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Encurralado, Bolsonaro incita radicalização das ruas
Bolsonaro tem estimulado manifestações regulares contra o STF e o Congresso desde que tomou posse, em 2019
Enfrentando queda constante de aprovação, economia em crise, pandemia, o fantasma de um apagão energético, insatisfação crescente entre o empresariado e denúncias de corrupção, Jair Bolsonaro convocou para esta terça-feira, feriado de 7 de Setembro, seus apoiadores a ocuparem as ruas.
A convocação faz parte de uma tentativa de demonstrar alguma força do governo e intimidar Poderes e setores da sociedade que vêm se opondo às movimentações golpistas do presidente e seus aliados.
Na semana passada, Bolsonaro tentou pintar os atos como manifestações pela "liberdade de expressão" e defesa do voto impresso, mas as mensagens de convocação nas redes bolsonaristas e falas do presidente explicitam um tom golpista do movimento e que os atos têm como alvo principalmente o Supremo Tribunal Federal (STF). Recentemente, o STF determinou a prisão de aliados do presidente que incitaram violência contra ministros da Corte.
"Não pode uma pessoa do STF e uma do TSE se arvorarem agora como as donas do mundo", disse Bolsonaro na semana passada, fazendo referência aos ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso - este também presidente do TSE -, que são encarados como inimigos pelo presidente e sua base. Ele também afirmou que as manifestações serão um "ultimato" para os ministros.
Já auxiliares do presidente afirmaram à imprensa que os atos de 7 de Setembro também se converteram em uma oportunidade para Bolsonaro tentar mostrar que ainda consegue mobilizar as ruas, apesar da sua queda de popularidade e risco crescente de perder as eleições de 2022, de acordo com pesquisas.
Atos bolsonaristas são esperados em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre e outras capitais.
Em Brasília, apoiadores, incluindo alguns caminhoneiros, começaram a se concentrar já na segunda-feira à noite, invadindo e ocupando a Esplanada dos Ministérios. Vários manifestantes exibiam faixas pedindo um golpe militar, defendendo um novo "AI-5" e o fechamento do Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF). Caravanas de apoiadores que viajaram de ônibus também chegaram à capital nos últimos dias.
Um dos filhos do presidente, o deputado de extrema direita Eduardo Bolsonaro, confraternizou com os manifestantes. Membros do governo também celebraram a invasão em suas redes sociais. Como é costume em aglomerações de bolsonaristas, que reúnem também negacionistas da pandemia, praticamente ninguém usava máscara contra a covid-19.
Apoiadores do presidente invadiram Esplanada do Ministérios na segunda-feira
O movimento tem sido estimulado há semanas pelo presidente, que vem adotando uma linguagem ainda mais radical que a usada em atos similares no primeiro semestre de 2020.
Bolsonaro deve comparecer a dois atos desta terça-feira. Primeiro em Brasília e, depois, na avenida Paulista, em São Paulo, o principal termômetro de manifestações no país.
Há temor de que policiais bolsonaristas venham tomar parte nos atos e que os protestos sejam marcados por violência. Em Brasília, a invasão da Esplanada por apoiadores do presidente encontrou pouca resistência da PM local e nos últimos dias vários policiais da ativa foram flagrados compartilhando mensagens de apoio ao movimento golpista em suas redes sociais.
Expectativa bolsonarista
Em várias redes bolsonaristas, seguidores mais fanáticos do presidente têm encarando os protestos do feriado como uma oportunidade de insurreição similar a que ocorreu em 6 de janeiro nos EUA, quando uma turba de apoiadores de Donald Trump invadiu o Capitólio para tentar impedir a confirmação da vitória de Joe Biden, ou como uma chance de estimular as Forças Armadas a aderirem ao movimento.
Publicações nessas redes também têm procurado agitar os apoiadores com mensagens repletas de boatos e fake news de que o Exército vai se juntar ao movimento ou que os protestos vão contar com adesão ampla de caminhoneiros.
Influenciadores bolsonaristas já estimularam atos violentos no passado que acabaram não se materializando ou que não geraram o efeito desejado. Dessa forma, analistas apontam que os atos podem se limitar a servir para mais uma vez agitar a base extremista do governo e alimentar a tensão permanente com outros Poderes.
Mas é dado como certo por fontes do governo que Bolsonaro deve apostar em discursos incendiários nos atos de Brasília e São Paulo, arrastando ou ampliando a crise institucional no país. Ao jornal Folha de S.Paulo, o cientista político Marcos Nobre avaliou que Bolsonaro não vai dar um golpe neste feriado, mas apontou que a mobilização é mais um exercício no caminho de uma ruptura.
Já o ex-ministro da Defesa e da antiga pasta da Segurança Públicia Raul Jungmann afirmou ao Estado de S.Paulo que "Bolsonaro não detém força para promover um golpe, mas distúrbios e violência, sim".
Apesar de intensa campanha nas redes e o estimulo do presidente, os atos bolsonaristas não devem furar a bolha do movimento. Uma pesquisa da Quaest Consultoria e Pesquisa com o banco Genial Investimentos divulgada na segunda-feira mostrou que 51% dos entrevistados não sabiam que há manifestações marcadas para o feriado. Já um levantamento Datafolha divulgado em junho também mostrou que 75% dos brasileiros apoiam a democracia e que 78% consideram que o regime militar foi uma ditadura.
Reação
O Supremo Tribunal Federal, um dos alvos favoritos de críticas dos bolsonaristas, já reforçou a segurança do seu prédio para desestimular potenciais atos de depredação ou invasão. Na semana passada, o presidente do STF, Luiz Fux, advertiu que "a liberdade de expressão não comporta violências e ameaças".
Os presidente do Senado e da Câmara, aliados de Bolsonaro, têm tentado se distanciar das manifestações. " O presidente sabe da responsabilidade dele com relação a isso e sabe que é o único a perder se por acaso houver tumulto na manifestação", disse o deputado Arthur Lira na última quinta-feira. No mesmo dia, o senador Rodrigo Pacheco afirmou que "não se negocia a democracia".
A convocação do presidente também gerou reação internacional. Na segunda-feira, ex-presidentes, parlamentares e personalidades de 26 países alertaram para os riscos que os atos podem representar. "Nós, representantes eleitos e líderes de todo o mundo, estamos soando o alarme: em 7 de setembro de 2021, uma insurreição colocará em risco a democracia no Brasil", apontou o documento divulgado pelo grupo.
O presidente também tem demonstrado contrariedade com a prisão de aliados como o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) e o presidente do PTB Roberto Jefferson, que fizeram ameaças ao STF. Nas redes de extrema direita os dois políticos extremistas são pintados como "mártires" do bolsonarismo.
Nos últimos dias, diante da escalada promovida por Bolsonaro com as manifestações, o STF determinou ações contra outros personagens do bolsonarismo. Na sexta-feira, policiais federais prenderam, por ordem do STF, um blogueiro bolsonarista no âmbito do inquérito que investiga a organização e o financiamento de atos antidemocráticos. No domingo, outro bolsonarista foi preso após afirmar numa live que um "empresário grande" estaria oferecendo dinheiro pela "cabeça" do ministro Moraes "vivo ou morto". O ministro Moraes também determinou o bloqueio de contas que estão canalizando doações para os protestos de extrema direita.
Moraes ainda determinou o cumprimento de mandados de busca e apreensão em endereços vinculados a Gilmar João Alba, flagrado com 505.000 reais no Aeroporto de Congonhas — a suspeita é que o valor seria usado para financiar os protestos, o que ele nega.
Grito dos Excluídos
Também estão previstos para esta terça protestos contra Bolsonaro e manifestações no âmbito do Grito dos Excluídos, conjunto de atos populares que ocorrem no 7 de Setembro desde a metade da década de 1990. Pelo menos 131 atos conta o governo devem ocorrer pelo país.
Em São Paulo, os atos vão ocorrer no Vale do Anhangabaú, a partir de 14h, mesmo horário da manifestação da extrema direita bolsonarista na Avenida Paulista, que fica a apenas quatro quilômetros do local. Em Brasília, apenas três quilômetros vão separar as duas manifestações.
Para garantir a segurança em São Paulo e evitar possíveis atos violentos, o governo de São Paulo vai deslocar 4 mil policiais.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/encurralado-bolsonaro-incita-radicaliza%C3%A7%C3%A3o-das-ruas/a-59108241
Pesquisa: desaprovação do governo Bolsonaro bate recorde, com 61%
Desempenho do presidente também atingiu a pior fase, com 64% dos entrevistados desaprovando Bolsonaro
Estado de Minas
Um dia antes das manifestações que prometem tomar às ruas neste 7 de Setembro, pesquisa divulgada pelo Instituto Atlas, nesta segunda-feira (6/9), aponta que o percentual de brasileiros que consideram o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ruim ou péssimo chegou a 61%. É o maior índice registrado até o momento.
O desempenho pessoal do presidente também atingiu a pior fase. De acordo com o levantamento, 64% dos entrevistados desaprovam o presidente.
Ainda segundo a pesquisa, o percentual de pessoas que avaliam o governo como ótimo/bom é de 24%. Aqueles que consideram Bolsonaro regular somam 14%, e 1% não soube responder.
Em julho, na sondagem anterior, 59% consideravam o governo Bolsonaro ruim/péssimo, 26% ótimo/bom, 15% regular e 1% não soube responder. A desaprovação do presidente foi representada por 62% das respostas.
"A tendência continua sendo de deterioração. No entanto, há um núcleo-duro do bolsonarismo que continua muito resiliente, e essa tendência de erosão será cada vez mais lenta", avalia o cientista político Andrei Roman, CEO do Atlas Intel.
O Instituto Atlas coletou respostas de 3.146 pessoas por meio de questionário on-line, entre 30 de agosto e 4 de setembro. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
O 7 de SetembroPUBLICIDADE
As manifestações do 7 de Setembro foram inflamadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Nos últimos meses, ele vem falando para apoiadores que ganhou as eleições presidenciais de 2018 em primeiro turno.
Para o presidente, as eleições foram fraudadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As declarações ampliaram as tensões entre Bolsonaro e o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, também ministro do STF.
Barroso defende que as eleições são justas e que as declarações do presidente não passam de fake news.
Após diversos xingamentos do presidente direcionados a Barroso, ao TSE e também ao STF, o ministro Alexandre de Moraes incluiu Bolsonaro no inquérito das fake news.
A ação implodiu uma verdadeira “guerra” contra o Supremo. Agora, apoiadores do presidente marcham a Brasília para protestar contra a Corte, pedir o voto impresso e auditável, o impeachment de Barroso e Moraes, e caso a Corte não seja extinta, a implantação de um regime militar.
Fonte: Correio Braziliense / Estado de Minas
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4948039-pesquisa-desaprovacao-do-governo-bolsonaro-bate-recorde-com-61.html
'Politização, extremismo e manipulação ameaçam o Brasil'
Massa das pessoas de bem não deve servir de escudo para extremistas, irresponsáveis e inconsequentes
Carlos Alberto dos Santos Cruz / O Estado de S.Paulo
7 de Setembro é o aniversário da Independência do Brasil. Dia especial, sempre comemorado com desfiles escolares e militares, recreação e atividades culturais exaltando a história e as cores nacionais.
Neste ano, o feriado e as cores nacionais foram sequestrados por interesses políticos.
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As manifestações dentro da lei são válidas e importantes. As liberdades de expressão e de opinião são fundamentais. No entanto, não se deve confundir liberdade de opinião com liberdade de acusação e de ações irresponsáveis.
A vontade popular é bem intencionada. Os fanáticos não representam a maioria da população ordeira que se manifesta. Extremistas não representam aqueles que votaram por transformações em ambiente de paz, legalidade e prosperidade.
Não é hora de rodeios. Os riscos precisam ser avaliados e mitigados, pois a politização, o extremismo e a manipulação da opinião pública ameaçam gravemente o Brasil. Alguns “super-heróis” irresponsáveis de internet empurram pessoas de boa-fé para o radicalismo e a violência. Aqueles que estimulam ilegalidades desaparecem e ficam impunes, deixando o preço para os inocentes úteis. Os fanfarrões estimulam ações, mas não têm coragem de assumir responsabilidades e nem são os primeiros a liderar as ilegalidades propostas.
O fanatismo de pessoas e grupos sempre acaba em violência. Se não generalizada, ao menos em atos isolados. As autoridades e as pessoas de bem não podem deixar que isso aconteça. Normalmente a maioria é motivada por interesses honestos, mas os extremistas são motivados por interesses pessoais, campanha política e ideologia extremada.
Há poucos dias, em visita do presidente da Guiné-Bissau ao Brasil, a Esplanada dos Ministérios teve os postes enfeitados alternadamente, de maneira organizada, com as cores verde e amarelo do Brasil e verde, amarelo e vermelha da Guiné-Bissau. Vi pessoas indignadas, dizendo que era absurda a ousadia da “esquerda”; vi outros dizendo que era coisa "da direita”, tentando incriminar a esquerda, violando as cores verde e amarelo com a cor vermelha. Esse é um exemplo do fanatismo ignorante e inconsequente. Os extremos sempre irão se acusar mutuamente.
Populistas e oportunistas se manifestam de maneira demagógica, com discursos incentivando a violência e palavras de ordem sem objetividade, mas com aspirações teoricamente válidas – "liberdade", "segunda independência" (de quem?), "última excelente oportunidade" (para que?), "estamos em guerra" (com quem?), ultimatos fanfarrões sem dizer para quem, incentivo para comprar armas por motivação política (total irresponsabilidade e inconsequência), Brasil à beira do abismo, teoria da conspiração, e, finalmente, a grotesca necessidade de um salvador da Pátria. Tudo isso estimula o ódio e a agressão a instituições e pessoas.
Militares (Forças Armadas, policiais e bombeiros) têm o direito de ter preferências políticas e partidárias, mas também têm responsabilidade institucional. Militares fazem parte de instituições que têm como fundamentos a disciplina e a hierarquia. São instituições armadas para defender a Pátria, as instituições, a lei e a ordem. Não é possível ser militar apenas quando interessa. Os militares têm responsabilidade institucional com o Estado brasileiro, com a Constituição, e não podem cair na armadilha de serem arrastados como instrumento de uso político individual e de grupos. Polícias e bombeiros militares são muito bem preparados e têm sua estrutura hierárquica estadual, subordinadas aos governadores e são comprometidos com a proteção das populações de seus Estados. Incentivar militares a romper suas obrigações legais e seu comportamento institucional e estimular a quebra da disciplina e da hierarquia é subversão. Sempre foi.
Casos isolados de violação da disciplina não caracterizam as instituições e precisam ser tratados pelas autoridades de acordo com a lei.
O governo não pode jogar a sua responsabilidade política para as Forças Armadas e Polícias Militares. Ele precisa é ter coragem e capacidade de assumir as suas obrigações.
A maneira mais eficiente de corrigir e evitar problemas é governar corretamente, promover a união e a paz social, estabelecer critérios, praticar a transparência ao máximo, combater a corrupção, eliminar privilégios e reduzir a desigualdade social.
A grande massa das pessoas de bem, motivada por boas intenções, não deve servir de escudo para extremistas, irresponsáveis e inconsequentes.
O 7 de Setembro é dia de celebração e não deve ser transformado em dia de conflito.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,artigo-o-7-de-setembro-e-dia-de-celebracao-e-nao-deve-ser-transformado-em-dia-de-conflito,70003832836
Carta: Brasil vive ameaça de 'insurreição' antidemocrática
Grupo composto por políticos de 27 países alerta para "insurreição" e riscos à democracia brasileira neste Sete de Setembro
BBC Brasil
"Estamos muito preocupados com a iminente ameaça às instituições democráticas brasileiras, e estaremos vigilantes do 7 de Setembro em diante. Os brasileiros lutaram décadas para garantir a democracia ante o regime militar, e não se pode deixar que Bolsonaro roube isso deles agora."
Para os signatários da carta, divulgada na segunda-feira (6/9), as manifestações convocadas por Bolsonaro e seus aliados, como "grupos racistas, policiais militares e autoridades do governo federal", buscam intimidar instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso e ampliam os temores de golpe de Estado na terceira maior democracia do mundo.
O presidente brasileiro, como cita o documento, tem ampliado suas ameaças autoritárias. Ele já disse publicamente diversas vezes que pode impedir a realização de eleições presidenciais em 2022. Pesquisas de intenção de voto apontam como favorito o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em suas declarações, Bolsonaro tem deixado de lado a defesa do voto impresso (proposta derrotada no Congresso) e passado a acusar ministros do STF de atuar fora da Constituição, o que lhe serviria de pretexto para agir "fora das quatro linhas da Constituição".
Os signatários da carta aberta contra os protestos de 7 de Setembro citam uma mensagem compartilhada por Bolsonaro que fala em "contragolpe" contra o Congresso, o Judiciário e a esquerda, que teriam, sem apresentar provas, perseguido o presidente e esvaziado seu poder.
Bolsonaro, seus filhos e aliados se tornaram alvo de investigações sob suspeita de ligação com atos antidemocráticos, ataques a ministros do Supremo e disseminação de informações falsas, entre outras acusações. Além disso, o STF também garantiu que prefeitos e governadores agissem com autonomia na pandemia de covid-19, o que é visto por Bolsonaro como um ataque a suas prerrogativas.
O documento sobre os riscos dos protestos no Brasil foi assinado por 158 líderes políticos e ativistas, entre eles José Zapatero (ex-primeiro-ministro da Espanha), os ex-presidentes Ernesto Samper (Colômbia), Fernando Lugo (Paraguai), Martín Torrijos (Panamá) e Rafael Correa (Equador), além de parlamentares de países como Reino Unido, EUA, França, Espanha, México, Alemanha, Argentina, Chile, Austrália, Grécia e Nova Zelândia.
Na carta, os signatários comparam os protestos de 7 de Setembro com a invasão do Congresso dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021 por apoiadores incitados pelo então presidente Donald Trump, que não aceitava a derrota nas urnas para Joe Biden.
O ato, que acabou com cinco mortos, foi considerado uma tentativa de golpe de Estado por alguns políticos e especialistas ao tentar impedir a oficialização do resultado das urnas.
Depois da invasão violenta na capital dos EUA, dezenas de manifestantes acabaram identificados pela polícia e condenados à prisão pela participação na insurreição.
Temores de violência em Brasília e SP no 7 de Setembro
Os protestos marcados para 7 de setembro em Brasília e em São Paulo, principalmente, têm despertado temores de violência física e patrimonial.
O STF, por exemplo, estabeleceu planos para "todos os cenários possíveis": de manifestação pacífica a tentativas de depredação e invasão do edifício. O clima entre os ministros da Corte é de preocupação e atenção à adesão de policiais militares aos protestos (algo proibido por lei) e à reação de Bolsonaro caso haja violência ou ataques ao Congresso ou Supremo.
Para tentar mitigar riscos de manifestantes tentarem invadir o Congresso e o Supremo, ou até jogar bombas caseiras nos edifícios, o Governo do DF decidiu restringir os atos à Esplanada dos Ministérios.
Isso significa que os manifestantes não poderão "descer" a avenida em direção à Praça dos Três Poderes, onde ficam Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal.
Em São Paulo, onde Bolsonaro também discursará, está previsto um forte de esquema de segurança para acompanhar a manifestação na avenida Paulista e evitar confrontos violentos com participantes de protestos ligados a grupos de esquerda a poucos quilômetros dali, no vale do Anhangabaú. Atos como o Grito dos Excluídos ocorrem tradicionalmente no 7 de setembro, feriado nacional em homenagem à independência do país.
Eventual participação de militares e policiais militares
Pela legislação brasileira, nenhum militar ou policial militar da ativa pode participar de atos políticos com símbolos que remetam às instituições onde eles atuam. Só podem participar de manifestações se estiverem à paisana, como cidadãos comuns, e desarmados.
Se descumprirem essa regra, podem ser enquadrados no Código Penal Militar pelos crimes de motim ou revolta (quando há dois ou mais envolvidos). E as penas podem chegar a 20 anos de prisão em regime fechado.
Mas há expectativa de que número significativo de policiais da reserva ou de folga no dia compareçam aos protestos.
Especialistas explicam que a lei permite que qualquer cidadão peça mudanças de políticas públicas, desde que seja de maneira democrática. Mas esse não é o caso, segundo eles.
"Não é um pedido de mudança de política pública. Está claro nas entrelinhas que eles querem uma quebra na democracia. É um discurso como se fosse a favor da democracia, mas pedem que não tenha um Congresso que atrapalhe Bolsonaro, sem STF e sem um Poder Judiciário independente", disse Luiz Alexandre Souza da Costa, cientista político, professor da Uerj e major da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em entrevista à BBC News Brasil.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58466032
Metrópoles: Pressionada, PM libera caminhões na Esplanada
O acesso ao local está bloqueado desde domingo (6/9). Após a pressão, policiais autorizaram a entrada de caminhões e ônibus
Raphael Veleda / Thayná Schuquel / Matheus Garzon / Metrópoles
Na véspera dos atos convocados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), apoiadores já lotam a capital federal, munidos de bandeiras do Brasil e faixas. No fim da tarde desta segunda-feira (6/9), grupos se reuniram em frente à barreira da polícia, na Esplanada dos Ministérios, e pressionaram até conseguir a liberação da via, que estava bloqueada desde domingo (5/9).
A intenção dos manifestantes é passear pelo local, com caminhões e carros de som. Após pressão dos bolsonaristas, a polícia liberou a via para os apoiadores do presidente.
Em nota, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) disse que, anteriormente, o combinado com a Secretaria de Segurança Pública era de que os veículos só seriam liberados a partir de 0h e que a antecipação “está sendo negociada”. No entanto, caminhões e ônibus foram autorizados a entrar e desfilam pela Esplanada.
Também em nota, a Secretaria de Segurança do Distrito Federal (SSP/DF) informou que, “na noite desta segunda-feira, manifestantes romperam barreiras de contenção colocadas no início da via S1 para bloquear o trânsito de veículos.
Nas reuniões, realizadas previamente com os organizadores dos grupos manifestantes, ficou definido que os maquinários autorizados a participar do ato popular estariam liberados para serem estacionados ao longo da via N1, na madrugada de terça-feira (7). Importante ressaltar que a autorização permitia apenas exposição dos veículos, como já realizado anteriormente em outras manifestações.
A Polícia Militar do Distrito Federal encontra-se no local para restabelecer a situação. A Praça dos Três Poderes permanece interditada por gradil e linha de policiais.”
Assista:
Mais cedo, o caminhoneiro conhecido como “Zé Trovão”, que está foragido após ter a prisão decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), convocou apoiadores de Bolsonaro para “entrar na Esplanada”, mesmo sabendo do bloqueio estabelecido.
Os manifestantes entoam críticas ao Poder Judiciário e pedem que os ministros sejam substituídos.
Nos grupos, há caminhoneiros que vieram de outros estados para Brasília e estão acampados em ao menos três pontos na capital.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/video-apoiadores-de-bolsonaro-pressionam-e-pm-libera-caminhoes-na-esplanada
* Título do texto original modificado para publicação no portal da FAP
As ameaças de violência no 7 de Setembro e depois são o bolsonarismo em ação
Bolsonaro tem trincheiras bem cavadas, ocupadas por setores sociais animados por um projeto reacionário de longo alcance
Vinicius Torres Freire / Folha de S. Paulo
Suponha-se que no 7 de Setembro bolsonarista não aconteçam quebra-quebras, mortes, quarteladas ou motins. Admita-se que uma nova promessa golpista de Jair Bolsonaro seja tratada mais uma vez com covardia conivente. Para por aí?
Provavelmente, virá mais do mesmo, a mistura de golpismo tateante com o programa reacionário da Grande Involução. Bolsonaro não é um raio em dia de céu azul.
Parece que a extrema direita vai juntar gente bastante para incutir em parte do país o receio de que pode promover baderna subversiva nas ruas. Bolsonaro terá sido então capaz também de fazer propaganda para reanimar o rebanho.
Parece não ser o suficiente para um ataque frontal, decisivo, contra a democracia, mesmo degradada. Mas ao menos Bolsonaro mostrará capacidade de ao menos manter sua guerra de posição, uma tentativa improvável, tosca e avacalhada, mas perigosa, de conseguir hegemonia, como se fora um Gramsci influencer em molho de TV mundo cão, para citar o comunista que é anátema para o semiletrado bozismo.
Bolsonaro tem trincheiras bem cavadas, ocupadas por setores sociais animados por um projeto reacionário de longo alcance. Quanto às escaramuças, à luta mais cotidiana na Justiça, na economia ou no Congresso, Bolsonaro ainda tem meios de evitar derrotas maiores ou de empatar os jogos.
A esquerda ingênua, abilolada ou apenas ignorante diz que houve “apagão” na economia, quando há uma recuperação, de fato socialmente perversa e menos do que medíocre em 22, mas que pode dar pontos a Bolsonaro, assim como favores do Congresso podem ajudá-lo a comprar votos com planos sociais demagógicos. A Justiça apenas ameaça o presidente com processos letais, jamais concluídos, contra ele ou a família, acusada de ser uma quadrilha sórdida.
Bolsonaro ainda tem grande apoio empresarial, em especial de “homens novos” (ou novos-ricos). Empresários “críticos” não querem bater de frente com o governo e estão divididos; muitos toleraram o programa bolsonarista quase inteiro, reagindo enfim apenas à ameaça explícita de ditadura.
Os donos das grandes igrejas evangélicas estão quase todos com ele, assim como o agro ogro, os militares dinheiristas e adeptos do porão, as polícias quase milicianas, os revoltados com a diversidade humana etc. Mudanças socioeconômicas e demográficas, entre outras, engordaram muitos desses grupos, que agora querem poder político real e prestígio.
Esses grupos apoiam o projeto reacionário que Bolsonaro aproveitou para encarnar em 2018, a Grande Involução. No “tipo ideal”, são adeptos de uma espécie de guerra de todos contra todos (que chamam de “liberdade”), supervisionada por um déspota. São a favor de armas; Bolsonaro afirma que é adepto da guerra civil, da tortura e do estupro como instrumento político.
São avessos a regulações estatais civilizatórias, das trabalhistas às ambientais, passando pelas regras de trânsito. Acham, muitos com bons motivos, que o Estado é apenas estorvo e espoliação, sentimento que, no entanto, se traduz apenas em empreendedorismo selvagem, desejo de Justiça com as próprias mãos e o desprezo pelo debate racional na esfera pública (e pela ciência, pela universidade etc.). Alguns tantos são machistas e racistas.
Outros são pobres ressentidos pela frustração das promessas de uma breve e precária democracia social. O colapso econômico e estatal multiplicou um lumpesinato sem remédio, um precariado autoritário e uma população periférica que vive entre a cruz evangélica e a espada policial-miliciana.
O bolsonarismo é uma ilusão ainda com grande futuro.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/09/as-ameacas-de-violencia-no-7-de-setembro-e-depois-sao-o-bolsonarismo-em-acao.shtml
Carlos Pereira: Conservadorismo não é sinônimo de autoritarismo
O elemento aglutinador em torno de Bolsonaro é o conservadorismo, e não a saudade do autoritarismo
Carlos Pereira / O Estado de S. Paulo
Muitas pessoas têm mostrado grande preocupação com a descontinuidade do perfil liberal da democracia brasileira. Alguns, inclusive, identificam riscos iminentes de quebra da ordem democrática, especialmente a partir das últimas ameaças do presidente Bolsonaro de “ruptura” institucional se ministros do STF não se “enquadrarem”.
As inúmeras respostas das organizações de controle aos arroubos iliberais de Bolsonaro, especialmente contra o STF, parecem que não estão sendo suficientes para gerar tranquilidade e segurança. A imposição de sucessivas derrotas às iniciativas do presidente, tanto no Legislativo quanto no Judiciário, não tem bastado. Tampouco a abertura de quatro inquéritos no STF e um no TSE contra o presidente e a instalação da CPI da Covid, mesmo em um contexto em que dois de seus filhos enfrentam investigações pelo Ministério Público de lavagem de dinheiro por meio de “rachadinhas”.
Diante do estresse quase que cotidiano produzido pela estratégia confrontacional de Bolsonaro, as pessoas desconfiam da resiliência e da capacidade dessas organizações de impedir retrocessos institucionais.
Ainda que as organizações de controle no Brasil não fossem tão fortes e resilientes, qualquer quebra democrática não prescinde de apoio da sociedade.
De acordo com Daron Acemoglu e James Robinson em seu último livro The Narrow Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty, para que a democracia liberal tenha continuidade de forma intertemporal, além de um Estado forte, uma sociedade forte seria fundamental.
De acordo com a última pesquisa do Datafolha que investigou o apoio da população brasileira à democracia, realizada em junho de 2020, tal apoio cresceu substancialmente no Brasil, chegando a 75%, batendo o recorde da série histórica desde 1989. Apenas 10% da população viram a ditadura como aceitável. Além disso, a grande maioria da população, 79%, foi contra o fechamento do Congresso Nacional e 80% foram contra o governo censurar jornais, TV e rádio.
Além disso, a mais recente pesquisa da Quaest & Genial nas eleições, realizada em agosto de 2021, revela que as preferências e atitudes com relação a vários temas e políticas entre os eleitores de Bolsonaro, de Lula e de um candidato da “terceira via” não são tão diferentes e/ou polarizadas como muitos imaginam.
Como pode ser observado na Figura 1 abaixo, que agrupa as preferências dos eleitores em três pautas (moral, econômica e nacionalismo/autoridade), os eleitores de Bolsonaro diferem muito pouco dos de Lula e dos da terceira via em vários dos aspectos investigados. Chama a atenção a similaridade de preferência dos eleitores em relação à concordância com a prisão de jovens de 16 anos que cometeram crimes e com a responsabilização do governo no provimento de uma saúde universal de qualidade. Também muito similar é a oposição à legalização do aborto ou mesmo à regulamentação do comércio da maconha.
Onde se observa maior discrepância de preferências é em relação à pauta nacionalismo/autoridade, quando eleitores bolsonaristas defendem maior patriotismo e oposição aos governos de Cuba e Venezuela. Mas, mesmo entre temas que sugerem maior afinidade do eleitor com resoluções violentas de seus conflitos, como por exemplo a “facilitação da compra e uso de armas de fogo”, o que se verifica é que, embora os eleitores de Bolsonaro sejam mais favoráveis do que os de Lula e os da terceira via (44%, 11% e 19%, respectivamente), essa não é a preferência da maioria dos eleitores de Bolsonaro.
Na realidade, o que essa pesquisa revela é que a sociedade brasileira, em especial os eleitores de Bolsonaro, é fundamentalmente conservadora em vários aspectos, mas não necessariamente autoritária.
Além de instituições de controle robustas, a democracia brasileira pode dormir tranquila porque também conta com uma sociedade avessa a saídas autoritárias.
*Professor Titular FGV Ebape, Rio
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,conservadorismo-nao-e-sinonimo-de-autoritarismo,70003832563
'Celebração do 7 de Setembro de 2022 será o réquiem da pátria'
Flavio Cabral, Valter Pomar, Marcos Napolitano, José de Souza Martins e Werneck Vianna analisam o que há para celebrar no 7/9 e os desafios para reconstruir o país
João Vitor Santos e Patricia Fachin / IHU Online
Aniversários são sempre momentos de revisões e projeções, por mais que alguns resistam. Com uma nação não é diferente. No Brasil, que em breve comemorará 200 anos de independência de Portugal, o 7 de Setembro de 2021 parece ter um gosto estranho. Afinal, ainda patinamos num atoleiro de crises. Na política e entre as instituições que devem resguardar essa independência e democracia, disputas estéreis parecem ainda tragar a população para esse lamaçal. Assim, ao invés de desfile e paradas cívicas nas ruas, o país aguarda atônito a promessa de manifestações e até confrontos entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e aqueles que não aceitam o negacionismo, o populismo, a corrupção e o totalitarismo, ou mesmo quem não aguenta mais tantas mortes pela Covid-19 e não tem trabalho e o que pôr na mesa. Então, o que este 7 de Setembro de 2021 significa? É nesse debate que o Instituto Humanitas Unisinos - IHU mergulha, consultando algumas vozes que podem nos ajudar a clarear o horizonte.
Para o sociólogo Luiz Werneck Vianna, há apenas uma razão para celebrarmos o 7 de Setembro deste ano: “a resistência do povo brasileiro, de várias camadas sociais, a esse regime arbitrário que tenta negar e destruir o sistema de liberdade que construímos ao longo das últimas décadas”. Em entrevista ao IHU via plataforma de videochamadas Microsoft Teams, ele diz que as manifestações previstas para esta terça-feira “são tambores de guerra que rufam do lado do governo”. E acrescenta: “para o governo, a legalidade é sentida como algo muito perigoso e por isso é preciso interromper a legalidade democrática, porque ela se volta naturalmente contra a natureza autocrática desse governo”.
Já o sociólogo José de Souza Martins não vê motivos para celebrarmos a data. “Rigorosamente falando, não temos nada a celebrar. Estamos passando, coletivamente, por um dos piores momentos da história brasileira”, disse em entrevista concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Ao invés de manifestações nas ruas, sugere, “talvez seja o momento de pensar na pátria em silêncio, em casa e nas igrejas, já que será feriado. Como um ato de contrição e de reflexão crítica sobre nossos erros políticos e nossos impasses históricos. A pátria está em perigo porque mergulhada no abismo da incerteza, dos desmandos do mau governo, da falta de um projeto de nação, de um reconhecimento das radicais necessidades dos simples, dos desvalidos, dos socialmente excluídos, dos famintos, das famílias em número cada vez maior, de adultos e crianças, que dormem ao relento, sob frio e chuva”.
O historiador e dirigente político Valter Pomar é direto ao considerar que “o Brasil precisa de uma nova independência. Aquela que será bicentenária em 2022 manteve a monarquia e a escravidão, sem falar que deixamos de ser colônia portuguesa para virar semicolônia inglesa”. Na entrevista concedida por e-mail ao IHU, ainda insiste na necessidade de ações de resistência ao atual governo, mas também faz a tão falada autocrítica à oposição. “Me preocupo mais com certas atitudes de setores da esquerda, tipo não defender o Fora Bolsonaro, tipo não querer fazer manifestações de rua, tipo propor não fazer o Grito dos Excluídos no dia 7 de setembro, tipo achar que 2022 está garantido etc. Acho que falta lógica para estes setores ‘quietistas’ da esquerda”, critica.
Já o historiador pernambucano Flavio Cabral diz que esse cenário do Brasil de 2021 lembra muito os confrontos de Pernambuco em 1820, quando um certo governador régio da província ignorava as transformações do mundo. “Muitas vezes Luís do Rego não queria observar as reformas políticas desencadeadas a partir de 1820. Frequentemente ele juntava os aliados e fazia determinado tipo de manifestação, conclamava as pessoas a ficarem do lado dele, da dita liberdade”, explica, na entrevista concedida ao IHU via chamada de áudio pelo WhatsApp. O curioso é que Rego defendia uma tal liberdade, mas na verdade queria assegurar a velha ideia de despotismo esclarecido e as benesses de um governo régio nas províncias. “Foi um momento crucial de nossa história, em que vemos como as independências foram diferentes nas províncias. Quando vi o anúncio dessas manifestações de 7 de Setembro de 2021, fiquei lembrando desse momento aqui de nosso estado, com o governador de um lado e os liberais de outro, se atracando”, completa.
Marcos Napolitano, um dos historiadores referência quando o assunto é Brasil Republicano, compreende as crises que temos vivido especialmente a partir de 2016. “Mesmo com os avanços das políticas públicas que tivemos desde 1995, mas sobretudo entre 2003 e 2016, corrupção, fisiologismo político e desigualdade social crônica permaneceram como chagas nacionais”, observa na entrevista concedida por e-mail ao IHU. Por isso, acredita que “construir um país mais democrático e igual passa pela revalorização da racionalidade, institucionalidade e decoro na política, pela construção de consensos civilizatórios mínimos entre setores da esquerda e da direita republicana e liberal visando reconstruir as políticas públicas voltadas para alguma inclusão social e isolar – política e institucionalmente falando – o autoritarismo de extrema direita”.
Flavio José Gomes Cabral é doutor e mestre pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, licenciado em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru - Fafica, professor de História da Universidade Católica de Pernambuco - Unicap. Ainda é pesquisador associado do Museu de Arqueologia e Ciências Naturais da Unicap e tem se dedicado a temas como América portuguesa (séculos XVIII e XIX), leitura, movimentos messiânicos, imprensa, cultura política da Independência do Brasil, história de Pernambuco, História municipal.
Valter Pomar é historiador formado pela Universidade de São Paulo - USP, mestre e doutor em História Econômica pela mesma instituição. Foi secretário de Cultura, Esportes e Turismo da Prefeitura Municipal de Campinas de 2001 a 2004. É professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC - UFABC e dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores - PT.
Marcos Napolitano é doutor e mestre em História Social pela Universidade de São Paulo - USP, onde também graduou-se em História. Atualmente, é professor titular de História do Brasil Independente e docente-orientador no Programa de História Social da USP. É assessor ad hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e do CNPq. Especialista no período do Brasil Republicano, com ênfase no regime militar, e na área de história da cultura, com foco no estudo das relações entre história e audiovisual, tem, entre seus livros publicados, Coração Civil: a vida cultural brasileira sob o regime militar (1964-1985) - ensaio histórico (São Paulo: Intermeios - Casa de Artes e Livros, 2017) e 1964: História do Regime Militar Brasileiro (São Paulo: Editora Contexto, 2014).
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997), A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999) e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012). Destacamos também seu livro intitulado Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual (FAP e Verbena Editora, 2018), que é composto de uma coletânea de entrevistas concedidas que analisam a conjuntura brasileira nos últimos anos, entre elas, algumas concedidas e publicadas na página do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
José de Souza Martins é graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP. Foi professor-visitante da Universidade da Flórida e da Universidade de Lisboa e membro da Junta de Curadores do Fundo Voluntário da ONU contra as Formas Contemporâneas de Escravidão, de 1998 a 2007. Foi professor da Cátedra Simón Bolívar, da Universidade de Cambridge (1993-1994) e atualmente é professor titular aposentado da USP. Entre suas obras, destacamos Exclusão social e a nova desigualdade (São Paulo: Paulos Editora, 1997), A sociabilidade do homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala (São Paulo: Contexto, 2000), Linchamentos: a justiça popular no Brasil (São Paulo: Editora Contexto, 2015) e Do PT das lutas sociais ao PT do poder (São Paulo: Editora Contexto, 2016).
Confira as entrevistas.
IHU – O que temos a celebrar neste 7 de setembro e o que significa a data em meio à crise política em que o país está imerso?
Flavio José Gomes Cabral – O 7 de Setembro é um momento bastante interessante, porque tem toda uma tradição, mas também é um momento de fazermos várias reflexões. É sim um momento a se celebrar, mas é uma celebração com o intuito de podermos fazer contrapontos, observar o que avançamos e o que temos ainda por avançar. Que liberdades foram essas? Para quem foi essa liberdade da Independência?
O quadro do Grito do Ipiranga é muito sugestivo, especialmente a figura daquele senhorzinho à esquerda de D. Pedro, que está com uns bois. Enquanto temos ali no centro a figura daquele que seria o futuro imperador, temos o povo que está ali sem saber bem o que estava acontecendo. Que grito é esse que se está ouvindo? Ali, claramente se percebe que poucos estão escutando, poucos ouviram. Os indígenas, os negros, as mulheres, as classes excluídas em que a Independência não avançou sobre as suas condições.
Podemos também celebrar alguns avanços de crescimento tecnológico, mas ainda temos muito a fazer nesse sentido. Ainda temos uma educação que precisa ser bastante melhorada para atender os reclames das classes menos privilegiadas. Temos também uma saúde que não é para todos. Assim, temos mais o que pensar do que vamos querer, porque essa liberdade ainda está muito limitada a alguns grupos. É um Brasil que ainda não olhou para toda sua população.
Então, o 7 de Setembro é um momento celebrativo sim, mas também é um momento de fazer uma reflexão. Tocam-se os tambores, coloca-se toda a cavalaria na rua, é feito todo aquele estardalhaço, mas aquilo ali parece esconder que por detrás de tudo tem um país que está descalço, um país que ainda precisa avançar, e muito.
O Brasil precisa de uma nova independência. Aquela que será bicentenária em 2022 manteve a monarquia e a escravidão, sem falar que deixamos de ser colônia portuguesa para virar semicolônia inglesa
Valter Pomar
Valter Pomar – Temos que celebrar a disposição de luta de uma parte importante do povo brasileiro. Afinal, o Brasil precisa de uma nova independência. Aquela que será bicentenária em 2022 manteve a monarquia e a escravidão, sem falar que deixamos de ser colônia portuguesa para virar semicolônia inglesa. Precisamos de uma independência de verdade, com efetiva igualdade e liberdade para a imensa maioria de nosso povo. E isso só virá com muita luta, com muita disposição de fazer transformações verdadeiramente revolucionárias.
Marcos Napolitano – Datas comemorativas são sempre uma oportunidade de a sociedade refletir sobre seu passado, seu presente e seus projetos de futuro. Estas reflexões devem ser críticas, e ir além da mera celebração ufanista. Acho que o "Sete de Setembro" é uma data que deve propiciar uma reflexão sobre que nação queremos ser e que podemos ser.
Da minha parte, acho que a sociedade nacional brasileira, mesmo com seus conflitos e contradições, deve buscar alguns consensos mínimos em torno da democracia, pluralidade cultural, inclusão social e direitos humanos, como base do seu projeto civilizacional. Isto significa rechaçar – no cotidiano, na cultura, nas eleições, nas instituições jurídicas e políticas – todos os projetos autoritários e regressivos que nos ameaçam.
Há uma coisa importante a celebrar: a resistência do povo brasileiro
Luiz Werneck Vianna
Luiz Werneck Vianna – Há uma coisa importante a celebrar: a resistência do povo brasileiro, de várias camadas sociais, a esse regime arbitrário que tenta negar e destruir o sistema de liberdade que construímos ao longo das últimas décadas. Apenas isso.
José de Souza Martins – Rigorosamente falando, não temos nada a celebrar. Estamos passando, coletivamente, por um dos piores momentos da história brasileira. O país desgovernado, a economia em crise e mal administrada, a sociedade em estado de anomia, na incerteza, sobrecarregada de problemas sociais sem perspectiva de solução.
Celebrar uma data como a do aniversário da Independência depende muito de que o fato celebrado esteja corretamente inscrito na memória social. Significa que a população se conceba como nação, que tenha memória de fatos históricos de que ela se considere propriamente herdeira. E essa efeméride, como outras, não o está na identidade do brasileiro.
Brasil: colônia do Estado brasileiro
Desde o próprio dia 7 de setembro de 1822, não só o acontecimento vem sendo usurpado como episódio da história do povo e como memória do povo. Como já mostrou Fernando Henrique Cardoso, em artigo dos anos 1970, a independência brasileira não resultou de uma revolução que definisse um ator coletivo, uma sociedade rebelada contra a dominação colonial, agindo como sujeito social e político. Único país da América Latina em que a Independência não foi feita por meio de uma revolução da sociedade contra a dominação colonial.
Não foi aquele acontecimento o fato inaugural da sociedade civil entre nós, dotada de identidade e vontade coletiva. Foi o Estado que proclamou a Independência, na pessoa do herdeiro da Coroa, para uma sociedade sem protagonismo histórico. E assim permanecemos. Deixamos de ser colônia de Portugal para ser colônia do Estado brasileiro e por meio dele colônia do Exército. As revoluções populares no Brasil, como a de Canudos e a do Contestado, como as tentativas do período ditatorial, foram não raro induzidas para legitimar a repressão em nome do Estado totalitário.
Neste 7 de setembro os cúmplices desse projeto anti-histórico e antinacional estarão nas ruas, de moto, a pé ou a cavalo para desafiar e sufocar o alento de liberdade e de independência refugiado em nosso peito
José de Souza Martins
Já na documentação das revoluções tenentistas está claro que o objetivo dos militares era tutelar a sociedade porque supostamente desprovida dos atributos da cidadania. Uma sociedade em que a grande massa do povo vinha da escravidão.
Essa mesma mentalidade nos domina até hoje. Na palavra e nos atos do atual governante, dos que o rodeiam e bajulam e dos próprios militares, o projeto da tutela do povo muda de forma, mas permanece. Neste 7 de setembro os cúmplices desse projeto anti-histórico e antinacional estarão nas ruas, de moto, a pé ou a cavalo para desafiar e sufocar o alento de liberdade e de independência refugiado em nosso peito.
A história política brasileira, no ato da Independência, inaugurou o roteiro de um desempenho político subalterno do povo, um povo conformista e manipulado. A história das revoluções brasileiras não é uma história do povo. Frequentemente é uma história das forças armadas, uma história de imposições e não uma história de conquistas sociais e políticas.
Deixamos de ser colônia de Portugal para ser colônia do Estado brasileiro e por meio dele colônia do Exército
José de Souza Martins
Dia da Independência: símbolo da militarização da pátria
Há muitos anos a celebração do Dia da Independência deixou de ter a relevância e o brilho que costumava ter até meados dos anos 1960. Desde o Estado Novo, o 7 de setembro fora capturado pela mentalidade do regime e, particularmente, pela acentuação da militarização que ocorreu no período da Segunda Guerra Mundial com a participação direta da Força Expedicionária Brasileira nos campos de batalha da Itália. Um desempenho épico que emocionou o povo brasileiro. Nas escolas as crianças desfilavam nesse dia, como soldadinhos de um exército imaginário. Vencido o Estado Novo, o 7 de setembro continuou a ser um episódio dos símbolos da militarização da pátria, uma pátria em guerra, mesmo já não havendo guerra. Uma pátria de inimigos imaginários e inventados por gente que tem poder, mas não tem cultura política, como se vê nestes momentos dolorosos de uma pátria entre parênteses.
O golpe militar de 1964 reacentuou a mentalidade militarizante dos símbolos pátrios. O Brasil que não conseguira construir uma identidade nacional civil, democrática e pluralista foi subjugado pela concepção equivocada de que o patriotismo só o era na perspectiva militar, sendo impossível um patriotismo civil. Embora não haja nada mais patriótico do trabalho de milhões de pessoas que construíram este país, muitos produzindo riqueza ainda crianças, tendo como única recompensa a pobreza de futuro, o desvalimento, o abandono. Sei do que estou falando. Conheço essa história desde os onze anos de idade, já no trabalho, ganhando muito menos do que valia o meu trabalho para uma pátria que me roubava a infância.
Essa realidade afastou os civis e democráticos da concepção patrioteira de pátria e de celebração da pátria. Durante a ditadura, porque o país estava dominado pela ideia de uma pátria militarizada e de uma sociedade civil defeituosa porque oposta à militarização e à repressão militar, porque civil.
Cresceu o desinteresse pelas celebrações patrióticas. As novas gerações sentindo-se desencaixadas e sem motivação. A ideia de uma pátria de todos era desmentida pela realidade de uma pátria de alguns, um número enorme de brasileiros sem acesso a direitos próprios de uma sociedade democrática, excluídos.
É difícil esperar algo da ideia de pátria neste 7 de setembro, num momento de desilusão, amargura, morte e luto incompatíveis com sentimentos de comunidade e de pátria.
A ideia de uma pátria de todos era desmentida pela realidade de uma pátria de alguns, um número enorme de brasileiros sem acesso a direitos próprios de uma sociedade democrática, excluídos
José de Souza Martins
IHU – O que vislumbra para as manifestações desse dia?
Flavio José Gomes Cabral – Penso nessas manifestações com muito cuidado, com certo temor e receio. Não vai haver desfile, etc., mas se conclama o povo a ir para rua defender determinadas causas. Isso é muito complicado em um momento em que se dizia que devemos comprar armas e o alimento fica para depois. Então, quem comprou armas e não comprou alimento? O armamento é uma coisa complicada.
As manifestações são por liberdade, mas que liberdade é essa? Parece haver liberdades que extrapolam determinados limites da própria liberdade. Precisamos realmente pensar, refletir, sobretudo, com receio em relação a esses chamamentos. Que chamamentos são esses?
Flavio Cabral
Por isso vejo que esse é um momento em que devemos ter muito receio do que pode acontecer. As manifestações são por liberdade, mas que liberdade é essa? Parece haver liberdades que extrapolam determinados limites da própria liberdade. Precisamos realmente pensar, refletir, sobretudo, com receio em relação a esses chamamentos. Que chamamentos são esses? Que ruas são essas que estarão aí salpicadas de pessoas e o que essas pessoas estão portando? E que busca de liberdade é essa que estão querendo? Me parece que é uma liberdade mais para atender a demanda do chefe da nação, o chefe do Executivo nacional. Nunca escutei em nenhum momento coisa desse tipo. Quando isso vem da voz de uma pessoa que ocupa uma posição tão importante, nos deixa de sobreaviso. O que essas ruas vão fazer?
Temos que aprender muito com a História, o que aconteceu em momentos como esses. As pessoas iam para a rua, mas pensando no direito de cada um, quando um não olha para o outro. Não é o momento para esse tipo de manifestação, ao menos se realmente é como ouvimos na mídia. O que se diz é que há um chamamento para defender uma liberdade que seria a do chefe do Executivo nacional, que está propondo a não observância de determinadas questões, até mesmo inconstitucionais.
História
Aqui em Pernambuco, nós tivemos passagens de nossa história muito complicadas. Essa independência de que falamos é um longo processo, é interessante ver também como se dá o processo de independência nos estados. Eu estudo muito o período depois da Revolução do Porto [movimento liberal que eclodiu a 24 de agosto de 1820 na cidade do Porto, em Portugal, e que teve repercussões no Brasil. O movimento resultou no retorno (1821) da Corte Portuguesa, que se transferira para o Brasil durante a Guerra Peninsular, e no fim do absolutismo em Portugal, com a ratificação e implementação da primeira Constituição portuguesa (1822)], e o governo de Luís do Rego Barreto, um sujeito que governou Pernambuco a partir de 1817 e vai ser chamado de déspota pelos liberais da época.
Muitas vezes Luís do Rego não queria observar as reformas políticas desencadeadas a partir de 1820. Frequentemente ele juntava os aliados e fazia determinado tipo de manifestação, conclamava as pessoas a ficarem do lado dele, da dita liberdade. Aliás, liberdade que, naquela época, tinha um sentido diferente, era liberdade de imprensa, liberdade de pensar e tudo isso ele reprimia. Mas, no momento em que vem a notícia da revolução do Porto e tudo muda, vai haver um governo que não será mais régio, e sim uma junta que passa a governar. E ele, então, luta aqui em Pernambuco até o fim para não entregar o governo e fazer as reformas, e as ruas se sublevam, tanto do lado dos partidários dele, como do lado do liberalismo, dos constitucionais.
Fazia-se muita panfletagem, mas havia fortes confrontos, prendendo pessoas com muita violência. Foi um momento crucial de nossa história, em que vemos como as independências foram diferentes nas províncias. Quando vi o anúncio dessas manifestações de 7 de Setembro de 2021, fiquei lembrando desse momento aqui de nosso estado, com o governador de um lado e os liberais de outro, se atracando, inclusive os que conseguiram a liberdade depois dos problemas de 1817 [Revolução Pernambucana], que saíram da Bahia e foram combater o governador no norte da província, em Goiânia. Aliás, este ano se celebra o bicentenário da Junta de Goiânia, que tentava combater, desestabilizar e que foram verdadeiramente confrontos.
Quando vi o anúncio dessas manifestações de 7 de Setembro de 2021, fiquei lembrando desse momento aqui de nosso estado, com o governador de um lado e os liberais de outro, se atracando
Flavio Cabral
Militares na rua
Luís do Rego botava os militares na rua, enquanto do outro lado os senhores de engenho arregimentavam pessoas para combater. Tudo isso hoje me lembra muito aquele momento conflitante que foi o ano de 1822. No final todo o conflito foi decidido pelas cortes de Lisboa, determinando a saída do governador porque não tinha mais condições de manter governadores régios nas províncias da América Portuguesa. Muitas vezes olho esse quadro que vivemos e penso nessa conexão lá atrás com Pernambuco, numa ocasião que foi bastante difícil.
Valter Pomar – Logo saberemos quantas pessoas vão atender a convocatória do bolsonarismo. Eles estão fazendo um esforço imenso – nas redes, nos quartéis, nas igrejas e empresas aliadas – e estão difundindo um discurso agressivo e golpista. Portanto, é possível que haja bastante gente nas manifestações deles e é possível que cometam atos de violência. Não devemos descartar, inclusive, que promovam “atentados com falsa bandeira”, promovidos pela extrema direita mas atribuídos à oposição.
Da nossa parte, devemos nos esforçar para que em todas as cidades do país haja manifestações pelo Fora Bolsonaro, preparadas por atividades menores nas periferias, nos locais de trabalho, de moradia, de estudo, nos espaços de cultura e lazer. Quanto maior o comparecimento, maior será a segurança das manifestações. Devemos estimular as organizações partidárias, sindicatos e movimentos a organizarem blocos, que compareçam unidos e identificados aos atos, assim como dispersem em ordem ao final. Devemos contribuir, também, para que todas as manifestações organizem sistemas de comunicação e de registro em vídeo e fotografia dos atos. E para que todas as manifestações contem com equipes que impeçam a ação de provocadores e infiltrados.
Nosso objetivo no dia 7 de setembro não é o de colocar mais pessoas que eles; nossos objetivos são realizar o Grito dos Excluídos, como fazemos desde 1995, e garantir o direito democrático à manifestação
Valter Pomar
Ou seja, além das medidas sanitárias de proteção contra o vírus, é preciso tomar medidas políticas e de segurança contra os cavernícolas aliados do vírus. Nosso objetivo no dia 7 de setembro não é o de colocar mais pessoas que eles; nossos objetivos são realizar o Grito dos Excluídos, como fazemos desde 1995, e garantir o direito democrático à manifestação, ameaçado não apenas por Bolsonaro mas também por governos como o do estado de São Paulo, que tentou impedir que a oposição pudesse se manifestar no dia 7 de setembro.
Marcos Napolitano – Acho que será o retrato de um país ainda muito polarizado e dividido. Embora a extrema direita autoritária não tenha o mesmo apoio social do passado recente, ainda estão muito mobilizados e com apoiadores ativos em setores-chave: polícias militares, lideranças religiosas, comunicadores populares, pequenos empresários, grandes entidades empresariais. O raio social atingido por estes grupos é muito grande, e suas redes de comunicação são muito competentes.
Luiz Werneck Vianna – Na verdade, são tambores de guerra que rufam do lado do governo. Para o governo, a legalidade é sentida como algo muito perigoso e por isso é preciso interromper a legalidade democrática, porque ela se volta naturalmente contra a natureza autocrática desse governo. Esse governo não está satisfeito com o tipo de autoritarismo que tem vivido; ele quer mais. Ele quer ter o controle político e social de tudo na sociedade para fazer não sei bem o quê.
Esse governo não está satisfeito com o tipo de autoritarismo que tem vivido; ele quer mais. Ele quer ter o controle político e social de tudo na sociedade para fazer não sei bem o quê
Luiz Werneck Vianna
José de Souza Martins – Os apelos autoritários em favor de uma exibição de força e de poder de dominação de grupos minoritários e alienados poderão levar às ruas aqueles que acham que patriotismo é usar cueca verde e amarela. Os que se acham os únicos patriotas da pátria. É possível que até hostilizando os que têm sido satanizados como antipatriotas porque adversários da prepotência e da estupidez na política.
Talvez seja o momento de pensar na pátria em silêncio, em casa e nas igrejas, já que será feriado. Como um ato de contrição e de reflexão crítica sobre nossos erros políticos e nossos impasses históricos. A pátria está em perigo porque mergulhada no abismo da incerteza, dos desmandos do mau governo, da falta de um projeto de nação, de um reconhecimento das radicais necessidades dos simples, dos desvalidos, dos socialmente excluídos, dos famintos, das famílias em número cada vez maior, de adultos e crianças, que dormem ao relento, sob frio e chuva.
Seria muita hipocrisia falar em pátria e em celebrar a pátria que reduz a isso multidões de pessoas inocentes. No Brasil, a categoria povo é cada vez mais a categoria de vítima.
Esta não é uma hora de alegria e festa. Pela primeira vez em toda a história do Brasil independente esta é uma hora de pranto e de dor. Uma hora de medo.
Esta não é uma hora de alegria e festa. Pela primeira vez em toda a história do Brasil independente esta é uma hora de pranto e de dor. Uma hora de medo
José de Souza Martins
IHU – Como construir um Brasil não só independente, mas também democrático e igual?
Flavio José Gomes Cabral – Este talvez seja o grande desafio, aquilo que não conseguimos. A Independência a gente comemora, está lá, mas cadê essa igualdade, cadê essa democracia? Não aguento ouvir essa história de que ‘nossa democracia é jovem’. Nossa democracia não é jovem, pelo amor de Deus! Há momentos em que ela tem rupturas, para e instaura determinados governos com momentos autoritários, ditaduras. Agora, inclusive, vivemos um momento bastante autoritário.
Isso me mostra ainda uma fragilidade de nossa democracia. Há momentos que nosso mandatário joga, bate, grita para ver a reação. E acho que, muitas vezes, os congressistas de modo geral param. Podemos dizer que se está fustigando um golpe, etc., mas precisamos de um Estado mais sólido para enfrentar esses desafios. Porque paira um medo de uma ditadura, com alguma aliança que pode ter por trás e de que não temos muita clareza. A democracia está aí, mas há medos sobre essa democracia em determinados momentos.
Não aguento ouvir essa história de que ‘nossa democracia é jovem’. Nossa democracia não é jovem, pelo amor de Deus!
Flavio Cabral
Também, em alguns momentos, se usa da ideia da liberdade para extrapolar a própria democracia. É complicado e o resultado disso é o que vemos aí: temos uma exclusão muito grande. Muitas pessoas debatem esses problemas que vivemos hoje, mas muitas não. Mesmo com toda mídia temos pessoas que não falam ou não querem falar, porque também nem sempre quem cala está consentindo. Por tudo isso acho que somos um povo que ainda precisa de mais mobilização, defender seus direitos, dizer ‘não, basta!’. E os excluídos? Esses, então, seguem desde 1822, ou ainda antes, sem ter seus lugares na sociedade ou não se deixa que eles tenham seus lugares de fala. O que sempre me vem à cabeça no 7 de Setembro é a questão: no que avançamos e no que retrocedemos?
Valter Pomar – No curto prazo, derrotando o bolsonarismo e o neoliberalismo, elegendo Lula e implementando um programa de transformações democrática e popular. Mas isso não basta: nosso país precisa de uma revolução, nosso país precisa de socialismo. Não há outra maneira de garantir soberania, liberdade, igualdade e desenvolvimento em favor das maiorias.
Nosso país precisa de uma revolução, nosso país precisa de socialismo. Não há outra maneira de garantir soberania, liberdade, igualdade e desenvolvimento em favor das maiorias
Valter Pomar
Para isso, não bastam alguns anos de governos progressistas, que fazem políticas públicas populares, para depois serem derrubados por golpes que fazem a história andar para trás. Nossa classe dominante não se contenta em manter o país submisso aos Estados Unidos, optou também por um modelo primário exportador, que ademais serve de estufa para os capitais financeiros.
Desde 1980 está em curso uma desindustrialização que – apesar dos esforços em sentido contrário feitos entre 2003 e 2016 – destruiu boa parte do que foi feito depois da revolução de 1930. E sem uma potente indústria, o Brasil não tem como garantir empregos, salários, aposentadorias e políticas públicas de bem-estar social para os mais de 210 milhões de habitantes de nosso país. Sem destruir o pacto das elites, sem abandonar o modus operandi da conciliação e da transição pelo alto, sem uma versão plebeia da revolução de 1930, continuaremos sendo um país em que boa parte da população é periodicamente lançada no desemprego, na fome, no desespero, sem o direito nem mesmo de ter acesso à moradia, água limpa, saneamento básico.
Marcos Napolitano – Esse é um desafio histórico muito grande, e que sofreu retrocesso nos últimos anos. A crise conjuntural de 2016, ao lado do déficit histórico – institucional e social – em relação aos direitos civis e direitos humanos, abriram espaço para aventureiros, ressentidos e autoritários de extrema direita. Mesmo com os avanços das políticas públicas que tivemos desde 1995, mas sobretudo entre 2003 e 2016, corrupção, fisiologismo político e desigualdade social crônica permaneceram como chagas nacionais.
Este quadro alimentou muitos ressentimentos em relação à política, sobretudo na classe média conservadora, seduzida pelo populismo autoritário da extrema direita, também apoiado por amplos setores da elite econômica. Estes segmentos perceberam que a crise de 2016 era a janela de oportunidades para destruir as políticas públicas de distribuição de renda e inclusão, e impor reformas econômicas antipopulares. Aliás, eles conseguiram boa parte dos seus objetivos, apesar da pandemia, que exigiu uma nova presença do Estado na vida social.
Portanto, o desafio para construir um país mais democrático e igual passa pela revalorização da racionalidade, institucionalidade e decoro na política, pela construção de consensos civilizatórios mínimos entre setores da esquerda e da direita republicana e liberal visando reconstruir as políticas públicas voltadas para alguma inclusão social e isolar – política e institucionalmente falando – o autoritarismo de extrema direita, que hoje é a grande ameaça à democracia. Inclusive à instável e incompleta democracia liberal que temos desde 1988.
O desafio para construir um país mais democrático e igual passa pela revalorização da racionalidade, institucionalidade e decoro na política, pela construção de consensos civilizatórios mínimos entre setores da esquerda e da direita republicana e liberal visando reconstruir as políticas públicas voltadas para alguma inclusão social e isolar o autoritarismo de extrema direita
Marcos Napolitano
Luiz Werneck Vianna – Primeiro de tudo, derrotar e deslocar esse regime estúpido e grosseiro que nos assola e, a partir daí, tentar reconstituir os nexos, os laços na sociedade no sentido de fortalecer e dar vida nova às instituições que têm sido tão importantes nessa hora de resistência democrática.
As lutas igualitárias virão daí, das instituições democráticas, da organização popular, do voto, da expressão da vida da sociedade democrática e livre. A igualdade vem daí; não vem por um decreto. É um processo, um acúmulo de forças, de uma sociedade como a brasileira que nasceu autoritária, sob o signo da escravidão e do latifúndio, e até hoje não se libertou desses estigmas e dessas presenças nefastas na nossa vida.
José de Souza Martins – Fazer desta hora de incerteza um momento de oportunidade para o desenvolvimento de uma autoconsciência social crítica, isto é, de superação da euforia sem raízes na realidade contraditória que nos faz cada vez mais muito menos do que somos, do que podemos ser e do que queremos ser. Do que é justo que sejamos.
IHU – Em 2022 celebraremos 200 anos da Independência. Quais são as expectativas para o próximo ano?
Flavio José Gomes Cabral – É um ano que coincide com a data celebrativa e de grandes eleições que vão movimentar o país. Será um momento conturbado, que já se mostra pelo que vemos agora. Serão momentos difíceis, de se recorrer a tribunais, de muitas brigas para poder ganhar as eleições. E tudo é muito complicado.
Também não sei se teremos programação governamental em comemoração aos 200 anos. Lembro que, quando jovem, acompanhei o auê, no governo Médici, dos 150 anos da Independência, com desfiles, inclusive trouxeram os restos mortais de D. Pedro para o Brasil, que desfilou por todos os estados até ser levado ao Ipiranga. Quer dizer, o Estado fez a festa, envolveu todo mundo num momento difícil que se vivia, em plena ditadura Médici. Assim, a festa era vista como um bálsamo. Então é um caminho de mão dupla, pois se por um lado se fica alegre, também se coloca muita coisa debaixo do tapete. Agora, temos praticamente os mesmos problemas.
Em outro sentido, o trabalho que a academia tem feito é bacana, e ainda precisamos avançar mais com a historiografia. Este é nosso trabalho de historiadores e historiadoras, avançar com a historiografia, estudar as independências nos estados, ver o que foi escrito. Estamos sempre fazendo revisões, mas é um campo que tem sido muito estudado, em que se avança muito. Gosto muito dessa área, é o que trabalho aqui desde Pernambuco. É um momento bacana para fazermos essas reflexões. Enfim, será um ano tenso e espero que possamos sair dessa sem grandes atropelos.
Valter Pomar – Minha expectativa é que haverá muitos conflitos e que vai triunfar quem tiver mais força nas ruas. Há uma crise no mundo, há uma crise em nosso país, crises múltiplas. E há no governo uma extrema direita, apoiada pelo partido militar e por outras forças reacionárias, grupos que já demonstraram não estar de brincadeira. Eles não pretendem perder a eleição e farão tudo para evitar isso, inclusive se necessário colocando em questão as próprias eleições.
Neste sentido, a luta pelo impeachment de Bolsonaro continua sendo fundamental, pois cada dia a mais deste cavernícola no governo é um dia a mais de conspiração contra o povo, contra a soberania, contra o desenvolvimento e contra as liberdades. As pesquisas mostram que, se as eleições fossem hoje, Lula venceria. Mas as eleições não são hoje e a classe dominante possui muitas alternativas, desde apoiar Bolsonaro de novo, passando por forjar uma “terceira candidatura”, até mudar as regras do jogo, por exemplo via o tal semipresidencialismo.
Portanto, 2022 não será como 2002; e mesmo que tudo corra como desejamos, os problemas que enfrentaremos serão muito maiores do que os vividos entre 2003 e 2006. Logo, é preciso guarda alta, disposição de luta e clareza sobre o que está em jogo. Até porque, para os Estados Unidos é fundamental ter o Brasil como aliado na batalha que os gringos travam contra a China. Bolsonaro é parte do problema, mas nossos inimigos são muitos. Podemos triunfar, mas para isso é preciso saber que as eleições serão como uma guerra.
A depender do que acontecer, nosso bicentenário de Independência poderá significar um novo começo ou nosso atestado de óbito como coletividade nacional, caso a extrema direita ganhe as eleições, e tenhamos mais um mandato de terra arrasada e inapetência administrativa
Marcos Napolitano
Marcos Napolitano – Tenho esperanças de que as eleições possam mudar o quadro político atual. Mas não tenho tanta certeza disso. Há vários fatores que podem ajudar a extrema direita a ser reeleita: o antipetismo/antilulismo visceral (ainda muito forte entre eleitores da classe média), a dificuldade da esquerda petista e dos liberais em estabelecer coalizões eleitorais viáveis entre si (mesmo no segundo turno), a permanência de um núcleo social fidelizado da extrema direita que poderá criar factoides para tumultuar o ambiente político e disseminar fake news para iludir o eleitor.
A depender do que acontecer, nosso bicentenário de Independência poderá significar um novo começo ou nosso atestado de óbito como coletividade nacional, caso a extrema direita ganhe as eleições, e tenhamos mais um mandato de terra arrasada e inapetência administrativa. Hoje, eu não arriscaria um palpite do que vai acontecer, mas ao menos acho que o debate nacional será intenso. Tomara que seja esclarecedor e produtivo, mas eu também tenho minhas dúvidas quanto a isso.
Luiz Werneck Vianna – É difícil saber. Prever, neste país, é muito difícil. Aliás, como se tem dito frequentemente, o passado aqui muda também a cada dia. Não dá para prever um passado que não se consegue reconstituir; está sempre sujeito a novas narrativas.
Eu não quero manifestar um otimismo, mas acho que já podemos dizer que a sociedade demonstrou – e vem demonstrando – uma forte capacidade de resistência ao ver as suas conquistas destruídas. Esse é o caminho que sinaliza para o futuro.
Agora, quem será o candidato à presidência da República, sabe-se lá. Depende ainda, sobretudo, de como vamos assediar esse regime autoritário, minando as suas bases que estão, pelo visto, bastante minadas, para abrir caminho para conquistas mais interessantes, avançadas. Quem sabe, um candidato expresse melhor essas tendências e encontra essa possibilidade de vocalização. Acho que boa parte da sociedade está torcendo por isso e está procurando essa solução.
Qualquer que seja ela, a celebração de 2022 será o réquiem da pátria, a terra do brasileiro expatriado
José de Souza Martins
José de Souza Martins – Todos os anos neste dia refaço criticamente aquela imagem monumental do quadro de Pedro Américo que, no Museu do Ipiranga, em São Paulo, celebra o momento da Independência. Todos os anos.
Padeço porque aquele quadro é uma mentira triste. Conheço palmo a palmo o trajeto do retorno de Dom Pedro, de Santos a São Paulo, naquela tarde de 7 de setembro de 1822. Sei até nomes de modestos lavradores e tropeiros que moravam à beira daquele trecho da estrada, mamelucos, antigos índios administrados, libertados em 1757. Gente bem brasileira. Síntese dos muitos que ainda somos. Nasci e cresci naquela região. Li os testemunhos dos que acompanhavam o príncipe herdeiro na viagem.
Ele não estava napoleonicamente vestido com aquele fardamento de gala, coberto de medalhas. Estava vestido com uma fardeta. Estava doente e abatido. Não estava montado naquele cavalo de raça, monumental. Vinha montado numa mulinha baia, que era assim que se viajava naqueles tempos.
No quadro, o povo virou soldado, o regente virou imperador, a mulinha que carregava o príncipe no lombo, virou cavalo de raça, o punctun do quadro é o não somos da Independência.
Aquele quadro nos diz que o verdadeiro povo brasileiro não cabia no imaginário da Independência, que não tínhamos competência para criar uma nação altiva e independente. A mulinha do 7 de setembro foi abandonada pela pátria no próprio ato do nascimento da nação. Ela não era o que queríamos ser. Acabamos sendo uma pátria sem povo nem soberania, uma pátria de parada, de desfile.
Qualquer que seja ela, a celebração de 2022 será o réquiem da pátria, a terra do brasileiro expatriado. Será um dia de fome e sede de justiça, um dia tristemente de um verde e amarelo desbotado pela cobiça de poucos, pelo afã de riqueza e poder da minoria sem escrúpulo.
Provavelmente, será o dia de decisão da eleição de outubro. Porque nesse dia teremos a oportunidade de nos vermos no espelho do que não somos.
Me preocupo mais com certas atitudes de setores da esquerda, tipo não defender o Fora Bolsonaro, tipo não querer fazer manifestações de rua, tipo propor não fazer o Grito dos Excluídos no dia 7 de setembro, tipo achar que 2022 está garantido etc. Acho que falta lógica para estes setores “quietistas” da esquerda
Valter Pomar
IHU – Deseja acrescentar algo?
Valter Pomar – Nos últimos meses vi alguns setores questionando por quais motivos o povo brasileiro não estaria fazendo o mesmo que fez, recentemente, parcela do povo chileno, paraguaio, colombiano e até parte do estadunidense, para citar só estes casos. Acho este um tema muito interessante, mas confesso que me preocupo menos com a atitude do povo e me preocupo mais com certas atitudes de setores da esquerda, tipo não defender o Fora Bolsonaro, tipo não querer fazer manifestações de rua, tipo propor não fazer o Grito dos Excluídos no dia 7 de setembro, tipo achar que 2022 está garantido etc. Acho que falta lógica para estes setores “quietistas” da esquerda.
Pois é óbvio que, para dar um exemplo apenas, se aceitarmos ser tirados da rua agora, o que impediria a extrema direita de usar o mesmo método a partir do 8 de setembro até a eleição presidencial? Ou alguém acha que vamos ganhar a eleição, sem fazer campanha? Ou alguém acha que a campanha eleitoral será tranquila? Ou alguém acha que a extrema direita não vai dobrar a aposta?
O caso é o seguinte: é preciso que a esperança vença o medo desde agora, não apenas na eleição de 2022. Só uma imensa mobilização popular derrotará o bolsonarismo e o neoliberalismo. É verdade que, para haver mobilização popular, não basta que a esquerda dê o exemplo. Mas se a orientação da esquerda se limitar a um “aguarde em casa e venha votar”, o desfecho será nossa derrota. Por isso dia 7 de setembro estarei nas ruas. Sabendo dos riscos. Mas como já disseram, não se derrota Al Capone com Woodstock. Muito menos com WO.
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Fonte: IHU Online
http://www.ihu.unisinos.br/612628-7-de-setembro-a-historia-de-uma-liberdade-incompleta-e-da-resistencia-de-um-povo-algumas-analises
A democracia digital e a apropriação da data da Independência
Ideia era que as redes sociais conduziriam a uma democracia digital. Sob Bolsonaro, fazem parte de um projeto de regressão do regime democrático
José Eduardo Faria / Jornal da USP
Ao criticar a decisão do Supremo Tribunal Federal de impedir que recursos públicos sejam usados para financiar sites bolsonaristas, alegando que com essa medida a corte desrespeitou a liberdade de expressão assegurada pela Constituição, e ao apoiar a apropriação com fins políticos do feriado da Independência pelo presidente Jair Bolsonaro, o patético manifesto de alguns empresários mineiros recolocou na ordem do dia o impacto, na democracia, da disseminação de mentiras e informações falsas.
Quando essa discussão começou, há alguns anos, a ideia era que as redes sociais conduziriam a uma democracia digital, ampliando a participação cidadã no espaço público da palavra e da ação. Hoje, contudo, o que se vê é preocupante, uma vez que as técnicas de comunicação on-line simplificaram os debates, levaram à substituição da reflexão por reações emotivas e permitiram a desqualificação recíproca de adversários na vida política brasileira. Em vez de diálogos consequentes, debates construtivos e acordos capazes de assegurar a vontade da maioria sem desrespeitar os direitos da minoria, episódios como o do desfile de blindados em Brasília, em agosto, e agora o da convocação da população para apoiar Bolsonaro numa data cívica, fazem parte de um projeto de regressão do regime democrático.
Ao contrário do que se imaginava, a chamada democracia digital revelou-se perigosamente corrosiva. Ela é uma falsa democracia, uma vez que a comunicação em tempo real ampliou a irracionalidade das massas, estimuladas por manifestações de ódio e intolerância emanadas do entorno familiar do presidente da República. A volatilidade das informações transmitidas pela internet não apenas passou a propiciar desordem, como também criou as condições de instabilidade que alimentam crises de governabilidade.
Na democracia digital, tudo dura pouco, o que abre caminho para improvisações e falsas promessas, declarações insensatas e mentiras. E quanto maior é a velocidade com que esse lixo eletrônico é disseminado, mais a lógica da ação política é corrompida. Afinal se por um lado as redes sociais extravasam ira e indignação, por outro não são capazes de viabilizar políticas proativas. Nos espaços digitais, tudo é efêmero, o que acaba exigindo, como num círculo vicioso, atos cada vez mais performáticos e discursos cada vez mais insensatos, como se tem visto com os espetáculos circenses protagonizados por parlamentares bolsonaristas. Graças à sua conectividade, as redes sociais muitas vezes disseminam uma perigosa ideia de autogoverno e auto-organização, caminhando em linha contrária à verticalidade das instituições do Estado de Direito, nas quais as relações entre governantes e governados são mediadas por via parlamentar. Outras vezes, disseminam uma não menos perigosa ideia de que comandantes militares podem “pôr ordem no país”.
Além de não pensar, a internet e as redes sociais são parasitárias, na medida em que espalham os vírus das propostas autocráticas no ambiente que deveria ser o das liberdades públicas. Longe de ser o desdobramento evolutivo da democracia representativa, a democracia digital favorece a demagogia de políticos populistas, o que fica evidenciado pela forte semelhança das manifestações públicas – a começar pelas “motociatas” – do presidente Bolsonaro com as que eram feitas por Mussolini, na Itália, durante primeira metade do século 20.
A internet propicia a expressão da opinião pública em tempo real, mas é incompatível como práticas democráticas deliberativas, que operam em tempo diferido, ou seja, de etapas que vão se sucedendo, uma a uma, até se chegar a uma decisão legítima final. A internet também não elimina as relações de poder, mas tende a transformá-las para pior. Ela pode ajudar a minar regimes autoritários, é certo, mas não é suficientemente eficaz para manter uma democracia consolidada. Ela derruba, mas não constrói, como tem dito o filósofo basco Daniel Innerarity. Pelo modo como permite a disseminação de críticas inconsequentes, de falas irresponsáveis e de narrativas mentirosas, o que se tornou corriqueiro entre nós após a ascensão de Bolsonaro ao poder, a internet gera expectativas infundadas. E também exagera possibilidades, expondo cidadãos a um sem-número de riscos e permitindo a ascensão ao poder pelo voto direto de ditadores que se valem das regras da democracia para miná-las, desgastá-las e revogá-las.
Num período histórico em que é difícil exercer uma cidadania crítica e responsável em meio à multiplicação de lixo informático, não podemos jamais esquecer que o funcionamento do Estado democrático de direito é vital para a preservação das garantias fundamentais e das liberdades públicas – dentre elas a liberdade de expressão. Mas em hipótese alguma se pode aceitar aventuras bizarras, como é o caso, sob a justificativa de pedir que a população vá às ruas “em favor do Brasil”, da apropriação das comemorações do feriado da Independência com o objetivo de convertê-las numa antessala para o golpe.
José Eduardo Faria é professor da Faculdade de Direito da USP
Fonte: Jornal da USP
https://jornal.usp.br/?p=451105
Merval Pereira: Vice-presidente Hamilton Mourão, terceira via?
Merval Pereira / O Globo
O presidente Bolsonaro acrescentou nos últimos dias mais uma preocupação às suas desditas. Além do receio de que um dos seus filhos, ou alguns deles, sejam presos em decorrência dos inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF) devido aos desvios de dinheiro público (peculato) com as “rachadinhas” dos salários de servidores nos seus gabinetes parlamentares, ele teme que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o torne inelegível para a eleição do ano que vem.
Não é por acaso que escolheu como alvos preferenciais os ministros Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso. Este é no momento presidente do TSE, o outro o será durante a eleição presidencial. No Supremo, Bolsonaro acha que está resguardado, pois uma eventual punição depende de denúncia do Procurador-Geral da República, e não há indicação de que a renovação de seu mandato o tornou mais independente.
Ao contrário, como quer ir para o Supremo, Augusto Aras depende da reeleição de Bolsonaro. A próxima vaga será em maio de 2023, com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, e em outubro do mesmo ano, com a saída da ministra Rosa Weber. Mesmo que, como tudo indica, o escolhido André Mendonça não venha a ser confirmado agora pelo Senado na vaga do ministro Marco Aurélio Mello, dificilmente Bolsonaro abrirá mão do apoio certo de Aras ao duvidoso de um novo Procurador-Geral.
A possibilidade de cassação da chapa Bolsonaro/Mourão pelo TSE é bastante difícil, depois que o tribunal deixou de cassar a chapa Dilma/Temer por “excesso de provas”. Mas há também hoje “excesso de provas” contra a campanha de Bolsonaro, por abuso do poder econômico. Se por alguma manobra política/jurídica chegar-se ao ponto de um consenso em torno do afastamento de Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão assumiria a presidência sem nenhum problema, segundo avaliação de militares, e poderia se candidatar à reeleição em 2022.
Seria, por caminhos transversos, uma terceira via com apoio militar, depois de idealmente ter colocado ordem na bagunça institucional em que vivemos. O destino de Mourão está atrelado a essas variáveis, pois ele prefere continuar morando em Brasília. Uma candidatura a senador, no Rio, onde morava, ou Rio Grande do Sul, onde nasceu, teria preferência à possibilidade de vir a ser candidato ao governo do Rio de Janeiro. Mesmo que apareça neste momento à frente do deputado federal Marcelo Freixo nas pesquisas de opinião, é uma hipótese que está descartada pelo momento.
Ao mesmo tempo há um trabalho no Palácio do Planalto, que envolve ministros militares e o Chefe do Gabinete Civil Ciro Nogueira, para reaproxima-lo de Bolsonaro, o que vem se demonstrando difícil. Mesmo distanciado, está convencido de que não haverá arruaças nas manifestações marcadas para o Sete de Setembro, mesmo que Bolsonaro esteja esticando a corda ao máximo às vésperas da data, como se ela significasse a arrancada final para sua tomada do poder pela força, com apoio popular.
Bolsonaro tem vivido nos dias recentes em um mundo paralelo, e finge estar certo de que montam contra ele uma armadilha para impedi-lo de competir, ou então uma apuração fraudada para derrotá-lo. Seriam pretextos para um contragolpe, como classifica suas ações antidemocráticas.
Nada indica que terá sucesso, mas é capaz de provocar grandes confusões em Brasília e em São Paulo, onde discursará para seus seguidores. O discurso na Capital deve ter um tom mais contido, porque de nada adiantará tentar estimular, à la Trump, a invasão do Congresso ou do Supremo. O esquema de segurança na Praça dos Três Poderes estará reforçado, e a multidão contida à distância.
Mas, na Avenida Paulista, território de seu arqui-inimigo João Doria, Bolsonaro pode ficar tentado a insuflar seus seguidores à radicalização, o que, dependendo do que acontecer, pode acelerar as medidas judiciais contra ele. Quando escolheu o General Hamilton Mourão para seu vice, um dos zeros de Bolsonaro comemorou, dizendo que a oposição pensaria duas vezes antes de tentar impedi-lo. O feitiço virou contra o feiticeiro, e Mourão passou a ser visto por setores militares e políticos como possível solução para o problema em que Bolsonaro se tornou.
Paulo Fábio Dantas Neto: Alfabeto político para desarmar golpe
Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia Política e novo Reformismo
O 7 de setembro de 2021 já está sendo vivido há semanas, como se algo de impactante, quem sabe decisivo, esteja para nos acontecer. A agitação e propaganda bolsonaristas enfatizam a data não para nos lembrar dela como a do parto consumado de um país e sim para brandi-la como ameaça de vir a ser a do ato inaugural de seu apocalipse. Como aves de mau agouro, nada cavalheirescas, militares sem honra e vivandeiras civis atiçam uma besta-fera que imaginam habitar o seu (lá deles) Brasil profundo. O bolsonarismo quer nos fazer crer que será um dia D, prenúncio de uma hora H. Ultimato é a palavra mais recente, proferida na Bahia para reiterar uma ameaça terrorista que se tornou rotina.
Saberemos, em três dias, se o 7 de setembro desse ano será dia de batalha decisiva, ou se será de mais uma, rumo ao assalto ao nosso Capitólio ou à desmoralização dos assaltantes. Mas desde já sabemos que haverá batalha, não apenas porque o palácio trabalha nisso obstinadamente, mas também porque não falta, na oposição, quem a queira travar na hora e lugar escolhidos pelo adversário, mesmo sabendo que tipo de armas ele se dispõe a usar.
Paciência! Imprudentes fazem parte de qualquer conjuntura crítica e seu voluntarismo, embora aumente os perigos, não deve nublar a visão geral do processo, que segue seu compasso. Inexoravelmente, chegará a hora do basta, o ponto G da cidadania reencontrando o seu país. Ele, o processo, mostra que Bolsonaro perde o jogo na política. Está difícil ao incumbente reverter a situação dentro das regras. Sua rejeição não parece reversível a ponto de voltar a ser candidato competitivo numa eleição presidencial em dois turnos. Mas ainda não podemos afirmar que Bolsonaro ficará fora do segundo turno. Essa é a tendência, mas até se tornar realidade há muita política por fazer.
Bolsonaro previamente eliminado da competição, seja por cometer subversão das regras, seja por não conseguir classificação, é um horizonte institucionalmente tranquilizador. Sua presença no segundo turno é risco dobrado para a República e para a Democracia. No primeiro turno, eleições concomitantes para o Congresso introduzem uma complexidade que, de certa forma, é aliada de alguma moderação. Bolsonaro não poderá ignorar totalmente as eleições parlamentares. Arrisca-se a perder mais rápido se tentar melar um jogo eleitoral que interessa a seus aliados também. Mas chegando ao segundo turno, ainda que sem chance de vencer (ou talvez justamente por isso), restaria o embate direto com o presidenciável adversário e com governadores inimigos. Aí sim, cessaria qualquer limite.
Virtualmente derrotado pelos dedos inclementes dos eleitores, não terá motivo para adiar o confronto final para depois das eleições, como tentou Trump. Com outras armas que não urnas, ele já o prepara como se fosse acontecer agora.
É com essa contingência que democratas devem se preocupar, para ela devem se preparar. O ideal seria que tirar Bolsonaro do segundo turno fosse uma preocupação de todos eles. Mas, como sabemos, o ideal não existe, por definição. Para a esquerda petista, o melhor é Bolsonaro chegar ao segundo turno ensanguentado pela rejeição para levar uma surra eleitoral histórica. Com ela, a extrema-direita seria exorcizada e a esquerda redimida de seus próprios pecados. Mas como exorcismo e pecado não são figuras apropriadas à política, essas não são expectativas realistas. A primeira menos ainda, pois, mesmo que o eleitorado promova a suposta remissão, é, no mínimo, duvidoso que uma derrota acachapante tire o bolsonarismo da cena pública. É previsível que se consolide como movimento subversivo, que não ganha eleição, mas é capaz de promover desordem.
Desse modo, o acordo possível entre democratas de direita, centro e esquerda é o de não agressão mútua. Mas tirar Bolsonaro do segundo turno é missão precípua dos partidos do centro político, de boa parte do centrão e dos que já são (ou ainda serão) ex-aliados de Bolsonaro dispostos a consertarem o erro de 2018. Para evitar mal-entendido esclareço: erro cometido no primeiro turno - quando essas forças se dispersaram, em atenção aos seus próprios umbigos, em vez de se unirem para falarem ao país - e não no segundo turno, quando a Inês já era morta.
Há sinais de que essa agregação é hoje mais possível do que era há semanas atrás. Com variações, a depender do instituto de pesquisa, a soma de intenções de voto em pré-candidatos do centro já pode mirar a marca de Bolsonaro e torna mais remota a hipótese de vitória de Lula no primeiro turno. Para não se prender a quantitativos a mais de um ano da eleição, a análise deve reparar no sentido geral dos movimentos dos vários atores políticos no plano das articulações, que é o sentido da unidade interna ao campo. Mas ainda é um desafio o alargamento dessa ideia a ponto de sensibilizar o eleitorado. A entrada do presidente do Senado no rol das cogitações e sua pontuação em pesquisas, ombreado aos demais nomes postos bem antes do dele, indicam que não existe apenas um, mas pelo menos dois espaços de passagem à atitude unitária e a um discurso pacificador.
O primeiro espaço é oposicionista, de atores que lutam em seus partidos para cercarem o governo, não lhe darem passagem, contestando-o a partir de fora. Quem mais tem perseverado nesse caminho é o ex-ministro Mandetta. Há outros nomes no dito centro, até mais expostos que o dele. Mas não é missão fácil convencer que Ciro Gomes, ou João Dória, possam se conduzir fluentemente como pombas, perante os eleitores.
O outro espaço ao discurso pacificador começa dentro do campo governista e anexa, à sua identidade, a etiqueta de terceira via, que é apelo antigo do espaço oposicionista de centro. Nas últimas semanas o alargamento desse segundo espaço tem se mostrado mais plausível, pelo estilo e sentido dos movimentos de Rodrigo Pacheco e, também, porque os desacordos entre o PIB e o governo começam a passar do sussurro à fala sem, contudo, mostrarem inclinação ao grito. Assim, o ponto de equilíbrio do discurso tende a ser morno e reforçar, em atores e partidos, uma atitude mais conservadora, ao talhe de Pacheco.
Enquanto isso a impaciência assola o bolsonarismo e o faz atuar para elevar muito a temperatura política exortando seguidores a acertos de contas análogos a um juízo final. Em que exemplos da História se miram? A que momento da trajetória desejam retroceder? Diz-se que ao regime militar de 1964, mas quando se olha para lá vê-se autocracia cerceadora das instituições políticas e da sociedade civil combinada à construção institucional de instâncias gerenciais do Estado. Recuemos à ditadura do Estado Novo, à oligarquia da nossa Primeira República ou à elite construtora do Estado Nacional durante a monarquia. Não vemos nada que se assemelhe à dinamite ora em uso por essa estupidez bolsonarista. Ignorância inédita, em sua vulgaridade e boçalidade. É como se filtros civilizatórios estivessem sempre presentes em nossa história política e nos protegessem desse tipo de apocalipse.
Que o dia 7 passe em paz, com um grito de independência contra as pulsões de morte. Sem nada de dia D, nem de hora H. Nas eleições, a nação encontrará o seu ponto G
*Cientista político e professor da UFBa
Fonte: Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/09/paulo-fabio-dantas-neto-alfabeto.html
Luiz Carlos Azedo: O Louco Sagrado
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A carta O Louco é a última do Tarô— a de número 22—, mas também é considerada a carta 0 (zero), ou seja, pode ser o início e/ou o fim do baralho. O Louco não tem numeração certa; como um coringa, entra na linha da jogada e a interrompe, deixando tudo em suspenso e abrindo um novo horizonte, completamente indefinido. Segundo os esotéricos, essa persona não é nada ponderada, enfrenta os seus desafios sem planejar. No jogo de Tarô, O Louco tanto pode ser considerado uma carta benéfica, porque revela a necessidade de se arriscar, quanto também pode pôr tudo a perder, porque não pondera seus atos nem avalia as circunstâncias. O Louco é sócio da imprudência, da falta de paciência e das precipitações. Tudo a ver com o presidente Jair Messias Bolsonaro.
A eleição do atual presidente da República foi uma cartada eleitoral do antipetismo exacerbado, de políticos, militares, servidores públicos, empresários e da classe média mais conservadora e empobrecida. As consequências agora estão aí: catástrofe sanitária, fracasso econômico, crise política, mais desigualdades sociais e um pogrom cultural. Mas também é um fenômeno antropológico, que precisa ser estudado para além das análises políticas e econômicas, porque sua existência tem a ver com a nossa cultura e as características mais profundas do nosso povo, com tradições de origens ibéricas medievais.
Nosso sebastianismo, por exemplo: a busca de um salvador da pátria, inspirada em Dom Sebastião I, que desapareceu na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. Sem herdeiros, a crise do trono levou Portugal à perda da independência para a Espanha, com a União Ibérica, e ao nascimento da lenda de que, numa manhã de nevoeiro, D. Sebastião voltaria à pátria para libertá-la. As cartas de Tarô surgiram mais ou menos nessa época, entre os séculos XV e XVI no norte da Itália, e foram criadas para um jogo praticado por nobres e senhores das casas mais tradicionais da Europa continental. Hoje, são muito usadas por esotéricos aqui no Brasil, para uso divinatórios, cujos significados são derivados principalmente da Cabala, a vertente mística do judaísmo.
Nossa memória coletiva ancestral pode ser ativada por símbolos, que funcionam como ilustrações para os anseios da alma humana, segundo o psicólogo Carl Gustav Jung, no estudo dos Arquétipos. O Tarô é uma espécie de história em quadrinhos sobre os nossos dramas. O Louco do Tarô é uma representação do “Louco Sagrado”, cujo estereótipo remonta à época do Apóstolo Paulo, em Coríntios, ao conclamar seus seguidores a “serem loucos por amor a Cristo”, como agora fazem o presidente Jair Bolsonaro e seus mais fanáticos partidários.
Na Idade Média, a patética figura do eremita tolo e indefeso, apesar de pouco inteligente, ganhou força popular porque era moralmente virtuoso ou puro. O “Louco Sagrado” era uma representação mítica de uma visão alternativa de mundo, como o Dom Quixote de Miguel de Cervantes, no Renascimento; uma imagem que, depois, viria a ser muito recorrente nas comédias de teatro, cinema e televisão, como as figuras de Carlitos, do genial Carlos Chaplin, e os Três Patetas.
Messias
Foi a propósito do “patético” nos meios de comunicação de massa que o filósofo alemão Theodor Adorno, em Mínima moralia (Editora Azougue), escreveu que tão errado quanto crer na existência do “Louco Sagrado”, é imaginar que podemos fazer qualquer julgamento baseados apenas na nossa razão, ou seja, de forma fria e racional. Fazer julgamentos criteriosos, equilibrados, abandonando a emoção é tão improvável quanto fazer um julgamento justo sem o uso da inteligência. Segundo Adorno, “quando for eliminado o último traço de emoção de nosso pensamento, não restará nada para pensarmos”.
Desde a década de 1990, neurologistas têm mapeado o cérebro e conseguido demonstrar com exatidão os processos de razão, de emoção e, consequentemente, o processo de decidir e julgar. Novos equipamentos permitem conhecer com mais detalhes a dinâmica cerebral, tornando possível mensurar a complementaridade entre as sensações e os raciocínios lógicos, as duas faces daquilo que nos torna humanos. No futuro próximo, o presidente Jair Bolsonaro será objeto de estudos de toda ordem, inclusive de natureza psicológica. Seu papel transgressor é incompatível com a liturgia do cargo que exerce e os parâmetros da Constituição de 1988, daí o isolamento político a que chegou, em relação à maioria da opinião pública e ao establishment nacional, que o apoiou em 2018.
Entretanto, o seu carisma e caneta cheia de tinta, em razão da Presidência, demonstram poder capaz de gerar grandes incertezas sobre o futuro, como O Louco do Tarô. O presidente da República encarna para certos segmentos da população o Louco Sagrado indispensável aos movimentos messiânicos. É como se tivéssemos uma espécie de Antônio Conselheiro, o líder de Canudos, na Presidência da República. As manifestações do dia 7 de setembro, não se fala de outra coisa, servirão de parâmetros de adesão a essa distopia que estamos vivendo. Seus fanáticos seguidores estão levando muito a sério o Messias de seu nome.