gilets jaunes
Pedro Doria: O Facebook e os ‘gilets jaunes’
Movimento francês mostra que o impacto do Facebook na política mundial é profundo
O movimento francês dos “gilets jaunes”, coletes amarelos, representa a terrível constatação de que o impacto do Facebook na política mundial não só é profundo como, talvez, insolúvel sem uma reformulação profunda do sistema. Porque o que alimentou a agressividade dos protestos franceses foram justamente as mudanças feitas pela rede social, no início do ano, para impedir manipulação política.
Mudanças que faziam sentido.
A avaliação de executivos e engenheiros do Facebook era de que a rede havia se tornado demasiadamente focada no noticiário e se afastado do objetivo principal, promover encontros entre pessoas. De quebra, porque as notícias compartilhadas eram as de títulos mais exuberantes – ou sensacionalistas –, traziam para dentro da plataforma o fantasma da distorção ideológica, quando não fake news generalizadas.
A solução proposta foi mudar o algoritmo com dois objetivos. O primeiro, priorizar noticiário que fosse local em detrimento do nacional. Mais da sua cidade e do seu bairro. Depois, a turma decidiu promover mais postagens de família, amigos e grupos, incentivando conversas entre pessoas conhecidas, diminuindo o alcance de gente famosa – fossem jornalistas, fossem artistas, ou mesmo marcas.
No papel, tinha toda a lógica do mundo. O software que rege aquilo que nos chega via Facebook calibraria o conteúdo que vemos para nos afastar das armadilhas e ódios da política.
Na França, a prática foi justamente o contrário. Porque, também no início do ano, e esse processo foi detalhadamente reconstruído pelo BuzzFeed News, começavam a pipocar pela rede social, em todo o país, grupos que logo foram apelidados Groupe Colère. Coléricos. Raivosos. Lá, pessoas de cada cidade se encontravam online para reclamar do que não aguentavam mais.
E as mudanças implementadas pelo Facebook fizeram com que esses grupos, por serem iminentemente locais, fossem apresentados a mais e mais pessoas. O algoritmo, literalmente, atiçou um naco da população a se juntar a grupos nos quais a raiva era estimulada. A mudança antipolarização do Facebook provocou os mais violentos protestos em Paris desde 1968.
“Como amplificador e radicalizador da cólera popular”, escreveu o influente jornalista Frederic Filloux, “o Facebook demonstrou seu grau de toxicidade para o processo democrático”. Filloux escreve, em conjunto com o ex-presidente da Apple francesa Jean-Louis Gassée, uma influente newsletter lida em todo o Vale do Silício – Monday Note. Porque estava em Paris, entende política francesa e é respeitado no Vale, seu artigo desta segunda-feira teve imensa repercussão.
Como teve imensa repercussão o pacote de e-mails internos do Facebook tornados públicos, na quarta-feira, pelo Parlamento britânico.
Num deles, um executivo defende o uso de um truque para que o app da rede tire informação sobre ligações feitas em celulares Android. Sua equipe havia descoberto como fazê-lo sem informar ao dono do aparelho. “Pode ser um problema de relações públicas”, diz, mas a informação ajudaria a compreender mais as redes de amizade dos usuários. E essa é informação preciosa para quem faz dinheiro mapeando o comportamento de cada indivíduo.
Noutra mensagem, esta do próprio Mark Zuckerberg, ele é bastante claro: “Pode ser bom para o mundo, mas só é bom para nós se as pessoas estiverem gerando conteúdo dentro do Facebook”.
Tudo certo: é uma empresa privada cujo objetivo é crescer. E dribla uns limites éticos quando necessário. Mas é preciso fazer uma pergunta: “A ira do mundo estaria nas ruas sem o Facebook?”.