo, mas já estamos prontos”, afirma o general Fernando Azevedo e Silva, 64 anos, escolhido pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, para comandar o Ministério da Defesa. Responsável por coordenar as ações das três forças na Esplanada, o oficial sabe o que o espera na pasta criada em junho de 1999 por Fernando Henrique Cardoso e ocupada até o início deste ano apenas por civis, 10 ao todo. A sequência foi quebrada com a decisão de Michel Temer de confirmar no posto o também oficial do Exército Joaquim Silva e Luna.
“É um ministério estruturado, com projetos e programas bem definidos”, disse Azevedo e Silva, que, até a semana retrasada, ocupava a vaga de assessor no gabinete do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. O frenesi da transição de governo não é novidade para o general, que participou da troca de comando nas gestões José Sarney e Fernando Collor nos primeiros três meses de 1990. “Fui designado chefe dos ajudantes de ordem do então futuro presidente ainda em 1989, quando era major. Deixei o Rio guiando uma Brasília bege direto para o 'Bolo de Noiva'”, lembrou ele, fazendo referência ao prédio do Anexo II do Itamaraty, que alojou a equipe de transição na época. “O trabalho de hoje guarda semelhanças com o do passado.”
Azevedo e Silva diz acreditar que o protagonismo de militares no governo Bolsonaro não apresenta qualquer risco de desgaste para as Forças Armadas. “Os da ativa continuarão com as mesmas missões, os que estarão no governo atuarão como servidores. Não há riscos”, afirmou ele, durante uma entrevista de uma hora, na tarde da última sexta-feira, no gabinete do CCBB. No início do mês, em entrevista à Folha de S.Paulo, o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, disse que Bolsonaro não representa a volta dos militares, mas há risco de politização dos quartéis. “Não vejo esse risco. A gente está há muito tempo voltado para a nossa atividade-fim. A política não está e não vai entrar nos quartéis”, considerou Azevedo e Silva.
A relação com o presidente eleito é antiga, vem da Academia Militar das Agulhas Negras ainda na década de 1970. Eram atletas militares — Bolsonaro no pentatlo, Azevedo e Silva, no vôlei. “Também atuamos juntos num período que fui assessor parlamentar do Exército no Congresso, em defesa de projetos comuns.” O militar afirma que não há qualquer dificuldade na relação entre um capitão e um general. “Isso não existe. Ele será o comandante supremo das Forças Armadas”, disse o militar, que foi chefe das operações brasileiras no Haiti. Botafoguense, nascido no Rio de Janeiro, o general deixou a farda e entrou para a reserva este ano e parece cada vez mais confortável com o terno e a gravata. Confira os principais trechos da entrevista:
O cargo de ministro da Defesa estava prometido ao general Augusto Heleno, que agora vai para o GSI. Como se deu a troca?
O general Heleno, dentro da nossa força, é muito conceituado pela capacidade, pela inteligência. Ele é meu padrinho de espada, me conhece desde o colégio militar. Somos parceiros. Foi ele quem me entregou a espada, como o general mais velho. Ele veio assessorar o Bolsonaro, estava em Brasília, montaram aquele grupo aqui e foi se aproximando nos trabalhos. Foi designado para a Defesa pela capacidade e por ser bem-aceito pelas outras Forças. Mas o presidente foi vendo que seria muito importante a presença dele ao lado, diretamente. O GSI tem uma reunião diária às 9h no Planalto. O contato com o presidente é maior. E na Defesa não, é um ministério totalmente organizado, tanto que talvez seja o único que não seja mexido, porque é totalmente organizado. Foi com razão e sabedoria que o futuro presidente o levou para lá.
Então não teve segredo?
Não. Foi de capacidade e oportunidade. Não tem outra leitura. É essa. No meu tempo da presidência da República (gestão Collor), o general Heleno era da presidência também. Ele era do gabinete militar. Ele, coronel e eu, major. Então, ele tem uma experiência ali dentro, e o chefe da Casa Militar na época se valia muito dele. Então ele já tem essa bagagem. Depois, ele pegou uma das funções mais difíceis, foi a primeira força de comando no Haiti. Comandante das Forças da ONU. Eu era chefe de operações do Brasil. Ele pegou o momento mais delicado do Haiti. Fui chefe de operações do contingente brasileiro.
Quais os principais desafios em relação ao Ministério da Defesa?
O ministério em si é pequeno, enxuto. É mais para politicamente apoiar as Forças e seguir o que está previsto, que é o norte que a gente não tinha. A partir de 2004, nossos principais regulamentos saíram, que foram a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco da Defesa. Isso deu um sentido normativo nas Forças do que fazer, como fazer e qual é a prioridade de cada Força. Fora isso, os portfólios, os programas e projetos de cada Força são muito bem-feitos de acordo com a necessidade que o país tem. Qualquer país que quer ser grande e forte tem que ter uma Força Armada adequada e forte.
A impressão que a gente tem é de que as Forças estão aquém em termos de investimento.
É aí que eu vou chegar. Primeira coisa, não existe uma Força isolada da outra. São operações conjuntas. É Marinha, Exército e Aeronáutica. Um complementa o outro. Mas cada Força tem o seu programa e projeto. Os principais, o Ministério da Defesa orienta, que eram aqueles projetos previstos no PAC antigo, agora no Avançar e vamos ver se terá outra roupagem. Mas são aqueles estratégicos de cada Força. O mundo está em constante mudança tecnológica, temos de acompanhar. Temos que olhar um pouco a indústria nacional de defesa, muito importante porque capacita. Tem indústrias estratégicas. Mas temos um limitador, que é a questão orçamentária. Os projetos andam rápido, ou nós temos que mudar o escopo ou o prazo deles de acordo com a injeção orçamentária. E o país em dificuldades, nós também passamos por dificuldades. O limitador nosso é orçamento. É que não deve ser prioridade só para as Forças Armadas. Não deve. Tem saúde, educação e agora a segurança pública, talvez como um discurso prioritário, mas qualquer país grande que se preze na dimensão do Brasil não pode relegar as Forças Armadas.
O senhor acha que com o novo presidente existe a possibilidade de um aumento desse orçamento?
Eu não digo de um aumento de orçamento, porque nós vamos ver quais serão as medidas econômicas e o resultado efetivo delas, mas eu digo que a compreensão tende a ser maior dos assuntos das Forças Armadas, porque o presidente eleito e o vice têm a nossa origem. Tem um núcleo militar que está ajudando, que eu faço parte. Acredito que a compreensão maior e melhor um pouco dos termos militares vai ocorrer.
Na área militar, tem coisas que se não forem feitas no tempo certo acabam se perdendo. Lembro do avião KC…
A estratégia nacional de defesa definiu como prioridade com as Forças aqueles programas estratégicos. Na Força Aérea, a parte aérea espacial. A Marinha na parte nuclear e de submarinos, e o Exército na parte da cibernética. Então ela fatiou esses três principais temas entre as forças. Fora os projetos estratégicos de cada um. Vocês citaram o KC-390. A Marinha tem o submarino dela, o Exército tem o Sisfron (Sistema de Monitoramento de Fronteiras), que é importantíssimo. A demanda em relação à faixa de fronteira é muito grande. Não adianta colocar soldados de mãos dadas na faixa de fronteira de 17.000km que não terá efetivo que dê conta. Não é esse o jeito. O jeito é a tecnologia que existe à disposição, que está no programa do Sisfron, que é um projeto muito bom que vai dar uma capacidade de vigilância e monitoramento na faixa de fronteira. Mas ele está com atraso. O escopo está sendo mudado um pouco para se adequar ao orçamento, está dilatando o prazo. Isso não é bom, porque a tecnologia vai se aperfeiçoando.
Em relação aos outros países, estamos muito distantes?
Também não é tanto. Você vê a fronteira do EUA com o México. É bem menor do que a nossa. E eles têm problema de fronteira até hoje. Não conseguiram segurar a fronteira ainda. Israel usa muita tecnologia, é um país de ponta nesse sentido. Mas outra coisa que nós fizemos aqui, e o pessoal não percebe, que é a Amazônia. Nós sempre demos prioridade para a Amazônia. O Centro-Oeste, a mesma coisa. Na Amazônia, em 10 anos, passamos de 10 mil homens para 25 mil homens. Nós extinguimos unidade do Sul do país, no Leste, o Rio de Janeiro, para levar para a Amazônia sem aumentar o efetivo. As forças também.
Quantos anos o Sisfron está atrasado na avaliação do senhor?
Ele está aumentando o prazo e diminuindo um pouco o escopo, os meios, a matriz inicial. Isso significa, por exemplo, que um sensor mais sofisticado, com redundância, com tudo, a gente está diminuindo. Em vez de ter em toda a linha de fronteira, seria nas passagens principais. Estamos levando o projeto para dentro do cofre e não o cofre para dentro do projeto.
Em comparação com as outras fronteiras dentro da América do Sul, podemos dizer que o nosso sistema de controle é maior?
O nosso sistema é muito mais difícil pelo tamanho. Não dá para comparar uma faixa de fronteira com os outros. É muita coisa. Na Amazônia, os rios não delimitam a faixa de fronteiras, são penetrantes. São verdadeiras estradas para dentro do Brasil. Daí você vai chegando para o Centro-Oeste e para o Sul, vem as linhas secas. Então é uma situação difícil a nossa fronteira. Mas, veja, batem muito nesse negócio de entrada pela faixa de fronteira. Porém, uma das maiores apreensões de armas ocorreu no Aeroporto do Galeão, um lote vindo de Miami, dentro de aparelhos de ar-condicionado. A fronteira não é ali.
Especialistas nessa área criticam o fato de o Ministério da Defesa agora ser ocupado por um militar. O que o senhor acha dessa polêmica?
Eu não acho que seja relevante. Tem que ser alguém da cota do presidente, da confiança dele. Se levar um civil com muita bagagem política, tem a vantagem de ele ter muito contato político. Se levar um de origem militar, você tem certeza de que ele tem pleno conhecimento da atividade militar, o que é uma vantagem. Então, é um jogo. No meu caso, tenho experiência em outros poderes. Eu tive trato com o Judiciário, com o Executivo. Tenho certeza de que sou de plena confiança e lealdade do presidente, por conhecimento anterior. Eu acho que é uma discussão que não tem que ser isso ou aquilo. Depende.
Quando o senhor conheceu Bolsonaro?
A gente se conheceu na escola, no quarto ano e ia formar a aspirante. Aquele ano da formatura é o ano da turma. Eu sou da turma de 1976 e Bolsonaro é de 1977. Éramos atletas. Eu fazia alguns esportes, mas o principal era voleibol. Ele era pentatlo militar. Mas tinha aquele negócio de equipe e depois fomos paraquedistas praticamente juntos. Agora, onde nós tivemos mais contato foi na assessoria parlamentar, que ele já era deputado. Foi o início de governo com várias reformas, eu me dava muito bem com a assessoria dele, com ele. E ali surgiu uma confiança maior ainda. Ele como parlamentar e eu como representante do Exército. A partir daí, nunca perdemos contato. Pelas funções que eu exerci, na brigada paraquedista, ele ia sempre lá. Toda solenidade ele fazia questão de estar lá.
No começo da carreira política dele havia uma certa resistência do Exército quanto a ele...
Foi diminuindo e acabou. Ele era um parlamentar, tinha umas ideias que combinavam com as nossas. Todas as demandas nossas eram também demandas da base parlamentar dele. Havia uma convergência. Previdência, estatuto do desarmamento e outras discussões menores que afetam ou ajudam as Forças Armadas. E o gabinete dele era especializado nisso aí.
Os próprios militares consideram que um dos momentos mais efetivos das Forças Armadas foi no governo Lula. O senhor concorda com isso?
O governo Lula, especialmente no primeiro mandato, teve um crescimento econômico mundial que o Brasil acompanhou. Foi um período bom para a gente em termos de material, de equipamentos. Os outros não foram ruins, mas, no contexto, todos os presidentes sempre respeitaram as Forças Armadas. Uma pesquisa recente apontou 80% a confiabilidade nas Forças Armadas.
Mas com o protagonismo deste momento, não há um risco de desgaste caso o governo Bolsonaro venha a falhar?
Essa é a pergunta de que eu mais gosto. Eu não vejo as coisas assim, não. Não são os militares que estão no poder. Tem um presidente e um vice-presidente que foram eleitos pelo povo. A origem deles que é militar. Eles estão consignados pelo voto. Eles representam a população brasileira. A maioria da população que depositou os votos. O que vamos fazer nesse governo é o que foi feito nos outros. O pessoal da ativa estará voltado para a atividade-fim, pela Constituição, pelas leis infraconstitucionais, pelos regulamentos nossos, assim como tivemos nos outros períodos. Eu acho que o nosso papel está muito bem definido e o dos governantes está definido pelo regime democrático.
Mas, para a população, essa imagem não está colada?
Está colada pela origem militar do capitão. Isso é bom para a gente. Tem uma grande confiabilidade nas Forças. O que nós fizemos nos últimos tempos pelo Brasil, pela população. Estamos distribuindo água no Nordeste há 18 anos. Começou como uma emergência. Estamos em Roraima, estamos no Rio de Janeiro. Ajudamos até nas Olimpíadas, nas greves dos caminhoneiros, na greve do Espírito Santo.
O resultado das urnas é reflexo desse trabalho?
Eu acho que pode ser. Reflexo do grau de confiabilidade. E nisso teve origem. Eu não vou tratar, nessa linha de raciocínio, que ele é capitão e eu, general. Não. A partir do dia primeiro, ele é o comandante supremo das Forças Armadas. Vou prestar minha continência, as saudações regulamentares ao presidente supremo das Forças Armadas que foi eleito.
Mas, nos últimos anos, alguns oficiais, incluindo o próprio vice, Mourão, fizeram discursos e falaram até mesmo de intervenção militar...
Tivemos dois impeachments. A regra democrática em relação ao impeachment foi cumprida do início ao fim. Teve o afastamento, teve o julgamento final, e nós não nos envolvemos nisso. Eu lembro porque na época eu era assessor do comandante do Exército. Ele usava o termo legitimidade e integridade. Então, isso significa que vamos seguir a Constituição. Pronto e acabou. Outros da reserva eu não sei.
O comandante Villas Boas disse em entrevista recente que Bolsonaro não é a volta dos militares, mas há risco de politização dos quartéis..
Eu não vejo esse risco. A gente está há muito tempo voltado para a nossa atividade-fim. Eu fui comandante militar do Leste, dos paraquedistas, eu não tinha tempo para fazer mais nada. Copa do Mundo, Olimpíada, Espírito Santo, indo para lá e voltando. O tempo todo isso aí. A gente estava em treinamento, se preparando. Eu acho que a política não está e não vai entrar nos quartéis.
O senhor avalia como acertada a criação do Ministério da Defesa?
O Ministério da Defesa era um caminho natural. Passou uma das duas grandes coisas do Ministério da Defesa. Uma é que define quem é o representante político das Forças Armadas. Deu uma verticalização nisso aí. Outra grande coisa foi ter o poder, já que o ministro está em cima, de obrigar uma integração mais efetiva.
Houve perda? Eu me lembro que, no início, alguns se sentiram rebaixados.
Era um caminho inexorável. Nesses dois aspectos. Define quem é o representante político das Forças e na integração e normalização das equipes. O mundo foi num caminho e não faz mais sentido que as operações não sejam conjuntas.
Quais os desafios da pasta? Que outros aspectos o senhor citaria?
A grande tarefa é tentar dar oxigênio aos programas e projetos estratégicos das três Forças.
Qual será a marca do governo Bolsonaro?
Eu o acompanhei durante as eleições e tenho acompanhado agora mais de perto. A mesma pessoa que eu conheci no tempo de militar, como deputado, e agora, ele não mudou nada. Ele é muito autêntico. Eu acho que isso é uma vantagem. Ele é uma pessoa que a gente enxerga o que ele é. Ele é aquilo. E foi eleito por conta disso. A população identificou que ele fala o que pensa, e o que vai tentar fazer. É isso que eu escuto também. Mas vamos ver, ainda não começou. Estamos no vestiário, prontos para entrar.
O protagonismo de integrantes do Exército no governo não gera incômodo para as outras forças?
Não. De maneira alguma. As Forças, atualmente, estão preocupadas com as suas próprias tarefas. Então, ninguém está colocando dentro da Marinha alguém que não seja marinheiro. Ninguém está colocando dentro da Força Aérea alguém que não seja integrante da força aérea. E nem no Exército. Então, as forças estão preservadas em sua essência. O vice-presidente foi eleito dentro da chapa. Não tem ninguém na área de saúde que seja indicado pela saúde, agora da educação. São áreas prioritárias. Na Defesa ser um militar, no GSI, eles estão vocacionados para essa área.
Como o senhor avalia a situação no Rio de Janeiro?
Ordem não se discute, se cumpre. Se julgaram necessário, o presidente da República quis. A partir do momento que foi decisão, nós assessoramos. Eu acho que está sendo válida. Por enquanto, pelo que eu sei, não deve prorrogar. Vai até 31 de dezembro. Lógico que a situação do Rio não é a curto prazo. É de médio a longo prazo. Sou carioca, comandei lá. É um longo prazo. Agora, há planejamento, aplicação dos recursos que já estão licitados. A estratégia precisa ser seguida.
E algumas ideias de sniper defendida pelo governador eleito do Rio? O senhor defende isso?
Tem que ver a legislação que está em vigor. Eu aplico o que está escrito. Não podemos fugir, porque é muito sensível. Vamos seguir a regra em vigor. Se sair da regra vigente, aí não.
Mas, como ministro, o senhor pode inclusive defender a mudança de regras legais...
Eu acho que tem que ver com calma isso aí. Tem que ver qual é a opinião do pessoal que está entrando. Isso afeta um pouco a segurança pública e os estados. Eu como Defesa não sou a linha de frente disso. Tem que ver. Tem que conversar com o ministro Sérgio Moro. No caso do Rio de Janeiro, conversar com o Braga Neto. É um assunto que tem que ver com calma.
As Forças Armadas atuando como força interna é controversa, pois não é a função principal. Como o senhor avalia isso? Atrapalhou?
Atrapalhar é um termo que a gente não deve usar. A gente cumpre missão. Eu acho que uma intervenção dessa de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) tem que ter um amparo legal total para fazer isso. Outra, tem que ser episódico e temporário. Não pode se perpetuar. Essa é uma missão precípua da Polícia Civil e da Polícia Militar, dos órgãos de segurança dos estados. Então, em uma emergência temporária.
Existe uma pressão muito grande nas próprias GLOs que se tenha regras e garantias nos confrontos. E isso fazendo sempre referência quem defende as mudanças as regras de engajamento omo o Haiti.
É diferente. Eu fui chefe de operações no Haiti. Vou te dizer com bastante certeza. A atuação da ONU no Haiti foi um acordo que o organismo internacional fez com o país. Eles assinaram: podem vir para cá que eu quero. E vocês fazem a regra. Então tinha uma regra de engajamento muito bem definida pela ONU. E nos amparava. Vamos para o Brasil: não tem isso. Têm as leis que estão em vigor. Meu soldado tem que dar cobertura para ele. Eu tenho que dar a certeza jurídica para ele cumprir bem a missão dele. E está muito cedo para eu dar a opinião do que devemos estudar ou mudar.
No Haiti a situação é mais bem definida…
A gente tinha um respaldo institucional firmado entre organismo internacional e o país.
No Haiti, houve uma licença para matar?
Não. Não teve não. Alguém portando rifle era considerado uma ameaça. Tanto para a população haitiana como para as nossas tropas. Então, a ameaça podia ser abatida.
Mas é isso que dizem que precisa ter aqui.
O Haiti estava sob uma intervenção em todo o país. Aqui não é em todo o país. Nós estamos no Rio de Janeiro. A nossa lei tem uma abrangência em todo o território nacional. A situação no Rio talvez não seja a mesma situação de São Paulo, de Minas, do Rio Grande do Sul. As responsabilidades da parte de segurança pública competem, prioritariamente, ao estado. E não ao país como um todo. Você tem uma PM de São Paulo, uma de Minas. É diferente.
Mas é possível ver uma saída no Rio?
Eu acho que sim, pelos índices apresentados. Agora o principal vai ser se a estratégia de segurança pública feita pelo governo de intervenção do Rio for cumprida até o final. Eu acho que a situação pode melhorar muito.
Por que muita gente chegou à conclusão de que a situação da segurança no Brasil não tem jeito?
Eu acho que tem jeito, sim. E agora entrou no debate nacional a segurança pública. Isso já é um grande passo. Ficou ruim e foi cobrado pela população. Aquele que queria ser eleito e não abordou o problema de segurança pública do seu estado não foi eleito. Então, educação, saúde e segurança pública entraram na pauta. Agora, em 1º de fevereiro, o Legislativo começa a funcionar, as comissões vão ter que discutir intensamente esse assunto. Essa é uma prova do próprio Judiciário. Criou um grupo de trabalho para ver onde a Justiça pode apoiar na parte de segurança pública.
Uma das bandeiras do presidente eleito é o combate à corrupção. Por que chegamos a essa situação e o que vai ser feito efetivamente para que o Brasil volte a trilhar um caminho mais certo?
Eu acho que a corrupção é uma coisa que está sendo combatida. Você vê desde aqueles escândalos, dos Anões do Orçamento, dos Correios, agora a Lava-Jato. Acho que nunca o Judiciário enfrentou ou definiu tanto esses problemas. Não faltam exemplos para serem citados. Acho que está no caminho certo. O futuro ministro da Justiça (Moro) deu muito exemplo em relação a isso. Ele é referência. Os outros órgãos do Judiciário não se furtaram a isso. O Ministério Público, também não. Eles enfrentaram e chegou até o Supremo Tribunal Federal (STF). É aproveitar essas experiências desse atual governo e implementar mais essas medidas. Mas que está sendo combatida a corrupção, está. É só olhar as prisões feitas.
O senhor tem experiência no Judiciário e no Legislativo. Quais são características desses dois poderes que a maior parte das pessoas não conhece?
Para mim foi uma experiência muito boa trabalhar tanto no Legislativo como no Judiciário. O ministro Toffoli cita uma frase que diz o seguinte: “O Legislativo é o que tem que olhar para o futuro, o Executivo, para o presente e o Judiciário tem de rever o que foi feito no passado para que não se repita no presente e no futuro. Como se diz: “A democracia pode ser pior do que todos os regimes, exceto todos os outros.