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Míriam Leitão: Pacote de ruído assusta o capital

O Brasil tem sido visto como um pacote de problemas pelos investidores. Há baixa perspectiva de crescimento, alta acelerada da dívida, ruídos institucionais e má condução da pandemia. É o que explica Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do banco americano Goldman Sachs. Ele também avalia como tímidas as reformas aprovadas nos últimos quatro anos, como a da Previdência, porque ela não incluiu estados e municípios e manteve privilégios para algumas categorias.

Ramos é português de nascimento e está na Goldman Sachs desde 2003. Antes disso, foi economista sênior do FMI. É PhD em Chicago, onde foi professor. Tinha tudo para achar que um governo que chegou ao poder defendendo um programa liberal estaria no caminho certo. Ele é defensor de um programa forte de reformas e acha que elas serão mais necessárias depois da pandemia, porque a projeção do FMI, divulgada ontem, é de que a dívida brasileira chegará a 100% do PIB.

— O Brasil está sofrendo o que todo mundo está sofrendo na pandemia, mas, além disso, tem ruídos políticos e institucionais que persistem e podem levar à perda de governabilidade. São coisas que não ajudam, com risco fiscal elevado, e a economia sem crescimento e com desemprego alto — alerta.

O economista faz uma lista do que considera como ruídos provocados pelo governo, que, em sua visão, trabalha com uma “polarização muito grande”, o que não ajuda na recuperação da crise.

— Tem ruído entre governo e Congresso, entre governo e STF, entre governo e imprensa, entre o governo e o próprio governo, da equipe econômica do Paulo Guedes com assessores do presidente e outros ministros. Houve as saídas dos ministros da Educação, da Justiça, de dois ministros da Saúde em plena pandemia. Há fricção entre o governo federal e governadores — afirmou.

Este ano, os investidores estrangeiros já tiraram R$ 73 bilhões da bolsa brasileira e o risco-país subiu acima da média de outros países emergentes. A recuperação do índice Ibovespa, que saltou da casa dos 65 mil para os 95 mil pontos, aconteceu principalmente pela entrada do investidor pessoa física brasileiro, que tem fugido da baixa rentabilidade da renda fixa. Muitos são pequenos investidores tendo a primeira experiência. A grande dúvida, para quem faz projeções de longo prazo no país, é se o Banco Central vai conseguir manter a taxa Selic em patamares baixos, caso o governo e o Congresso não consigam transmitir confiança de que vão conter a escalada da dívida.

— O Brasil é como uma família que já estava no cheque especial e sofreu um acidente de carro. Vai ter que se endividar mais para consertar o veículo. E com isso pode ter que pagar juros mais caros no cartão. No pior cenário, pode até ficar sem o cartão — disse.

A imagem do cartão serve para explicar a situação fiscal do Brasil. Já não era boa antes da pandemia. Agora, como em todos os países, o gasto está dando um salto pela crise da saúde. Na visão de Alberto Ramos, o aumento da “fricção” institucional diminui a chance de se obter consensos políticos para a futura aprovação de reformas.

De Nova Iorque, onde mora e trabalha, o economista não acredita em risco de ruptura institucional no Brasil. Entende que há “excessos de linguagem” por parte de alguns atores políticos, mas faz um alerta. Continuar com esses ruídos não seria bom para a economia, porque haveria forte aumento do risco, disparada do dólar e fuga de capitais. Em outras palavras, isso aprofundaria a recessão:

— Seria um ambiente que poderia levar à retração do investimento, e com isso à destruição do potencial de crescimento da economia, pela instabilidade e aumento do risco. Isso confunde a cabeça do investidor. É ruído desnecessário e de custo econômico elevado.

Embora haja o temor de uma segunda onda do coronavírus nos Estados Unidos, a recuperação da economia americana tem sido melhor do que o esperado, na visão de Ramos. Na América Latina, o cenário é pitoresco: há dois líderes conservadores, Bolsonaro e Piñera, promovendo aumento de gastos, um populista de esquerda no México cortando despesas, e o FMI na Argentina aplaudindo quebras de contratos e permitindo reestruturação da dívida.