george floyd

Racismo é crime | Foto: Shutterstock/Angela_Macario

Como é a conversa de pais negros com filhos sobre racismo e abuso policial nos EUA

Leire Ventas, BBC News Brasil*

"Vou definir para você como mãe, como uma mãe que criou quatro filhos negros: 'the talk' ('a conversa', em português) tem a ver com segurança pessoal, com as coisas que eles podem fazer para voltar para casa vivos."

A explicação é da reverenda Najuma Smith-Pollard. Ela conhece bem o assunto, que viveu pessoalmente com seu filho mais velho, Daniel (que morreu em 2018, com 24 anos), agora com outros três meninos, de 12, 17 e 18 anos, e às vezes também com sua filha de 7, em um bairro no sul de Los Angeles, nos Estados Unidos.

Ela esclarece que não é um diálogo pontual, um assunto do qual se fala uma única vez, mas sim algo constante, presente entre as famílias afroamericanas há várias gerações.

"É uma conversa permanente entre pais e filhos sobre [como garantir] sua segurança pessoal pública ao trafegar pela vida interurbana", explica ela à BBC News Mundo (o serviço de notícias em espanhol da BBC).

Smith-Pollard levou sua experiência pastoral e como líder comunitária para o trabalho que realiza no Centro para a Religião e Cultura da Universidade do Sul da Califórnia (USC).

"Como mãe de filhos negros que vivem na cidade, tenho que falar para eles sobre policiais e criminosos, porque existem pessoas nos nossos bairros que simplesmente não têm boas intenções. Tenho que ensinar a eles como se relacionar com as forças [de manutenção] da ordem, mas também a navegar pela vida em geral", acrescenta ela.

Garoto em protesto com agasalho que diz 'minha vida importa'
A necessidade de ensinar aos filhos como devem se portar para garantir sua segurança é um peso para as famílias afroamericanas

Conhecida coloquialmente como "the talk" ("a conversa", em português), essa é a manifestação comum do que o setor acadêmico chama de socialização étnico-racial, um vasto campo de estudos no âmbito das ciências sociais e da psicologia.

Sobre ela, existe extensa literatura científica, além de documentários profundos com uma série de pessoas de destaque, como The Talk: Race in America ("A conversa: raça na América", em tradução livre), da rede de televisão pública norte-americana PBS e relatos na ficção, como nas populares séries de TV Grey's Anatomy e Black-ish.

É uma questão real. E as pessoas que falaram (e as que não quiseram falar) com a BBC indicaram que se trata de algo doloroso, difícil, um "peso" que as famílias afroamericanas precisam suportar e que também afeta, cada vez mais, as famílias de origem latina.

Elas concordam que se trata de uma conversa "imensamente pessoal" que adquire novas nuances à medida que os filhos crescem e conforme muda o contexto.

Curtis Hawkins, de Buffalo, cobre as mãos em homenagens a vítimas de ataque a tiros em Buffalo, no Estado de Nova York
Recente ataque a tiros na cidade de Buffalo relembra a muitas famílias afroamericanas necessidade de atualizar "a conversa"

"Agora, com o aumento da violência racista, também precisamos começar a dizer aos jovens: 'vocês não podem confiar em todos os meninos brancos de 18 anos que pareçam estar fora das suas vizinhanças'", afirma Smith-Pollard.

Ela se refere ao ataque a tiros que, em 14 de maio de 2022, deixou 10 mortos em um supermercado de um bairro com população majoritariamente negra na cidade de Buffalo, no Estado de Nova York.

Sobre moletons e como lidar com a polícia

Smith-Pollard recorda que a conversa com seu filho maior começou quando ele estava prestes a completar 13 anos. Ele estava no sétimo ano e foi assaltado quando ia a caminho da biblioteca com um colega.

"Tive que dizer a ele: 'quando você e o seu amigo andarem na rua, vocês precisam prestar atenção a quem estiver ao seu redor'", relembra ela.

Essa mensagem sobre segurança foi sendo repetida de forma constante toda vez que ele ia sozinho para uma loja, antes de subir no ônibus, mas assumiu outra feição quando ele tirou sua carteira de motorista.

"Quando ele começou a dirigir, precisei começar a falar com ele sobre o que fazer e o que não fazer se ele fosse parado pela polícia", relata ela.

Marlon Holmes, de Chicago, com a filha Victoria Mone, de 8 anos, em protesto em Washington
Tom e conteúdo da "conversa" se alteram à medida que os filhos crescem e conforme contexto de cada momento

Smith-Pollard relembra que a conversa começou assim: "Nós moramos em Los Angeles, no sul da cidade. Você não precisa fazer nada de errado para ser preso. Pode ser que digam para você parar e inventem algumas acusações de que você é suspeito. Você precisa saber que você tem os seus direitos."

Ela já havia falado sobre os direitos com seu filho quando ele completou 15 anos, já que seu porte físico — alto e forte, por ter jogado futebol desde os nove anos — "sempre fazia com que confundissem sua idade".

"Você não deve deixar que ninguém o reviste se não tiver uma ordem. Você não precisa responder nenhuma pergunta porque você é menor. Você pode telefonar para a sua mãe; pode fazer com que me liguem imediatamente. Não tenha medo se quiserem levar você para a delegacia. Não brigue. Não corra. O seu pai e eu sempre tiraremos você de apuros, nunca vai precisar se preocupar com isso", prosseguiu ela.

"Diga o seu nome e mostre o seu documento de identidade. É tudo o que você precisa dar a eles e é melhor que você dê, para que eles possam verificar que você não tem antecedentes."

Walter Wallace Jr., afroamericano com 27 anos de idade e sete filhos, morreu nas mãos da polícia da Filadélfia em outubro de 2020
Walter Wallace Jr., afroamericano com 27 anos de idade e sete filhos, morreu nas mãos da polícia da Filadélfia em outubro de 2020

Daniel conseguiu pôr as lições em prática nas quatro vezes em que, segundo sua mãe, foi detido erroneamente como vítima de preconceito racial. Ele conseguiu sair sem problemas graças às lições. E as recomendações prosseguiram quando ele foi viver por conta própria.

"Você sabe que existem certas coisas que não deve fazer e é assim que você protege a si mesmo. Você conhece a quarta emenda [da constituição norte-americana, que protege o direito à privacidade e a não sofrer invasões arbitrárias] e, agora que você tem seu próprio apartamento, não deve deixar ninguém entrar", orientou a mãe.

Smith-Pollard também o advertiu sobre o sagging — a moda de usar as calças abaixo da cintura, mostrando a roupa de baixo, o que era muito comum nos anos 1990 — e hoje proíbe seu filho menor e seu filho adotivo de usar blusas com capuz.

"Não, vocês não vão levar moletom para a escola, nem para caminhar pela rua", diz a mãe aos seus filhos.

"E não é porque estejam fazendo algo de ruim, é porque não quero que ninguém pense que, por usar uma blusa com capuz, vocês estão tramando alguma coisa. A polícia e as pessoas deram um significado para essa roupa que ela não tem. E, sim, todos usam moletons, mas um menino branco usar não é a mesma coisa que vocês."

"Sempre estivemos prontos", segundo Smith-Pollard. "E o que quero dizer [com isso] é que estivemos prontos com advogados, dinheiro para fiança e tudo isso, porque realmente não confio na polícia."

"Nós simplesmente ensinamos [para Daniel]. Tínhamos um filho negro bonito. Não foi um trabalho fácil criá-lo com segurança em Los Angeles. E, acredite, eu pensava que, quando ele fosse adulto, não teria nada com que me preocupar, até que alguém disparou e matou alguém que simplesmente estava tendo um dia muito ruim."

As estatísticas

Como ocorre com muitos pais de filhos negros, Smith-Pollard sempre receou que, se não tivesse essas conversas, seus filhos poderiam acabar aumentando as estatísticas da violência em geral — e da polícia em particular, como ocorreu com George Floyd, que morreu nas mãos do então policial Derek Chauvin em Minneapolis (Minnesota, Estados Unidos), em 2020.

Estatísticas oficiais justificam esse temor. No condado de Los Angeles, onde Smith-Pollard mora com a família, pelo menos 968 pessoas morreram nas mãos das forças de manutenção da ordem desde 2000, segundo os registros médicos forenses compilados pelo jornal americano Los Angeles Times. Desse total, quase 80% eram negros ou latinos, quase todos homens.

Mural de George Floyd em Atlanta
George Floyd morreu nas mãos do então policial Derek Chauvin em Minneapolis em 2020

A nível nacional, os dados também deixam claro esse desequilíbrio demográfico, como já mostrou demonstrou a equipe de checagem de dados da BBC.

O jornal americano WThe Washington Post mantém um banco de dados atualizado desde 2015 sobre disparos realizados pela polícia do país.

O levantamento indica que 24% das vítimas fatais dos mais de 5.000 incidentes mortais registrados eram afroamericanos — embora eles representem menos de 13% da população total do país.

Os afroamericanos também são abordados pela polícia com mais frequência quando estão dirigindo: cerca de 20% mais, segundo um estudo conduzido em 2020 pela Universidade Stanford, na Califórnia, um dos mais recentes sobre o tema e que analisou mais de 100 milhões de detenções no trânsito.

As estatísticas fazem distinção apenas por Estados, mas há testemunhos de discriminação em todas as classes socioeconômicas.

Para ilustrar que a origem da "conversa" vem de décadas atrás e se mantém ao longo das gerações, Smith-Pollard recorda que seu avô recebia recomendações para não caminhar por certas ruas no Mississipi, onde cresceu nos anos 1940.

Ou faz referência aos tempos em que ela ministrava na Primeira Igreja Africana Metodista Episcopal de Los Angeles, quando havia grupos de voluntários que aconselhavam aos jovens negros como vestir-se, caminhar, agir e ter consciência de como as outras pessoas poderiam observá-los — ainda antes dos distúrbios de 1992.

Estereótipos e medos

"Realmente esperava que nunca precisasse ter 'a conversa' com meu filho", afirma Judy Belk, presidente e diretora-executiva da The California Wellness Foundation (Cal Wellness), que é uma das maiores instituições filantrópicas do Estado, dedicada a promover a prevenção da violência como questão de saúde pública há 30 anos.

Judy Belk.
"Eu realmente esperava que nunca precisasse ter 'a conversa' com meu filho", afirma Judy Belk

Mas alguma coisa mudou quando seu filho — como ocorreu com o de Smith-Pollard — tinha 12 ou 13 anos de idade.

"Na época, nós morávamos em Oakland [Califórnia] e eu trabalhava em São Francisco [no outro lado da baía]. Ele me pediu [que o deixasse], que já era suficientemente grande para andar sozinho de metrô. Eu fiquei muito preocupada e então lhe disse: 'Não fale com estranhos, ligue quando entrar no trem e quando sair...'", relembra ela.

O filho seguiu as instruções da mãe e, quando eles se encontraram em São Francisco e ela perguntou como foi a viagem, a resposta a deixou em choque. Esta foi a conversa:

— Mamãe, não acho que você precise se preocupar que alguém vá me fazer mal. Acho que as pessoas do trem estavam nervosas com a minha presença.

— Como assim?

— Acho que deixei algumas senhoras brancas idosas nervosas.

"Minha alma desabou. Eu havia sido ingênua ao acreditar que talvez ele pudesse escapar dessa sensação de se sentir 'o outro'", reconhece ela.

Belk havia crescido no sul dos Estados Unidos (Virgínia), onde havia segregação, e esperava salvar seus filhos de qualquer situação similar, criando-os na Califórnia.

Quando viu a expressão de devastação da mãe, o filho tentou reconfortá-la.

— Não se preocupe. Peguei um livro e comecei a ler. E parece que elas começaram a ficar mais tranquilas comigo.

"Foi naquela noite que me dei conta que estava criando um homem negro e que, mesmo com sua educação privilegiada, o mundo iria vê-lo como um homem negro, com todos os estereótipos e medos [associados]", afirma ela.

"Provavelmente, já havíamos conversado sobre racismo antes, mas foi ali que percebi que precisaria ajudá-lo a entender como crescer sentindo-se seguro como afroamericano."

Ato em protesto contra a morte de Casey Goodson
Casey Gordon Jr. morreu nas mãos da polícia em Columbus em dezembro de 2020

Belk se alegra ao lembrar que seu marido estava com o filho na primeira vez em que foi parado pela polícia enquanto dirigia. Foi na Carolina do Norte, onde ele iria cursar seus estudos de pós-graduação.

O policial perguntou para onde eles estavam indo e o pai viu ali uma oportunidade de ensinar ao seu filho como lidar com a situação — da mesma forma que, um dia, ele próprio havia sido instruído: "responda às perguntas e mantenha as mãos sobre o volante".

Pouco tempo depois, em dois incidentes distintos no Texas, os afroamericanos Botham Jean e Atatiana Jefferson — com 26 e 28 anos de idade, respectivamente — foram mortos por tiros disparados pela polícia nas suas próprias casas.

Protesto em Londres em março de 2022.
Testemunhos indicam que a discriminação está presente em todas as classes socioeconômicas

E, no início de 2019, Belk sentiu na própria pele que estar em segurança em casa pode ser uma ilusão até mesmo em Hollywood, onde ela mora atualmente.

Seu marido havia levado o cachorro para passear e uma vizinha, ao ver aquele homem negro perambulando pela rua com uma lanterna e entrar em seguida na casa dos Belk, decidiu alertar a polícia sobre um possível "intruso".

Dois agentes responderam à chamada, mas foram ao edifício errado. Outra vizinha abriu a porta para eles e avisou os policiais (um deles com uma arma nas mãos) que o endereço que eles estavam procurando era o da casa ao lado, mas que levassem em conta que seu morador era um médico negro.

Com isso, Belk conta que precisou atualizar "a conversa". "Onde estamos seguros, agora?", perguntou-se ela. Uma questão que volta à tona com os recentes ataques a tiros em Buffalo e no metrô de Nova York.

"Meu marido estava passeando com o cachorro no outro lado da rua em frente à nossa casa, em um bairro de classe alta, e alguém que não sabia que havia negros na vizinhança chamou a polícia. E agora minha filha está se perguntando se está segura no metrô da capital do país", acrescenta ela (sua filha trabalha no Capitólio e mora em Washington DC).

Belk conta que, depois do que aconteceu em Buffalo, ela precisou voltar a conversar com sua filha, ressaltando: "Claro que precisamos estar em alerta e queremos nos sentir seguros, mas não podemos deixar que o medo nos paralise".

"Foi uma conversa muito dolorosa", relata ela. "Não acredito que os brancos tenham esse tipo de conversa com seus filhos. É realmente um desconforto. Acho que nenhum ser humano deveria ter esse tipo de conversa. É um peso adicional que nós temos, o peso de ser negro nos Estados Unidos."

Protesto em Nova York
Para Judy Belk, o que dá esperanças é "ver tantas pessoas fazendo tudo o que podem para combater todo esse racismo e intolerância".

Apesar de tudo, ela afirma ser otimista.

"Não me levanto todos os dias pensando no racismo e costumo seguir a vida acreditando que, a cada dia, abrem-se novas possibilidades. Mas, de forma geral, costumam acontecer coisas ao longo da vida, às vezes involuntárias, outras engraçadas, às vezes dolorosas, que me recordam que sou negra e faço parte dessa situação", ressalta ela.

"Às vezes me acontece na loja, quando me pedem uma identificação a mais que não pediram à pessoa branca que estava à minha frente. Ou quando as pessoas têm dificuldade de entender que sou presidente e CEO [diretora-executiva] desta grande organização.

"Às vezes, não consigo táxi em Nova York, o que me deixa meio paranoica", conta. "Eu diria que o último desejo da maioria dos afroamericanos, da maioria dos que não são brancos, é seguir a vida sem esse peso."

O que dá esperanças a Belk é o seu trabalho: "Ver que há tantas pessoas trabalhando, de negros a brancos, fazendo tudo o que podem para combater todo esse racismo e intolerância".

*Texto publicado originalmente no BBC News Brasil


Folha de S. Paulo: Um ano após Floyd, Minneapolis busca reforma policial ampla e preservar luto

Marina Dias, Folha de S. Paulo

Em um posto de gasolina desativado em Minneapolis, Eliza Wesley improvisou uma cabine de vigilância para tentar proteger o luto e a dor. Do outro lado da rua, ela vê o cruzamento onde George Floyd foi assassinado, há um ano, e intervém aos berros quando entende que alguém não está respeitando as homenagens ao homem que gerou a maior onda de protestos antirracismo nos EUA desde Martin Luther King.

“Este é um lugar sagrado”, explica Eliza, que se voluntariou para fazer a guarda diária do local cheio de velas, flores e cartazes coloridos. “As pessoas vêm aqui e querem fazer vídeos, fotos. Tudo bem, mas não é só disso que se trata. É sobre comunidade, sobre o que significa a gente continuar aqui, refletindo sobre o que aconteceu com um homem negro.”

De óculos escuros modelo aviador, jaqueta amarela florescente e boné, a americana de 52 anos se intitula encarregada da praça criada e mantida por moradores em memória do que aconteceu em 25 de maio do ano passado.

Ali, misturam-se certo alívio pela recente condenação do ex-policial branco Derek Chauvin —que sufocou Floyd com o joelho por quase dez minutos— e a espera exaustiva pela reforma no sistema policial, que parece longe de acontecer.

Enquanto Minneapolis abraça a volta à normalidade após os protestos e o fim das restrições da pandemia, o memorial sob os olhos de Eliza não quer normalizar nada. Logo na entrada de um dos quatro quarteirões interditados, a placa anuncia que aquele é um “estado livre”, espécie de santuário resguardado por pessoas negras que se revezam dia e noite, inclusive no rigorosíssimo inverno da cidade, que pode chegar a temperaturas de -15 ºC.

Um dos avisos é direcionado aos visitantes brancos: “Não faça ser sobre você. Venha escutar, aprender, lamentar e testemunhar. Lembre-se que você está aqui para apoiar, e não para ser apoiado.”PUBLICIDADE

Não há ódio, diz Eliza, mas pedido de respeito, como se aquele espaço fosse a forma de lembrar a todos que a luta continua. “Não dá para respirar, porque ainda não acabou.”

Durante os 22 dias do julgamento que condenou Chauvin em três categorias de homicídio, ao menos 64 pessoas foram mortas por policiais nos EUA. Duas delas eram o jovem negro Daunte Wright, baleado em uma abordagem de trânsito a poucos quilômetros de Minneapolis, e Ma’Khia Bryant, adolescente negra morta a tiros em Ohio, uma hora antes do anúncio do veredito.

Um ano depois do assassinato de Floyd, as mudanças estruturais na polícia avançaram pouco não só na cidade onde o crime aconteceu —e onde as promessas políticas eram mais ousadas—, mas também em termos de legislações federais.

Em março, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou a chamada Lei George Floyd de Justiça no Policiamento, que proíbe táticas policiais controversas, como o estrangulamento, e facilita o caminho para ações judiciais contra agentes que violarem direitos de suspeitos. Mas a medida parou no Senado, onde precisa de 60 dos 100 votos da Casa para ser efetivada.

Os senadores estão divididos hoje entre 50 votos para os democratas e 50 para os republicanos —com desempate nas mãos da vice-presidente Kamala Harris—, e analistas são céticos quanto ao apoio de ao menos dez republicanos a um projeto como este.

Em Minneapolis, a Câmara Municipal chegou a prometer no ano passado desmantelar o Departamento de Polícia e reconstruir o sistema de segurança com a ajuda da comunidade, mas a proposta acabou naufragando.

O prefeito Jacob Frey, do Partido Democrata, é contrário à ideia, e vereadores, que antes defendiam a ideia, recuaram diante da pressão de moradores.

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Pesquisa realizada em agosto pelo jornal local Star Tribune mostra que diminuir o tamanho do Departamento de Polícia não conta com apoio maciço da população. Cerca de 40% dos moradores de Minneapolis eram favoráveis à ideia, e, entre residentes negros, o índice era de 35%.

Até agora, a cidade aprovou um projeto de lei que proíbe estrangulamentos e coloca em prática novos requisitos para diminuir a violência nas abordagens da polícia, mas ativistas e especialistas querem mais.

Vice-presidente da Fundação Minneapolis, Chanda Smith Baker diz que o caso de Floyd foi um marco histórico, mas ainda não é possível dizer que as manifestações produziram resultados significativos e permanentes na estrutura policial.

“É claro que, pela quantidade de atenção e o quão perturbado o mundo estava com a morte de Floyd, algo diferente aconteceu. Mas isso só vai importar se continuarmos a pressionar por mudanças em todos os níveis”, afirma. “Só porque houve vitória em um lugar não significa que transformamos o sistema.

A polícia americana mata cerca de mil pessoas por ano, sendo que os negros têm probabilidade quase três vezes maior de serem as vítimas em comparação aos brancos. Segundo levantamento da Universidade Estadual de Bowling Green, 104 policiais não federais foram presos por acusações de homicídio do início de 2005 a junho de 2019. Destes, apenas 35 foram condenados.

Chanda diz que o racismo sistêmico, a falta de compreensão dos americanos sobre o problema e a pouca vontade política em impulsionar mudanças explicam parte desse cenário difícil de ser revertido.

“As comunidades não são ingênuas. Ter um oficial [Chauvin] responsabilizado não indica que outros também serão. Há um reconhecimento de que não podemos permitir que o julgamento e seu veredito sejam o fim da história.”

Morador de Minneapolis, Damien Markham afirma que a condenação de Chauvin veio “apenas para a gente não colocar fogo na cidade de novo”.

Aos 33 anos, ele ajuda na manutenção da praça em homenagem a Floyd e diz que a solução para acabar com “o ciclo sem fim” de assassinatos de pessoas negras por policiais é inclusão econômica. “Eles não matam pessoas negras com dinheiro, matam pessoas negras pobres. Se tivermos dinheiro, eles vão nos deixar em paz.”

O memorial de Floyd virou ponto turístico e foco de disputa entre ativistas e a prefeitura de Minneapolis, que quer reabrir a rota para carros e ônibus no cruzamento entre as movimentadas rua 38 e avenida Chicago, onde o crime aconteceu. Moradores dizem que, desde que a praça foi montada, com uma escultura de punho fechado no meio —símbolo de solidariedade e resistência—, o policiamento na região diminuiu.

Na terça (11), Cory S. estava mostrando o local para a mãe, que vive no Texas. “Tem menos policiamento agora, mas também mais consciência sobre racismo e desigualdade social.”

Especializada em trabalhos com populações marginalizadas, Chanda afirma que “sempre vai haver necessidade de algum nível de policiamento”, mas é possível chegar a um meio termo entre o que existe hoje e o desmantelamento total da corporação. “Violações de trânsito, problemas de saúde mental ou de abuso de substâncias químicas, por exemplo, não devem ser atendidas com estratégias de policiamento.”

Parlamentares de Minnesota, onde fica Minneapolis, estudam proposta que permitiria a equipes de saúde mental responderem, em alguns casos, a chamados de emergência. Mas o Senado do estado, controlado por republicanos, não parece disposto a aprovar a medida.

As divergências políticas sobre o tema se espalham por todo o país. Legisladores nos 50 estados americanos apresentaram mais de 2.000 projetos de lei relacionados ao policiamento no ano passado, e só cerca de 12 deles conseguiram chancelar medidas mais abrangentes.

O presidente Joe Biden tem pressionado os parlamentares a aprovarem a reforma no sistema policial, e o Departamento de Justiça decidiu investigar se a polícia de Minneapolis tem “padrão ou prática” de discriminação ou uso de força excessiva nas abordagens, o que foi considerado um progresso.

Diante de um sistema historicamente racista, Biden precisa fazer da questão racial prioridade se quiser avançar com mudanças que nem mesmo Barack Obama, o primeiro presidente negro dos EUA, conseguiu implementar.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/05/um-ano-apos-floyd-minneapolis-busca-reforma-policial-ampla-e-preservar-luto.shtml


Monica de Bolle: Sociedades que se movem

O novo na condenação de Derek Chauvin pelo homicídio de George Floyd se apresenta pela imaginação, pelo desejo e, sobretudo, pela forma de realização da justiça

Há sociedades que se movem em direção ao novo, há sociedades que parecem não sair do lugar, e há aquelas que se movem em direção ao passado. Sim, imaginação. A abertura para o novo e para as mudanças que ele pode trazer exigem imaginação. Um dia se imaginou que o homem chegaria à lua. Ao longo da pandemia, o esforço de combatê-la e de pensar no que sobreviria exigiu imaginação. Aqui nos Estados Unidos o trabalho da imaginação esteve presente ao longo da campanha de Joe Biden, em sua vitória, durante o turbulento período de transição, e continua presente quatro meses depois do início de seu governo.

Imaginou-se que o país seria capaz de imunizar rapidamente a população em alguns meses utilizando as vacinas mais sofisticadas do mundo. Estamos a um par de meses de conseguir fazê-lo. Imaginou-se que o debate sobre clima e meio ambiente se tornaria central na reorganização das políticas públicas. O Plano Biden está aí para mostrar que também isso foi possível, a despeito do que venha a ocorrer durante as discussões no Congresso. Imaginou-se que a retomada econômica viria com a criação de empregos e com o apoio aos mais vulneráveis. Novamente, o pacote aprovado no início de 2021 tem como princípio norteador a ajuda aos mais pobres. Imaginou-se que seria possível começar a enfrentar o racismo e a violência policial contra os negros. No dia 20 de abril, o policial que ajoelhou sobre o pescoço de George Floyd a ponto de esmagá-lo e asfixiá-lo foi condenado por seus crimes. Não é mais do que um início, como muitos têm enfatizado. Mas, para quem vive aqui nos Estados Unidos e é testemunha do que se passa a toda hora com a comunidade negra, a esperança é palpável. Para quem viveu os anos Trump, mais ainda.

O novo na condenação de Derek Chauvin pelo homicídio de George Floyd se apresenta pela imaginação, pelo desejo e, sobretudo, pela forma de realização da justiça. Nesse caso em especial, a justiça se realizou como fruto das interações de instituições e sociedade, em particular, da ação social como forma de atualizar o caráter republicano das instituições. Sabemos que o tempo das instituições é demorado e que a questão do racismo nos Estados Unidos é, como no Brasil, estrutural, portanto de longa duração. Mas essa arquitetura estruturante das relações que é o racismo foi desafiada, no caso do homicídio de George Floyd, pelo tempo célere das novas tecnologias comunicacionais, as quais parecem naturalmente incorporadas à vida dos mais jovens. O assassinato foi gravado por uma menina que empunhava um telefone celular e que, durante os nove minutos de agonia, captou cada instante da vida que escapava de Floyd por força do joelho do policial. O policial, em determinado momento, parece sorrir para a câmara enquanto praticava o mortífero ato.

O vídeo de nove minutos que registrou o homicídio rodou o mundo e despertou reações de solidariedade. Essa circulação ampla tornou George Floyd um ícone global da violência policial contra os negros em particular, mas também contra outras raças. A solidariedade que sobreveio de ser testemunha da agonia da vítima, de seu sofrimento intenso, de sua declaração “não consigo respirar” durante uma pandemia em que tantos se viram asfixiados, dos momentos finais em que chamou sua mãe, transcendeu as fronteiras dos Estados Unidos. Testemunhamos ações de protesto em todo o mundo e elas também perduraram nos Estados Unidos. Tudo isso torna possível dar passos além da imaginação rumo ao aperfeiçoamento do caráter republicano das instituições. O júri que condenou Derek Chauvin era composto de seis pessoas brancas. Seis pessoas brancas que não titubearam em declará-lo culpado pelos três crimes que lhe foram imputados.

O novo que vem pela realização da justiça e pela atualização das instituições a partir da ação social movida pela imaginação e pelo sentimento é particularmente interessante.

Ele suscita muitas reflexões sobre como os caminhos para o novo podem ser percorridos no Brasil. O que não falta em nosso país são injustiças e mobilizações para demandar a implementação de direitos. O que parece nos faltar é a imaginação e a crença de que a ação social é, sim, capaz de moldar instituições, ainda que elas se mostrem engessadas e cada vez menos preocupadas com o bem-estar da população.

A movimentação por um país que enxerga na justiça o caminho para o que é novo começa agora. Que entregue bons frutos em 2022.

*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins


The New York Times: A morte de George Floyd reacendeu um movimento nos EUA. O que acontece com ele agora?

Crime fez eclodir os maiores protestos contra o racismo no país desde os anos 1960, mas ainda não está claro quais mudanças vão perdurar

George Floyd estava morto havia apenas algumas horas quando o movimento começou. Impelidas por um vídeo apavorante e pelo boca a boca, muitas pessoas foram para o cruzamento na zona sul de Minneapolis onde ele foi morto, logo após o feriado do Memorial Day, para exigir o fim da violência policial contra americanos negros.

Aquele momento de dor e revolta coletiva logo deu lugar a uma reflexão nacional, feita ao longo de um ano, sobre o que significa ser negro na América.

Primeiro vieram os protestos, em cidades grandes e menores em todo o país, convertendo-se no maior movimento de protestos em massa na história dos Estados Unidos. Então, ao longo dos meses seguintes, quase 170 símbolos confederados foram rebatizados ou removidos de espaços públicos. O slogan “Black Lives Matter” (vidas negras importam) foi reivindicado por uma nação que se esforçava para entender a morte de Floyd.

Ao longo dos 11 meses seguintes, chamados por justiça racial alcançaram aparentemente todos os aspectos da vida americana em uma escala que, segundo historiadores, não era vista desde o movimento pelos direitos civis, nos anos 1960.

Na terça-feira (20), Derek Chauvin, o policial branco que se ajoelhou sobre Floyd, foi condenado por duas acusações de homicídio e por homicídio culposo. O veredito trouxe algum alívio aos ativistas que lutam por justiça racial e que passaram as últimas semanas acompanhando cada detalhe do drama que transcorria no tribunal.

Também se veem sinais de uma reação contrária: legislação para reduzir o acesso de eleitores às urnas, proteger a polícia e, na prática, criminalizar protestos públicos vem aparecendo em Legislativos estaduais controlados pelo Partido Republicano.

O arco inteiro do caso de Floyd –desde sua morte e os protestos até o julgamento e a condenação de Derek Chauvin—se deu contra o pano de fundo da pandemia de coronavírus, que chamou ainda ainda mais a atenção para as disparidades raciais nos EUA, onde pessoas não brancas estão entre as mais duramente atingidas pelo vírus e pelas dificuldades econômicas que o acompanharam.

Para muitas pessoas, a morte de Floyd carrega o peso de outros episódios de violência policial na última década, uma lista que inclui as mortes de Eric Garner, Laquan McDonald, Michael Brown e Breonna Taylor.

Nos meses seguintes à morte de Floyd houve algumas mudanças concretas. Dezenas de leis de reforma do policiamento foram apresentadas nos estados. Grandes empresas reservaram bilhões de dólares para causas ligadas à equidade racial, e a NFL (a liga profissional de futebol americano) pediu desculpas por não ter apoiado protestos de seus jogadores negros contra a violência policial.

Mesmo as reações contrárias foram diferentes. Declarações racistas feitas por dezenas de figuras de autoridade, desde prefeitos até diretores de corpos de bombeiros, relacionadas à morte de George Floyd —o tipo de declaração que talvez fosse tolerada antes— custaram seus seus cargos e levaram alguns líderes a ser encaminhadas para aulas antirracismo.

E, pelo menos inicialmente, as opiniões americanas sobre uma série de questões ligadas à disparidade racial e ao policiamento mudaram em um grau raramente visto em sondagens de opinião. Os americanos, e em especial os americanos brancos, mostraram probabilidade muito maior que nos últimos anos de apoiar o movimento Black Lives Matter, dizer que a discriminação racial é um problema sério e que a força policial excessiva prejudica os afro-americanos de maneira desproporcional.

Em meados de 2020, a maioria dos americanos concordava que a morte de George Floyd fazia parte de um padrão maior, não constituindo um incidente isolado. Uma pesquisa do jornal The New York Times realizada em junho com eleitores registrados mostrou que mais de um em cada dez havia participado de protestos. Na época, até mesmo políticos republicanos em Washington estavam expressando apoio à reforma da polícia.

Mas a mudança de postura mostrou-se passageira no caso dos republicanos —tanto dos líderes eleitos quanto dos eleitores.

Quando alguns protestos ganharam tom destrutivo e quando a campanha de reeleição de Donald Trump começou a usar essas cenas em seus anúncios políticos, pesquisas de opinião mostraram que os republicanos brancos recuaram em relação à sua própria visão de que a discriminação é um problema.

“Para quem estava do lado republicano, que é na realidade o lado de Trump nesta equação, a mensagem passou a ser: ‘Não podemos admitir que o que aconteceu foi repulsivo, porque se o fizermos vamos perder terreno’”, disse Patrick Murray, diretor do Instituto de Sondagens da Universidade Monmouth. “Nossa visão de mundo é ‘somos nós contra eles’. E quem participa dos protestos está incluindo no ‘eles’”.

Mas a morte de George Floyd levou a algumas mudanças, pelo menos por enquanto, na consciência que os americanos brancos não republicanos têm da desigualdade racial e em seu apoio a reformas. E ela ajudou a fortalecer o movimento em direção ao Partido Democrata dos eleitores suburbanos com instrução superior, já consternados com o que viam como a promoção do racismo por Trump.

“O ano de 2020 vai ficar em nossa história como um tempo muito significativo, catártico”, comentou David Bailey, cuja ONG Arrabon, sediada em Richmond (no estado da Virgínia), ajuda igrejas em todo o país a trabalhar pela reconciliação racial. “As atitudes das pessoas mudaram, em algum nível. Não sabemos inteiramente ainda o que isso tudo significa. Mas eu estou esperançoso, acho que estou vendo algo diferente ganhar forma.”

Mesmo entre líderes democratas, porém, incluindo prefeitos e o presidente Joe Biden, a consternação diante da violência policial frequentemente vem acompanhada de avisos de que os manifestantes também devem evitar a violência. Essa associação entre revolta política negra e violência está profundamente entranhada nos EUA e não foi rompida no último ano, disse o cientista político Davin Phoenix, da Universidade da Califórnia em Irvine.

“Antes mesmo de terem a chance de processar seus sentimentos de trauma e dor, os negros estão ouvindo de pessoas que eles elegeram para a Casa Branca —que eles alçaram ao poder— ‘não façam isso, não façam aquilo’”, disse Phoenix. “Eu adoraria se mais políticos, pelo menos aqueles que se dizem nossos aliados, dissessem ‘não façam isso, não façam aquilo’ à polícia.”

Os protestos que se seguiram à morte de Floyd viraram parte da discussão americana sobre política, cada vez mais rancorosa. A maioria dos protestos foi pacífica, mas houve saques e danos a propriedades em algumas cidades, e essas imagens circularam com frequência na televisão e nas redes sociais. Os republicanos citaram os protestos como um exemplo de perda de controle da esquerda. Bandeiras com os dizeres “Blue Lives Matter” (em apoio à polícia) foram penduradas de casas no outono passado. Quando o apoio a Trump explodiu um violência no Capitólio, em 6 de janeiro, conservadores reagiram com raiva contra o que, para eles, foi um caso de dois pesos e duas medidas.

Biden tomou posse em janeiro prometendo fazer da equidade racial um aspecto fundamental de todos os elementos de sua agenda: a distribuição das vacinas contra o coronavírus, os locais de construção de infraestrutura federal, a definição das políticas climáticas. Ele efetuou rapidamente as mudanças que qualquer administração democrata provavelmente teria adotado, restaurando os decretos sobre consentimento policial e as regras habitacionais justas.

Mas, em um sinal do momento singular em que Biden foi eleito —e de sua dívida para com os eleitores negros que o promoveram—, sua administração também vem adotando medidas mais inovadoras, como declarar o racismo uma ameaça grave à saúde pública e apontar para o desemprego entre negros como uma medida para se avaliar a saúde da economia.

Algo que as pesquisas de opinião não captaram bem é se os liberais brancos vão mudar os comportamentos que reforçam a desigualdade racial, como por exemplo optar por escolas e bairros segregados. Ao mesmo tempo em que a revolta diante da morte de Floyd aumentou a consciência da desigualdade racial, outras tendências ligadas à pandemia apenas a reforçaram. Isso vem ocorrendo não apenas porque famílias e trabalhadores negros têm sido desproporcionalmente atingidos pela pandemia, mas porque estudantes brancos têm se saído melhor com o ensino à distância e proprietários brancos de imóveis vêm enriquecendo em um mercado habitacional superaquecido.

Numa pesquisa nacional com americanos brancos feita este ano, a cientista política Jennifer Chudy, do Wellesley College, constatou que mesmo os mais antirracistas têm tendência maior a endossar ações particulares e limitadas.

Estas incluem educar-se sobre o racismo ou ouvir pessoas não brancas, e não tanto, por exemplo, optar por viver em uma comunidade racialmente diversa ou levar questões raciais à atenção de autoridades eleitas.

Mesmo assim, dizem historiadores, seria difícil exagerar o efeito dinamizador que a morte de George Floyd teve sobre o discurso público, não apenas no que diz respeito à ação da polícia mas também a como o racismo está entranhado nas políticas das instituições públicas e privadas.

Alguns empresários negros vêm dando depoimentos públicos, falando em termos incomumente pessoais, sobre suas próprias experiências de racismo. Alguns deles criticaram o mundo empresarial por fazer muito pouco contra o racismo ao longo dos anos. “A América corporativa abandonou a América negra à própria sorte”, disse Darren Walker, presidente da Fundação Ford e membro do conselho da PepsiCo, Ralph Lauren e Square. Dezenas de empresas se comprometeram a diversificar sua força de trabalho.

Manifestações públicas contra o racismo nos Estados Unidos explodiram em todo o mundo, levando a protestos nas ruas de Berlim, Londres, Paris e Vancouver (Colúmbia Britânica) e em capitais da África, América Latina e Oriente Médio. Americanos brancos não familiarizados com o conceito de racismo estrutural empurraram os livros sobre esse tema para o topo das listas dos mais vendidos.

Audra D.S. Burch , Amy Harmon , Sabrina Tavernise e Emily Badger


El País: Heróis negros esquecidos pela História do Brasil

Enciclopédia reúne biografias de 550 intelectuais, ativistas, líderes religiosos, músicos, esportistas, políticos, cientistas, amas de leite... que foram escravos ou descendentes

Naiara Galarrafa Gortázar, El País

A cor da pele é provavelmente a única coisa que a vereadora de esquerda Marielle Franco, assassinada há três anos no Rio de Janeiro, e Chico Rei, um membro da família real do Congo que foi sequestrado com a família e alguns súditos para serem escravizados nas minas de ouro brasileiras no século XVIII, têm em comum. Graças à sua perícia no ofício, conseguiu comprar sua liberdade, a de outros e voltar a ser reconhecido como alguém importante. Ambos estão entre os 550 protagonistas da Enciclopédia Negra (Companhia das Letras), recentemente publicada no Brasil, que resgata histórias de mulheres e homens negros e mestiços esquecidos no relato sobre a construção nacional.

Mais da metade dos 210 milhões de brasileiros é composta atualmente por negros ou mestiços. Graças às cotas, no ano passado superaram os brancos nas universidades. Sempre viveram pior do que seus compatriotas brancos, apesar de a igualdade estar consagrada na lei e ao fato de que não houve segregação legal em tempos recentes como nos Estados Unidos. E agora o coronavírus vitima especialmente os afro-brasileiros. Sem o trabalho forçado de seus antepassados, as imensas riquezas geradas pelo açúcar, o ouro e o café nunca teriam existido.PUBLICIDADE  

A historiadora Lilia Schwarcz, uma das coautoras, explica por telefone: “Queremos dar alma e rosto a esses heróis cotidianos que foram silenciados e apagados pela história”. A obra “é parte do ativismo negro para recontar de maneira mais plural a chamada história universal, que é muito colonial, muito branca e muito masculina”, acrescenta Schwarcz, considerada uma referência no Brasil.

A enciclopédia começa com Abdias do Nascimento (1914-2011) e termina com Zumbi (1655-1695) em um percurso que vai do século XVI ao XXI. Ou seja, de um intelectual, artista e deputado que criou o Teatro Experimental do Negro e deu aulas nas Universidades de Yale e Ifé (Nigéria) até um ex-escravizado do Brasil colonial que liderou uma república de libertos que foi convertido séculos depois no grande símbolo da resistência negra aos portugueses e holandeses. Todo dia 20 de novembro, data da execução de Zumbi, o Brasil comemora o Dia da Consciência Negra.

Junto com personalidades conhecidas que entraram nos livros escolares nos últimos anos, os autores incluíram um rico mosaico de pessoas desconhecidas representando os milhões de pessoas escravizadas e seus descendentes. A ideia dos autores é contar “a potência de tudo o que fizeram, que foi muito mais do que sobreviver”. Alertam que em alguns casos os fatos se confundem com a lenda.

Os protagonistas, apresentados em ordem alfabética, são intelectuais, ativistas, líderes religiosos, músicos, esportistas, políticos, cientistas, amas de leite... As conquistas, façanhas e vitórias descritas compõem uma avassaladora diversidade de trajetórias e origens, coisa pouco frequente neste país continental muitas vezes ensimesmando no eixo São Paulo-Rio de Janeiro.

Afra Joaquina Vieira Muniz, que está na capa do grosso volume, ilustra como era complexa a rede da escravidão no último dos países das Américas a aboli-la, em 1888. Nascida em Salvador, era uma pessoa escravizada cuja liberdade lhe foi dada por um antigo senhor ao casar-se com ela. Quando este morreu, por volta de 1870, legou-lhe todos os bens e duas mulheres que ficavam livres com a condição de cuidar da viúva até sua morte. As duas denunciaram Afra Joaquina à Justiça por maus-tratos, mas perderam a ação e tiveram de ficar com ela.

Pretextato dos Passos abriu em 1885 a primeira escola para crianças negras, que não eram aceitas nas escolas de brancos; Benjamim de Oliveira foi o primeiro palhaço negro; a professora Antonieta Barros, deputada pioneira em 1935 na muito branca Santa Catarina. Luiz Gama, que o próprio pai vendeu como pessoa escravizada, foi revendido, conseguiu fugir para se tornar funcionário público e depois advogado. Obteve nos tribunais a liberdade de outras pessoas antes de morrer em 1882 aos 52 anos.

Claudia Silva Ferreira, uma faxineira que tinha quatro filhos, se tornou uma das milhares de vítimas de balas perdidas em tiroteios durante operações policiais em 2014. Ferida, foi colocada por alguns policiais no porta-malas do carro patrulha dizendo que a levariam ao hospital. Mas a tampa se abriu e ela caiu. Foi arrastada por 400 metros até que os policiais perceberam. Morreu antes de chegar ao hospital e estava prestes a se tornar mais um número de uma volumosa estatística. Mas, como aconteceu agora com George Floyd, alguém filmou a cena macabra e essa morte adquiriu importância social.

Alguns dos resenhados são personalidades destacadas que durante décadas foram brancas aos olhos de seus compatriotas. O caso mais marcante é o de Joaquim Machado de Assis (1839-1908), o grande romancista, fundador e presidente da Academia Brasileira de Letras, que em sua imagem mais conhecida foi imortalizado como um branco. Enorme foi a surpresa de muitos quando descobriram a verdade graças à campanha de uma universidade.

A historiadora destaca que queriam publicar a Enciclopédia Negra exatamente agora porque 2022 é um ano importante. O Congresso tem previsto avaliar as cotas universitárias, que nos últimos anos engendraram uma geração de graduados negros e pobres, o que representa uma profunda mudança nesta sociedade racista e classista. Também se comemora o bicentenário da independência do Brasil. E o centenário da Semana de Arte Moderna, que deu personalidade própria à arte moderna brasileira, mas excluiu o escritor Afonso Lima Barreto pela cor da pele.

As biografias são resultado da pesquisa de Schwarcz e de seus coautores —o historiador Flávio dos Santos Gomes e o artista plástico Jaime Lauriano— e, sobretudo, de centenas de teses de doutorado inéditas. O livro foi publicado por uma das principais editoras do Brasil, a Companhia das Letras, cofundada pela historiadora.

As mulheres são maioria e todas as 550 têm nome, mas em alguns casos foi impossível saber seus sobrenomes. E como não havia imagem alguma de muitos, encarregaram a 36 “artistas, negras, negros e negres”, nas palavras dos autores, que lhes dessem um rosto. Esses retratos de protagonistas que abrangem profissões, origens, gêneros e orientações sexuais diversas serão apresentados em uma exposição na Pinacoteca de São Paulo assim que a pandemia permitir.


Folha de S. Paulo: 'Somos parte do legado de Floyd', diz Kamala Harris após veredicto de ex-policial

Para Joe Biden, condenação de Derek Chauvin pode ser 'grande passo adiante' nos EUA

Patricia Pamplona, Folha de S. Paulo

Legado foi a palavra que permeou o discurso da vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, e do mandatário americano, Joe Biden, sobre a condenação de Derek Chauvin pelo assassinato de George Floyd, nesta terça (20).

ex-policial foi considerado culpado pelo assassinato e condenado em três categorias de homicídio. A duração da pena será anunciada em até oito semanas, e ele pode pegar até 40 anos de prisão.

Primeira mulher negra na Vice-Presidência americana, Kamala falou primeiro e afirmou que o veredito é um passo, mas ainda há trabalho a fazer e insistiu que o Senado aprove a Lei George Floyd de Justiça no Policiamento, apresentada em agosto do ano passado.

“Precisamos reformar o sistema. Essa lei é parte do legado de George Floyd”, disse a vice, descendente indiana e jamaicana. “Somos todos parte do legado de George Floyd, é nosso dever honrá-lo.”

Kamala sublinhou ainda as difíceis condições de pessoas negras no país. “Americanos negros e homens negros em especial têm sido tratados como se fossem menos que humanos”, afirmou a vice. “Suas vidas precisam ser valorizadas em nossos sistemas educacional, de habitação, judiciário e na nossa nação.

Na sequência, o presidente também insistiu na necessidade de reformas. “[O caso] Abriu os olhos para o racismo sistêmico que é uma mancha na alma da nossa nação”, disse Biden. “Esse pode ser um grande passo adiante.”

O democrata reconheceu a importância do veredito, apesar de criticar que não deveria levar um ano para que o caso fosse concluído, e ressaltou que o resultado é uma raridade nesses tipos de casos.

“Esse veredito não traz George de volta, mas por meio da dor, sua família encontrou propósito. Precisamos fazê-lo por sua memória”, disse Biden. “Vamos fazer com que esse seja seu legado, um legado de paz, não de violência."

O presidente condenou ainda protestos violentos que tentam atrapalhar o caminho para a justiça racial. “Não podemos deixar que tenham sucesso. Não pode haver um porto seguro para o ódio nos EUA.”

No ano passado, durante as manifestações antirracismo que se espalharam pelo país, indivíduos que eram contra os atos investiram contra ativistas com atropelamentos, armas de fogo, motosserra e até arco e flecha.

Em um dos casos, em junho do ano passado, um homem branco usou o carro para entrar no meio de uma manifestação em Seattle, no estado de Washington. Um dos ativistas, um homem negro, tentou impedi-lo e acabou baleado no braço.

Empunhando a arma, o motorista deixou o carro e correu entre a multidão até se entregar à polícia. Segundo autoridades locais, o manifestante baleado foi levado ao hospital em condições estáveis, e ninguém mais ficou ferido.

Na conclusão de sua fala, Biden lembrou as últimas palavras ditas por Floyd: “Eu não consigo respirar”. “Não podemos deixar que elas morram com ele”, disse o presidente. “Temos a chance de começar uma mudança na trajetória desse país. Espero fazer jus ao seu legado. Esse pode ser um momento de mudança significativa.”


Folha de S. Paulo: Ex-policial Derek Chauvin é condenado pela morte de George Floyd

Agente sufocou Floyd com o joelho por quase 9 minutos; caso gerou onda de protestos contra o racismo

Rafael Balago e Lucas Alonso, Folha de S. Paulo

morte de George Floyd, que gerou forte comoção nos Estados Unidos e deu impulso a uma onda global de combate ao racismo, teve a sua primeira sentença judicial nesta terça (20). O ex-policial Derek Chauvin foi considerado culpado pelo assassinato e condenado em três categorias de homicídio.

A duração da pena será anunciada em até oito semanas. Chauvin, 45, pode pegar até 40 anos de prisão. Como ele é réu primário, uma condenação do tipo geralmente levaria a 12 anos e meio de detenção, mas os promotores podem pedir a ampliação da condenação, com base em agravantes.

O ex-policial foi preso no ano passado, porém deixou a cadeia após pagar fiança de US$ 1 milhão. A decisão desta terça determinou que ele fosse detido novamente, e Chauvin deixou o tribunal algemado. Ele ainda pode recorrer da decisão.

Pela morte de Floyd, Chauvin foi condenado em três diferentes categorias: homicídio em segundo grau (quando o homicídio não é intencional, mas o réu mata alguém enquanto comete intencionalmente outro crime), homicídio em terceiro grau (quando o réu mata alguém ao tomar uma atitude perigosa sem levar em consideração o risco à vida humana) e homicídio culposo em segundo grau (quando o réu assume o risco de matar alguém ao tomar uma atitude imprudente).

A sentença foi dada por um grupo de 12 jurados, depois de um julgamento que levou três semanas. O grupo estava reunido para elaborar o veredicto desde segunda-feira (19) e permaneceu isolado, debatendo a portas fechadas, sob um rígido esquema de segurança.

Os jurados não foram identificados publicamente, e a Justiça deve proteger suas identidades por tempo indeterminado. O que se sabe a partir dos autos é que o grupo é composto por quatro mulheres brancas, dois homens brancos, três homens negros, uma mulher negra e duas mulheres que se identificam como multirraciais.

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As audiências começaram em 29 de março, e foram ouvidas 45 testemunhas, entre policiais, especialistas médicos e transeuntes que presenciaram a abordagem de George Floyd.https://s.dynad.net/stack/928W5r5IndTfocT3VdUV-AB8UVlc0JbnGWyFZsei5gU.html[ x ]

Ao apresentar seu caso ao longo de mais de duas semanas, os promotores reuniram testemunhas emocionadas, policiais que afirmaram que as ações de Chauvin violaram as políticas do departamento e especialistas médicos que disseram ao tribunal que Floyd, 46, morreu de asfixia.

Chauvin se declarou inocente de todas as acusações e renunciou ao seu direito de testemunhar perante os jurados. O principal advogado de defesa, Eric Nelson, reiterou na segunda que ele havia se comportado como qualquer "policial razoável", argumentando que ele seguiu seu treinamento de 19 anos na força.

Um dos principais pontos levantados pela defesa foi de que Floyd teria usado drogas antes da ação e que isso teria levado à sua morte. Foram encontrados traços de metanfetamina e de fentanil (um tipo de opióide) no corpo de Floyd, e a namorada dele confirmou que o casal era usuário de drogas. Médicos convocados pela acusação, porém, disseram que não há indícios de que Floyd tenha tido uma overdose. Segundo um deles, o homem não seria capaz de falar com os policiais e provavelmente estaria inconsciente se estivesse nessa situação.

Durante os dias de deliberação, os jurados foram mantidos em uma espécie de "fortaleza", uma torre cercada por barricadas e por arame farpado e vigiada o tempo todo por homens da Guarda Nacional.

Nesta terça, ativistas se reuniram perto do tribunal e também no local onde Floyd foi morto. Eles comemoraram a decisão com gritos de "Justiça" e "Vidas Negras Importam".

"Hoje foi um grande dia para o mundo. Para mim, [a decisão] significa que meus amigos e outras pessoas que também perderam entes queridos agora têm uma chance de terem seus casos reabertos", disse Courteney Ross, que era namorada de Floyd, na porta do tribunal, para a CNN.

Em nota divulgada por seu advogado, a família de Floyd disse que a decisão terá efeitos em todo o país e em outras partes do mundo. "Justiça para a América negra é justiça para a América inteira. Esse caso é um ponto de virada na história americana de responsabilização das forças de segurança e envia uma mensagem clara, que esperamos que seja ouvida em todas as cidades."

O presidente Joe Biden telefonou para a família de Floyd e disse estar "muito aliviado" com o resultado, segundo a AFP. Biden acompanhou o anúncio da decisão na Casa Branca e deve se pronunciar sobre o tema ainda nesta noite.https://player.mais.uol.com.br/?mediaId=16917695&onDemand=true

Em março, a família de Floyd fez um acordo com a cidade de Minneapolis para receber US$ 27 milhões como indenização pela morte do ex-segurança.

Entidades que lutam pelos direitos dos negros celebraram a decisão, mas apontam que ainda há muito a se fazer para evitar que mortes como a de Floyd se repitam. "O capítulo sobre Derek Chauvin pode ser fechado, mas a luta por responsabilização da polícia e respeito pelas vidas negras está longe de acabar", disse a Naacp (Associação Nacional pelo Avanço das Pessoas de Cor), em nota.

O governador de Minessota, o democrata Tim Walz, disse que a busca por Justiça para Floyd não termina hoje, e que ela só virá com mudanças reais que previnam casos como o dele.

"Esperamos que o veredicto comece a mostrar que a supremacia branca não vencerá. Mas isso não trará nossos entes amados de volta. Não teremos George Floyd de volta. Sua filha terá de crescer sem ele", disse a Black Lives Matter Global Network Foundation, em comunicado.

A decisão da Justiça foi anunciada menos de 11 meses após a morte de Floyd. Em 25 de maio de 2020, a polícia foi acionada depois que ele usou uma nota falsa de 20 dólares em uma loja de conveniência em Minneapolis —no julgamento, o atendente da loja diria que Floyd parecia não saber que a cédula não era verdadeira.

O vendedor pediu o produto de volta, "mas ele não queria e estava sentado sobre o carro porque estava terrivelmente bêbado e não se controlava", disse o lojista, segundo transcrição do telefonema à polícia.

Os documentos de acusação dizem que os policiais encontraram Floyd em um carro azul estacionado, com dois passageiros. Logo chegaram unidades da polícia, e os policiais tentaram colocar Floyd em uma viatura, mas ele resistiu.

Durante a abordagem policial, ele teve o pescoço prensado no chão por Chauvin, por 8 minutos e 46 segundos, e o vídeo que registrou o momento viralizou nas redes sociais. Chauvin ignorou não só os avisos de Floyd de que não estava conseguindo respirar, como os apelos das testemunhas, que apontavam uso excessivo de força.https://player.mais.uol.com.br/?mediaId=16797063&onDemand=true

Floyd foi socorrido e morreu uma hora depois da abordagem, segundo os dados oficiais.

Os quatro policiais foram demitidos assim que o caso veio à tona. Os outros três policiais envolvidos na abordagem, Thomas Lane, J. Alexander Kueng e Tou Thao, foram indiciados como cúmplices de homicídio e aguardam julgamento.

Segundo a agência de notícias Associated Press, ao longo de 19 anos de carreira, Chauvin foi alvo de quase 20 queixas formais e duas cartas de reprimenda. A maioria foi arquivada.

A morte do ex-segurança gerou uma onda de protestos que se espalhou por dezenas de cidades dos EUA e outras partes do mundo. Floyd foi lembrado em atos na África, na Ásia, na Europa e também no Brasil. O caso virou um símbolo do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).

Durante a primeira semana de manifestações, foram registrados incêndios em carros e prédios, saques e conflitos com policiais de costa a costa nos EUA. O mesmo ocorreu em cidade europeias.

Nos últimos dias, com medo de novos confrontos nas ruas após a divulgação do resultado do julgamento, muitas empresas de Minneapolis suspenderam atividades e usaram tábuas para fechar as janelas, enquanto as escolas optaram por aulas remotas.

Apesar de o julgamento de Chauvin avaliar a culpa de apenas um homem, ele é simbólico para os EUA que têm um histórico de assassinatos de jovens negros por policiais. A condenação pode trazer um certo alívio e uma sensação de acerto de contas após a onda de protestos liderados pelo movimento Black Lives Matter que circularam o mundo todo, nos quais a imagem de Floyd tornou-se símbolo da luta antirracista e contra a violência policial no EUA.

Só neste mês de abril, houve mais duas vítimas. Adam Toledo, 13, foi morto em Chicago, baleado por um policial mesmo após levantar as mãos, e Daunte Wright, 20, foi morto a tiros em Minnesota (a menos de 20 km da cena da morte de Floyd), em uma abordagem de trânsito.

Em março, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou um projeto de lei que proíbe táticas policiais controversas e facilita o caminho para ações judiciais contra agentes que violarem direitos de suspeitos. A medida foi apelidada de "Lei George Floyd de Justiça no Policiamento". Em junho do ano passado, os deputados aprovaram medida semelhante com votação mais expressiva —236 a 181—, mas o texto foi barrado pelo Senado, que tinha maioria republicana.


Thiago Amparo: Pós-veredicto, espera-se que a polícia tire o joelho de nossos pescoços

Condenação de Derek Chauvin ensina que apenas justiça nos salvará da morte

Pare e escute o sopro de esperança que está no ar; chama-se justiça. “Nunca esqueça que justiça é como o amor se apresenta em público”, nos ensina um dos grandes oradores negros vivos nos EUA, Cornel West. Justiça não é revanche, é a qualidade de despir a barbaridade de seu manto de autoridade e mostrar que o policial, no caso Derek Chauvin, está nu. Nu de razão, nu de poder legal, nu de respeito pelo próximo, nu da humanidade que partilhamos.

Nesta terça-feira (20), Chauvin, quem num ato de frieza macabra espremeu seu joelho no pescoço de George Floyd por longos nove minutos em maio de 2020, foi condenado por três crimes num veredicto unânime, como a lei determina. Chauvin foi condenado por "second-degree unintentional murder"(homicídio não premeditado, mas praticado com malícia criminosa de matar durante uma lesão corporal grave), por "third-degree murder"(ato perigoso sem consideração pela vida humana) e por "second-degree manslaughter" (homicídio culposo por negligência).

As penas máximas são respectivamente 40, 25 e 10 anos. Por lei, devemos aguardar o sentenciamento por parte do juiz para determinar as penas exatas que Chauvin deverá cumprir, o que acontecerá nas próximas semanas. Com razão, a acusação alega que pesam contra o ex-policial algumas circunstâncias que podem agravar a pena: ato ter sido realizado na presença de crianças, com “crueldade peculiar” e com abuso de sua “posição de autoridade”. A favor de Chauvin recai o fato de ele não ter formalmente histórico criminal.

O aspecto graficamente brutal das imagens do assassinato de Floyd pesou para a sua condenação. Durante o julgamento de Derek Chauvin, que durou três semanas, emergiram novas cenas das câmeras corporais dos policiais que mostram Floyd implorando por sua vida. "Por favor, não atirem em mim. Acabei de perder minha mãe", implorou no dia 25 de maio de 2020. Ele diz que "fará tudo o que [os policiais] disserem".

A defesa alegou que policiamento pode parecer violento, mas é necessário, que Floyd faleceu por complicações de saúde e uso de drogas, e que os transeuntes ameaçaram os policiais. Estas três teses da defesa caíram por terra, em especial pelas dezenas de testemunhas ouvidas, inclusive o chefe da polícia local que desacreditou Chauvin. Sua conduta não corresponde com o treinamento recebido, afirmou. O veredicto de Derek Chauvin, assim, nos ensina a separar policiamento de vandalismo policial e assassinato.

Quando os jurados entraram para confirmar o veredicto, os jurados não estavam sós. Ao seu lado estavam as multidões de negros e brancos que marcharam nas ruas dos EUA e de várias partes do mundo por justiça. Ao seu lado estava a família de Rodney King, que foi vítima de brutalidade policial em Los Angeles em 1992. Ao seu lado estavam todos que lutam por justiça num país que conta para si a história de ser a maior democracia do mundo, uma democracia que já pendurou negros em árvores. Ao lado dos jurados, estávamos todos nós, vivos ou mortos, brancos e negros, que lutamos por justiça.

Não tratemos o caso de George Floyd como episódico. O racismo é perverso posto que, ao menos, se revela horrendo e cotidiano. Durante as três semanas de julgamento de Chauvin, outros dois casos de violência policial ocorreram. Adam Toledo foi morto em Chicago mesmo tendo levantado as mãos para o policial, e Daunte Wright, 20, foi baleado a menos de 20 km de onde Floyd foi assassinado.

Casos de violência policial nos EUA nos ensinam que policiamento brutal ocorre ou na guerra às drogas ineficaz ou no policiamento de banalidades. Floyd foi acusado de usar nota falsa numa loja de conveniência. Breonna Taylor estava dentro de sua casa em Louisville, em março de 2020, quando foi morta pela polícia. Eric Garner vendia cigarro na rua quando foi sufocado pela polícia em Nova York. Michael Brown estaria indo para a casa de sua vó, quando foi alvejado por policiais em Ferguson.

Desde a morte de Floyd, mudanças ocorreram. Um grande número de departamentos policiais proibiu medidas de estrangulamento como tática policial. Uma lei, nomeada Lei George Floyd, passou na Câmara e, com o veredicto, deve andar no Senado. A lei diminui a imunidade legal dos policiais, expande o banco de dados sobre má conduta policial, aumenta a supervisão federal no tema, proíbe técnicas violentas como a que causou a morte de Floyd e torna ilegal perfilhamento racial.

E o Brasil? Polícias brasileiras mataram seis vezes mais do que a dos EUA, só o RJ matou mais do que a polícia americana inteira. Enquanto celebramos que Derek Chauvin foi condenado, lembremos que a investigação do caso de João Pedro, 14, morto antes de Floyd está parada, e que contra Evaldo dos Santos foram disparados 257 tiros por militares —e nenhum deles foi julgado ainda.

Lembremos as palavras da abolicionista americana do século 19, Sarah Moore Grimké. No Brasil e nos EUA, pós-veredicto, o que se pede é que a polícia tire o joelho de nossos pescoços.​

*Thiago Amparo é advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos e coordenador do núcleo de justiça racial e direito na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.


Jairo Malta: 'Dois Estranhos' mostra que negros são alvos não importa o que façam

Curta indicado ao Oscar homenageia George Floyd com trama de homem que é assassinado repetidas vezes por um policial

“Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte/ Porque apesar de muito moço, me sinto são e salvo e forte.” Já se sentiu assim como Belchior em “Sujeito de Sorte”?

Eu não. Sou preto de quebrada, e sorte é um produto que, quando compramos no AliExpress, sempre fica preso em algum país racista.

Baleado com uma furadeira na mão. Baleado voltando da escola. Baleado por brincar no quintal de casa. E 80 balas por estacionar o carro em frente a um grupo de soldados. A gente é público-alvo, alvo de bala.

Em "Dois Estranhos", curta indicado ao Oscar e disponível na Netflix, Carter James acorda depois de uma noite aparentemente romântica com a linda Perri. Ele está na casa dela e precisa voltar para dar comida a seu cachorro. Ao descer as escadas do prédio, é abordado pelo oficial Merk. A partir dali, é bala, bala e bala.

São 30 minutos de um único homem negro morrendo porque correu, porque fumou, porque deixou cair o dinheiro no chão ou porque disse algo que o policial não entendeu. O ditado “basta estar vivo para morrer” deveria ser “basta ser preto para não viver”. Viver com medo de morrer não é viver.

Se o filme fosse filmado no Brasil, duraria 23 minutos.

O curta é uma clara homenagem dos diretores Travon Free e Martin Desmond Roe a George Floyd, assassinado por asfixia depois de falar mais de 20 vezes “eu não consigo respirar".

Interessante que, em todas essas tantas mortes a que Carter é submetido, ele sempre faz o papel do mocinho. É educado ao descer as escadas, elogiando as pessoas, cumprimentando todos e abrindo a porta para um estranho. Até que é visto por Merk. E bala.

Se você é negro, sabe que isso é normal. Se vai ao mercado, por exemplo, o segurança vai seguir você, surgir nos corredores, aparecer no campo de visão de longe, olhando. A dica é faça amizade com o segurança, cumprimente sempre que entrar no mercado, isso ameniza a relação. Mas, para ele, você ainda é um suspeito.

Em dado momento, Carter reflete sobre isso –eu sou mais inteligente que ele, sou provavelmente mais rico que ele, mais bonito. Vou tentar conversar. Já os argumentos de Merk vão na linha de “sou do interior", "sou xucro", "não tenho muito estudo” até ele matar Carter mais uma vez.

Adam Rutherford, geneticista e comunicador britânico, lançou em fevereiro do ano passado o livro “How To Argue With a Racist”, ou como discutir com um racista, ainda sem edição no Brasil. Nele, diz “este livro é uma arma!”. Assim como o cantor Belchior, Rutherford é branco.

Carter tenta de tudo para voltar para casa e alimentar o cachorro. Se veste bem, arruma o óculos, penteia os cabelos. Mas, para Merk, seria melhor ele guardar a sua melhor roupa para o caixão.

Todos são culpados, quem mata e quem assiste. Nem o nosso nome é lembrado. No “caso Henry”, Henry é um menino branco cruelmente assassinado. No dos três meninos de Belford Roxo, eles são crianças que desapareceram. Em um, a mídia faz especial, fala com pais, mãe, babá, avó e o cachorro de estimação. No outro, a mídia cobriu uma manifestação que “terminou em baderna”.

Tentamos de tudo para não morrer. Política, Marielle Franco. Música, Evaldo dos Santos. Esporte, Mário Sabino. Estudos, Emily VictóriaÁgatha Félix, Jenifer Gomes. Mas continuamos morrendo. Qual é a solução?

Imagina que em um quarto tem muito dinheiro, comida, todos vivendo bem e seguros, mas você está do lado de fora dele com fome, vendo a sua família morrer. Todos os dias você bate na porta, eles abrem e deixam você ver tudo —festas, risadas, comida e segurança. Não deixam você entrar.

Todos os dias, você canta. “Temos fome, estamos morrendo, por favor! Nos deixem entrar.” Mais uma semana e a música muda. “Estamos morrendo, preciso entrar.” No mês seguinte, “estou morrendo, vou arrombar a porta”. Um ano depois, você quebra a maçaneta e entra.

Pedimos de todas as formas. Panteras Negras, Movimento Negro Unificado, Marielle Franco. A maioria deles está morta ou na cadeia. Então, agora, o que acha que vamos fazer?

DOIS ESTRANHOS

  • Onde Na Netflix
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Joey Bada$$, Andrew Howard, Zaria
  • Direção Martin Desmond Roe, Travon Free

Folha de S. Paulo: Julgamento de oficial que matou Floyd pode ser ponto de virada para polícias nos EUA

Americanos precisam ver que sistema funciona, diz ex-policial e professor de direito penal

Fernanda Mena, Folha de S. Paulo

Na avaliação assumidamente otimista de Kirk Bulkhalter, o julgamento de Derek Chauvin, o policial que sufocou George Floyd com o joelho diante de câmeras em maio do ano passado, pode ser o início de um processo de reconstrução da confiança dos norte-americanos em suas polícias.

“Nunca vi um chefe ou comandante de polícia testemunhar contra um de seus policiais num processo criminal. E esse pode ser um começo”, avalia Bulkhalter, que é professor de direito penal da New York Law School (NYLS) depois de 20 anos de experiência no departamento de polícia de Nova York (EUA), para onde foi seguindo os passos do pai.

“Mais do que ver Derek Chauvin punido, as pessoas precisam ver o sistema funcionando, a responsabilização e as mudanças sendo implementadas.”

Bulkhalter dirige o The 21st Century Police Project (projeto polícia do século 21), um programa de reforma policial e de aproximação entre departamentos de polícia e comunidades diversas às quais devem prestar serviço.

Ele participou nesta sexta (9) do webinar “Disparidades Raciais e Reforma Policial nos EUA e no Brasil”, promovido pelo Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV Direito SP.

O encontro teve abertura do diretor da FGV Direito SP e colunista da Folha, Oscar Vilhena, e da adida cultural do consulado americano em São Paulo, Madelina Young-Smith. O debate, além de Bulkhalter, incluiu a coordenadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o pesquisador do núcleo, Marta Machado e Felipe Freitas. A mediação foi de Thiago Amparo, coordenador do Núcleo de Justiça Racial e Direito e colunista da Folha.

Desde 2012, a confiança da população americana nas forças de segurança e nos meios de sua responsabilização por abusos e crimes vem sendo traída. O ano marcou o início de uma triste série de escândalos envolvendo o assassinato de jovens negros por vigilantes e policiais, depois inocentados nos tribunais, e pavimentou o caminho para o surgimento do Black Lives Matter (BLM).

O movimento que denuncia a brutalidade policial contra pessoas negras tomou a dianteira na onda de protestos que eclodiram depois do assassinato de Floyd, apoiando pedidos de redução orçamentária para as corporações, o chamado “defund”.

“Hoje, os departamentos de polícia e o BLM estão mais apartados dos que nunca, e sem perspectiva de aproximação”, afirma Bulkhalten.

Para ele, o principal efeito dessa movimentação antirracista foi “tornar policiais mais paranóicos, achando que cada vez que saírem do carro alguém pode filmá-los e tentar puni-los”, o que teria criado um “efeito de recolhimento dos policiais nas ações em que o uso da força estaria respaldado em imunidade qualificada”.

“Distante das polícias, o BLM teve mais efeito nos processos políticos e em seus representantes, que agora colocam pressão aos departamentos de polícia do país”, aponta.

Desde junho de 2020 o congresso americano tenta aprovar a chamada Lei George Floyd, a maior reforma policial das últimas décadas. A lei, que foi aprovada na Câmara e ainda precisa passar pelo Senado, inclui medidas como a proibição de estrangulamentos durante a ação policial, o fim dos mandados de segurança que permitem que os agentes entrem em lugares sem se anunciarem —como na ação que matou Breonna Taylor— e o fim da “imunidade qualificada”, espécie de excludente de ilicitude aplicado a determinados casos.

Analistas têm evocado reduções orçamentárias e recolhimento das forças policiais como possíveis causas do aumento da criminalidade violenta no ano passado nos EUA. Chicago viu o número de homicídios dobrar em 2020. Em Nova York, os assassinatos cresceram 40%. Em Los Angeles, 30%.

“Sou totalmente a favor de mais transparência sobre os gastos nas corporações, mas a verdade é que talvez não estejamos gastando o suficiente nos itens certos”, afirma Bulkhalter.

“Em qualquer tipo de carreira é necessário aumentar os salários para atrair pessoas mais qualificadas. Então precisamos considerar isso quando falamos de gastos dos departamentos de polícia. O objetivo é ter uma polícia mais eficiente.”

Entusiasta da educação dos policiais, Bulkhalter gosta de ilustrar seu ponto de vista com um dado: “Hoje, um policial em Nova York recebe seis meses de formação e vai para as ruas. Já um barbeiro precisa de um curso de um ano para obter uma licença que permita a ele cortar cabelo”.

“A formação deveria durar dois anos e ser, depois disso, continuada. A polícia tem o poder de tirar a liberdade de uma pessoa e de usar a força contra ela. Misturar isso com a falta de educação e treinamento recebidos é algo tóxico.”

Negro, ele diz ter presenciado poucos episódios explícitos de racismo por parte de colegas policiais. “O que vi foram vieses raciais individuais, como quando um colega quis parar dois homens negros dentro de um Porsche com um rack para equipamento de ski porque tinha convicção de que negros não esquiavam”, lembra ele, rindo.

“Eu mesmo esquio desde pequeno! Fiz uma abordagem educada e tranquila que servisse de lição para o meu colega. E os esquiadores seguiram seu caminho.”

Para o professor e ex-policial, as corporações nos EUA são “clubes de meninos, quase todos brancos” desde sempre, e só depois do assassinato de George Floyd é que se viu “oficiais negros sendo promovidos para posições de chefia e de liderança”.

Ele avalia que o aumento da diversidade em posições de comando das corporações policiais é um passo importante para evitar que novos assassinatos de pessoas negras por policiais aconteçam nos EUA.

“Tudo emana das posições de comando. Alguém nessas posições de liderança tem que se levantar e dizer que determinadas atitudes simplesmente não são razoáveis.”


‘E seu eu acordasse negra?’, pergunta Lilia Lustosa para refletir sobre racismo

Crítica de cinema publicou artigo da revista Política Democrática Online de junho e diz que o crime ‘contagia a sociedade há séculos’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online do mês de junho, a crítica de cinema Lilia Lustosa questiona como mudar a situação de racismo que contamina a indústria cinematográfica do Brasil e do mundo. “E se eu acordasse negra? Encararia a vida da mesma maneira? Teria a mesma segurança para desbravar territórios desconhecidos como venho fazendo nesses últimos doze anos em que vivo fora da minha terra?”, questiona, para responder: “Do alto do privilégio da minha branquitude, minha resposta, imediata e honesta, foi não”.

Acesse aqui a 20ª edição da revista Política Democrática Online!

A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Em seu artigo, Lilia convida os internautas a refletir sobre o racismo estrutural que, segundo ela, “mais do que qualquer coronavírus, contagia nossa sociedade há séculos”. “Uma pandemia para a qual nunca se criaram vacinas, nem remédios, o único caminho sendo a conscientização e a reeducação da nossa gente. E o primeiro passo, reconhecer o racismo que habita cada um de nós”, afirma.

Em um trecho, Lilia conta que recordou as imagens que havia visto dias antes no documentário Minha História (2020), de Nadia Hallgreen, sobre a turnê de Michelle Obama pelos EUA, para o lançamento de seu livro homônimo. “Lembro-me de ter ficado arrepiada ao ver aquela mulher negra lotando estádios nos Estados Unidos de Trump, oferecendo inspiração e esperança a tantas pessoas daquele país”, afirma.

A crítica de cinema também diz que ficou imaginando todas as dificuldades enfrentadas para chegar àquele palco. “Será que Michelle sempre entrava nos prédios de cabeça erguida? Sentia-se inferior ou invisível aos olhos de alguém? Mas a ex-primeira dama, que já sentou em tantas mesas importantes (palácios, castelos, salas de aula de Princeton e Harvard), afirmou nunca se ter sentido invisível”, acentua.

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Edição de junho da revista Política Democrática Online mostra força de mobilização contra o crime na sociedade

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Casos de assassinatos do adolescente João Pedro Mattos, de 14 anos, e do norte-americano George Floyd, de 46, reforçam na sociedade mobilizações contra racismo, como Black Lives Matter, que lutam contra o crime que impõe diversos obstáculos para essa parcela da população. É o que destaca a reportagem especial da 20ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília.

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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Negros assassinados por policiais, João Pedro e George Floyd também não conseguiram resistir à perversidade do crime que tem dizimado essa população diariamente e que se manifesta de diversas formas.

No Brasil e nos Estados Unidos, conforme mostra a reportagem, a violência é uma das faces desse crime, que se propaga em vários outros. “Negros são os que mais morrem em ações policiais e também lideram o ranking das vítimas de coronavírus. Têm menos acesso à saúde, grau de escolaridade e oportunidade de emprego, em comparação com pessoas brancas”, diz o texto.

No total, no Brasil, negros são 56% da população e 75% dos mortos por policiais. Nos Estados Unidos, representam 13% das pessoas e 24% das vítimas assassinadas pela polícia. Livres da escravidão, abolida há 132 anos no território nacional, pessoas negras e toda a sociedade precisam se mobilizar contra o racismo, que, na avaliação de especialistas, tem se institucionalizado cada vez mais e de forma acelerada na força estatal.

Além da violência e de morrerem três vezes mais do que brancos por Covid-19 nos Estados Unidos e de serem mais de metade das vítimas da doença no Brasil, negros enfrentam abismos de desigualdade no acesso à educação, a oportunidades de emprego, à cultura e a cargos eletivos. No labirinto da discriminação, precisam encontrar o caminho da sobrevivência.

Reflexo da falta de acesso a serviços de saúde e alimentação que garanta boa qualidade de vida, mais da metade dos negros que se internaram no Brasil no período da pandemia morreu por contaminação de coronavírus em hospitais no país. Pesquisadores do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro analisaram 29.933 casos encerrados de Covid-19 (com óbito ou recuperação). Dos 8.963 pacientes negros internados, 54,8% morreram nos hospitais. Entre os 9.988 brancos, a taxa de letalidade foi de 37,9%.

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