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Questão migratória é um dos assuntos mais delicados da política doméstica dos EUA e um dos pontos frágeis da gestão Biden

Lula estuda anular medidas do governo Bolsonaro que facilitaram deportação de brasileiros dos EUA

Mariana Sanches,* BBC News Brasil

É o que dizem fontes especializadas em política externa ouvidas pela BBC News Brasil envolvidas na transição de governo e que devem assumir posições de relevo na nova gestão.

Entre outubro de 2019 e novembro de 2022, 7.549 brasileiros que entraram nos EUA sem vistos foram deportados em 80 voos fretados pelos americanos com destino final no Aeroporto de Confins, em Minas Gerais.

O levantamento inédito, ao qual a BBC News Brasil teve acesso, foi feito a partir de dados de desembarque desses passageiros no terminal internacional de Minas Gerais e compilados pelo sociólogo Gustavo Dias, professor da Universidade Estadual de Montes Claros.

Os voos fretados, autorizados pelo Brasil em 2019, são alvos de inúmeras denúncias de maus-tratos e abusos cometidos contra os deportados, que costumam ter os pés e as mãos algemados durante toda a viagem. Até mesmo um menor de idade brasileiro já ficou preso a algemas em um desses voos, o que provocou protestos verbais do Itamaraty junto ao Departamento de Estado americano.

"Eu não estudei atentamente essas medidas, mas, evidentemente, o governo do presidente Lula, como fez no passado, vai revisar e, se necessário, modificar ou anular, cancelar, revogar as medidas que sejam contrárias aos interesses dos cidadãos brasileiros. Como será feito isso é um detalhe que eu não tenho como responder agora", afirmou à BBC News Brasil o ex-chanceler Celso Amorim, que assessora o presidente eleito Lula no tema.

Auxiliares de Lula garantem que esse será um dos temas que o presidente eleito deve levar à mesa quando tiver sua primeira conversa de trabalho com o colega americano Joe Biden.

A revisão dessas regras, no entanto, poderá criar um dos primeiros espinhos na relação até agora positiva com o governo do democrata — já que a questão migratória é um dos assuntos mais delicados da política doméstica dos EUA e um dos pontos frágeis da gestão Biden.

Trump 'cerrou os punhos'

O número de brasileiros que se arriscam na travessia terrestre entre México e EUA deu um salto nos últimos anos, em meio a uma crise de milhões de migrantes que se avolumaram na fronteira americana sul neste mesmo período.

Ao todo, mais de 53,4 mil brasileiros foram localizados pelo serviço migratório na fronteira Sul dos EUA no ano fiscal de 2022 (encerrado em setembro passado) e 56,9 mil, em 2021, segundo o serviço de Proteção das Alfândegas e Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês).

Estes são os números mais altos da série histórica desde 2007. De acordo com o sociólogo Gustavo Dias, que estuda as comunidades mineiras de onde saem boa parte dos jovens e adultos que decidem tentar entrar nos EUA sem visto e por via terrestre, a principal motivação desses migrantes é a busca por oportunidades de ascensão econômica, que essas pessoas se desiludiram de alcançar no Brasil.

"O governo Bolsonaro talvez seja um caso único no mundo de uma gestão que atua para dificultar a mobilidade de uma população que ele ajuda a expulsar do país", afirma Dias, em referência às medidas de facilitação de exportação.

Desde outubro de 2019, quando o republicano Donald Trump era ainda o presidente dos Estados Unidos, o Brasil passou a concordar com o envio de dois voos mensais - fretados pelos americanos - para repatriar brasileiros.

Excepcionalmente, os EUA chegaram a enviar até três voos em um mesmo mês. Na prática, isso resultou em uma devolução média de 204 brasileiros a cada 30 dias desde então.

Segundo relataram à BBC News Brasil três diplomatas brasileiros com conhecimento das negociações, o aceite para o envio de voos americanos com brasileiros ao Brasil veio depois que a gestão Trump "cerrou os punhos".

Considerado o maior aliado internacional de Bolsonaro, Trump comandou uma das políticas mais duras contra imigrantes da história dos EUA, que incluiu até mesmo a construção de um muro em trechos da fronteira com o México.

Ao Itamaraty, então comandado pelo chanceler Ernesto Araújo, a gestão Trump disse que o Brasil fazia parte de uma lista de países "pouco cooperativos" do Departamento de Segurança Interno (DHS, na sigla em inglês), porque não facilitava a deportação de nacionais que chegavam aos EUA.

E fez entender que isso afetaria o estreitamento de laços que o governo Bolsonaro buscava como prioridade. A negociação foi fundamental para que o Brasil voltasse a autorizar os voos fretados dos EUA, que não aconteciam nesses termos desde 2006.

Entre 2006 e 2019 - salvo em casos negociados especificamente - repatriações dependiam da disponibilidade de vagas em voos de carreira entre os dois países.

Como havia poucas vagas nas aeronaves de companhias aéreas comerciais, era relativamente comum que os americanos vissem estourar o prazo para que pudessem manter legalmente o migrante brasileiro detido em algum dos seus centros de detenção.

Assim, os brasileiros acabavam liberados em território americano, com uma notificação para comparecer em alguma corte migratória em alguma data específica. Parte desses migrantes jamais voltava a se apresentar às autoridades. Entre os agentes de migração dos EUA, a medida ganhou o apelido irônico de "notificação para desaparecer".

Mas os voos fretados não foram a única mudança feita pelo governo Bolsonaro para facilitar a deportação de brasileiros. Migrantes indocumentados costumam ter como estratégia se desfazer de seus documentos de identidade, para dificultar ou retardar o processo de devolução a seus países e tentar encontrar formas de não serem expulsos.

Sob Bolsonaro, os consulados brasileiros também passaram a expedir, a pedido de autoridades americanas e até mesmo contra a vontade dos cidadãos brasileiros, atestados de nacionalidade, para comprovar que se tratavam de brasileiros. E a permitir a entrada de deportados ao Brasil apenas com este tipo de documento.

Parte dos deportados brasileiros também afirma não ter sido atendido pelos americanos ao pedir assistência consular antes da deportação, o que é um direito dos migrantes. No ano passado, os EUA chegaram a deportar dezenas de crianças brasileiras filhas de haitianos para o Haiti sem o conhecimento de autoridades do Brasil, conforme mostrou a BBC News Brasil na ocasião.

"Um brasileiro ilegalmente fora do país é problema do Brasil, isso é vergonha nossa, para a gente", afirmou o deputado federal e filho do presidente Eduardo Bolsonaro, em visita a Washington em março de 2019, justificando as decisões que o governo já começava a tomar sobre o tema.

No mesmo período, a gestão Bolsonaro extinguiu a necessidade de vistos para a entrada de americanos no Brasil - em desacordo com o princípio da reciprocidade adotado até então pela diplomacia brasileira.

"Quantos americanos vão vir morar ilegalmente no Brasil, aproveitar essa brecha para entrar aqui como turista e passar a viver ilegalmente? Agora vamos fazer a pergunta contrária: se os EUA permitirem que o brasileiro entre lá sem visto, quantos brasileiros vão para os Estados Unidos se passando por turistas e vão passar a viver ilegalmente aqui?", disse Eduardo Bolsonaro, na mesma ocasião.

O fim dos vistos para brasileiros é um pedido antigo do Brasil, mas não há qualquer previsão para que isso ocorra atualmente.

Bolsonaro também desmontou a política estabelecida em decreto de Lula em 2010 para os migrantes brasileiros, com base nos princípios de não discriminação e garantia dos direitos humanos previstos na Convenção de Viena, da qual o Brasil é signatário. E desmantelou o Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior (CRBE), que servia como interface entre as comunidades e o governo.

"Olha, o que eu falar aqui vai dar polêmica, tá certo? Acho que, em qualquer país, as suas leis têm que ser respeitadas, né? Qualquer país do mundo onde pessoas estão lá de forma clandestina, é um direito daquele chefe de Estado, usando da lei, devolver esses nacionais. Lamento que os brasileiros foram buscar novas oportunidades lá fora e voltam para cá deportados. Lamento, mas temos que respeitar a soberania dos outros países", disse o presidente Jair Bolsonaro em janeiro de 2020, ao justificar as medidas.

Biden deportou mais brasileiros que Trump

Sob Bolsonaro, o Itamaraty tem apresentado reclamações constantes ao governo dos EUA em relação ao tratamento dado aos brasileiros devolvidos - especialmente ao uso de algemas de pés e mãos, que forçam a posição curvada das pessoas por horas seguidas.

Os americanos afirmam que trabalham em uma solução que seja customizada para o Brasil, já que não quer abrir o precedente para que outros países da região também possam contestar o uso de algemas em seus cidadãos.

"Ainda estamos tentando fazer um diagnóstico, mas o que percebemos é que esse governo só olhava pro migrante quando era pra fazer comício. Mas não cuidou, e permitir que o brasileiro seja algemado e enfiado de volta no avião não são medidas condizentes com uma política externa minimamente razoável", afirmou um integrante da equipe de transição sob condição de anonimato por não ter autorização para falar em público sobre o tema. A declaração é uma referência à motociata feita por Bolsonaro em Orlando em junho. A maioria da comunidade brasileira nos EUA votou em Bolsonaro.

Em tese, bastaria uma decisão unilateral de Brasília para que os voos americanos fossem vetados de adentrar o espaço aéreo brasileiro e para que os consulados interrompessem a emissão de atestados de nacionalidade.

A decisão, no entanto, é politicamente sensível e divide até mesmo os diplomatas do Brasil - que reconhecem o direito dos americanos de escolher a quem recebem em seu território.

E embora as medidas tenham sido negociadas por Bolsonaro com a gestão Trump, quem mais se beneficiou delas foi Biden. No período do republicano, segundo o estudo de Dias, apenas 985 brasileiros foram deportados, em 22 voos. Já com Biden na Casa Branca, foram 6.564 devolvidos em 58 voos.

"Uma coisa é falar sobre rechaçar essas regras em 2010, quando quase não entrava brasileiro nos EUA e não havia a pressão que tem hoje dos americanos para liberar documento e mandar de volta. Outra coisa é falar disso agora, a realidade mudou", disse à BBC News Brasil um embaixador que acompanha a questão consular Brasil-EUA.

Por pressão dos americanos, os mexicanos recentemente voltaram a exigir visto para a entrada de brasileiros no país. É uma tentativa de coibir o fluxo de cidadãos do Brasil na fronteira com os EUA.

O time de Lula afirma que tentará convencer os americanos de que a repressão a quem chega na fronteira não é o caminho, e sim atuar nas causas que levam esses latinos a partir de seus países. Um discurso que o próprio Biden defendeu na campanha, mas que se mostrou pouco eficiente em seu governo, quando ele lançou mão de expedientes semelhantes aos de Trump pra tentar controlar a onda migratória.

Em negociação para que os americanos façam aportes de dinheiro para a preservação da Amazônia, apoiem uma candidatura do Brasil numa eventual reforma do Conselho de Segurança da ONU e tentando reatar uma relação com os EUA abalada pelas tensões entre Biden e Bolsonaro, Lula terá que decidir se enfrentará os custos políticos que as mudanças para dificultar a deportação de brasileiros poderão acarretar.

Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.


Ilustração: Mila Benassi para o Intercept Brasil

Lula precisa fazer o Brasil recuperar o controle sobre o armamento de civis

The Intercept Brasil*

Acabou, mas não chegou ao fim. Após quatro anos da nefasta gestão de Jair Bolsonaro, somos um país com um povo mais radicalizado, à vontade para ser preconceituoso, xingar desafetos e resolver qualquer bate boca no tiro.

Os CACs –  sigla para caçadores, atiradores esportivos e colecionadores – já têm em mãos mais de 1 milhão de armas, mas o Exército falha em sua missão de fiscalizá-las e não sabe exatamente quais são e onde estão. O resultado? CACs estão vendendo e alugando armamento para o PCC, o Comando Vermelhomilicianos e assaltantes de banco. Depois dos decretos de Bolsonaro, criminosos passaram a ter acesso a armas mais modernas, mais potentes e mais baratas.

As armas são o elefante na sala da vez. Muito pouco se falou sobre elas durante a campanha presidencial e há grande expectativa sobre o que vai acontecer. Aliados de Bolsonaro que são CACs ou simpatizantes da política do libera geral já postam nas redes sobre o medo infundado de perder suas armas e seus clubes de tiro. O maior expoente das medidas de afrouxamento do Estatuto do Desarmamento, o presidente do ProArmas Marcos Pollon, eleito deputado federal pelo Mato Grosso do Sul, nem assumiu e já postou sobre o impeachment de Lula. No mesmo vídeo, ressaltou versículos bíblicos, prometendo “não se dobrar”.

É fato que não há clima e aprovação política para um Estatuto do Desarmamento 2. Mas também é fato que não houve ou há, até o momento, movimentações no sentido de desarmar a população. Não podemos, contudo, deixar para depois o problemas da violência armada, o da falta de pulso do Exército nessa fiscalização e o da facilidade com que criminosos estão comprando armas legais, muitas delas mais potentes do que as das polícias.

E não é por falta de propostas para mudar esse cenário que ele se perpetua. Existem leis, decretos e mecanismos referentes a armamentos e munições que nunca saíram do papel e devem ser acionados o quanto antes para mitigar o estrago da gestão armamentista de Jair Bolsonaro.

A medida mais básica é integrar o Sistema Nacional de Armas – o SINARM, operado pela Polícia Federal, que reúne informações sobre concessões feitas à civis – e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas – o SIGMA, que abrange informações de armas de policiais, militares e CACs, gerido pelo Exército. Estipulada há quase 20 anos pela lei 10.826, ela não se concretizou, mesmo após o Ministério Público Federal ajuizar uma ação civil pública em 2008 para obrigar o Exército a cumprir a legislação.

Órgãos importantes para a construção de estratégias de enfrentamento ao tráfico de armas e munições e para a investigação de crimes são prejudicados pela inação das Forças Armadas há muitos anos. Elas nunca cumpriram as leis e decretos sobre o tema e, em 2011, fingiram resolver a falta de integração ao distribuir 60 senhas de acesso ao SIGMA. E só.

O Exército e o Ministério da Justiça e Segurança Pública não avançaram na integração dos sistemas que facilitariam o rastreamento de armas e munições, como o Sistema Nacional de Informação de Segurança Pública, o sistema do Ministério da Justiça que agrega dados de segurança pública e pode ser acessado por policiais estaduais, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal.

O atual sistema – que, absurdamente, é de propriedade da empresa Companhia Brasileira de Cartuchos, a CBC – não permite, por exemplo, a geração de relatórios para subsidiar ações de inteligência e fiscalização, prejudicando a investigação de roubos, desvios e extravios. Uma empresa privada gerindo informações de segurança nacional nos deixa, mais uma vez, vulneráveis do ponto de vista social, econômico e político.

Cabe ao novo presidente eleito cobrar o cumprimento de leis, decretos e normas assinados há tempos para mudar este quadro – ou amanhã não será outro dia.

Texto publicado originalmente no The Intercept Brasil.


RPD impressa analisa papel dos municípios na segurança pública

Revista impressa editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) terá lançamento virtual no dia 11 de agosto, às 14h30

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

As guardas municipais não esgotam, por si só, o compromisso e a responsabilidade dos municípios para a garantia da segurança pública. As atividades que as cidades podem desempenhar nessa área ainda demandam contornos mais definidos, de acordo com a revista impressa editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e que será lançada, no dia 11 de agosto, em evento on-line, com transmissão a partir das 14h30, no portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade.

Assista!



Com uma coletânea de sete análises inéditas, a revista impressa Política Democrática (56ª edição) “O papel dos municípios na segurança pública”, apresenta reflexões sobre os melhores caminhos para a atuação e participação dos municípios nessa área, considerada vital para a sociedade.

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“O papel dos municípios na segurança pública não se resume à existência das guardas municipais”, afirma o diretor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB) Artur Trindade Costa, organizador da obra, em texto de apresentação. Ele também será coordenador do evento on-line.

Costa, que também é coordenador do Núcleo de Estudos sobre Segurança Pública e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ressalta que alguns municípios desenvolvem políticas sociais de prevenção de violências.


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Gestão Cidadã é tema de podcast da Fundação Astrojildo Pereira


“Em alguns lugares, estas políticas foram relativamente bem sucedidas, como Canoas (RS), Diadema (SP) e Lauro de Freitas (BA)”, cita o especialista. De acordo com ele, independentemente da forma como os municípios têm atuado na segurança pública, sua participação se dá num contexto de inexistência de um marco regulatório que defina claramente as atribuições e prerrogativas dos entes federados.

No texto “As guardas na gestão da segurança pública municipal”, um dos publicados no livro, a doutora em Antropologia Ana Paula Miranda lembra que esse tema surgiu, nos anos 1990, como coadjuvante.

“A partir de 2009, com a primeira Conferência Nacional da Segurança Pública (Conseg), o município se tornou protagonista, com a municipalidade sendo reconhecida como uma instância fundamental de cogestão da segurança pública”, disse ela.

Segundo Ana Paula, a publicação do Estatuto Geral das Guardas Municipais não possibilitou um melhor desenho para as instituições, na medida em que se limitou apenas a descrever quais são os “serviços” da segurança pública que um município pode realizar.

O texto “Os municípios e o financiamento da segurança pública no Brasil”, também publicado na revista impressa, aponta que é fundamental refletir que os entes municipais têm enorme expressão no tratamento da segurança pública.

Essa última análise conjunta é da doutora em economia Ursula Dias Peres, que também é professora da Universidade de São Paulo (USP); da doutora em administração pública e diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Samira Bueno e do mestre em gestão de políticas públicas Gabriel Marques Tonelli.

“Seja porque há o reconhecimento de que muitas soluções de políticas públicas implicam ações locais, com foco no território, seja porque diversos municípios passaram a incluir a segurança pública entre suas políticas prioritárias nos últimos anos com a criação de secretarias de segurança urbana, guardas municipais, conselhos comunitários de segurança, dentre outros”, afirmam os autores, no texto.

SERVIÇO
Evento on-line de lançamento da 56ª edição da Política Democrática impressa
Título: O papel dos municípios na segurança pública
Data: 11/8/2021
Transmissão: a partir das 14h30, no portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da Fundação Astrojildo Pereira
Realização: Fundação Astrojildo Pereira

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Bruno Boghossian: Política, vaidade e perversidade de Bolsonaro custam vidas ao país

Presidente trata pandemia como jogo pelo poder e usa governo para buscar glórias individuais

Jair Bolsonaro nunca escondeu as razões de sua campanha para sabotar o combate ao coronavírus. Ainda nas primeiras semanas da pandemia, o presidente foi ao ataque contra governadores que implantaram medidas de restrição para conter a doença e disse estar no meio do que chamou de "luta pelo poder".

"É essa a preocupação que eu tenho. Se a economia afundar, afunda o Brasil. Se afundar a economia, acaba com meu governo", disse à rádio Bandeirantes, em março de 2020.

Quase nada mudou desde então. Enquanto brasileiros morrem aos milhares a cada semana, o presidente continua tratando a pandemia como um jogo político. Na sexta (26), em visita ao Ceará, Bolsonaro disse que "o povo não consegue mais ficar dentro de casa" e culpou seus adversários ("esses que fecham tudo e destroem empregos").

Essa politicagem barata é alimentada pela vaidade doentia do presidente. Bolsonaro foi capaz de transformar um assunto crítico como a busca pela vacina numa contenda particular: para desviar os holofotes do rival João Doria, ele adiou a compra da Coronavac e até comemorou o suicídio de um voluntário dos testes do imunizante.

A mesma lógica submete o país ao messianismo mortífero de Bolsonaro. Em busca de glória, o presidente mobiliza a máquina do governo para fabricar curas milagrosas que possam levar seu nome. Assim, desperdiça tempo e dinheiro atrás da cloroquina e do spray nasal israelense —ambos sem eficácia comprovada.

Além do político e da vaidade, os brasileiros também são reféns da perversidade delirante do capitão. Bolsonaro é um dos únicos líderes do mundo que produzem aglomerações inúteis e investem contra medidas básicas de proteção.

Na última semana, ele voltou a fazer propaganda de supostos "efeitos colaterais" do uso de máscaras, com base numa enquete alemã de baixo rigor científico. Autoridades sanitárias, porém, insistem que o equipamento de proteção é essencial. As atitudes de Bolsonaro custam vidas.


Hélio Schwartsman: Pazuello, o verdadeiro mito

Qual é o general que consegue infligir mais de mil baixas por dia ao longo de mais de um mês sem disparar um único tiro?

A palavra “ironia” vem do grego “eironeía”, com o significado de “dissimulação”, “falsa ignorância”. O termo parece ter origem no teatro. “Eíron” é um personagem-estereótipo recorrente nas comédias gregas que, valendo-se da modéstia e até da autodepreciação, sempre desmascara “alazón”, que faz as vezes do impostor ou do fanfarrão.

Modernamente, a ironia costuma ser definida como o artifício retórico que embaralha os significados reais e aparentes das coisas para provar uma tese, enfatizar um argumento ou apenas para fazer rir.

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Estão pegando pesado com o Eduardo Pazuello, tentando desmerecer suas capacidades logísticas só porque ele deixou faltar oxigênio em Manaus, mandou as vacinas do Amazonas para o Amapá e as do Amapá para o Amazonas e se esqueceu de comprar imunizantes, seringas e agulhas para a campanha de inoculação contra a Covid-19, para a qual outros países se preparam desde o início da pandemia.

Esses críticos se esquecem de que o ministro Pazuello é um general do Exército, e, como qualquer criança sabe, exércitos existem para matar pessoas. Sob essa chave interpretativa, o que parecia fracasso torna-se um retumbante sucesso. Qual, afinal, é o general que consegue infligir mais de mil baixas por dia ao longo de mais de um mês sem disparar um único tiro? Pazuello é que é o verdadeiro mito. O outro é um mero amador.

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“É simples assim. Um manda e o outro obedece”, obtemperou com sabedoria o general após ter sido desautorizado pelo capitão (reformado) no episódio da compra de vacinas do Instituto Butantan.

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Um terceiro personagem arquetípico das comédias gregas é “bomolóchos”, que é mais ou menos o nosso bufão.


Celso Ming: O Brasil não está quebrado. Está sem rumo

Percepção manifestada pelo presidente Bolsonaro não é compartilhada pelo mercado financeiro, o disjuntor mais sensível em situações de inadimplência

Se o presidente Bolsonaro não pode fazer nada, como disse, “porque o País está quebrado”, então, para começar a fazer alguma coisa, ele tem de consertar o País.

Ele aponta duas causas da quebra: o novo coronavírus, que paralisou a atividade econômica e derrubou a arrecadação em 2020; e a “mídia sem caráter, que potencializou a covid-19”.

Sobre o diagnóstico de que o País está quebrado, não há o que acrescentar ao que seu próprio ministro da Economia e economistas independentes já disseram. 

A percepção manifestada pelo presidente não está sendo compartilhada pelo mercado financeiro, o disjuntor mais sensível a cair ao primeiro curto-circuito produzido por situações de inadimplência. Não há corrida ao dólar; o índice de risco Brasil medido pelo Credit Default Swap de 5 anos (CDS5) está em queda, como mostra o gráfico; e a Bolsa vive seu momento de pico. Além dos US$ 356 bilhões em reservas externas, a balança comercial apresentou superávit de US$ 50 bilhões em todo o ano de 2020. Portanto, as contas externas não preocupam.

Há, sim, um rombo de R$ 651 bilhões contabilizado nas contas públicas em 2020, que pode comprometer o futuro. A dívida pública deve ter terminado o ano passado nos 93,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e avança rumo aos 100% do PIB (veja o gráfico). Esse rombo poderia ser coberto ou reduzido com três providências: com uma estratégia confiável de retomada da economia; com o encaminhamento das reformas administrativa e tributária; e com mais competência na administração dos recursos do setor público. Mas o governo não se move nessa direção.

É verdade que a pandemia de covid-19 produziu enorme estrago no mundo e também por aqui. Foi ela a causa da queda do PIB do Brasil, próxima dos 4,5% em 2020. Mas a depressão foi menor do que o projetado em abril e maio, o tal recuo de 9,5%.

Se o novo coronavírus foi a causa principal da quebra apontada por Bolsonaro, então seria de esperar que seu governo montasse um aparato destinado a combatê-lo. Não foi o que se viu. Até agora, Bolsonaro insistiu em negar a gravidade da pandemia e chegou a tratá-la como “gripezinha”. Para ele, não havia o que fazer para enfrentar a pandemia além de levar a população a tomar cloroquina. Era deixar que as leis de Darwin e as reações espontâneas do sistema imunológico dos brasileiros começassem a funcionar, supostamente até alcançar a polêmica imunização de rebanho. 

Foi essa postura negacionista que deixou o País despreparado para as vacinas que vêm vindo aí. Quando, finalmente, o Ministério da Saúde, comandado por um “especialista em logística”, entendeu que seria preciso correr atrás dos suprimentos, ficou tarde demais. Na atual marcha das estatísticas, até fevereiro, o Brasil terá contabilizado pelo menos 200 mil mortes.

Os países avançados já haviam se adiantado para garantir seus suprimentos de vacina e de tudo o que a acompanha: pessoal, equipamentos de conservação, seringas e tudo o mais. Até mesmo países mais pobres do que o Brasil começaram a vacinar sua população, como é o caso da Argentina, da Índia, do México e do Chile.

Se Bolsonaro estivesse correto e se a principal causa da suposta quebra do Brasil fosse mesmo a pandemia, pela mesma lógica, seria preciso admitir que a omissão do governo em combatê-la terá sido causa equivalente. Se se recusam a combater um incêndio, os bombeiros também são causa e têm de ser responsabilizados por ele.

A alegação de que a “mídia sem caráter” ajudou a afundar o País não merece consideração.

Bastam as contradições do presidente para mostrar como o País está sem rumo e sem liderança.


Marco Aurélio Nogueira: A governança democrática das cidades

Em tempos de política em crise, de debate público empobrecido e partidos desorientados, é de saudar a iniciativa do Partido Popular Socialista (PPS) de publicar as resoluções principais de uma Conferência Nacional por ele organizada sobre as cidades brasileiras.

A Conferência – realizada em Vitória (ES) nos dias 19-20 de março de 2016 – representou a culminância de um amplo processo de debates e discussões entre militantes políticos e especialistas que se estendeu por vários meses em diferentes cidades do país. A publicação (acesse aqui) oferece aos cidadãos um rico painel da vida urbana e dos problemas das cidades brasileiras, assim como sugere um roteiro para a organização de uma agenda que os enfrente.

Nele, são apresentadas análises e sugestões sobre Saúde, Educação, Finanças, Mobilidade Urbana, Segurança e Cultura. O texto não é acadêmico. Seu objetivo é fornecer elementos para a gestão técnico-política das cidades brasileiras, sendo direcionado para administradores municipais, vereadores e ativistas, mas também para o cidadão de modo geral, maior interessado na questão. O material, porém, recusa a ideia de ser visto como um “modelo” ou um “manual” a ser aplicado indistintamente. Não se vê como um “pacote” de propostas, mas como material de reflexão. É o que de fato se destaca, ainda que, por ser documento partidário, seja inevitável que se façam recomendações operacionais, que poderão ser traduzidas em termos políticos e eleitorais. Não há porque fazer ressalvas a este aspecto, assumido desde logo pelos organizadores.

Na parte propriamente analítica, o texto procura jogar luz sobre o estado atual das cidades brasileiras, especialmente das maiores, que conhecem um cenário de grandes transformações e mudanças mas permanecem amarradas a um quadro de exclusões e desigualdades expressivas, bolsões de segregação social, crise financeira e graves problemas ambientais.

Tal esforço de compreensão apoia-se no conceito de governança democrática: é preciso governar as cidades com os olhos na realidade (local, nacional, global) e nas possibilidades concretas de atuação, mas é preciso fazer isso compartilhando decisões com a cidadania. Como diz o texto de apresentação, “é preciso que haja organização política de interesses e capacidade de elaboração, mesmo que parcial, mas substantiva, de projetos de reforma e de transformação da realidade”.

Trata-se de um ponto importante, nesta nossa época em que detonar os governos e refutar a política se tornaram mania compulsiva, presente até mesmo na conduta de vários candidatos às prefeituras, que se apresentam como “gestores” e não como “políticos”, propondo-se a governar a partir de uma racionalidade administrativa superior que excluiria os cidadãos e se afirmaria sobre eles.

O documento do PPS critica com firmeza a “concepção verticalizada da ação política e de governo”, que vem de cima para baixo e implica uma orientação de caráter “gerencial”, autoritária, que pouco ajuda a que se fortaleça a vida democrática. Tal crítica é o ponto central do documento, dando sentido às sugestões que são apresentadas para as diferentes áreas da gestão municipal.

Não se trata, portanto, para o PPS, de simplesmente governar, apresentar planos e “propostas de governo”. É preciso fazer vibrar a atuação política (cívica) dos cidadãos, organizados em maior ou menos medida. Um governo democrático deve se propor sempre a organizar a cidadania, “empoderá-la”. Dadas as circunstâncias atuais, precisa se dispor a ser um governo-em-rede, aberto ao diálogo, à interação entre os atores, à participação da sociedade. Governo mais horizontal que vertical, apoiado mais na colaboração que na decisão unilateral. Um governo-dínamo, seria possível dizer: organizador da capacidade de ação da sociedade tendo em vista a cidade como construção coletiva.

É uma perspectiva nada fácil de ser assimilada ou traduzida em termos práticos, mas boa para ser incorporada como plataforma de reflexão e de atuação. O PPS, como seria de esperar, vê nela a materialização de seu esforço para qualificar o reformismo que o tipifica e para consolidar seu lugar no campo da esquerda democrática, dando vazão a uma política de caráter progressista e democrático.

Faz isso de maneira laica, sem apelos ideológicos rebarbativos ou promessas finalísticas de uma nova sociedade que nasceria de uma ruptura radical. A preocupação explícita é enfrentar em termos políticos realistas algumas questões concretas da vida urbana, de forma a publicizá-las e a convertê-las em parâmetro para a atuação cívica e as lutas que tiverem lugar nas cidades. (O Estado de S. Paulo – 28/09/2016)


Fonte: pps.org.br