general santos cruz
Cúpula militar vê candidatura de Moro com simpatia e desconfiança
Aliança de ex-juiz com Santos Cruz tem pouco impacto entre os oficiais-generais da ativa
Igor Gielow / Folha de S. Paulo
Desde que Sergio Moro emergiu das sombras norte-americanas para chacoalhar o noticiário da sucessão presidencial, sinais públicos foram dados aos militares que embarcaram na aventura Jair Bolsonaro em 2018.
Em seu discurso de filiação ao Podemos, o ex-juiz símbolo da Operação Lava Jato tocou violino para o generalato ao dizer que defendia as Forças Armadas como instituição de Estado. Na plateia, estava Carlos Alberto dos Santos Cruz.
O general da reserva sempre foi uma noiva da vez nos meios da chamada terceira via, tendo boa interlocução de João Doria (PSDB) a Ciro Gomes (PDT). Militar com algo raro, experiência de combate real, ele foi um dos primeiros aliados de Bolsonaro a serem degolados pelo chefe, ainda em 2019.
Sua filiação ao mesmo partido de Moro, consumada nesta quinta (25), levanta imediatas especulações sobre uma continuidade em 2022 da importância dos militares, atores políticos que voltaram ao centro do palco no governo do antes desprezado capitão de Exército reformado.
Ocorre que, principalmente no influente Alto-Comando do Exército, Santos Cruz não é exatamente bem visto. Ele nunca chegou ao topo da hierarquia, indo à reserva no posto anterior a ela, como general de divisão. Como em todo clube em que os sócios escolhem os novos membros, foi uma decisão política.
Mas o general, em que pese sua sensatez nas falas públicas acerca dos danos que a proximidade entre militares e Bolsonaro causa às Forças Armadas e no debate sobre o papel dos fardados, não é um interlocutor com a cúpula do serviço ativo.
Se Moro quer lançar sinais a ela, e isso é algo que tem de ser feito de forma cautelosa, o caminho são os próceres fardados da reserva, generais de quatro estrelas do quilate de Fernando Azevedo (ex-ministro da Defesa de Bolsonaro) e Sérgio Etchegoyen (ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Michel Temer).
Simpatia à candidatura de Moro existe entre militares. Ele ainda encarna para muitos oficiais-generais aquilo que mais aproximou a classe de Bolsonaro, a rejeição ao PT e o discurso anticorrupção. Se o presidente ainda pode se mostrar como antípoda de Lula, seu casamento com o centrão matou qualquer ilusão em relação à moralidade pública.
Mas Moro também inspira alguma desconfiança acerca de suas potencialidades eleitorais. Há uma leitura segundo a qual ele não teria força, após tantas derrotas judiciais, para de fato ser competitivo contra o ex-presidente em 2022.
Por ora, Bolsonaro segue sendo o preferido no corpo militar em geral, como admitem alguns generais e almirantes ouvidos. Eis um paradoxo: o arrefecimento da crise institucional aguda, que quase levou a uma ruptura no hoje distante 7 de Setembro, só se deu por causa da aliança do presidente com aqueles que os militares chamam de "vagabundos" para baixo.
Mas o presidente é visto como mais capaz de derrotar Lula no ano que vem nas fileiras fardadas. Não se espera, contudo, nenhum tipo de ingerência ao estilo de 2018, quando o então comandante do Exército, Eduardo Villas-Bôas, pressionou o Supremo Tribunal Federal a não conceder um habeas corpus que livraria o petista da cadeia.
O serviço ativo hoje celebra ter saído dos holofotes a que se deixou arrastar, obra do apoio de nomes expressivos da reserva e mesmo em atividade a Bolsonaro. A formação do governo militarizado do capitão reformado também gerou benesses, como a reforma previdenciária e de carreira.
Apesar de haver uma óbvia cunha entre os militares de farda e os de terno no governo, a percepção política e popular é a de um único organismo, que ainda vive em simbiose com o bolsonarismo.
Concorre para isso o fato de que vários valores da seita presidencial são, de origem, militares: as queixas com o relativismo cultural, com a chamada ideologia de gênero, com o que veem como ameaças à Amazônia no ativismo ambiental.
Moro ainda não disse a que veio, mas o fato de ter sido ministro de Bolsonaro e de balbuciar ideias próximas dessa faixa de frequência ideológica em tese o colocaria como uma opção mais civilizada aos militares, na palavra de um oficial da Força Aérea.
Se isso irá ou não ocorrer, é algo a ver. Se Moro por acaso se viabilizar, a patente de Santos Cruz deixará de ser um problema para os mais estrelados —assim como a muito mais inferior ostentada por um soldado indisciplinado como Bolsonaro não foi lá atrás.
Por outro lado, depois do trauma que a associação com Bolsonaro provocou, muitos oficiais-generais defendem o máximo de distanciamento de candidatos, particularmente com a grande chance de Lula voltar ao poder.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/11/cupula-militar-ve-candidatura-de-moro-com-simpatia-e-desconfianca.shtml
'Politização, extremismo e manipulação ameaçam o Brasil'
Massa das pessoas de bem não deve servir de escudo para extremistas, irresponsáveis e inconsequentes
Carlos Alberto dos Santos Cruz / O Estado de S.Paulo
7 de Setembro é o aniversário da Independência do Brasil. Dia especial, sempre comemorado com desfiles escolares e militares, recreação e atividades culturais exaltando a história e as cores nacionais.
Neste ano, o feriado e as cores nacionais foram sequestrados por interesses políticos.
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As manifestações dentro da lei são válidas e importantes. As liberdades de expressão e de opinião são fundamentais. No entanto, não se deve confundir liberdade de opinião com liberdade de acusação e de ações irresponsáveis.
A vontade popular é bem intencionada. Os fanáticos não representam a maioria da população ordeira que se manifesta. Extremistas não representam aqueles que votaram por transformações em ambiente de paz, legalidade e prosperidade.
Não é hora de rodeios. Os riscos precisam ser avaliados e mitigados, pois a politização, o extremismo e a manipulação da opinião pública ameaçam gravemente o Brasil. Alguns “super-heróis” irresponsáveis de internet empurram pessoas de boa-fé para o radicalismo e a violência. Aqueles que estimulam ilegalidades desaparecem e ficam impunes, deixando o preço para os inocentes úteis. Os fanfarrões estimulam ações, mas não têm coragem de assumir responsabilidades e nem são os primeiros a liderar as ilegalidades propostas.
O fanatismo de pessoas e grupos sempre acaba em violência. Se não generalizada, ao menos em atos isolados. As autoridades e as pessoas de bem não podem deixar que isso aconteça. Normalmente a maioria é motivada por interesses honestos, mas os extremistas são motivados por interesses pessoais, campanha política e ideologia extremada.
Há poucos dias, em visita do presidente da Guiné-Bissau ao Brasil, a Esplanada dos Ministérios teve os postes enfeitados alternadamente, de maneira organizada, com as cores verde e amarelo do Brasil e verde, amarelo e vermelha da Guiné-Bissau. Vi pessoas indignadas, dizendo que era absurda a ousadia da “esquerda”; vi outros dizendo que era coisa "da direita”, tentando incriminar a esquerda, violando as cores verde e amarelo com a cor vermelha. Esse é um exemplo do fanatismo ignorante e inconsequente. Os extremos sempre irão se acusar mutuamente.
Populistas e oportunistas se manifestam de maneira demagógica, com discursos incentivando a violência e palavras de ordem sem objetividade, mas com aspirações teoricamente válidas – "liberdade", "segunda independência" (de quem?), "última excelente oportunidade" (para que?), "estamos em guerra" (com quem?), ultimatos fanfarrões sem dizer para quem, incentivo para comprar armas por motivação política (total irresponsabilidade e inconsequência), Brasil à beira do abismo, teoria da conspiração, e, finalmente, a grotesca necessidade de um salvador da Pátria. Tudo isso estimula o ódio e a agressão a instituições e pessoas.
Militares (Forças Armadas, policiais e bombeiros) têm o direito de ter preferências políticas e partidárias, mas também têm responsabilidade institucional. Militares fazem parte de instituições que têm como fundamentos a disciplina e a hierarquia. São instituições armadas para defender a Pátria, as instituições, a lei e a ordem. Não é possível ser militar apenas quando interessa. Os militares têm responsabilidade institucional com o Estado brasileiro, com a Constituição, e não podem cair na armadilha de serem arrastados como instrumento de uso político individual e de grupos. Polícias e bombeiros militares são muito bem preparados e têm sua estrutura hierárquica estadual, subordinadas aos governadores e são comprometidos com a proteção das populações de seus Estados. Incentivar militares a romper suas obrigações legais e seu comportamento institucional e estimular a quebra da disciplina e da hierarquia é subversão. Sempre foi.
Casos isolados de violação da disciplina não caracterizam as instituições e precisam ser tratados pelas autoridades de acordo com a lei.
O governo não pode jogar a sua responsabilidade política para as Forças Armadas e Polícias Militares. Ele precisa é ter coragem e capacidade de assumir as suas obrigações.
A maneira mais eficiente de corrigir e evitar problemas é governar corretamente, promover a união e a paz social, estabelecer critérios, praticar a transparência ao máximo, combater a corrupção, eliminar privilégios e reduzir a desigualdade social.
A grande massa das pessoas de bem, motivada por boas intenções, não deve servir de escudo para extremistas, irresponsáveis e inconsequentes.
O 7 de Setembro é dia de celebração e não deve ser transformado em dia de conflito.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,artigo-o-7-de-setembro-e-dia-de-celebracao-e-nao-deve-ser-transformado-em-dia-de-conflito,70003832836
Folha de S. Paulo: Acordo com centrão não é sólido, diz Santos Cruz
Para Santos Cruz, falta um plano de ação que dê sentido à aliança com o bloco no Congresso
Ricardo Balthazar, Folha de S. Paulo
Ex-ministro de Jair Bolsonaro, o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz acha que a aliança construída pelo Palácio do Planalto com os partidos políticos que dão as cartas no Congresso terá vida breve se não houver mudanças no governo e no comportamento do presidente.
Para Santos Cruz, que chefiou a Secretaria de Governo por seis meses e foi demitido após sofrer críticas do escritor Olavo de Carvalho e dos filhos de Bolsonaro, falta um plano de ação que dê substância aos acertos feitos com os políticos do centrão que passaram a comandar a Câmara dos Deputados e o Senado.
"Se a motivação principal [do acordo com o centrão] é a reeleição do presidente, o pessoal vai ter que pensar mais no Brasil", diz o ex-ministro. "O governo precisa mostrar uma capacidade de organização e planejamento que até hoje não demonstrou, e oferecer tranquilidade ao país."
Santos Cruz tornou-se um crítico ácido do governo Bolsonaro após sua demissão, mas acha que não existem condições para viabilizar um processo de impeachment e afastá-lo do cargo. "O melhor para o país é o presidente eleito governar", afirma o general. "Mas ele também tem que entender isso."
Desde o início da pandemia do coronavírus, o ex-ministro tem passado a maior parte do tempo recolhido numa chácara a 40 quilômetros de Brasília, indo até a capital apenas para compromissos eventuais. Fez melhorias na estrada que leva à propriedade, na cerca e no galpão. "Trabalho não falta", diz.
Como o sr. viu a aliança do presidente Bolsonaro com o centrão?
Na época em que buscava cativar os eleitores, ele falava barbaridades do centrão. Tratava o grupo como uma aglomeração de pessoas que não tinham compromisso nenhum e só se preocupavam em preservar a própria impunidade. Agora, ele faz uma virada como essa aí. Há uma incoerência, e fica difícil estabelecer uma relação de confiança quando você faz esse tipo de coisa.
A verdade é que o governo não se preparou para fazer alianças. Negociação política não é crime. Mas você tem que negociar políticas públicas, não benefícios particulares. Na realidade, o que houve foi uma compra. Vão gastar bilhões de reais com as emendas dos parlamentares. Então não me parece uma coisa consistente, porque a influência do dinheiro é muito pesada. Uma negociação política desse tipo, para gerar confiança, precisa se sustentar em outros princípios, para produzir algo mais sólido.
O que acha que Bolsonaro fará com a base de apoio formada no Congresso?
Um alinhamento maior entre o Executivo e o Legislativo obviamente traz vantagens e pode viabilizar algumas coisas, mas vamos ter que esperar para ver. Falta pouco mais de um ano e dez meses para o governo acabar. Se a motivação principal é a reeleição do presidente, o pessoal vai ter que pensar mais no Brasil. Precisa mostrar uma capacidade de organização e planejamento que até hoje não demonstrou, e oferecer tranquilidade ao país.
A pandemia ainda não acabou. Há muita coisa a fazer, mas a gente fica até hoje escutando mensagens contra a vacinação, como se tudo se transformasse numa disputa política. Essas coisas têm que parar. [O presidente] tem que saber falar com a população, e não só com os extremistas à sua volta. Ele não soube conduzir o processo. Agora tem que ajustar tudo isso se quiser a reeleição.
O acordo com o centrão garante proteção contra o avanço dos pedidos de impeachment que se acumulam contra Bolsonaro?
Se o objetivo é esse, pode ser que tenha conseguido alguma proteção, temporariamente. Esse tipo de aliança, quando depende de um fluxo de recursos desse porte, como se falou nesses dias, não sei até onde é confiável. Infelizmente, tem gente que daqui a pouco vai querer mais e mais e mais. O modelo não é baseado em fidelidade e harmonia de objetivos, mas no dinheiro. Então, não sei até onde vai essa garantia.
Existem condições para abertura de um processo de impeachment agora? Precisa ter base jurídica, embasamento contra a autoridade. Há vários pedidos na Câmara dos Deputados. Não li, mas imagino que sejam sustentados por considerações nesse sentido. Você tem uma perda de apoio popular do presidente, mas não tão significativa que leve a essa situação. As condições não existem neste momento.
O afastamento do presidente seria desejável?
Nunca é desejável. Até pode ser, se você tiver uma pessoa desequilibrada no cargo. Aí tem que impedir que prossiga, por uma questão de saúde mental. Mas no geral não. Temos eleições a cada quatro anos, e dá para corrigir qualquer coisa no voto.
O melhor para o país é o presidente eleito governar. Mas ele também tem que entender isso. Se está fazendo alguma coisa errada, dá uma corrigida. Se está falando demais, fala menos. Se está se comunicando de forma belicosa, baixa a bola.
Agora, se [o presidente] faltar, não tem segredo. A linha sucessória está prevista em lei, tem gente responsável por tocar para frente. Não vejo problema nenhum se ele ficar, ou se ele sair. O país não vai parar por causa disso. Passa por aquele trauma e vai em frente. Já tivemos duas vezes essa situação, e o Brasil andou.
O general Luiz Eduardo Ramos, que assumiu a Secretaria de Governo após sua saída, teve papel destacado nas articulações com o centrão. Que consequências terá para o país a volta dos militares à política?
A população vê os ministros que são generais como generais, não como ministros. Isso não é bom, porque compromete a imagem institucional das Forças Armadas. No Exército, a gente sabe que não tem ninguém envolvido com a negociação com o centrão. Mas, para a população, parece que tem. A quantidade de militares no governo é muito grande e alimenta essa percepção.
O Ramos fazer essa articulação está na função dele. Eu não gosto desse tipo de articulação. Gosto de articulação política, mas não dessa qualidade, baseada em recursos financeiros, e principalmente com um grupo que o próprio governo criminalizava. Seria desconfortável para mim.
Quando a imagem da instituição é comprometida, ela se torna responsável pelos erros e pelos acertos, e muito mais pelos erros. As Forças Armadas são instituições de Estado. Podem dar suporte a políticas públicas, levar oxigênio para Manaus, completar a estrada onde a ponte caiu, mas não participam da rotina política. Ainda mais essa, baseada em bate-boca, extremismo, discursos na churrascaria.
Acha que o prestígio das Forças Armadas junto à população será abalado?
Não. A queda de popularidade do presidente resulta do seu comportamento político e do mau desempenho. Pode haver algum reflexo, mas a instituição militar é tão sólida que acho que não foi arranhada.
Nem pelo mau desempenho do general Eduardo Pazuello como ministro da Saúde?
Ele deve ser avaliado como ministro, não como general. Ele não exerce função militar. Pegou o bonde andando, assumindo uma estrutura que já vinha funcionando mal. A administração da pandemia é falha desde o início, porque o governo não assumiu a liderança do processo.
De vez em quando o pessoal fala que está cumprindo uma missão. Missão coisa nenhuma. Você só está cumprindo uma missão quando as Forças Armadas te dão uma tarefa. Quando é como foi no meu caso, ou no dele, ou qualquer outro que foi convidado para participar do governo e aceitou, o problema é seu. Não tem nada a ver com a instituição.
Quando Pazuello assumiu o cargo e foi criticado por sua inexperiência na área, seus defensores justificaram a escolha apontando a formação militar e sua especialidade, logística.
É verdade, mas a logística militar é completamente diferente da logística civil. E ali o problema não era esse. A questão é de política pública de saúde. Ele podia ter segurado a parte logística se continuasse como secretário executivo do ministério, mas ao se tornar ministro passou a ser o responsável pela política de saúde. Aí é que a coisa dá zebra.
O que justificou a reaproximação da cúpula das Forças Armadas com Bolsonaro durante a campanha eleitoral, após décadas de desconfiança por causa do seu histórico de indisciplina?
O presidente Bolsonaro percebeu ali que estávamos no fim de um ciclo iniciado pelos governos do PT e investiu nisso. A aproximação não foi só com as Forças Armadas. Foi com os eleitores, a sociedade. Ele falou tudo que a população queria ouvir, trouxe esperança, criou boa expectativa. Mas seu comportamento no governo tem sido lastimável. Ele não tinha ideia de como fazer, e por isso a prática é diferente do discurso.
Foi mesmo uma surpresa? Na campanha eleitoral, ele nunca escondeu o que era.
Sem dúvida. Mas uma coisa é levar as coisas na brincadeira e fazer grosserias para capturar a atenção do eleitor numa campanha. Quando você ganha e assume a função, você tem responsabilidade num nível muito maior e tem que dar o exemplo.
Você pode emocionar uma parte do eleitorado quando diz que bandido bom é bandido morto. Quando assume, tem que ter um plano de segurança pública. Tem que seguir a lei, verificar o orçamento, aperfeiçoar as instituições, mesmo que sua política seja para valorizar o policial e aumentar sua proteção.
Por que, apesar de tudo isso, a oposição continua tão desarticulada?
O PT se manteve na liderança por muito tempo e só tinha um líder, o ex-presidente Lula. Na hora que ele caiu, ficou sem liderança. Quem ainda fala no PT e em Lula todo dia são os bolsonaristas. O PT tem até que agradecer a propaganda. Mas o partido perdeu a eleição e não consegue mais se organizar como centro da oposição. O que não é bom, porque precisamos de uma oposição ativa, que faça o contraponto [ao governo]. Sem isso, e com todo esse dinheiro, vão passar o trator por cima. Foi o que ocorreu agora na Câmara e no Senado.
No início da pandemia, quando Bolsonaro fez ameaças aos outros Poderes e disse que tinha os militares a seu lado, havia algum risco de ruptura institucional?
De jeito nenhum. Alguns parlamentares, o pessoal civil, a imprensa e parte da população podem ter essa sensação, vendo que tentaram arrastar o Exército como arma para ameaçar. Mas foi puro blefe. Não tem nada disso.
Teve até jurista defendendo a tese de que o Exército podia ser o moderador dos Poderes. Invenção pura. O que existe é a Constituição, e a obrigação que os Poderes têm de se ajustar. Fechem a porta e discutam até chegar a um acordo. As Forças Armadas não têm nada a ver com isso.
RAIO-X
Carlos Alberto dos Santos Cruz, 68
General da reserva do Exército, foi ministro da Secretaria de Governo de janeiro a junho de 2019. No governo Michel Temer, foi secretário de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Comandou tropas da Organização das Nações Unidas (ONU) em missões para estabilização do Haiti e do Congo
Correio Braziliense: 'Há gangues no serviço público', afirma general Santos Cruz
Futuro ministro da Secretaria de Governo afirma que a sociedade cansou de corrupção e cita os escândalos do Rio e da Petrobras<
Por Ana Dubeux, Denise Rothenburg e Leonardo Cavalcanti, do Correio Braziliense
Um dos homens de confiança do presidente eleito, Jair Bolsonaro, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz recebeu do amigo, de mais de 40 anos, a complexa missão de comandar a Secretaria de Governo a partir de terça-feira. Ali, no ministério, cuidará do bilionário Programa de Parceria de Investimentos (PPI), da publicidade estatal e da relação com prefeitos, governadores e integrantes de sindicatos e organizações civis. “A porta de entrada é aqui. Os grupo têm de se sentir com liberdade. MST, ONGs, gays, Fiesp, OAB, índios, todos”, disse Santos Cruz em entrevista ao Correio na última sexta-feira, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede do governo de transição, que acaba oficialmente nesta segunda(31/12).
Durante conversa de 90 minutos, Santos Cruz, como de costume, sorriu poucas vezes, mas desmonstrou tranquilidade e convicção ao falar sobre todos os temas. A característica circunspecta o levou a ser protagonista de memes na internet. “É a história da imagem que as pessoas têm e fazem de você”, disse ele, para finalmente abrir o sorriso ao ser apresentado a uma das figuras que viralizaram, onde aparece com a cara fechada. Na foto, uma legenda diz: “Que a minha alegria possa te contagiar hoje e sempre. Feliz Natal”. Questionado sobre o fato de que a polarização política e as declarações de Bolsonaro durante o período da campanha levaram as minorias a se preocuparem com o acesso ao governo, o futuro ministro afirmou: “Isso é um absurdo. Quem divulga isso é completamente fora da realidade. Somos pagos para isso. É obrigação receber todo mundo, a finalidade é essa.”
Na entrevista, Santos Cruz afirmou que percebeu a força de Bolsonaro quando o discurso do capitão reformado se mostrou em sintonia com o anseio social. “Ninguém aguentava mais tanta corrupção. No Rio, o crime organizado começava no Palácio da Guanabara.” No plano federal, citou o petrolão, as investigações sobre os fundos de pensão e os empréstimos para o exterior. Sobre o escândalo envolvendo o filho de Bolsonaro, Flávio, na Assembleia Legislativa do Rio — incluindo um cheque para a futura primeira-dama, Michelle —, Santos Cruz afirmou: “Não interessa se o valor é baixo ou alto, mas este assunto não é de governo, mas parlamentar. Você vê que é um assunto absolutamente particular, que tem de ser explicado por um parlamentar estadual e não é um assunto de governo federal”.
Existe o risco real em relação à posse de Bolsonaro?
Seja uma probabilidade ou não, você tem que mitigar ou eliminar. Qualquer possibilidade de risco você tem de fechar, não pode trabalhar com ela. Isso vem da própria campanha, quando Bolsonaro sofreu o atentado. Era uma situação normal de campanha, o único candidato que mobilizou a massa. Onde ele chegava, havia milhares de pessoas. Tinha essa exposição ao povo brasileiro, que não é dedicado a esse tipo de atentado. Mas aconteceu. Sobreviveu por milagre. Fica uma situação que dá uma certa tensão. Outra coisa: (no segundo turno) tinham dois candidatos mobilizando a sociedade. Às vezes, tivemos pequenos grupos radicais. Em qualquer conjunto político ou não político, há pessoas que se aproveitam da situação e podem fazer uma besteira. Tem gente que é criminoso por personalidade, não por posicionamento político. Temos de fechar todas as possibilidades. Hoje, temos problemas menos por posicionamento político e mais por inconsequência.
Qual será a missão do senhor no ministério?
Aqui (na Secretaria de Governo) existia uma área só para interlocução com parlamentares. A secretaria foi para a Casa Civil e para cá vieram dois órgãos mais técnicos: a Secom (Secretaria de Comunicação) e o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos). Só que essa interlocução com parlamentares, essa conversa com a bancada vai ficar com o Onyx Lorenzoni, até pela personalidade dele. É um parlamentar, tudo fica ajustado. Mas só que você não tem no governo uma porta só de entrada ou um só elemento de interlocução. Por exemplo, aqui eu terei uma secretaria de assuntos federativos, onde você interage com governadores e prefeitos.
A parte de emendas vai ficar com o senhor?
Sim. Agora, é mais técnica. O pessoal pensa que a emenda parlamentar é coisa só de político, mas não é. É muito mais técnica do que política. Tanto de acompanhamento quanto da verificação, se as emendas estão corretas, se o elemento de despesa está correto, se está na ação certa, se é impositiva ou não. Aí você tem de ter uma conexão entre a Secretaria de Governo e a Casa Civil. Então, na realidade, se trabalha em conjunto. Governo funciona por harmonia. Às vezes, há assuntos específicos. Falar com o parlamentar é uma relação pessoal, com o prefeito já tem uma característica mais institucional.
O senhor será uma espécie de coordenador dos ministérios?
Apesar de aqui ser uma porta de entrada de prefeitos e governadores, os governadores, às vezes, têm um canal mais direto com a Presidência. E a massa do trabalho aqui, digamos assim, é mais de atendimento de prefeitos. Se uma coisa é por emenda parlamentar, acontece muito por convênios, e o convênio é no nível ministerial. Então, aqui, você faz alguma coordenação, com a área política, com os ministérios. Se você pegar convênios que foram celebrados e não foram realizados, há dinheiro parado na ponta da linha. Não tem nada a ver com desvio de recursos. Não foi executado, porque, às vezes, o cara não sabia fazer. Ou até o próprio parlamentar entra com uma emenda para facilitar o município dele, mas não tem experiência. Temos que ajudar a fluir.
Existia uma conversa de que o senhor foi indicado para, quando possível, neutralizar determinadas ações do Onyx...
Não tem esse espírito, não. Não é característica minha trabalhar com agenda escondida. Pelo contrário, acho que a gente vai trabalhar em harmonia, porque ele tem uma personalidade política de contato com outro parlamentar, com bancada. É a vida dele. Acredito que ele vai ter um bom desempenho, e eu também tenho bastante experiência de vida em vários setores.
Há o problema dele em relação a investigações, e o senhor daria essa blindagem...
Esse é um assunto em que não tenho mergulhado. Não estou tendo tempo de ver esse tipo de coisa. É uma coisa que ele tem de esclarecer, pessoal.
Acabar com o Ministério da Segurança foi um retrocesso?
Havia duas opções. Uma era fortalecer a Senasp dentro do Ministério da Justiça. A outra, foi criar um Ministério da Segurança Pública, mas ele demorou para se estruturar. Nem chegou a se estruturar totalmente. Depois de criado, é que o pessoal começou a ver o organograma, a trazer gente. Enquanto isso, ficou dependente do Ministério da Justiça. A Senasp é que era o coração dele, mas a cabeça do ministério nunca chegou a ficar completa. Quando você cria, o ideal é já colocar o ministro e todas as vagas da estrutura para que possa funcionar. Como, desde a campanha, Bolsonaro disse que iria diminuir o número de ministérios, isso entrou num bolo de simplificação. O problema não é se o ministério é independente. O problema é funcionamento. Temos de ver se vai funcionar direito. Segurança pública é resultado.
Ficou definida uma revisão de atos da gestão Temer dos últimos 60 dias. O senhor pretende rever algo relacionado às concessões?
O PPI é um programa que vem tendo sucesso. Faz 30 meses que ele está em vigor e tem um corpo técnico muito bom. O PPI começou mais ou menos com 195 projetos a serem ofertados ao mercado, já tivemos 122. Mas essa lista de produtos é dinâmica. Nesses 30 meses, rendeu ao governo investimentos de R$ 140 bilhões. Então, é um programa sério que vem tendo sucesso baseado na qualidade técnica e na credibilidade. O investidor só vai assumir um risco de construir uma estrada para recuperar o lucro dele em 30 anos se sentir segurança jurídica no contrato. Vamos dar uma olhada em uma lista de 70 e poucos projetos, mas sem revisão de mérito. O PPI tem boa imagem.
Tem alguma área que ainda não foi tão contemplada?
A área de aeroportos, algumas estradas, como pequenos trechos interrompidos, na Transnordestina, na BR-163. Eixos importantes.
Em relação ao protagonismo de militares, qual a avaliação do senhor? Há uma piada de que Bolsonaro não montou um ministério, mas um quartel.
Fiquei 48 anos no Exército e nunca fiz essa conta. Não me importo com isso. Conheço pessoas excelentes na parte civil, tanto que meu secretário executivo é civil, da CGU. E tem outros militares que estou convidando, porque é natural passar 48 anos na instituição e conhecer pessoas. Estou aqui, porque conheço Bolsonaro desde a época de tenente. O conhecimento é uma coisa normal, você chama pessoas em quem têm confiança. A história de contar o número de militares é um tipo de discriminação que não leva a nada. Vejo como uma herança, revivendo como se fosse uma coisa perigosa, colocando alguma coisa em risco. Isso não existe.
Há uma relação com 1964?
Em 1964 era outro contexto. Não tem nada a ver. Tem gente discutindo 1964, eu tinha naquela época 12 anos.
Acha que a sociedade enxerga assim essa herança negativa?
Acho que não. É mais de grupos de interesse político. A sociedade, aliás, aceita muito bem os militares. É uma das instituições com mais credibilidade. Se o sujeito fizer uma besteira, não fez uma besteira apenas para ele, mas está manchando toda a instituição. Se ele fizer uma coisa boa, beneficia toda a instituição. Temos obrigação de fazer direito.
Mas não existe um risco de essa imagem das Forças perder credibilidade caso o governo fracasse?
Uma coisa é ter envolvimento político, outra é ter envolvimento de governo, de administração. O perfil do militar não é partidário. Alguns até são vinculados a partido, até para participar de cargo eletivo. Mas eu, por exemplo, não sou filiado. O risco dessa confusão sempre existe. Tudo aquilo que você fizer de certo ou errado vai refletir na instituição toda. Agora, também, os militares não podem ficar afastados completamente da política, porque somos parte da sociedade. O sentimento de obrigação é muito grande para fazer dar certo e dar o bom exemplo numa sociedade que está clamando não só por segurança, por ação, por emprego, mas pedindo exemplos de administração, na parte de conduta pessoal num país que, infelizmente, vem vivendo quatro, cinco, seis anos só com escândalos de corrupção.
Esse caso do assessor de nome Queiroz agora, envolvendo diretamente o filho de Bolsonaro, está ainda por ser explicado. Como o senhor tem visto essa situação?
Em primeiro lugar, não interessa se o valor é baixo ou alto. A pessoa pública tem de explicar. Você vê escândalos de R$ 51 milhões dentro do apartamento, o outro deposita R$ 9 milhões na conta de pensão dele no Banco do Brasil. Então, se for analisar em número, não é grande. Mas não é isso que interessa. Pessoa pública tem de explicar, compete a ela explicar. Outra coisa que tem de separar é o que é parlamentar e o que é assunto de governo. O Flávio Bolsonaro é parlamentar, é deputado estadual. Isso não é assunto de governo. Mas aumenta a curiosidade, aumenta a exploração... O próprio nome acaba vinculando, mas é um assunto absolutamente particular, que tem de ser explicado por um parlamentar estadual e não é um assunto de governo.
De qualquer modo, iniciar o governo com uma situação como essa...
Dá margem à curiosidade e gera discussão, interpretação... Mas não é assunto de governo.
Possivelmente, no governo, não existe alguém tão próximo do presidente eleito como o senhor. Qual é o perfil de Bolsonaro?
O Bolsonaro é isso que vocês estão vendo. Conheço há mais ou menos 40 anos. A nossa amizade vem da equipe esportiva, fazia pentatlo militar como ele. Então, é aquela amizade que vem da época dos 25, 26 anos de idade, uma fase boa da vida. E ele continua a mesma coisa. Um sujeito voluntarioso, um cara corajoso, espontâneo. Dá as respostas na lata. Ele mostra o que pensa e todo mundo que está à volta tem que ajudar. Qualquer autoridade, os assessores têm obrigação de dizer a verdade. Você não precisa acertar 100%.
Mas o estilo voluntarioso, na política, não pode atrapalhar o relacionamento com o Congresso?
Acho que não. Fica mais fácil de conhecer. Difícil é lidar com uma pessoa que você não sabe o que ela está pensando. Ele é um sujeito simples.
No governo, o senhor acredita que ele deva manter esse estilo?
Ele nunca mudou. Mas também, com quase 30 anos de Congresso, sabe avaliar as coisas. Ele é intuitivo. Antes, se tinha o conceito de que, para ganhar a eleição, tinha que estar vinculado à grande mídia, tinha que ter um marqueteiro de renome. Ele percebeu rápido que era isso aqui (aponta para o celular). É percepção, não é estudo técnico. Tanto que as grandes redes de televisão e os próprios candidatos tradicionais acabaram ficando um pouco perdidas. A realidade era outra, então, a percepção na vida às vezes é mais importante que o conhecimento técnico.
Em que momento o senhor percebeu que ele ganharia a eleição?
Quando começou a campanha e a plataforma de Bolsonaro era a mesma da população, pedindo segurança e cansada de corrupção. Estamos há quantos anos vendo escândalos na primeira página todos os dias? Outra coisa: num país onde o salário mínimo é de R$ 954, você ter escândalo todo dia com uma perda de noção de valores, passando de mil para milhões e chegando a bilhão? Isso cansou. Estive na Coreia do Sul. A presidente deu informações privilegiadas para uma amiga e pegou 24 anos de prisão. E ninguém foi para a rua, para a frente do presídio. Em Israel, o primeiro-ministro pegou seis anos por 60 mil dólares. Aqui põe R$ 100 mil na cueca. O cidadão comum, que sofre o tempo todo, cansou.
Por que o Brasil chegou a esse ponto?
Governantes irresponsáveis e criminosos deram mau exemplo e, dali para baixo, o crime veio se espalhando. No Rio, onde estava o crime organizado? Todo mundo pensa no cara da boca da favela com o fuzil na mão. O crime organizado no Rio começava no Palácio da Guanabara, passava pelo Tribunal de Contas. Você tem o crime organizado armado e desarmado. Não pode quebrar galho. Tem que identificar bem a coisa. Então, você tem essa conduta errada, do comandante, do chefe que se espalha. O poder de irradiação é incrível. Outra coisa: a imprensa, ou nenhum segmento da sociedade, alertou para esse problema no Rio. Não se pode deixar chegar a esse ponto.
Qual a tolerância para corrupção?
Tem que ser zero. Não se pode ter tolerância para a corrupção, porque é crime. O sujeito pode fazer erro administrativo. O cara errou, comprou um equipamento ali, por exemplo, e se enganou. Mas roubar dinheiro e formar gangues dentro do serviço público, não pode. O crime de corrupção, por conceito, envolve necessariamente dinheiro público. Entre dois particulares, existem maus negócios. E é muito difícil roubar dinheiro público sozinho. Então, a corrupção é clássico de crime organizado. Ninguém junta R$ 51 milhões dentro de sua casa sem ter conivência de outros.
O senhor apontou essas “gangues dentro do serviço público” no Rio. E na área federal?
O Rio é mais emblemático. Mas existe escândalo na Petrobras, Correios, nos fundos de pensão, no Banco do Brasil, nos empréstimos para o exterior. Imagine se me dão R$ 60 bilhões e eu aplico tudo no Nordeste. Pega o dinheiro das Olimpíadas, por exemplo. As obras precisavam ser feitas, mas não por causa das Olimpíadas. A administração está em questão, não as obras. Pega os estádios...
Foi um erro ter feito Olimpíadas e Copa do Mundo?
Acho que foi. Eu gosto de futebol, sou fanático, só que o que se vê hoje em dia, num país com a necessidade e a desigualdade que nós temos, não se pode dar ao luxo disso. Na África do Sul, tem estádio abandonado. Aqui, a mesma coisa. Essas são arenas para qual tipo de espetáculo? Não são compensadoras em termos financeiros. Sem contar o 7x1 que tomamos em casa. Mas isso faz parte do jogo. Esse dinheiro tinha de ser aplicado corretamente em outros setores. Se pegasse todo o dinheiro que foi gasto na Copa do Mundo, colocasse no Nordeste... Você vê gente que junta 1m³ de lenha para vender por R$ 2. Em vez de mandar R$ 60 bilhões para Venezuela, para Cuba, por que não enfia esse dinheiro no Nordeste para resolver o problema do pessoal? O sacrifício hoje no Brasil tem que ser feito pelo pessoal que está em cima. O que eu preciso hoje? De nada. Só da minha saúde. Agora, o pessoal de baixo precisa ser resgatado de alguma forma.
E, diante dessas situações, as Forças Armadas precisam de atenção maior? Existe expectativa de mais investimentos...
É normal a expectativa de orçamento, de salário... Você tem problemas salariais também na parte militar, de obsolescência de equipamentos, de manutenção... O pessoal da Amazônia precisa de mais assistência. Agora, no geral, em termos de Brasil, o que um sujeito como eu está precisando agora? Só da minha saúde. Se não quiser dar aumento para mim, especificamente, não estou preocupado.
As corporações do serviço público capturaram o Estado?
Corporações e pessoas perderam a noção de igualdade. Você não pode ter uma disparidade social como nós temos. A pessoa que tem qualquer cultura tem que entender que não é só o problema dele que tem de ser resolvido. Nossa tarefa, inclusive da imprensa, é ajudar o pessoal de baixo. Transparência, colocar todo mundo na parede através da transparência. A democracia funciona pelo jogo de pressão, e a imprensa é fundamental. Ela não pode se omitir. O governo não pode deixar de mostrar a realidade. Completamente livre, tem que saber tudo que acontece, mas responsável. Agora, você não pode ter uma imprensa que divulga só sensacionalismo por questões de audiência e financeira. Não, tem uma responsabilidade moral também.
Como vai ser a relação com a imprensa no governo Bolsonaro?
Pelo que vi da campanha, a relação era tensa com a imprensa, mas não com toda ela. Parte específica perdeu essa conexão com a população, tanto que Bolsonaro saiu em vantagem e ganhou a eleição. Mesmo com uma grande parte de artistas mobilizados, com todos os slogans de acusações absurdas sem fatos, falando de homofobia, não sei o quê... A imprensa exagerou, perdeu um pouquinho da noção de realidade, os institutos de pesquisa divulgavam o que nem sempre ia acontecer. Da minha parte, é 100% liberdade. Pode perguntar o que quiser, e espero que o relacionamento seja o mais responsável possível. Só a publicidade das coisas é que traz transparência, tanto que critiquei que não houve mecanismo de alerta no Rio e na Petrobras. Esse mecanismo tem que ser a imprensa, do MP, dos órgãos de controle. Infelizmente, a imprensa não foi tão investigativa. Às vezes, está muito preocupada com o dia a dia.
Agora, na Lava-Jato, sim. Até mesmo o ministro Moro reconhece que, sem ajuda da imprensa...
Não tinha como... A matéria da Lava-Jato também era compensadora.
E havia muita transparência.
Isso é fundamental. E, da Lava-Jato, parece que foi (divulgado) só um pedacinho. Acho que a imprensa tem bastante campo para investigar.
Agora, outra área que também ficará sob a sua batuta: a liberação de verba publicitária. Que linha o senhor deve adotar?
Em primeiro lugar, a gente deve fazer uma revisão de toda a estrutura de comunicação governamental. Todo mundo sabe, por exemplo, o tamanho da EBC, isso aí tem que dar uma olhada para utilizar.
Então a EBC não será extinta?
Não tenho uma resposta para isso. Mas o que tem é que passar por uma boa revisão. Até onde a gente precisa, o que pode fazer através das redes privadas, o custo disso tudo. Isso tem que ser revisto. Agora, a política de relacionamento é completamente aberta. Tem que ver se a despesa é apropriada ou não. Se tem que fazer uma campanha de vacinação, tem que fazer uma campanha de vacinação. Não há saída. Se tem que divulgar ações governamentais, tudo bem. Sou contra ideologia.
Pensa em fazer alguma campanha sobre a Previdência?
Tem que ser feito. A reforma da Previdência é um assunto extremamente importante, mas tem que ser uma coisa, em primeiro lugar, com bom esclarecimento. Esclarecimento transparente, honesto, mostrando realmente as contas para que todo mundo entenda a matemática. Os cidadãos precisam entendê-la. Estamos gastando tanto, recolhendo tanto… A auditoria completa e transparente é necessária. Num país com uma desigualdade muito grande, você tem que saber quem vai pagar mais e menos e isso mexe com privilégios, com categorias e todo mundo, as corporações querem defender seus privilégios.
Os militares estão dispostos a ceder?
Eu não tenho números agora e não sei se os militares são o problema da Previdência. Tem o Judiciário, tem os militares, tem o funcionalismo público em geral. No funcionalismo público, alguns estão em legislação em antiga. Mais novos estão em outro regime. Não dá para falar só de funcionário público. Na reforma que houve em 2001 para os militares, por exemplo, houve muita modificação. O problema das filhas acabou e até hoje o pessoal fala. Há várias coisas para se resolver. Todo mundo vai ter que rever seus interesses. Tem gente que ultrapassa o teto, há o problema da idade. Em muitas categorias, há gente que se aposenta muito cedo. Estou com 66 anos e estou trabalhando. Até três anos atrás, estava na África carregando mochila e fuzil. Mas a média não é essa. Tem categorias muito sofridas. O serviço de polícia de rua, de agente penitenciário, é muito estressante e pesado. No geral, acho que aqueles que estão em melhores condições precisam ceder em favor daqueles menos beneficiados.
O Congresso será um problema?
Valorizo muito essa turma nova que está chegando. Vai ser uma boa composição: a turma experiente e a turma nova.
Quais as metas a partir de agora?
A família, mais uma vez, terá que entender que eu vou ter que sair cedo e voltar tarde. Na ONU, por quatro anos e nove meses, vinha em casa de dois em dois meses. Na parte profissional, a primeira coisa é consolidar essa estrutura. Estamos fazendo uma revisão no organograma. Uma relação de confiança com estados e municípios. Não interessa qual é o grupo social, ele tem que se sentir com liberdade.
O MST?
Sem problema nenhum. Isso faz parte da sociedade. Você se sente como uma porta de entrada para qualquer organização, como ONGs, gays, organismos internacionais, Fiesp, OAB, índios… A porta de entrada é aqui.
Existe uma preocupação de várias minorias de não serem recebidas.
Isso é um absurdo. Quem divulga isso é completamente fora da realidade. Somos pagos para isso. É obrigação receber todo mundo, a finalidade é essa.
A polarização política em determinadas declarações do presidente eleito não acabaram estimulando esse tipo de pensamento?
O estilo pode levar a estereótipos. E houve a exploração da campanha. Era a opção que tinha o outro lado (para atacar). Eles tinham muitas acusações de corrupção, desmando etc. E aqui, pegaram a homofobia, não gosta de mulher etc. Então, realmente, a polarização trouxe estereótipos. Mas não tem nada a ver.