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Gleisi Hoffmann: Combate à pandemia e oposição a Bolsonaro aproximam PT e PSDB
Lula deve atuar na costura política com lideranças de centro-direita, diz presidente do PT
Por Cristiane Agostine, Valor Econômico
A luta encampada por governadores para combater a pandemia e driblar o boicote do presidente Jair Bolsonaro a medidas de distanciamento social aproximou PT e PSDB e tem acelerado a articulação de uma frente ampla contra o governo federal. A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), diz que a trégua entre petistas e tucanos não deve ser vista como uma possível aliança para 2022, mas defende a união com lideranças de centro e de direita para enfrentar a crise sanitária e Bolsonaro. Ontem, o país ultrapassou 12 milhões de casos de covid-19 e 295,4 mil mortes pela doença.
A convergência entre governadores do PT, PCdoB, PSB, PSDB, PSD e MDB nas ações para tentar frear o avanço do novo coronavírus deve ser ampliada para fora dos Estados, defende Gleisi. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atuará diretamente na costura política com lideranças de centro-direita e começará a viajar o país para reuniões políticas depois que tomar a segunda dose da vacina, no início de abril.
“Há uma conversação [...] de governadores e de outros partidos que estão sentindo que o drama do Brasil é grande"
Em sintonia com Lula, Gleisi diz que o PT deve ampliar as alianças para fora da centro-esquerda para ganhar as eleições. As articulações devem ser feitas ainda este ano. O nome do partido para 2022 está claro. “Obviamente Lula é o candidato do PT, do Brasil, do povo”, diz.
A seguir, trechos da entrevista concedida ontem ao Valor.
Valor: Economistas, banqueiros e empresários divulgaram uma carta com críticas ao governo. Como avalia esse movimento? Há maior aceitação à ideia de impeachment?
Gleisi Hoffmann: É muito positivo que tenha essa carta com tantas personalidades, que esses setores estejam se manifestando. Pena que tardou, porque a situação é gravíssima, e lamento que muitos deles apoiaram e apoiam medidas de austeridade no Orçamento. A base dele no Congresso ainda está muito coesa, o Centrão tem compromisso, mas o Congresso é aberto a pressões. Todo processo de impeachment foi por pressão social. Ao ter setores mais diversos do que da oposição, começa a ter um movimento mais amplo da sociedade, que pode virar impeachment.
Valor: A senhora vê uma mudança no cenário político, na base do governo?
Gleisi: Há um incômodo no Centrão. Ninguém está falando ainda que tem que caminhar para o impeachment, mas há um desgosto em relação a gestão. A escolha do Ministro da Saúde deixou isso bem explícito. Com o aumento do tom fora do Congresso, de setores que diziam que não era momento de impeachment, e esse desgosto na base, isso tudo pode levar a um movimento crescente pelo impeachment.
Valor: A crise tem levado o PT a dialogar mais com o centro e parece existir um pacto de não agressão com o PSDB. Há mais diálogo no fórum dos governadores, João Doria assumiu outro tom em relação a petistas. Há uma trégua?
Gleisi: O que há agora é uma aproximação grande de nossas lideranças que estão à frente de governos estaduais, de prefeituras, com as lideranças desses outros partidos, inclusive do PSDB, que defendem a vacina, o isolamento social. Eles não estão encontrando guarida no governo federal. Bolsonaro tem atacado governadores, entrou com ação contra três Estados que tomaram medidas pelo isolamento. A luta para enfrentar a pandemia tem feito essa aproximação e permitido o diálogo dessas lideranças. Não há nenhum diálogo formal, nenhuma conversa entre os partidos, PSDB, PT, nem tratamento a processo eleitoral. Mas nossas lideranças têm conversado para enfrentar a pandemia. Esse foi um chamado que Lula fez, de unir todos que querem vacina, aumento da renda, emprego, recursos para o SUS e querem enfrentar Bolsonaro e o desgoverno.
Valor: A pandemia deu um empurrão para articular a frente ampla com a centro-direita?
Gleisi: Há uma trégua, mas nenhuma perspectiva de aliança eleitoral. De fato há uma conversação, não só entre PT e PSDB, mas de governadores e de outros partidos que estão sentindo que o drama do Brasil é grande. Neste momento temos que unificar as ações para tirar o povo da crise. Os governadores do Nordeste praticamente todos se conversam. Lá tem lá PSB, PSD, PCdoB, e estão bem unificados no enfrentamento. No Norte, [tem conversas] com o MDB. Tem um grupo de 20, 21 governadores que está tratando junto o problema, que tem feito juntos o enfrentamento a essas ações do governo. Não diria uma frente ampla eleitoral. Não que isso não possa ser construída. Pode. Mas é uma frente ampla política para enfrentar a crise e se contrapor ao governo.
Valor: Doria ligou para a senhora depois que Lula relatou ameaças. Há uma abertura para o diálogo?
Gleisi: Ele foi muito gentil, me ligou, disse que estava colocando a polícia civil no caso, que faria todas as investigações necessárias e que achava aquilo um absurdo, uma afronta à democracia e à vida do presidente. Já tomaram medidas no sentido de chamar o homem que fez as ameaças, verificaram prontamente. Agradeci muito e foi uma postura muito digna, decente dele.
Valor: A senhora falou que em relação ao PSDB essa trégua não significa aliança. Está descartada, mesmo em um segundo turno?
Gleisi: Temos um projeto para o país. Ninguém está proibido de participar, de apoiar, mas sabemos o que queremos. É óbvio que não vamos nos indispor a conversar com ninguém. Além da defesa da democracia, de enfrentamento à pandemia, [a aliança] passa por uma agenda econômica. Temos que saber qual é a posição desses setores e o que eles pensam. Se tem disposição de governar junto, é governar para quem? Não estamos hostis a fazer nenhuma conversa, mas nossa prioridade agora é fazer uma aliança política para enfrentamento da crise. Não guardamos nenhuma expectativa de aliança eleitoral.
Valor: A aproximação com o centro e a direita agora não trará resultados futuros?
Gleisi: Não temos problema nenhum em nos aproximarmos de setores de centro. Já nos aproximamos e governamos com o centro. É óbvio que se você quer ganhar uma eleição e disputar uma eleição, você não fica só em um campo político da esquerda e da centro-esquerda. Tem que ampliar. Agora essa ampliação passa, necessariamente, pela discussão de um projeto para o país. Claro que tudo é um processo e não tem 2022 sem passar por 2021. Essa situação toda dá abertura maior para conversa, mas isso não quer dizer que dê resultado em uma aliança eleitoral.
Valor: Lula fez acenos ao centro, à direita, a empresários. De concreto, o que avançou até agora? Com que Lula e o PT têm dialogado? Quem são os interlocutores?
Gleisi: Não marcamos nenhuma conversa mais formal com esses setores. Lula tem se dedicado ao combate à pandemia, feito apelos, pediu reunião do G20, fez carta para Xi Jinping, reunião com o fundo russo, tem conversado com nossos governadores. Tem exortado que todos os setores têm que ficar juntos nesse momento de crise.
Valor: O PT tem procurado o empresariado que se afastou do partido. Quem faz essa ponte?
Gleisi: O PT não procurou entidades de classe. Para conversar, vai ser individualmente com aqueles que têm um projeto de desenvolvimento do Brasil. Lula não tem problema com o mercado. Ele senta qualquer hora para conversar, desde que seja o mercado produtivo, que já conhece bem como ele atua. Ele já foi presidente e sabe que precisa ter essa interlocução. Mas ainda não tomou iniciativa de procurar, não destacamos ninguém [para fazer essa ponte].
Valor: Lula tem rejeição alta e o PT minguou nas últimas eleições. Em 2020, não venceu em nenhuma capital. Como lidará com o antipetismo?
Gleisi: Vamos mostrar a farsa judicial e a operação política do golpe a que fomos submetidos. E agora o PT chega com seu líder maior, que é Lula, como uma opção concreta para governar o Brasil a partir de 2022. Essa decisão do [ministro Edson] Fachin foi uma das coisas mais relevantes que aconteceu nos últimos dez, doze anos. Não só porque recolocou os direitos políticos do Lula, mas porque corroborou o que dizíamos desde o início dos processos: a Vara de Curitiba não tinha competência para julgar. É uma vitória extraordinária ter esse reconhecimento. Temos que trabalhar com isso, para mostrar o que foi essa farsa judicial que construiu o antipetismo.
Valor: A decisão do Fachin foi recebida com muita cautela pelo PT. Em abril, o plenário do STF deve analisar a decisão do Fachin. Há temor de que seja derrubada? E em relação ao processo de parcialidade de Moro?
Gleisi: Tem aquele velho ditado de que quando a esmola é demais, o santo desconfia. Não conhecíamos o teor total da decisão. Quando conhecemos, vimos que foi uma decisão absolutamente correta. Infelizmente a Justiça tarda e quando tarda, falha porque o ex-presidente foi submetido a todo tipo de injustiça. Não pode ser candidato a presidente, ficou preso injustamente, passou por uma série de humilhações. Mas estamos convictos de que está na linha certa de legalidade. É muito improvável que o Supremo reverta essa decisão. Já causou impacto jurídico e político nacional e internacional. Qualquer ação diferente dessa vai ser de extrema violência. Em relação à suspeição de Moro, queremos que a Segunda Turma continue o julgamento. Além de atuar ilegalmente, foi um juiz parcial, o que é mais grave. Moro precisa responder por seus crimes.
Valor: O PT não esperava por essa decisão do Fachin?
Gleisi: Não. Pode ter sido uma ação do Fachin para constranger a Segunda Turma, não permitir o julgamento da suspeição. Mas o fato é que veio e veio no sentido correto.
Valor: Quando PT vai lançar oficialmente a candidatura Lula?
Gleisi: Obviamente Lula é o candidato do PT, do Brasil, do povo. É uma candidatura necessária para o país. Neste momento a prioridade dele e a nossa é o enfrentamento da pandemia. Se misturar a discussão da definição da candidatura, não vai ser bom para a construção da unidade política que temos que construir para enfrentarmos a crise. Devemos ter essa discussão mais para o fim do ano, começo do ano que vem.
Valor: Qual seria o perfil ideal de um vice? E o que Lula vai fazer daqui por diante?
Gleisi: Não pensamos nem na candidatura, quanto mais para vice. Sobre a agenda de Lula, queremos que ele viaje. Ele vai tomar a segunda dose da vacina e vamos organizar um roteiro de viagens dele pelo Brasil para conversar com lideranças políticas, de movimentos sociais, culturais, religiosas. Todos que exercem liderança e puderem estar unidos. Vamos ter um longo período de recuperação do país e precisamos agregar várias lideranças. O Nordeste é uma preferência de início [das viagens].
Valor: O partido se afastou da base evangélica. Como pretende se aproximar?
Gleisi: Muitos pastores com má fé e até com interesses políticos pessoais começaram a fazer uma ação direcionada para demonizar o PT. Nos nossos governos sempre fizemos muito para respeitar as religiões. Aliás foi Lula que enviou um projeto de liberdade religiosa para o Congresso. Foi um ato muito importante e vários pastores que hoje criticam o Lula estavam lá, mas para disputar mais espaço político resolveram fazer uma aliança que fosse demonizar o PT, criticando e pegando questões de valores morais para tentar demonizar. É preciso desmistificar.
Valor: Bolsonaro ainda tem uma base de apoio importante. Segundo o Datafolha, 30% avaliam a gestão como ótima ou boa e 24% como regular. Como avalia esse apoio?
Gleisi: Tem a esperança de parte da população de que o governo dê certo. É muito traumático ver que está dando errado e que a vida fica sem perspectiva. E tem outra parte que é da direita, da extrema direita que sempre existiu. Sempre tivemos um polo da direita com cerca de 30% de apoio. E sempre tivemos a esquerda com cerca de 25% a 30%. Temos que falar com esse miolo da sociedade, esses que consideram o governo regular e que está sendo cada vez crítico a Bolsonaro. É esse setor que vai definir se um governo é apoiado ou não.
Merval Pereira: Em busca do confronto
A declaração, no mínimo irresponsável, que no limite pode ser considerada uma incitação à violência, da presidente do PT, senadora investigada Gleisi Hoffmann, de que, para prender Lula, será preciso “matar muita gente”, é o retrato fiel da escalada de radicalização, por enquanto retórica, que os aliados do ex-presidente Lula estão fazendo à medida que se aproxima o dia do julgamento do recurso no Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4).
Mas também do descontrole emocional que domina as principais lideranças do partido, pois a mesma Gleisi, em entrevista à agência de notícias Bloomberg dias antes, mandara um recado aos investidores estrangeiros para que não se preocupassem, pois Lula, segundo ela, é um líder político conciliador e estaria disposto a publicar uma nova versão da carta aos brasileiros para garantir seus compromissos com o equilíbrio fiscal.
A presidente do PT, por sinal, dá provas, dia sim outro também, de que está fora de sintonia com a realidade, provavelmente devido ao temor de que seu líder máximo acabe o processo em curso na cadeia ou, pior ainda para os planos petistas, impedido de concorrer à Presidência da República.
A senadora petista colocara recentemente no Facebook uma foto da torcida do time de futebol alemão Bayern de Munique onde se leria, segundo sua postagem, uma faixa de apoio a Lula, como se o julgamento estivesse mobilizando até mesmo torcidas organizadas alemãs. Na verdade, a foto mostrava uma faixa onde se lia “Forza, Luca”, comum ultimamente nos estádios da Alemanha devido a um acidente sofrido por um torcedor. O fanatismo provocou uma ilusão de ótica que fez Gleisi ler Lula em vez de Luca, deixando-a no ridículo.
São três episódios da mesma autora que demonstram como o julgamento do dia 24 está mexendo com os nervos da presidente do partido. Mas não só com os dela. A defesa de Lula tenta, de última hora, incluir no processo o que seria uma nova prova, fato de que tratamos aqui na coluna de ontem. A equivocada penhora do tríplex do Guarujá por uma juíza, em processo contra a OAS, pareceu aos advogados de Lula uma prova irrespondível de que o apartamento não é de Lula.
Como se ele não tivesse sido condenado justamente por tentar esconder a posse de fato do imóvel, que, aliás, foi confiscado judicialmente pelo juiz Sergio Moro como produto do crime pelo qual foi condenado. Em outra tentativa de alterar o andamento do processo, a defesa pediu que Lula fosse ouvido novamente no TRF-4 antes do julgamento, pois seu depoimento ao juiz Sergio Moro teria sido indevido pela parcialidade do julgador na primeira instância.
O relator da Lava-Jato no TRF-4, ministro João Pedro Gebran Neto, do TRF-4, rejeitou o pedido, sob a alegação óbvia de que para concordar com ele seria preciso anular o primeiro depoimento, o que só poderia ser feito pelo plenário da corte de apelação. A mais recente trama foi tentar incluir um advogado americano entre os defensores de Lula, mas ele não tem registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para atuar no país.
Além disso, deputados petistas, Wadih Damous e Paulo Teixeira, foram subestabelecidos como defensores de outro réu, Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula. Os dois poderão fazer uma defesa oral durante o julgamento, o que demonstra uma intenção, que não se sabe se concretizarão, de tumultuar o processo. Okamotto, pelo menos, preocupou-se em minimizar a fala de Gleisi sobre mortes em consequência de uma eventual prisão de Lula ao final do julgamento do dia 24, dizendo que foi uma força de expressão da presidente do PT. E que ele, sim, morreria do coração se Lula fosse preso. Okamotto imolou-se simbolicamente para atenuar o disparate da senadora Gleisi Hoffmann, mas isso em nada reduz a irresponsabilidade de conclamar os militantes petistas a reações violentas em caso de condenação de Lula. Os que ameaçaram os juízes do TRF-4 pelo Facebook já foram identificados pela Polícia Federal e podem sofrer as consequências ainda antes do dia do julgamento.
Como se vê, o périplo do presidente daquele tribunal, ministro Thompson Flores, a gabinetes de autoridades em Brasília em busca de garantias para que o julgamento transcorra sob controle das forças de Segurança não foi desmotivado. O apelo ao confronto está por toda parte nas atitudes de militantes e dirigentes petistas. Esperamos que sejam apenas bravatas irresponsáveis, a serem desestimuladas pela ação preventiva das autoridades de Segurança.