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Vinicius Müller: Da liberdade acadêmica ao atraso educacional dos cursos sobre o "Golpe de 2016"

Há tempos que o debate acerca da construção de uma nova proposta educacional no Brasil avança. Vários são os momentos, os discursos, as proposições, os grupos e pessoas que de modos variados se relacionam com tal debate. Muitos, ao longo dos últimos vinte anos, ganharam minha atenção.  Entre eles, um sempre esteve em destaque: aquele que guarda relação com as mudanças nos currículos da educação básica. Recentemente, e finalmente, entramos na discussão acerca das definições dos currículos básicos de cada área do saber, assim como das grades curriculares que viabilizem, na prática, tais definições.

Sobre isso e, em suma, quatro grandes questões envolvem as definições curriculares e  atestam a relevância deste debate. A primeira refere-se à mudança de enfoque de uma educação historicamente amparada no conteúdo das disciplinas para uma educação voltada ao desenvolvimento de competências e habilidades. Entre as competências estariam a capacidade de lidar com linguagens variadas, em reconstruir trajetórias, em apontar problemas, em formular hipóteses e em propor intervenções. Esse conjunto de competências seria a matriz usada em favor da superação de um ensino enciclopédico e proporcionaria maior interação entre áreas diferentes.

Não só porque serviria para variadas disciplinas, das Ciências da Natureza, da Matemática, das Linguagens e das Humanidades, mas, principalmente, porque apontaria que tamanha interdisciplinaridade (para alguns transdisciplinaridade) só seria frutífera se fosse feita por meio da aproximação de métodos, não essencialmente de conteúdos. Como, por exemplo, uma abordagem usada pela Biologia pode ajudar um estudante a organizar hipóteses sobre a História?

Essa era e ainda é uma questão em pauta e serve muitas vezes como estímulo a outras. Por exemplo, a indagação acerca da capacidade de uma ciência, com seus métodos, teorias e linguagens próprias, ser capaz de dar, sozinha, respostas fechadas aos problemas que enfrenta. Essa segunda questão pressupõe que não só é improvável que uma área do saber por si só consiga responder às suas indagações, mas também é indesejável que assim seja. Nesse caso, os problemas seriam complexos demais para serem exclusivos de uma só área do saber. E, portanto, haveria um reconhecimento de que, por mais que aparentemente um problema tenha uma resposta, ele é aberto o suficiente para que outras abordagens, outros métodos e outros saberes tenham que ser engajados para que tenhamos dimensão de quão complexo ele é.

A terceira questão se relaciona, ao mesmo tempo em que justifica, com a segunda, já que há um amplo reconhecimento de que o avanço das tecnologias, a disponibilidade de informações e a velocidade em que elas são divulgadas e acessadas tornam a informação um ativo muito pequeno perto da capacidade de entendimento, interpretação, reconhecimento dos problemas, propostas de diversas soluções e criatividade que os estudantes devem desenvolver. Ou seja, há um reconhecimento de que os problemas são mais abertos e complexos do que uma área isolada do saber é capaz de entender e resolver, e que essa característica foi potencializada pelo avanço das tecnologias de informação nas últimas três décadas.

E a quarta questão, finalmente, seria um efeito positivo das outras três, na medida em que ao valorizar o pensamento, a formulação e levantamento de problemas e as possibilidades variadas de solução, democratizaria o conhecimento, já que não mais hierarquizaria os estudantes pela capacidade que têm em decorar informações. Além disso, traria um novo significado, maior, àquilo que o professor ensina e àquilo que o estudante aprende. A aposta é que esse maior significado resulta em um avanço na aderência dos alunos não ao conteúdo por si só, mas ao desenvolvimento do pensamento crítico.

Por isso, lamento que, nos últimos dias, um dos debates no país tenha sido àquele relativo à liberdade ou não de professores e universidades oferecerem um curso sobre o “Golpe de 2016”. É certo que têm tal liberdade e, por óbvio, essa questão não deveria ser motivo de debate. Contudo, há uma outra questão que, negligenciada, pode ter efeito tão grande ou maior do que as que foram debatidas. A questão que falta nesse debate me remete a uma conversa que tive, meses atrás, com um conhecido, professor como eu. Ele me disse mais ou menos o seguinte: “daqui a quinze anos, quando meu filho chegar da escola me perguntando sobre qual lado fiquei no golpe de 2016, terei orgulho em respondê-lo que estava do lado de Chico Buarque”. Ao que repliquei: “se daqui a quinze anos o seu filho chegar em casa com essa pergunta, troque-o de escola, já que a pergunta que ele deveria fazer é se você acha que foi golpe ou não em 2016”.

Ou seja, ao se manifestarem a partir da definição, logo no título, os professores e universidades que oferecem cursos sobre “o golpe de 2016” estão usando de maneira irreparável a liberdade que têm. Mas, ao mesmo tempo estão contribuindo para uma educação antiquada e conservadora. E isso nos trará muito mais prejuízos do que imaginam.

* Vinicius Müller é historiador, professor no Insper e colaborador do Blog “Estado da Arte” do jornal O Estado de São Paulo

 

 

 


Marco Aurélio Nogueira: O “golpe” como disciplina universitária

Muito barulho nas redes e nos corredores universitários por causa da manifestação do ministro da Educação, Mendonça Filho, contestando o oferecimento, na Universidade de Brasília, de uma disciplina escolar sobre o impeachment de Dilma Rousseff.
Em solidariedade, professores de outras instituições acadêmicas (Unicamp e Federal da Bahia) propuseram-se a seguir o exemplo da UnB.
Surpreende que tanto alvoroço esteja sendo criado em torno de um fato corriqueiro.
Não é de hoje que as faculdades de Humanas vivem às voltas com a questão de definir que conteúdo programático oferecer aos estudantes. Sempre há controvérsias. As disciplinas das diferentes áreas de conhecimento estão mergulhadas nos embates políticos e ideológicos da época e nas pulsões a ela correspondentes, cabendo aos professores zelar tanto pela liberdade de cátedra quanto pelo rigor teórico e conceitual. Uma sala de aula não pode ser tribuna para a apresentação categórica das preferências ou idiossincrasias filosóficas do professor, nem muito menos espaço para a defesa militante de interesses políticos ou partidários.
A questão é tão complicada que sempre se recorre àquilo que o sociólogo alemão Max Weber chamava de “liberdade em relação aos valores”, procedimento também chamado de “neutralidade axiológica”. Com isso, Weber pretendia demonstrar que não há como excluir os valores do trabalho científico ou docente mas, por isso mesmo, é preciso manter certo controle sobre eles, para que o conhecimento não seja indevidamente invadido por considerações de ordem política ou moral. Tudo depende sempre de escolhas valorativas e opções subjetivas, que precisam ser adequadamente integradas ao processo científico. Não há “imparcialidade” absoluta e tudo passa por uma relação dinâmica com os diferentes pontos de vista que coexistem na sociedade e na época. Não se trata de encontrar um “compromisso” entre tais pontos de vista antagônicos, que lutam entre si, mas de centrar o foco na descoberta da verdade, fim último da ciência.
É uma discussão complexa, difícil.
Diferentemente do que ocorre no ensino fundamental e médio, na universidade o risco de “doutrinação” é pequeno, pois os alunos já têm ideias próprias e sabem se proteger. Mas o proselitismo corre solto. É parte do jogo, gostemos ou não.
O professor não pode agir como porta-voz de grupos, partidos ou movimentos, ainda que deva se apresentar por inteiro, desde logo e com suas convicções. Não tem o direito de fazer de sua cátedra uma correia de transmissão de “verdades discutíveis” ou uma caixa de ressonância daquilo que considera serem as “injustiças do mundo” ou o “clamor popular”. Sua obrigação é oferecer análises criteriosas que mostrem as implicações fundamentais, as determinações e os conceitos com que podem ser examinados os temas. Precisa saber equilibrar convicção e responsabilidade. Sua missão é disseminar serenidade e ponderação, não conclamar os estudantes ao “engajamento político”. Ele não é um prosélito, nem um agitador.

A liberdade acadêmica que vigora nos campi universitários implica a discussão com os estudantes de problemas que o corpo docente considera relevantes para sua formação. Os departamentos acadêmicos são livres para definir o conteúdo das matérias a serem oferecidas aos alunos. Muitas vezes os temas são polêmicos e ainda não estão devidamente processados em termos científicos. Estão, por assim dizer, na fronteira, no lusco-fusco, flutuando entre a pesquisa e a curiosidade, entre o senso comum, a denúncia e a reflexão crítica.
Não deveria haver dúvida de que a análise do impeachment é um ponto importante, que merece ser estudado, debatido, investigado. Especialmente nas faculdades de Humanas, o cotidiano é atravessado por discussões feitas “à quente”, que aparecem até mesmo nas disciplinas que não estão direcionadas para a análise de conjuntura política do país. Nada a estranhar, portanto, que alguns professores procurem sistematizar essas discussões e dar elas um pouco de organização. Eles estão levando para dentro de suas aulas aquilo que rola fora delas. Pode haver um exagerado senso de oportunidade, mas, se capricharem na organização e se dedicarem a manter o padrão acadêmico, poderão ajudar os estudantes a ter uma visão mais criteriosa do processo político brasileiro, nele incluindo o impeachment de Dilma, a crise do PT e os males que a corrupção vem causando ao partido, as características do lulismo, o funcionamento das instituições políticas e jurídicas do país, o governo de Michel Temer, e assim por diante.
A questão e o perrengue só surgiram porque os professores resolveram associar ao impeachment a palavra “golpe”, o que sugeriu um alinhamento automático às diretrizes das oposições petistas e lulistas posteriores ao fim do governo Dilma. Ao fazerem isso — reiterando uma denúncia já ultrapassada pela dinâmica política real — terminaram por tomar uma posição que antecipa as conclusões a que as próprias disciplinas deveriam chegar. As propostas assumiram unilateralmente que o processo que destituiu Dilma foi feito fora da lei e da constitucionalidade vigente, implicando a “ruptura da democracia”, o “retrocesso nos direitos” e a “restrição às liberdades”.
Alimentaram, assim, uma fogueira que, a essa altura, já deveria estar apagada.
Foi o que bastou para que o ministro da Educação se encrespasse, mostrando sua dificuldade de conviver com o contraditório. Nem ele, nem o governo que integra, nem os que apoiaram o afastamento de Dilma aceitam ser vistos como “golpistas” e nem pensam que o processo violentou as normas legais do país. Nenhum “golpe” de fato aconteceu, a não ser no sentido genérico de “manobra política” ou de “golpe parlamentar”. Mas ninguém tem o direito de vetar as atividades dos que pensam de outro modo.
A declaração de Mendonça Filho de que se deve “lamentar que uma instituição respeitada e importante como a Universidade de Brasília faça uso do espaço público para promoção de militância político-partidária” é, no mínimo, inadequada. Tanto que a Comissão de Ética Pública da Presidência o intimou, no prazo de dez dias, a prestar esclarecimentos em processo que apura se cometeu abuso de autoridade no exercício do poder. É uma declaração-bumerangue, que se volta contra o ministro e dá fôlego aos que ele gostaria de atingir, permitindo-lhes denunciar o contexto “autoritário” em que se estaria viver. Ajuda a consolidar a imagem de um governo receoso, que teme o que se passa no recôndito de auditórios universitários e salas de aula.
Como tudo anda fora do eixo no debate político nacional, aquilo que deveria ser rotina virou caso extraordinário, ganhando uma dimensão excepcional e uma partidarização desnecessária. Com a elevação artificial da temperatura, as disciplinas passaram a ser vistas como sendo parte da tática petista de denunciar “golpes” para justificar a derrota política do partido.
Enquanto a sociedade exibe suas chagas e espera respostas, abrem-se discussões diversionistas para descobrir se houve ou não um “golpe” no Brasil, se professores podem ou não debater os acontecimentos recentes de nossa vida política, se um governo tem autoridade para questionar o que se passa dentro das universidades.
É muita perda de tempo.
Deveríamos todos deixar o barco navegar. Nada ocorrerá de grave se alguns estudantes participarem de debates falando de “golpes” e de “retrocesso democrático”, até porque a maioria deles, nas faculdades de Humanas, já pensa assim e os que não pensam poderão contra-argumentar ou simplesmente não assistir ao curso. Não dá para saber como as aulas transcorrerão e não há porque dizer, de antemão, que elas darão ensejo à “doutrinação” dos meninos e meninas ou que não passarão de mera manifestação “panfletária”.
A razão – nesse caso e em vários outros – pega carona nas asas da coruja de Minerva, que só alça voo ao entardecer.

Cristovam Buarque: Liberdade acadêmica plena

A disciplina será um bom teste para ver se o professor zela também pela liberdade acadêmica plena, aceitando a opinião de seus alunos

Ao manifestar preocupação com a disciplina “O Golpe de 2016 e o futuro da Democracia no Brasil”, prevista para a Universidade de Brasília (UnB), o ministro da Educação comete graves erros. Primeiro, porque seu papel é zelar pela liberdade acadêmica e sua intervenção não consideraria isso. Cabe aos órgãos colegiados alertar para os casos em que algum curso seja usado para a promoção de crime ou preconceitos. No caso dessa disciplina, trata-se de uma interpretação que o professor tem direito de oferecer ao definir os impeachments como golpe.

Errou também ao não perceber que, de fato, é possível essa categorização. Apesar de todo o rigoroso rito jurídico que foi seguido ao longo de 180 dias de julgamento dentro das normas constitucionais, há possibilidade acadêmica de dar essa interpretação. No caso do impeachment contra o Collor, a denominação de golpe é ainda mais plausível, porque ele não foi acusado de crime contra a Constituição.

Já Dilma foi acusada de ferir o artigo 85 da Carta Magna que define o crime de responsabilidade. Além disso, no caso do Collor, ele teve seus direitos políticos cassados por oito anos, enquanto a ex-presidente manteve seus direitos integrais e pode ser candidata para voltar ao cargo de presidente ou a qualquer outro, em 2018, com o eleitor tendo na memória que ela teria sido vítima de golpe.

Mesmo assim, a expressão golpe pode ser usada nos casos de 2016 e de 1992. Muitos consideram que a Proclamação da República foi um golpe, porque dissolveu o Parlamento, rasgou a Constituição imperial e destituiu o imperador, acabando com a dinastia. A própria Lei Aurea, embora tenha seguido rigorosamente o processo legislativo, foi considerada como golpe por diversos parlamentares escravocratas, porque Joaquim Nabuco teria usado mecanismos para apressar o debate.

Da mesma forma, qualquer professor deve ter o direito de chamar de golpe a manifestação do processo eleitoral de 2014, que caracterizou um verdadeiro estelionato ao manipular preço de combustível, taxa de juros, subsídios para empresários. O mensalão do governo Lula ou do Temer também podem ser chamados de golpes. A corrupção é um golpe, sobretudo, no nível antipatriótico como foi feito com a Petrobras, a Eletrobras; os roubos de dinheiro dos fundos de pensão podem ser chamados de golpes contra a democracia e contra o povo e a nação.

O terceiro erro do ministro é não reconhecer que essa disciplina pode ser útil para esclarecer se a expressão é correta para definir o que se passou em 1992 e em 2016, ou se ela vem sendo usada como um instrumento mitológico a serviço de marketing partidário. A oferta da disciplina “O Golpe de 2016 e o Futuro da democracia Brasileira” deve ser defendida por todos aqueles que respeitam a liberdade acadêmica e também porque essa ideia merece ser analisada como possibilidade. Mas, se a liberdade acadêmica for plena, essa hipótese deve ser investigada com base em fatos, não com o propósito de usar a universidade como veículo de marketing partidário.

Caso seja dada, seria conveniente que algumas perguntas fossem respondidas durante a disciplina: 1) Assumindo o conceito de golpe para 1992 e 2016, como chamar o golpe de 1964, quando a ordem constitucional foi suspensa por 26 anos, milhares foram presos e o presidente deposto só voltou 17 anos depois dentro de seu caixão fúnebre?; 2) Faz sentido chamar de golpistas os senadores que votaram para manter os direitos políticos integrais da presidente deposta, que até hoje mantêm todos os privilégios de qualquer ex-presidente?; 3) Se houve um golpe, por que a presidente deposta não se apresenta como candidata a presidente, para que os eleitores repudiem os golpistas?; 4) Quais foram as falhas jurídicas nos impeachments do Collor e da Dilma que permitiriam dizer que a constituição não foi respeitada?; e 5) Pode-se chamar de golpe os movimentos em que os presidentes depostos são substituídos pelos vices que eles escolheram, como no caso Itamar, escolhido por Collor, e Temer, escolhido duas vezes por Dilma?

Devemos cobrar que a UnB colabore com a verdade oferecendo disciplinas como “Onde a democracia errou ao manter a esquerda por 13 anos no governo sem uma única reforma estrutural na sociedade e na economia do país, sem erradicar o analfabetismo, sem elevar a consciência política da população e envolvendo-se no mais escandaloso período de corrupção da história?”. A disciplina será um bom teste para ver se o professor zela também pela liberdade acadêmica plena, aceitando a opinião de seus alunos.

*Cristovam Buarque é senador pelo PPS-DF e professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)


Luiz Carlos Azedo: Ossos do ofício

Vamos raciocinar friamente: para uma “greve geral” na qual supostamente 40 milhões de trabalhadores cruzaram os braços, as manifestações do Primeiro de Maio de ontem não passaram de protestos tradicionais. Com a diferença de que milhões de diaristas e outros trabalhadores informais rogaram aos patrões que os deixassem trabalhar no feriado, para recuperar o dia em que faltaram ao serviço, contra a própria vontade, porque os ônibus não circularam nas periferias.

Isso significa que as paralisações, os protestos, os vandalismos e os excessos policiais devem ser subestimados? Não, de forma alguma, são sintomas de um processo de radicalização política que complica mais do que ajuda a resolver as questões. A violência nas manifestações do dia 28 de abril reforçou a narrativa do golpe contra a Dilma Rousseff e de que o país caminha por uma via autoritária, o que é completamente falso, mas está colando na mídia internacional.

Ossos do ofício para o governo Temer, que resultou de um processo de impeachment e herdou a baixíssima popularidade da ex-presidente Dilma. Considerando também o fato de que vários ministros estão sob investigação da Operação Lava-Jato, até que o balanço dos protestos não é tão desfavorável. As votações das reformas da Previdência, na Câmara, e trabalhista, no Senado, para onde convergem as pressões da oposição, serão a prova dos nove. As duas reformas são uma espécie de rubicão, tanto para o governo Temer como para o país.

O governo Temer tem três pontos de sustentação: o primeiro é a Constituição, que lhe garante o respaldo das Forças Armadas e o reconhecimento dos demais poderes da República; o segundo, a política econômica e a blindagem da equipe que a conduz; o terceiro, a ampla base parlamentar no Congresso, que está sendo posta à prova. É como uma mesa que se mantém de pé sem uma perna, porque o peso que suporta está sobre a superfície escorada. Se perder um desses pés ou o peso se deslocar para o outro lado, ela cai.

A perna que lhe falta é o apoio da opinião pública, que está à deriva. A oposição está pior das pernas do que o governo, porque sofreu uma dupla derrota no ano passado: a perda do poder central, com o impeachment de Dilma; e, logo depois, a fragorosa derrota nas eleições municipais. O imponderável são as reformas da Previdência e trabalhista, que estão mexendo com a opinião pública; as forças derrotadas pelo impeachment estão se aproveitando disso, principalmente o PT, que procura renascer das cinzas, apesar da imagem carbonizada.

As reformas

Quem está contra a reforma da Previdência são os servidores públicos que têm aposentadorias privilegiadas, entre os quais se incluem algumas poderosas corporações das carreiras de Estado. Num país cujas instituições mais importantes foram criadas por uma elite escravocrata, mexer em certos privilégios é verdadeira blasfêmia. Além disso, certas categorias de servidores, ao passar dos anos, foram realmente aviltadas, o que faz das aposentadorias e pensões com salários integrais uma espécie de compensação de toda uma vida. O problema é que a Previdência, com a mudança do perfil demográfico da população, se tornou insustentável. Entretanto, ninguém espere uma rendição dos privilegiados. Não sabem o que é derrota, sempre ganharam a queda de braços.

No caso da reforma trabalhista, a questão é parecida. Escorada na velha CLT do Estado Novo, de inspiração fascista, formou-se uma enorme burocracia na estrutura sindical, que dispõe de recursos cativos que não dependem do desempenho de seus dirigentes nas campanhas salariais. Há também um pacto perverso entre sindicalistas e patrões quanto ao imposto sindical, que também é recolhido em favor das entidades patronais. São 16 mil sindicatos, com dezenas de diretores e centenas de empregados cada, um exército de centenas de milhares de ativistas, cujos piquetes profissionalizados são capazes de paralisar os transportes e tumultuar a vida das cidades.

A reforma da Previdência e a reforma trabalhista não são um capricho de Temer para passar à história como estadista, são exigências urgentes da economia. Estamos vivendo o esgotamento de um modelo de capitalismo no Brasil, que se baseava na brutal transferência de recursos públicos para os monopólios privados, pela via dos contratos de obras e serviços, dos privilégios fiscais, dos empréstimos camaradas, tudo isso acompanhado de mecanismos de financiamento político dos partidos no poder e reprodução das oligarquias, além do enriquecimento pessoal de seus operadores. Esse modelo foi desnudado pela Operação Lava-Jato, mas seu colapso também tem a ver com uma revolução tecnológica que pôs em xeque os meios de produção e as relações de trabalho tradicionais. Ela é irreversível.

* Luiz Carlos Azedo é jornalista.

 

 

 


Luiz Carlos Azedo: Refúgios ideológicos

Não é verdade que lutavam pela democracia. Lutavam para tomar o poder e implantar uma ditadura à moda cubana

Não é somente a narrativa do golpe que serve de refúgio para os setores da esquerda ultrapassada que meteu os pés pelas mãos e se lambuzou durante os governos Lula e Dilma. Há outros refúgios ideológicos, como a bandeira do nacionalismo, embora um tanto desmoralizada pelo assalto à Petrobras. Curiosamente, essa foi a trincheira da direita mais xenófoba na Europa desde o fim da Guerra Fria e, agora, mais recentemente, a essência de acontecimentos que colocam em xeque a esquerda mundial. Principalmente dois: a vitória do Brexit na Inglaterra, que está abandonando o projeto da Comunidade Europeia, e a de Donald Trump, nos Estados Unidos, que acaba de anunciar uma nova corrida nuclear.

No Brasil, chegou-se a dizer, no governo Dutra (PSD), que o país não se industrializaria sem a nacionalização do capital estrangeiro e a reforma agrária. No governo de Juscelino Kubitschek (PSD), eleito a partir de uma aliança com trabalhistas e comunistas, aconteceu exatamente o contrário. Anos mais tarde, durante a crise que resultou no golpe militar de 1964, a grande ameaça à hegemonia da esquerda na sucessão de João Goulart (PTB), prevista para 1965, não era a candidatura do então governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda (UDN), mas a volta de Juscelino. Por essa razão, o líder comunista Luiz Carlos Prestes articulava a reeleição de João Goulart.

Às vésperas do golpe, as forças políticas que davam sustentação ao governo de João Goulart estavam profundamente divididas: de um lado, as que defendiam a “política de conciliação” do ex-primeiro ministro San Thiago Dantas, deslocadas do eixo do governo desde o plebiscito que pôs fim ao parlamentarismo; de outro, a chamada “frente nacionalista”, na qual pontificavam Leonel Brizola (PTB), que defendia a nacionalização das empresas estrangeiras e pleiteava a candidatura à Presidência — “Cunhado não é parente!” —, e Francisco Julião, criador e líder das Ligas Camponesas, com sua “reforma agrária na lei ou na marra.”

É meia-verdade a afirmação de que o golpe militar foi obra do imperialismo ianque, cuja frota estava ao largo da costa brasileira. Sim, em plena Guerra Fria, os Estados Unidos estavam à espreita e seus agentes atuaram intensamente ao lado dos golpistas. Mas o marechal Castelo Branco não era um entreguista, era legalista e patriota.

“Deu o golpe na nossa frente, porque a posição da esquerda era golpista”, disse o último secretário-geral do PCB, Salomão Malina. O erro da esquerda em 1964 foi acreditar que a grande ameaça era Juscelino. E subordinar a questão democrática às bandeiras nacionalistas, porque acreditava que a revolução era nacional libertadora como nos países que lutavam pela independência do colonialismo.

Esse debate é mais atual do que muitos imaginam. Foi ele que dividiu a esquerda após o golpe de 1964, levando seus setores mais radicais à opção pela guerrilha urbana e rural, uma trágica tolice. Os mesmos setores que viam um agente imperialista em cada esquina acreditavam que seria possível resistir ao golpe militar, caso Jango não tivesse deixado o país. Jamais aceitaram que a derrota estava anunciada, porque a maioria da sociedade já havia derivado para a solução de força. E subestimaram o fato de que o Exército brasileiro foi constituído a partir da defesa da integridade territorial, contra dezenas de rebeliões e movimentos insurrecionais.

Saída liberal

Mesmo assim, anos depois, esses setores optaram pela aventura da luta armada. Não é verdade que lutavam pela democracia. Lutavam para tomar o poder e implantar uma ditadura à moda cubana, a começar pela Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella. O que deu certo na luta contra o regime militar foi a defesa das reivindicações econômicas, dos direitos sociais e das liberdades políticas. As bandeiras da anistia, da liberdade de imprensa e da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. As Diretas Já foram uma invenção liberal, à qual a esquerda aderiu com gosto. Mesmo assim, muitos acreditavam que a queda da ditadura se confundiria com uma revolução. A derrota dos militares, porém, só veio mesmo com a eleição de Tancredo Neves (PMDB) no colégio eleitoral. Ou seja, a hegemonia da transição foi dos políticos liberais. Daí decorre a democracia que temos e na qual precisamos resolver os nossos problemas.

Feliz ano-novo!


Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-refugios-ideologicos/


Roberto Freire: Sem onda conservadora

Após verem sepultada a narrativa de que Dilma Rousseff foi apeada do Planalto por meio de um “golpe”, o PT e seus satélites tentam justificar a acachapante derrota nas eleições municipais com uma outra tese igualmente desprovida de qualquer sentido. A palavra de ordem entoada pelo núcleo duro do lulopetismo é de que o Brasil teria sido tomado, nas urnas, por uma “onda conservadora”.

Na realidade, o eleitorado rejeitou o projeto de poder representado pelo PT e pelos governos de Lula e Dilma, que nos levaram a uma das maiores crises econômicas de nossa história. Os maiores vitoriosos nas disputas municipais foram os partidos que votaram pelo impeachment e hoje compõem a base de sustentação do presidente Michel Temer — e aqui cabe ressaltar o êxito das legendas que integram o campo da social-democracia e dos partidos da esquerda democrática brasileira, como o PSB, o PPS e o PV.

A exceção talvez seja o PDT, partido de esquerda e aliado dos governos petistas, que também experimentou um crescimento eleitoral. Mais uma prova de que a “onda conservadora” é uma narrativa enganosa. A avaliação precipitada sobre os resultados eleitorais levou um jornalista a cometer a estultice de dizer que o PSDB é um partido de “ultradireita”.

Trata-se de um raciocínio equivocado, segundo o qual todos aqueles que se opõem ao PT são direitistas e, alguns, até traidores. Além de interditar o debate, tal postura é de uma desonestidade intelectual atroz. O PSDB, afinal, tem uma visão predominantemente social-democrata – e assim seria rotulado em qualquer país do mundo democrático. No Rio, alguns apregoam que a vitória de Marcelo Crivella seria um indicativo de que a “onda conservadora” veio para ficar.

É evidente que não se pode tomar um caso isolado como um retrato do que ocorreu por todo o Brasil. A cidade sentiu falta de alternativas políticas mais amplas e teve de escolher entre duas candidaturas fundamentalistas, uma de cunho religioso e outra politicamente dogmática. Uma de viés mais conservador e outra também sectária, de uma extrema- esquerda que muitas vezes serviu como linha auxiliar do lulopetismo.

Basta ver o comportamento do candidato do PSOL que, quando confirmado no segundo turno, excluiu a possibilidade de diálogo com as correntes políticas que considerava “golpistas”. Outra falácia é de que a “não política” teria sido a marca dessas eleições. É certo que houve uma forte rejeição aos políticos tradicionais, mas não à política em si.

Em São Paulo, João Doria se apresentou como um empresário, mas em nenhum momento deixou de destacar que é filho de um político cassado pelo golpe militar de 1964. Assim como a tese do “golpe” havia sido enterrada, a narrativa da “onda conservadora” foi desmentida pelo resultado das eleições.

Basta analisar o desempenho das forças políticas vitoriosas. Mesmo que algumas tenham contradições internas, nenhuma delas se confunde com a direita nacional. Todas estão no campo democrático e, em especial, honrando a esquerda democrática brasileira. (O Globo – 10/11/2016)

Roberto Freire é presidente nacional do PPS


Fonte: pps.org.br


Alberto Aggio: Ainda imersos na falácia do golpe

Faz algum tempo que estamos imersos numa hiperinflação do uso da palavra “golpe”. Mesmo após ser consumado o impeachment de Dilma Rousseff, parece que continuaremos a ter essa expressão, e seus derivados, a soarem em nossos ouvidos por algum tempo. Ainda mais agora que Dilma foi constitucionalmente destituída da presidência, mas não perdeu seus direitos políticos.

Quando aplicado à política, a palavra golpe é antes uma metáfora que carrega uma carga significativa de dramaticidade. Faz lembrar imediatamente soldados, armas e tanques, agressões e violência, imposição e repressão no sentido de silenciar opositores. Convencionalmente, a palavra “golpe” quer indicar uma ação incisiva, fulminante e até traiçoeira que visa constranger, agredir e, no mais das vezes, anular ou eliminar o adversário político. Chamar alguém de “golpista” não seria propriamente um xingamento, mas no contexto em que vivemos, efetivamente o é.

Em termos políticos, um “golpe” pode ser caracterizado como qualquer ação intencional de violação da legalidade que rompa com a representação soberana nas instituições políticas, notadamente no Estado. Uma ação impetrada em detrimento do andamento normal da vida institucional de uma comunidade política. Um “golpe de Estado” é convencionalmente entendido como um ato de destituição ilegal de um governante que chegou e ocupa legitimamente um determinado cargo e encontra-se no exercício pleno das funções estabelecidas por esse cargo. Um “golpe de Estado” ceifa o mandato desse governante de maneira ilegal e ilegítima.

Contudo, historicamente, há vários tipos de golpe. Pode haver golpes de Estado que impeçam a renovação da representação política, cancelando eleições, como fez Getúlio Vargas, em 1937, instalando o Estado Novo ou como fez Fulgencio Batista em Cuba, em 1952. No regime parlamentar, um golpe palaciano pode alterar regras de sucessão ou manipular o andamento político que levaria à efetivação dessa sucessão, por meio de ações conspiratórias, como fez Hitler para chegar ao poder. No regime presidencialista, os golpes são, em geral, aqueles que destituem os presidentes por meio da força. São os golpes considerados clássicos na América Latina, como aqueles que derrubaram João Goulart, em 1964, no Brasil, e Salvador Allende, em 1973, no Chile.

Nos últimos meses, o petismo e os filopetistas falaram ad nauseum que o impeachment da presidente Dilma Rousseff configurava-se num golpe. Entretanto, em todo esse tempo, não se tem noticia de tanques, soldados, pessoas presas, repressão, mortos, etc., nas ruas do país. Em razão da impossibilidade de alguém ser convencido de que estivesse havendo um golpe contra Dilma, eles mudaram o enfoque. Passaram a falar que o que estava em curso era um “golpe” adaptado aos nossos tempos. E essa fala Dilma Rousseff repetiu em sua defesa no Senado, sem entretanto convencer ninguém a não ser aqueles que já estavam convencidos. Escrevi sobre isso faz alguns meses, desmascarando essa nova retórica (veja aqui “O paradigma do golpe de novo tipo”)

Por ser logicamente difícil argumentar que havia golpe de Estado num processo conduzido inteiramente dentro dos marcos constitucionais, com amplo direito de defesa, o petismo foi variando a sua retórica. Agregou-se ao golpe a noção de que havia um “atentado” à democracia. Alguns chegaram a dizer que não era Dilma que estava sendo julgada e sim a democracia. Por sua vez, representantes da intelectualidade mais nobre do país saíram-se com a fórmula de um “golpe ético”, dando signos estéticos a uma tese estapafúrdia. O jornal francês Le Monde foi mais tímido e lascou: “se não é golpe, é uma farsa”, desconhecendo o que se passa do outro lado do Atlântico, ao sul do mundo, desrespeitando as instituições representativas do Estado brasileiro, além do Poder Judiciário que dirigiu a sessão de definição do impeachment.

Seguindo tais delírios, na sessão de defesa de Dilma eis que seus apoiadores explodem em sorrisos e, por algumas horas, a “carnavalização do golpe” se instaurou. Junto com sorrisos largos, óculos escuros em pleno Senado, selfies aos montes com Chico Buarque, Lula, seguiu-se uma confraternização geral dos “golpeados”. Talvez o que petismo chama de “golpe parlamentar” seja assim mesmo, uma espécie de “golpe do bem”, que permite aos “golpeados” sorrirem e festejarem em público. Acertou na mosca o jornalista Lauro Jardim quando agregou mais um qualificativo para o nosso golpe jabuticaba: trata-se de um “golpe risonho”. Ufa, podemos enfim dormir tranquilos, o “nosso” golpe, como dizem os jovens, “é de boa”!

Ao final do julgamento, na tarde de 31 de agosto, sabendo que a derrota era certa e Dilma seria destituída, o petismo reformulou sua estratégia: dividir a votação por meio de um destaque que mantivesse os direitos políticos a Dilma Rousseff. Com isso, poderiam garantir e ampliar a única conquista que tiveram nesse processo: a “vitória da narrativa”; não há golpe, mas a narrativa e os termos dela permanecerão.

A função da narrativa agora não é mais convencer que estava ocorrendo um golpe. Agora sua função será atacar os “golpistas”. Ampliou-se assim o escopo dessa formulação política. Nesse novo cenário, a narrativa do golpe só serve para uma única coisa: estabelecer um discurso de vitimização, tão comum ao PT, para ser usado como mantra acusatório, imputando àqueles que lutaram pelo impeachment a pecha de “golpistas”. Por isso, a reiteração dessa narrativa era tão necessária.

Há que se ter clareza dessa nova situação. O PT sai desse processo fora do poder, o que não é pouco. Derrotar a falácia do golpe não se dará apenas por meio de um discurso contraposto, uma contra narrativa, mas sim pela defesa do andamento normal da política e da democracia, com as eleições que estão aí e com propostas para enfrentar a crise e fazer o país voltar a crescer, superando o legado tenebroso do lulopetismo.

Alberto Aggio é historiador, professor da Unesp e presidente da FAP


Fonte: pps.org.br


Luiz Carlos Azedo: Dilma sabia de tudo

A presidente afastada, Dilma Rousseff, teve poucos interlocutores na “jaula de cristal” do Palácio da Alvorada para conversar sobre literatura. Um deles era o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, seu advogado no julgamento do impeachment. Um de seus romances favoritos é Crime e Castigo, de autoria do russo Fiódor Dostoiévski, cujo personagem principal é um jovem estudante chamado Raskólnikov. Neurótico, introspectivo, vivendo na miséria, o jovem tinha mania de grandeza e se julgava explorado pela proprietária do apartamento onde vivia. Matou-a e justificou o crime, em seus pensamentos íntimos, comparando-se a César e a Napoleão, que foram responsáveis por milhares de mortes, mas foram tratados como heróis.

Raskólnikov havia praticado o crime perfeito. Ninguém sabia que ele era o assassino da velhinha. Matar uma pessoa, porém, pode ser mais complicado do que ordenar um ataque maciço numa guerra. Raskólnikov começa a se enrolar ao ser interrogado pelo juiz Porfiri Pietróvitch. Culpa, remorso, sentimento de prazer e grandeza, tudo se mistura na cabeça do jovem que imagina duelar com o juiz e perde o controle da situação. Estimulado por Sônia, uma prostituta pela qual se apaixonara, e influenciado por uma passagem bíblica, Raskólnikov confessa o crime. Ninguém sabia quem era o assassino, mas ele sabia.

Na condição de ré, Dilma Rousseff prestará seu depoimento hoje no Senado para se defender das acusações de crime de responsabilidade, pelas quais pode ser condenada à perda do mandato e dos direitos políticos por oito anos, o chamado impeachment. Seu depoimento é aguardado por aliados e adversários e poderá ser bem mais longo do que os 30 minutos que lhe foram reservados, pois não poderá ser interrompida. O rito do impeachment estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) visa a garantir seu mais amplo direito de defesa. Há semanas, a presidente afastada prepara seu discurso com os ex-ministros que a acompanham desde seu afastamento do cargo. A versão final será do próprio punho.

Depois de seu pronunciamento, os senadores poderão fazer perguntas. A bancada de 20 senadores que apoiam a presidente da República reforçará seu discurso. A antiga oposição, pelas palavras do presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), espera que o discurso tenha o “tom adequado”, ou seja, não quer ser acusada de golpista. Vai ser difícil. Toda a retórica dos aliados de Dilma Rousseff e a “trupe” que mobilizou para acompanhá-la durante o julgamento, liderada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, indicam que sua defesa será na linha dessa acusação.

Legado histórico

Nos bastidores, percebe-se um certo alívio dos petistas. Acreditam que Dilma Rousseff, ao depor no Senado, consolidará a narrativa do golpe e preservará o “legado histórico” da passagem do ex-presidente Lula pelo poder. As dificuldades de seu governo serão atribuídas à crise mundial, às forças ocultas que conspiram contra a soberania nacional, à mídia golpista e à atuação da oposição no Congresso para inviabilizar a saída da crise, além da traição do presidente interino, Michel Temer. Que ninguém espere uma autocrítica de seus erros no governo. Dilma dirá que está sendo deposta pelas suas virtudes e não pelos defeitos, como costumava dizer o ex-senador Darci Ribeiro ao defender o governo João Goulart.

Esse é o busílis. Dilma quer comparar o seu governo ao de Jango e o de Lula, ao de Getúlio Vargas, para que o PT possa ter uma plataforma política que possibilite a sobrevivência do partido nas eleições de 2018. É preciso varrer para debaixo do tapete todos os equívocos cometidos no poder, seja a condução dada à economia – a guinada começou no segundo mandato de Lula –, seja o espantoso estratagema montado pelo PT para se perpetuar no poder, que foi desnudado pela Operação Lava-Jato. Dilma sabia de tudo. Mas esse, ironicamente, é o conjunto da obra. Perderá o mandato por causa das “pedaladas fiscais”, que violaram a Lei de Responsabilidade Fiscal, e dos “decretos ilegais”, que desrespeitaram a Lei Orçamentária e usurparam atribuições do Congresso.

Essa enfadonha discussão técnica sobre pedaladas e decretos, objeto do processo de impeachment, porém, será deixada de lado. Dilma dirá que não houve crime de responsabilidade. Como todo governante isolado da sociedade, falará de coisas que estão no seu imaginário e de seus colaboradores, e não, da dura realidade enfrentada hoje pelo povo brasileiro, que é o resultado do seu fracasso político. Sabe que está derrotada, mas pretende discursar para a História. Alguém já disse, porém, que não se julga uma personalidade política pelo que ela imagina de si e das suas próprias circunstâncias. (Correio Braziliense – 29/08/2016)


Fonte: pps.org.br


Cristovam Buarque: O golpe da ideologia

Do ponto de vista do marketing, faz todo o sentido a narrativa de que o impeachment da presidente Dilma seria um golpe. Com esta interpretação, o PT ganha fôlego ao jogar sobre o novo governo a responsabilidade por todos os problemas que os governos Lula-Dilma criaram nos últimos anos, ficando livre para lembrar as boas políticas que fez e tendo a bandeira da vitimização.

Tanto no caso de Dilma, quanto de Collor, o impeachment é uma violência constitucional e pode-se duvidar se os crimes identificados seriam suficientes para justificar a destituição de presidentes eleitos. No caso de Collor, o crime teria sido enriquecimento ilícito, sem crime de responsabilidade contra a Constituição; e mesmo deste crime comum, não de responsabilidade, ele foi posteriormente inocentado pelo STF.

No caso de Dilma, o uso de banco estatal para financiar programas do governo e a assinatura de decretos orçamentários sem autorização do Congresso são crimes de responsabilidade que ferem a Constituição. Mesmo assim, faz sentido duvidar se estas ilegalidades seriam suficientes para sua destituição. Incomoda a falta de dosimetria para a sentença.

Mas, o que não pode ser aceito racionalmente é a falsa narrativa de que as pessoas se dividem em direita, se querem o impeachment, e esquerda, se defendem a volta da presidente Dilma. Nada mais falso. Ser de esquerda significa: em primeiro lugar, sentir inconformismo com a realidade social, política, econômica e ética do país; em segundo, ter expectativa de que é possível um mundo melhor, alguma forma de utopia; e terceiro, que este mundo melhor não ocorrerá naturalmente, por regras de mercado. Ele só será construído pela prática política progressista ou revolucionária.

É certo que muitos dos que defendem o impeachment são notórios conservadores, saídos do próprio bloco de apoio à presidente Dilma. Mas aqueles que se opõem ao impeachment são em geral acomodados politicamente em relação ao presente, comemoram pequenas conquistas sociais, perderam a capacidade de sonhar uma sociedade “utópica”, como, por exemplo, “os filhos dos pobres estudarem em escolas tão boas quanto às dos ricos”, e abriram mão do vigor transformador da sociedade. Além disso, ficaram coniventes com a ideia de que “se todos roubam, não há porque exigir honestidade dos aliados”. Ainda mais, olham pelo espelho retrovisor da história, sem perceberem que a realidade mudou e que as propostas e os processos políticos precisam levar em conta as mudanças.

A “esquerda do retrovisor” não percebe, por exemplo, que o aumento na esperança de vida e o esgotamento fiscal do Estado exigem reformas nos fundamentos do sistema previdenciário; que a globalização apresenta limites à autonomia das decisões nacionais; que a revolução científica e tecnológica, junto com a informática e a robótica, exige um aperfeiçoamento das leis trabalhistas. Não percebe que a economia tem limites fiscais e ecológicos; que o estatismo muitas vezes se divorcia do interesse público, do povo; que a democracia com liberdades plenas deve ser um compromisso absoluto, inegociável, e que a política de esquerda não pode ser feita com a arrogância de donos da verdade, nem pode tolerar corrupção, ou aceitar que os fins justificam os meios.

Com um mínimo de seriedade não é possível dividir as posições sobre este impasse como um debate entre esquerda e direita: há muitos “direitas” entre os que defendem o impeachment, mas também muitos “esquerdas do retrovisor” entre aqueles que se opõem ao impeachment, porque não querem fazer a história avançar. Mas, sobretudo há muitos de esquerda, que olham para frente, pelo para-brisa, que consideram necessário o impeachment para virar a página e avançar em direção a um novo tempo.

Não é difícil entender que a volta da presidente Dilma seria um gesto de retrovisor e não de avanço; e que sua substituição pelo vice conservador que ela escolheu, desde que seguindo os ritos constitucionais, possa possibilitar uma travessia para que a “esquerda do para-brisa” entenda as mudanças, se sintonize com o futuro e leve adiante a luta que os acomodados não fizeram, nem farão. E que tentam impedir o impeachment com o golpe da ideologia, sabendo das dificuldades políticas, econômicas, sociais, éticas que este acomodamento conservador da “esquerda retrovisor” provocaria. (Correio Braziliense – 16/08/2016)


Fonte: pps.org.br


Luiz Carlos Azedo: Adeus, presidenta!

O livro Adeus, senhor presidente, de Carlos Matus, um dos teóricos da administração pública mais estudados no Brasil, por causa do seu método de “planejamento estratégico situacional”, é um ensaio romanceado sobre o exercício do poder na América Latina. Ex-ministro de Salvador Allende, Matus não se limitou a denunciar e repudiar o golpe militar de Pinochet, ocorrido em 1973, que transformou o Chile num mar de sangue, procurou também entender o que aconteceu e buscar caminhos para que os erros cometidos pela esquerda chilena não se repetissem.

Não passa pela cabeça de ninguém comparar o impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, ao golpe fascista chileno, mesmo entre aqueles que acusam o presidente interino, Michel Temer, de golpista, mas o contexto justifica, ao menos para quem foi apeado do poder, conhecer ou revisitar a obra de Matus. Ele constrói um cenário fictício, que começa com a posse de um presidente que criou grandes expectativas e prometeu muitas mudanças e termina com suas reflexões, depois de afastado do poder, sobre o desapontamento dos eleitores e as razões pelas quais não cumpriu o que prometeu. Detalhe: seu sucessor também é malsucedido e desaponta o povo.

Matus trabalha com o cotidiano do governo, a perda de tempo com coisas banais, os erros estratégicos, as intrigas políticas e lutas intestinas, num palácio onde pululam sindicalistas, dirigentes partidários, empresários, tecnocratas, intelectuais, jornalistas, parentes e corruptos de todas as categorias. É muito semelhante à situação de Dilma, que pode até ter lido a obra de Matus, mas parece que não adiantou muito. São favas contadas a sua cassação, depois da votação da madrugada de ontem no Senado, quando se decidiu, por 59 votos a favor e 21 contrários, dar inicio ao julgamento final do seu impeachment.

O líder comunista Enrico Berlinguer, falecido em 1984, profundamente marcado pelo fracasso da experiência chilena, nela se inspirou para propor o famoso “compromisso histórico” entre os comunistas e democratas-cristãos na Itália, que se digladiavam desde o fim da II Guerra Mundial. À época, o líder democrata-cristão Aldo Moro, que viria a ser assassinado em 1978, depois de 55 dias de cativeiro, pelas Brigadas Vermelhas, uma organização terrorista de extrema-esquerda, sinalizava a possibilidade de concretização da aliança, com sua “abertura à esquerda”. Esta estratégia produziu bons resultados eleitorais para o PCI nas eleições de 1976, nas quais obteve 35,9% dos sufrágios, levando-o a apoiar o governo do democrata-cristão Giulio Andreotti. Mas a DCI estava em crise por causa do referendo do divórcio e o assassinato de Aldo Moro destruiu as boas perspectivas então desencadeadas para um governo de coalizão dos dois maiores partidos da Itália.

Foi uma grande oportunidade perdida por todos os partidos italianos, que prosseguiram numa trajetória meio suicida ao deixar que a corrupção contaminasse suas entranhas e levasse a Itália a uma sucessão de crises políticas, que acabou com a derrocada de todos, que praticamente desapareceram após a Operação Mãos Limpas, inclusive o poderoso PCI. Depois de uma sucessão de fusões, o PCI se tornou o Partido Democrático, hoje no poder. Esses parênteses faz sentido porque aqui no Brasil vivemos um fenômeno político semelhante, que está sendo desnudado pela Operação Lava-Jato, cujo impacto no sistema eleitoral e partidário pode ser muito maior do que imaginam os grandes caciques da política brasileira.

Não errar

O placar de ontem no Senado mostra que o impeachment é mesmo inexorável e que o presidente interino, Michel Temer, tem capacidade de articulação e força política para garantir a governabilidade. Há expectativa de que a cassação da presidente Dilma se dê em 25 de agosto, ironicamente, o Dia do Soldado. Vale destacar que a presidente afastada, no auge das manifestações de protesto contra seu governo, chegou a cogitar da decretação de “estado de defesa” (que lhe conferiria poderes especiais para suspender algumas garantias individuais asseguradas pela Constituição, a pretexto de restabelecer a ordem em situações de crise institucional), mas não obteve apoio dos comandantes militares, nem do então ministro da Defesa, Aldo Rebelo (PCdoB), que a demoveu dessa ideia. Esse fato é o melhor exemplo de que o Brasil atravessa uma crise política, econômica e ética sem precedentes, mas não vive uma crise institucional, graças ao comportamento profissional das Forças Armadas.

Mas voltemos ao impeachment. O presidente Michel Temer, apesar do grande apoio político e parlamentar, se defrontará com os mesmos problemas que levaram à breca o governo Dilma: recessão, desemprego, inflação, deficit fiscal, fisiologismo político e envolvimento dos partidos de sua base no escândalo da Petrobras. Seu estoque de problemas não pode aumentar, pelo contrário, precisa ser reduzido. Certamente, não cometerá os erros de Dilma Rousseff, mas está sujeito a outros e precisará evitá-los. Para encerrar, a ministra Cármem Lúcia foi eleita ontem para a Presidência do Supremo Tribunal Federal. Data vênia, quer ser chamada de presidente e não de presidenta.


Fonte: pps.org.br


Cristovam Buarque: O golpe do golpe

Nas últimas semanas, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, suspendeu 15,2 mil professores e funcionários do Ministério da Educação, revogou licenças de mais de 20 mil professores de escolas particulares, demitiu 2,7 mil juízes e promotores, fechou cerca de mil instituições de ensino, suspendeu 8,7 mil oficiais, obrigou 7,9 mil policiais a entregar suas identidades e prendeu 10,9 mil oficiais e soldados. Tudo isto feito em nome de se opor a uma tentativa de golpe que parece uma narrativa operística.

Por falta de um general para apresentar como o comandante golpista, Erdogan responsabilizou um filósofo religioso, de 75 anos de idade, doente, morador dos EUA desde 1999, de nome Fethullah Gülen, que teria insuflado contra o governo os voluntários do Hizmet, movimento social inspirado por ele, décadas atrás. Gülen defende um Islã democrático, aberto ao diálogo com outras religiões; aliado ao presidente Erdogan, afastou-se ao perceber o grau de corrupção que rodeava o governo, passando então a ser perseguido.

O movimento Hizmet, iniciado pelo jovem Gülen, define a prestação de serviço à comunidade como o eixo central do Islã: “Servir às pessoas para servir a Deus”, é a frase que ele usa. O Hizmet não tem organização formal, hierarquia ou organograma e se materializa sob a forma de movimento de pessoas independentes, que se unem pela mística da prestação de serviços à comunidade. Até semanas atrás, em Istambul, havia uma “sala de situação” mantida por simpatizantes do Hizmet para acompanhar catástrofes no mundo inteiro, maremotos, terremotos, epidemias, contando, no subsolo, com equipamentos necessários e apropriados para atender às vítimas, onde ocorre a tragédia.

Graças ao “sentimento Hizmet”, a Turquia dispõe de dezenas de universidades criadas com doações feitas por empresários; centenas de escolas espalhadas por diversos países. Na fronteira entre Turquia e Síria, a poucos quilômetros de Aleppo, visitei um acampamento que recebe milhares de fugitivos da guerra, atendidos por voluntários do Hizmet, oferecendo-lhes comida, habitação e proteção. Hoje, todos estes serviços estão fechados.

O presidente Erdogan vinha reprimindo em pequenas doses estas ações, desde quando o líder intelectual e religioso Gülen se afastou de seu governo, e os jornais, cujos donos são simpatizantes da filosofia Hizmet, denunciaram corrupção por parte de pessoas do governo e de familiares do presidente. Foi preciso usar a narrativa de tentativa de golpe, para dar o golpe em grande escala contra seus opositores, especialmente aqueles que têm relações com o sentimento – movimento Hizmet e seu inspirador espiritual e intelectual.

Prática usada por Hitler ao se aproveitar do incêndio do Parlamento alemão em 1933. Esperemos que a ideia de criar uma narrativa de tentativa de golpe se limite à Turquia, tanto no que se refere à repressão política, quanto à intolerância contra dissidentes de opiniões oficiais. (O Globo – 06/08/2016)


Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)


Alberto Aggio: Dilma y el discurso de la victimización golpista de la izquierda

En abril de 1964, después del Golpe de Estado, el presidente João Goulart se exilió en Uruguay y su cuerpo solo retornó a Brasil para ser enterrado, en São Borja, en 1976. Después de su exhumación, fue sepultado, pasados 37 años desde la primera inhumación, con honras de Jefe de Estado. En septiembre de 1973, Salvador Allende fue retirado muerto del Palacio de La Moneda, después de un intenso bombardeo. Una circunstancia dramática llevó a Allende al martirio en nombre de una causa que defendía.

Era una época de golpes de Estado en América Latina, con su cortejo de violencia y terror. El de 1964, en Brasil, y el de 1973, en Chile, son considerados paradigmáticos. No se agotaron en un cuartelazo y, aunque diferentes entre sí, solaparon la democracia entonces existente para, en seguida, instalar regímenes autoritarios de larga duración.

Lo que ocurre en Brasil con el proceso de revocación todavía en curso de la Presidenta Dilma Rousseff no encuentra parámetro comparativo ni con lo que ocurrió con Goulart y menos todavía con lo que pasó con Allende.

Con la aprobación del Senado del procedimiento constitucional de investigación y juzgamiento de crímenes de responsabilidad de que es acusada, la Presidenta fue notificada y dejó el Palacio de Planalto, con toda seguridad. Acto seguido, discurseó para una platea de adherentes que no fue molestada de ninguna manera. Después se dirigió al Palacio de Alvorada, su residencia oficial, y tiene garantizadas sus prorrogativas de Presidenta de la República.

Tales circunstancias, además de evidenciar una distancia de años luz en relación con el destino impuesto a los dos ex presidentes mencionados, muestran que la Presidenta separada de su cargo continúa actuando políticamente sin constreñimientos y con mucha desenvoltura. El parámetro comparativo entre las situaciones es evidente por sí mismo y contribuye para que el proceso de destitución no deba ser calificado como Golpe de Estado.

Los acontecimientos que marcaron el final de los gobiernos de Goulart y Allende son típicamente los de un Golpe de Estado, en tanto los eventos a los que asistimos en el proceso contra Dilma Roussef no son nada más que una serie de episodios y decisiones ajustadas al funcionamiento de la democracia y de sus instituciones, con sus ritos y su ritmo, todos sancionados por el Supremo Tribunal Federal (STF).

En esas circunstancias, si se consumara la revocación de Dilma, aunque parezca obvio decirlo, no se instalará ningún nuevo régimen político, como ocurrió en los dos casos paradigmáticos mencionados. La democracia sigue su curso, sin tener arañada su legitimidad.

Mientras tanto, la presidente separada, el PT y sus aliados insisten en calificar como un golpe el proceso político, inflamando, con insistencia, las redes sociales y los medios de comunicación en general. Además de contrafactual y de la clara intención victimista, lo que esos actores objetivan es la difusión de una nueva epistemología del golpe, diversa de los casos paradigmáticos y de cualquier otro. Como hoy vivimos otro tiempo histórico, distinto de la guerra fría, cuya centralidad reposaba en la lucha entre capitalismo y comunismo, y como las democracias en América Latina, así y todo con sus problemas, cuentan con una historia razonable de implantación, obteniendo con eso una adhesión generalizada, incluso entre los movimientos y partidos de izquierda, los adherentes de Dilma y del PT perciben que el argumento del golpe, vocalizado en los viejos términos, no se sustenta por la simple evidencia de los hechos, o, más precisamente, por la ausencia de estos.

Aislado y fragilizado, el petismo mantiene el discurso del golpe, mientras busca encontrar una justificativa teórica plausible para sustentarlo, visando a dar a él un carácter propio al nuevo tiempo, De acuerdo con el petismo, puesto en movimiento, ese golpe hiere la democracia, pero no la elimina. Según esa nueva teorización, las condiciones jurídico-políticas de las democracias hoy existentes permitirían que las clases dominantes, apoyadas en los medios de comunicación monopolistas y en las clases medias reaccionarias, urdiesen un golpe de Estado ya no más con tanques y soldados, sino que por medio de acciones comunicacionales, jurídicas y parlamentarias. Todos esos elementos hacen parte de un mismo dispositivo: un golpe de nuevo tipo”.

De este modo, de acuerdo con esa teorización, no estaríamos delante de un golpe violento de tipo convencional, y tampoco de un golpe parlamentario. El golpe de nuevo tipo tiene su fundamento en un sofisma que parte del presupuesto de que ninguna Constitución posee mecanismos de autodefensa contra quien actúe contra ella misma. Pero esta es una formulación equivocada: la supremacía formal que tiene la Constitución además de sus cláusulas pétreas, componen su auto defensa,además del papel activo de los ciudadanos, y no necesitan de una normativa específica. El presupuesto no tiene base jurídica, pero es extremadamente peligroso para el ordenamiento democrático.

El PT, en su evaluación de la coyuntura, después de la separación de Dilma, lamentó no haber seguido el camino venezolano, que impone desde el inicio una Constitución con los debidos “mecanismos de defensa”, y que han permitido al actual presidente Maduro mantenerse en el poder y bloquear cualquier salida a la dramática crisis que vive Venezuela. Es sumamente revelador que el PT lamente haber confiado en el orden democrático fundado en la Carta de 1988, una Constitución “indefensaque permitió que el partido fuera “golpeadopor aquellos que condujeron la revocación.

La tesis de un golpe de nuevo tipo advierte a la izquierda que, incluso adhiriendo a la democracia, no estará inmune al golpe, toda vez que la democracia carece de las condiciones para protegerse de los golpistas. La tesis es reiterativa y tiene sus fundamentos en los pergaminos que dictan que el objetivo de la izquierda sigue siendo instalar un régimen (también) de “nuevo tipo, que sobrepase la democracia vigente. Pero respecto a ese régimen, como recordamos, los presagiosfueron siempre atemorizantes.


Fonte: elmostrador.cl