golpe

Alberto Aggio: O paradigma do ‘golpe de novo tipo’

Em abril de 1964, após o golpe de Estado, o presidente João Goulart exilou-se no Uruguai e só retornou ao Brasil para ser enterrado, em São Borja, em 1976. Depois de sua exumação, foi sepultado, passados 37 anos, com honras de chefe de Estado. Em setembro de 1973, Salvador Allende foi retirado morto do Palacio de la Moneda, após intenso bombardeio. A circunstância dramática levou Allende ao martírio em nome da causa que defendia. Hoje ele é o único presidente do Chile a ter um memorial vizinho ao palácio presidencial, no centro de Santiago.

Era uma época de golpes de Estado na América Latina, com o seu cortejo de violência e terror. O de 1964, no Brasil, e o de 1973, no Chile, são considerados paradigmáticos. Não se resumiram numa quartelada e, mesmo diferentes entre si, solaparam a democracia então existente para, em seguida, instalarem regimes autoritários de longa duração.

O que ocorre no Brasil com o processo de afastamento ainda em curso da presidente Dilma Rousseff não encontra parâmetro comparativo nem com o que ocorreu com Goulart e menos ainda com o que se passou com Allende. Com a aprovação no Senado do procedimento constitucional de investigação e julgamento dos crimes de responsabilidade de que é acusada, a presidente foi notificada e deixou o Palácio do Planalto, com toda segurança. Ato contínuo, discursou para uma plateia de apoiadores que não foi molestada de nenhuma maneira. Depois se dirigiu ao Palácio da Alvorada, sua residência oficial, e tem garantidas suas prerrogativas de presidente da República. Tais circunstâncias, além de evidenciarem uma distância de anos-luz em relação ao destino imposto aos dois ex-presidentes mencionados, mostram que a presidente afastada continua agindo politicamente, sem constrangimentos e com muita desenvoltura.

O parâmetro comparativo entre as situações é evidente por si mesmo e contribui para que o processo de impeachment não deva ser qualificado como golpe de Estado. Os acontecimentos que marcaram o final dos governos de Goulart e Allende são tipicamente os de um golpe de Estado, enquanto os eventos a que assistimos no processo contra Dilma Rousseff nada mais são do que uma série de episódios e decisões afeitas ao funcionamento da democracia e de suas instituições, com seus ritos e seu ritmo, todos sancionados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nessas circunstâncias, caso se consume o impeachment de Dilma, por óbvio, não se instalará nenhum novo regime político, como ocorreu nos dois casos paradigmáticos mencionados. A democracia segue seu curso, sem ter arranhada sua legitimidade.

No entanto, a presidente afastada, o PT e seus aliados insistem em qualificar de golpe o processo político em curso, inflacionando, com essa insistência, as redes sociais e os meios de comunicação em geral. Além de contrafatual e da clara intenção vitimista, o que esses atores objetivam é a difusão de uma “nova epistemologia do golpe”, diversa dos casos paradigmáticos e de quaisquer outros.

Como hoje vivemos outro tempo histórico, diverso da guerra fria, cuja centralidade repousava na luta entre capitalismo e comunismo, e como as democracias na América Latina, mesmo com seus problemas, contam com uma história razoável de implantação, obtendo com isso uma adesão generalizada, até mesmo dos movimentos e partidos de esquerda, os apoiadores de Dilma e do PT percebem que o argumento do golpe, vocalizado nos velhos termos, não se sustenta pela simples evidência dos fatos, ou, mais precisamente, pela ausência destes.

Isolado e fragilizado, o petismo manteve o discurso do golpe, mas buscou encontrar uma justificativa teórica plausível para sustentá-lo, visando a dar a ele um caráter próprio ao novo tempo, próprio às democracias. De acordo com o petismo, posto em andamento, esse golpe “fere a democracia”, mas não a elimina. Segundo essa nova teorização, as condições jurídico-políticas das democracias hoje existentes permitiriam que as classes dominantes, apoiadas na mídia monopolista e nas classes médias reacionárias, urdissem um golpe de Estado não mais com tanques e soldados, mas por meio de ações comunicacionais, jurídicas e parlamentares. Todos esses elementos fariam parte de um mesmo dispositivo: um “golpe de novo tipo”.

Assim, de acordo com essa teorização, não estaríamos diante de um golpe violento, de tipo convencional, e tampouco de um “golpe parlamentar”. O “golpe de novo tipo” tem seu fundamento num raciocínio de natureza sofística que parte do pressuposto de que nenhuma Constituição possui mecanismos de autodefesa contra quem a use contra ela mesma. Ora, a supremacia formal que tem a Constituição além de suas cláusulas pétreas compõe sua autodefesa, juntamente com o papel ativo dos cidadãos, e não de uma normativa específica. O pressuposto não tem base jurídica, mas é extremamente perigoso para o ordenamento democrático.

O PT, na sua avaliação de conjuntura, após o afastamento de Dilma, lamentou não ter seguido o caminho venezuelano, que impôs desde o início uma Constituição com os devidos “mecanismos de defesa”, o que tem permitido ao atual presidente, Nicolás Maduro, se manter no poder e bloquear qualquer saída para a dramática crise que vive nosso vizinho. O PT lamentou ter confiado na ordem democrática fundada na Carta de 1988, uma Constituição “indefesa” que permitiu que o partido fosse “golpeado” por aqueles que levaram o impeachment em frente.

A tese do “golpe de novo tipo” visa a advertir a esquerda de que, mesmo aderindo à democracia, não estará imune ao golpe, uma vez que a democracia não tem condições de se proteger dos “golpistas”. A tese é reiterativa e deriva dos pergaminhos que ditam que o objetivo da esquerda é instalar um regime (também) de “novo tipo”, que dê cabo da democracia vigente. Mas deste, como nos recordamos, os presságios sempre foram assustadores.


Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp

Fonte: Estadão


Mauricio Huertas: Caia quem for preciso para o Brasil ficar em pé!

Será que alguém ainda precisava ouvir o grampo do Romero Jucá para ter um pé atrás com o PMDB?

Ora, meus caros petistas… Como vocês vem posar de indignados contra os corruptos flagrados no partido do Michel Temer se foram vocês que mantiveram os coronéis peemedebistas no núcleo do poder nestes 14 anos da coalizão chefiada por Lula e Dilma?

Se agora é o PMDB quem herda a Presidência da República com o impeachment de Dilma Rousseff, não se enganem: tudo isso acontece por obra e graça do petismo, que jamais rompeu com o partido que é governo praticamente desde a chegada de Cabral. Não tenham dúvida: o sujeito que corrompeu o primeiro índio com espelhinhos e badulaques já devia estar filiado ao PMDB.

Vamos falar sério! A tal narrativa do golpe (e aí é impossível não mencionar Ruy Castro na deliciosa crônica “Clichês”, que merece ser lida e emoldurada) só convence dois tipos de gente: os inocentes úteis e os indecentes inúteis. É verdade que há um descontentamento crescente com o governo transitório do Temer, mas já falamos e não cansamos de repetir: Toma que o Temer é teu, PT!

Intelectuais, uni-vos! Os poucos sinceros e bem intencionados com os muitos desonestos e oportunistas. Se bem que, vá lá… Não há como discordar de quem sai às ruas e adentra às redes para descer o cacete nos corruptos do PMDB. Mas quem aqui defende esses políticos, meu Deus? O que não dá, isso sim, é para ter indignação seletiva: militantes sectários que atacam os corruptos dos outros para defender os seus bandidos de estimação. Aí é muita cara-de-pau, né?

Então, vamos repactuar as nossas posições, para deixar tudo bem explicadinho: nós não votamos no Temer para presidente (aliás, nem para vice). Foram VOCÊS que fizeram isso. Se hoje ele é presidente em exercício, foi porque a presidenta de vocês está afastada constitucionalmente pelo Congresso Nacional, num ato jurídico e político legal, que do princípio ao fim será avalizado pelo Supremo Tribunal Federal.

Falam de mídia golpista, mas foi a mesma que vocês bajularam e sustentaram com polpudo patrocínio estatal nestes 14 anos. Criticam o baixo nível dos políticos (os mesmos, diga-se, que detém as concessões da mídia), mas tentem apontar um só deles que não estava lado a lado na base de sustentação de Lula e Dilma enquanto parecia conveniente a ambos. Desqualificam a população que hoje apóia o “fora Dilma” e o “fora PT” como uma ralé despolitizada e manipulável, mas se esquecem que foi justamente essa parcela flutuante do eleitorado que possibilitou as vitórias petistas em 2002, 2006, 2010 e 2014.

Portanto, meus queridos, antes de dar tchau, vamos reiterar: o Temernão é o presidente dos sonhos de nenhum brasileiro. Ainda que tenha a legitimidade do voto de 54 milhões de cidadãos que o elegeram junto comDilma justamente para esta função: substituir a titular do cargo nos casos previstos em lei. E responderá pelo exercício da Presidência até que possamos votar melhor em 2018 ou até que alguma ilegalidade também o afaste. Que seja!

O que estiver dentro da legalidade, dos preceitos constitucionais e dos princípios republicanos, terá o nosso mais sincero apoio. Não paramos no “fora Dilma” e “fora PT”, ao contrário da lógica da velha política polarizada. Isso não nos basta. Seguiremos no “fora Cunha”, “fora Jucá”, “fora Renan” e quantos mais tiverem de cair para manter de pé o Brasil e a nossa jovem Democracia. Doa a quem doer.


Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS-SP, diretor-executivo da Fundação Astrojildo Pereira e apresentador do #ProgramaDiferente


Arnaldo Jordy: Não vai ter golpe, não!

Felizmente, a Operação Lava Jato destampa, como nunca visto antes, o fétido esgoto da corrupção política e empresarial que há décadas vem forjando nossa cultura de poder. Diante de uma verdade que se revela desmoronando, de forma dolorosa, mitos e crenças que davam suporte à existência de muitos ídolos e valores, é natural o desespero e o clamor descontrolado dos detentores do poder. E esse processo de escândalos, que poderia parecer de uma nota só, começa a ampliar-se e alcançar para além do alvo original, desnudando o argumento pífio de haver seletividade nas apurações.

O jogo de interesses, no entanto, é sofisticado e complexo e é preciso certo cuidado. A recente lista da Odebrecht é um exemplo. Uma relação de 200 nomes, onde deliberadamente misturam-se doações legais, portanto permitidas pela legislação, com práticas criminosas e ilegais de doações no caixa dois, tentando botar todo mundo no ‘mesmo saco’ e com isso criminalizar a todos, indistintamente. Foi percebida a velha manobra. Dizer que todo mundo é ladrão é uma velha tática de nivelar por baixo e proteger os criminosos e delinquentes.

Mas, concretamente, diante dos fatos, o que cabe é pressionar as instituições julgadoras, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional, que, mesmo com suas falhas, imperfeições e interesses, é o que temos de mais eficaz na Democracia. Fora da lei é a barbárie.

A tentativa da presidente Dilma e do PT de qualificar como ‘golpe’ o pedido de impeachment que tramita no Congresso, já com rito definido pelo próprio STF, já não convence a opinião pública, nem as instituições democráticas e muito menos a maioria dos juristas do país e a OAB. No STF, pelo que tem revelado a maioria dos ministros, a visão é de que o julgamento do impeachment está dentro da lei. E, agora, com o anunciado desembarque do PMDB da base de apoio, o momento do governo é de total agonia.

O único caminho possível para atenuar o isolamento do governo seria uma agenda de superação do cenário econômico, o que é improvável. Os erros na condução da economia e o descuido com as contas públicas levaram o País a uma recessão que, ao mesmo tempo em que depende da solução da crise política, ajuda a torná-la mais grave. As previsões são alarmantes. O PIB que caiu 3,8% em 2015 prevê queda de 6% neste ano e mais 3,2% em 2017. Não há paralelo na história do Brasil de uma recessão tão grande em um tempo tão curto.

Recessão e desemprego (que neste ano prevê alcançar 11 milhões de trabalhadores), quando causados por quebra de confiança na autoridade e na capacidade do governo de encontrar saídas, costumam ser duradouros e perversos para a maioria, e com isso acabam anulando anteriores esforços de redução das desigualdades sociais. Hoje, pela primeira vez desde a virada do século, o Brasil registrou, em 2015, aumento na desigualdade, segundo os dados do economista Marcelo Nery, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgados dia 22 de março. De acordo com ele, o índice de Gini do Brasil, que é o principal indicador da desigualdade social usado no mundo, inverteu a curva benigna que vinha mantendo desde 2000 até 2014.

Além disso, dados do Ministério do Trabalho e Emprego confirmam esse efeito perverso da recessão sobre o emprego e a renda. Em 2015, o país fechou mais de 1,54 milhões de vagas formais, o pior resultado em 24 anos.

Diante desse quadro gravíssimo, o destino do país e principalmente dos mais pobres é debelar as crises. Passar o país a limpo, dando todo o apoio ao juiz Sérgio Moro e ao procurador Rodrigo Janot no combate à impunidade e apreciar o impeachment da presidente Dilma, nos marcos da legalidade. Nada de golpe, vamos apreciar o impeachment !

 Arnaldo Jordy é deputado federal, vice-líder do PPS na Câmara.

Fonte: PPS