gilberto saboia
‘Decisão de organização internacional tem, em geral, caráter recomendatório’
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, Gilberto Saboia cita casos de adoção de regulamentos para prevenir ocorrência e propagação internacional de doenças
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Diplomata aposentado e membro da Comissão de Direito Internacional da ONU (Organização das Nações Unidas), Gilberto Saboia diz que as decisões e resoluções de uma organização internacional têm em geral caráter recomendatório, não estritamente obrigatório, visando a persuadir os Estados a adotarem certo tipo de comportamento. O artigo dele foi publicado na 20ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília.
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Em sua análise, Saboia observa que as organizações internacionais podem, também, de acordo com seu instrumento constitutivo, adotar decisões com caráter obrigatório. No caso da OMS (organização Mundial da Saúde), o artigo 21 autoriza a Assembleia a adotar regulamentos para prevenir a ocorrência e a propagação internacional de doenças, e dispor sobre vários outros aspectos relativos à saúde pública.
Pelo artigo 22, conforme explica o diplomata aposentado, estas regras, que constituem o Regulamento Sanitário Internacional, entram em vigor para todos os Estados membros após um prazo determinado, exceto para os países que notificarem sua não aceitação dentro deste prazo. “Tornam-se regras internas dos Estados”, enfatiza.
Ele lembra que a Constituição da OMS, por exemplo, contém um preâmbulo que enumera os princípios básicos acordados entre os membros sobre cooperação internacional em matéria de saúde. Seguem-se 82 artigos que estipulam concretamente os objetivos, funções e a forma de operação dos diferentes órgãos.
O diplomata também ressalta que o caráter normativo dos atos das organizações internacionais e as obrigações deles decorrentes para com os Estados membros têm sua fonte primária no acordo constitutivo, tratado internacional ao qual o Estado deu seu consentimento, e cujas normas devem ser cumpridas de boa-fé. “Seu descumprimento gera consequências”, destaca o autor. “Assim, a falta de pagamento das quotas anuais devidas para financiar o orçamento pode ocasionar a perda do direito de voto”, continua.
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RPD || Gilberto Saboia: A natureza normativa dos atos das organizações internacionais
Membro da Comissão de Direito Internacional da ONU, o diplomata aposentado Gilberto Saboia nos mostra, em seu artigo, as diversas categorias de organizações internacionais. As mais comuns são as criadas por Estados
Hugo Grócio (1583-1645), um dos pais do direito internacional moderno, privilegiou a sociabilidade e os interesses recíprocos entre as nações como uma das bases de um direito internacional que não se limitasse a regular as situações conflitivas, mas servisse também para fazer prosperar as relações de mútuo interesse.
A Paz de Vestfália (1648) pôs fim à Guerra dos Trinta Anos, sucessão de conflitos religiosos, e criou o Estado moderno fundado no exercício da soberania sobre um território e o reconhecimento recíproco, sem conotação religiosa, dos demais estados. Nasceu daí um sistema de equilíbrio de poder que permitiu limitar as guerras, favorecendo a visão de Grócio para o direito internacional.
Após as guerras napoleônicas, que subverteram a ordem criada na Paz de Vestfália, o Congresso de Viena (1815) refez o mapa de Europa sobre bases que, mal ou bem, permitiram paz e progresso durante boa parte do século XIX. As potências reunidas no Congresso de Viena se concertaram para defender a legitimidade das monarquias frente a reivindicações libertárias.
Surgem também as primeiras iniciativas de cooperação através de entidades compostas por Estados e com personalidade jurídica própria. São as Comissões Internacionais do Rio Reno e do Rio Danúbio, para regular a navegação destes cursos d’água. O avanço da tecnologia e dos contatos internacionais levou à criação de organizações de caráter técnico, social ou humanitário e mecanismos para a solução de disputas por arbitragem.
Ao fim da I Guerra Mundial, na Paz de Versalhes (1919), surge a Liga das Nações, primeira organização internacional com vocação universal e mandato para plasmar uma ordem internacional em que o recurso à guerra fosse limitado através de um sistema de segurança coletiva, capaz de aplicar sanções a Estados agressores. Apesar de alguns avanços, a Liga falhou em virtude da fraqueza dos membros diante das agressões totalitárias e da ausência dos Estados Unidos. A Organização Internacional do Trabalho e a Corte Permanente de Justiça Internacional surgiram na mesma ocasião e se mantiveram, a segunda incorporada pela ONU como Corte Internacional de Justiça.
Ao fim da II Guerra Mundial, uma nova organização mundial foi criada. A Carta das Nações Unidas, aprovada pela Conferência de São Francisco (1945), proclama a proibição do uso da força salvo em legitima defesa, reconhece os direitos humanos, e estabelece mecanismos para seu aprofundamento e promove cooperação em áreas como agricultura, saúde, ciência e cultura, o que ensejou a criação dos organismos especializados. O Conselho de Segurança, encarregado da defesa da paz e da segurança internacionais, foi dotado de poderes mais robustos do que o Conselho da Liga, podendo empreender operações militares para a defesa da paz, mediante resoluções, mandatórias para todos os Estados. Essas resoluções devem contar com a anuência dos cinco membros permanentes (Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido e França)
Há diversas categorias de organizações internacionais. As mais comuns são as criadas por Estados, cujas características são as seguintes:
1. São sujeitos de direito internacional, capazes de assumir obrigações e exercer direitos. Podem celebrar tratados internacionais, dentro dos limites do ato constitutivo da organização ou por deliberações dos órgãos competentes. Gozam de imunidades no limite necessário ao exercício de suas funções.
2. Não são soberanas, e sim dotadas de competência conforme o mandato estabelecido no ato constitutivo da organização, geralmente um tratado entre Estados ou decisões tomadas pelos seus órgãos deliberativos.
3. São geralmente dotadas de uma secretaria administrativa. Os órgãos deliberativos costumam ser uma assembleia ou conferência, de frequência anual com participação de todos os membros, e um conselho executivo, de composição mais restrita e eleito pela conferência, que se reúne com mais frequência e gere os assuntos e programas aprovados pela conferência no interregno entre as sessões desta última.
O caráter normativo dos atos das organizações internacionais e as obrigações deles decorrentes para com os Estados membros têm sua fonte primária no acordo constitutivo, tratado internacional ao qual o Estado deu seu consentimento, e cujas normas devem ser cumpridas de boa fé. Seu descumprimento gera consequências. Assim, a falta de pagamento das quotas anuais devidas para financiar o orçamento pode ocasionar a perda do direito de voto.
A Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, contém um preâmbulo que enumera os princípios básicos acordados entre os membros sobre cooperação internacional em matéria de saúde. Seguem-se 82 artigos que estipulam concretamente os objetivos, funções e a forma de operação dos diferentes órgãos.
As decisões e resoluções de uma organização têm em geral um caráter recomendatório, não estritamente obrigatório, visando a persuadir os Estados a adotarem certo tipo de comportamento. Em certos casos, resoluções da Assembleia Geral da ONU, ainda que vazadas em linguagem recomendatória, assumiram, pelo modo de sua votação ou pela reiteração de sua importância, o caráter de fonte de obrigações. É o caso da Resolução sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948).
As organizações internacionais podem, também, de acordo com seu instrumento constitutivo, adotar decisões com caráter obrigatório. No caso da OMS, o art. 21 autoriza a Assembleia a adotar regulamentos para prevenir a ocorrência e a propagação internacional de doenças, e dispor sobre vários outros aspectos relativos à saúde pública. Pelo art. 22, estas regras, que constituem o Regulamento Sanitário Internacional, entram em vigor para todos os Estados membros após um prazo determinado, exceto para os países que notificarem sua não aceitação dentro deste prazo. Tornam-se regras internas dos Estados.
* Diplomata aposentado. Membro da Comissão de Direito Internacional da ONU.