general pazuello
Ricardo Noblat: Queiroga, o novo testa de ferro de Bolsonaro na Saúde
Os filhos zero ajudaram o pai a ganhar mais uma vez
Despenca o grau de segurança dos ministros e demais auxiliares de Jair Bolsonaro quanto à permanência de cada um deles no governo. E por uma simples razão: se você faz algo no cargo que desagrada a Bolsonaro, pode ser demitido a qualquer momento. Se você obedece a todas as ordens dele, arrisca-se a ser demitido.
Tem mais: se você cair na mira de fogo de alguns dos filhos zero do presidente, seu emprego não vale nada. Foi assim que Gustavo Bebianno, então ministro da Secretaria-Geral da presidência, acabou dispensado. Carlos Bolsonaro, o Zero Três, sentia ciúmes de sua aproximação excessiva com o pai. Daí…
Outro ministro, esse tido como poderoso porque amigo há mais de 40 anos de Bolsonaro, também desagradou a Carlos e dançou. O filho convenceu o pai de que o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria do Governo, conspirava para derrubá-lo. Valeu-se para isso de uma notícia falsa.
A insegurança dos que servem a Bolsonaro aumentou depois que ele demitiu o ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, cujo erro foi ter cumprido todas as vontades do presidente sem nem pestanejar. A ponto de humilhar-se certa vez ao dizer com um sorriso amarelo: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
Não bastou para Pazuello ter juízo. Ele foi obrigado a ceder o lugar a um cardiologista que nunca ocupou um cargo público e que deve sua indicação a Flávio Bolsonaro (Republicanos), conhecido como Zero Um e às voltas com a justiça desde que foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Pazuello caiu, pois, por excesso de obediência, além do fato de que o Centrão pediu a Bolsonaro a cabeça dele, e para manter a sua, o presidente entregou. Marcelo Queiroga será o quarto ministro da Saúde em pouco mais de um ano. Henrique Mandetta foi demitido porque não quis obedecer. Nelson Teich, pelo mesmo motivo.
Os filhos zero deram mais uma inegável demonstração de força junto ao pai quando pareciam enfraquecidos. Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, participou do interrogatório da médica Ludhmila Hajjar, cardiologista famosa, cujo nome era apoiado pelo Centrão, o presidente da Câmara e ministros do Supremo Tribunal.
Convocada a Brasília, ela compareceu pensando que se tratava de coisa séria. Estava disposta a aceitar o convite. Pediu autonomia para montar sua equipe e mais vacinas. Mas era uma farsa. Foi recebida por Bolsonaro, Eduardo e Pazuello, que admitiu estar de saída porque carecia de apoio político. Imaginem a cena…
Eduardo quis saber a opinião dela sobre aborto e armas para a população – Ludhmila espantou-se e desconversou. Bolsonaro foi logo dizendo que ela não poderia decretar lockdown no Nordeste para não “foder” a reeleição dele. Antes que o encontro terminasse, a médica já estava sendo achincalhada nas redes sociais.
De volta ao hotel, ficou sabendo que o número do seu celular havia sido divulgado em grupos de WhatsApp e que estava sendo ameaçada de morte. Ainda passou pelo susto de três tentativas frustradas de invasão do seu apartamento. No dia seguinte, procurou Bolsonaro, agradeceu o chamado e despediu-se.
Antes de embarcar para São Paulo, onde trabalha no Instituto do Coração, leu em sites que o ministro das Comunicações, Fábio Faria, negou que ela fora convidada para suceder Pazuello. Só então se deu conta da armadilha em que se deixou aprisionar. Decência é um atributo que falta à família presidencial brasileira.
Era previsível o desfecho do episódio. Bolsonaro nunca quis rever sua posição em relação ao combate à pandemia que, segundo Ludhmila, poderá matar de 500 mil a 600 mil pessoas. Está perto das 300 mil. É para que morram os que tiverem de morrer da “gripezinha” que, em dezembro, estava no seu “finalzinho”.
Então que venha Queiroga, um ilustre desconhecido, curtidor dos comentários do presidente e amigo da família. Boa sorte! Porque da próxima vez, como observa irritado um dos líderes do Centrão, não estará em foco a troca de mais um ministro da Saúde caso Queiroga fracasse, mas sim a troca do presidente da República.
A semente da violência política se espalha pelo país
O mau exemplo vem do alto
Um repórter do jornal O Estado de Minas foi agredido, ontem, em Belo Horizonte por manifestantes bolsonaristas que protestavam contra as medidas de isolamento, pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e defendiam a ditadura militar de 64.
O cardápio, pois, era o de sempre, apresentado há um ano em Brasília diante do Quartel-General do Exército com a presença do presidente Jair Bolsonaro. O Supremo abriu inquérito para apurar quem financia manifestações hostis à democracia.
Mas, como se vê, elas voltaram a se repetir, e, agora, com o emprego de violência contra jornalistas obrigados a cobri-las. O resultado da parceria de Bolsonaro com a Covid está deixando os bolsonaristas cada vez mais nervosos, e aí mora o perigo.
O governador João Doria registrou queixa na polícia contra os que o ameaçam de morte. Em vídeo gravado no último dia 13, em São Paulo, um homem dá tiros em alvos improvisados e chama Lula de “filho da puta”. Depois, vira-se para a câmera e vocifera:
“Presta atenção no recado que eu vou dar para você, seu vagabundo: se você não devolver os R$ 84 bilhões que você roubou do fundo de pensão dos trabalhadores, você vai ter problema, hein, cara? Você vai ter problema”.
A segurança de Lula será reforçada em breve. E os que no momento fazem parte dela receberão novos treinamentos. A direção nacional do PT pedirá a abertura de processo contra o homem do vídeo. Avisado, Doria tomará suas providências.
O governo federal não dá sinais de preocupação com nada disso. Pelo contrário: sempre que pode, como ocorreu na semana passada, Bolsonaro fala em Estado de Sítio, afirma que é muito fácil implantar uma ditadura no país e diz que o ditador seria ele.
Não levar a sério o que o presidente da República propaga nas redes sociais lembra o comportamento de milhões de brasileiros que apenas o viam como um candidato dado a falas exageradas. Não havia exagero. Era Bolsonaro em estado bruto tal como é.
Carlos Andreazza: O movimento pendular
Bolsonaro não muda. Não foi mudado pelo fator Lula; não em seu comportamento frente à peste. (Será matéria para outro artigo; mas, à sombra do ex-presidente, responderá sobretudo na economia, com uma derrama populista de dinheiros, com Guedes, com tudo, para financiar a reeleição e pagar o preço do Centrão, que subiu.)
Frente à pandemia, rara escada para a agitação reacionária, Bolsonaro será ainda mais radicalmente Bolsonaro; um mentiroso, investidor no sectarismo, que prospera no choque, mas que sabe se moldar — poucos alcançam distorcer a própria palavra como ele — ante a imposição do mundo real.
Irá assim até o final, aquele que disse nunca ter se referido à peste como “gripezinha”. Não nos iludamos com um baile de máscaras à tarde. A noite vem. E, ao ato que pareceu indicar moderação, logo corresponderá a forja de novos inimigos. E, do gesto que pareceu considerar uma médica séria para o Ministério da Saúde, logo emergirá a intenção de pazuellizá-la.
Bolsonaro é Bolsonaro. Não importa, pois, o futuro de Pazuello no governo, se fica ou cai; ministro da Saúde que nunca foi, cavalo — no sentido espiritual — para que Bolsonaro o fosse. Bolsonaro é. Outros pazuellos virão. Hajjar não topou. Haverá quem tope. E Bolsonaro continuará sendo.
O padrão está dado. Aqui e ali, quando já sem alternativa, cederá ao mundo real. Ou não terá sido ele a se sentar com a Pfizer depois de desqualificar por meses o laboratório? Ou não terá sido ele a comprar uma vacina, a CoronaVac, que tratara como inimiga e jurara jamais adquirir?
O mundo real se impõe, e ele se ajusta; a isso respondendo, sempre, com horror — normalmente com ataques à democracia liberal.
Bolsonaro opera em movimento pendular. De um lado, tocado pela imposição do mundo real, o vírus que o empareda, que depreda a economia, que fere a popularidade, de súbito se torna defensor da vacinação em massa — aquela contra a qual difundiu bárbara desconfiança. De outro, pressionado pela necessidade de dar satisfação — alimento — aos sectários que lhe compõem a base de apoio fundamental, incomodados ante seus contatos com a civilização, fabrica guerras. É como se equilibra. Bolsonaro se equilibra na instabilidade, na imprevisibilidade. O chão em que será competitivo.
Enquanto ousa se apregoar como alguém que sempre defendeu que a economia só teria condições de se reabilitar organicamente por meio de vacinação em massa (encaixou essa versão na semana passada, com Guedes, aquele que resolveria a pandemia com R$ 5 bilhões); enquanto frita Pazuello, cavalo que verteu em boi de piranha, o culpado por o Brasil não ter iniciado seu programa de imunização em 2020, noutra mão Bolsonaro balança o berço de seus fanáticos cultivando ameaças artificiais.
Já foi, repito, a vacinação em massa; com os bolsonaristas mobilizados contra uma imunização obrigatória que consistiria em invadirem nossas casas para nos cravarem agulhas ao braço. Hoje, o mais influente inimigo fantasioso é o lockdown; algo que nunca houve no Brasil, não até agora, mas contra o que o bolsonarismo luta a batalha definidora do futuro. Um lockdown imaginário; que, no entanto, transforma governantes em tiranos e justifica a constituição de milícias da resistência. Governadores e prefeitos legitimamente eleitos, que tomam medidas restritivas legais, vendidos, por Bolsonaro, como ditadores.
O presidente que vestiu máscara e que foi lido como alguém que se amansava ante à restituição dos direitos políticos de Lula sendo o que, no mesmo dia, pouco depois de falar das Forças Armadas e em como era fácil baixar uma ditadura no Brasil, afirmou ser aquele que teria como garantir nossa liberdade. Mais: o que se apresentou — em construção típica de um autocrata, o nosso Viktor Orbán — como “o garantidor da democracia”.
Começa assim. Com “o meu Exército”; e não tarda chega-se à “minha democracia”. Já chegamos a esta generosidade: “Eu sou a pessoa mais importante desse momento. Faço o que o povo quiser”. Que povo? É relevante considerar o sentido de povo para alguém como Bolsonaro; povo sendo aqueles que o apoiam — uma compreensão essencialmente totalitária. O povo sendo aquele que vai à porta da mãe de um governador para intimidá-la.
Veja-se a maneira altiva como suprime filtros republicanos: “Como é que eu posso resolver a situação? Eu tenho que ter apoio. Porque, se eu levantar a minha caneta e falar shazam, eu vou ser ditador”. Depreende-se que, amparado (pelo povo, segundo Bolsonaro), poderia agir como ditador sem ser ditador. É isso?
Claro que ele sabe o que é estado de sítio; mas precisa deturpar o toque de recolher — medida restritiva definida em lei — em ato discricionário, de modo a substanciar seu lockdown tirânico. É desinformação golpista.
Que também necessita — projetando um futuro caótico — gerar pânico nuns, soprar o apito para outros. “Invasão de supermercados. Fogo em ônibus. Greves. Piquetes.” Manifesta-se aquele que foi o maior entusiasta — um agente estimulador — da revolta dos caminhoneiros que parou o país em 2018. Alguém cuja pregação armamentista deixou de se deter à velha defesa da propriedade privada para se fundamentar numa ideia de resistência civil à opressão de governantes. Gravíssimo.
Eliane Cantanhêde: Médico sério defende o que Bolsonaro condena e condena o que ele defende. E Queiroga?
O novo ministro vai ter a altivez de Luiz Mandetta, Nelson Teich e Ludhmila Hajjar, ou vai replicar Pazuello e jogar a ciência para o alto?
A médica cardiologista Ludhmila Hajjar é o oposto do general da ativa Eduardo Pazuello e deixou a demissão dele do Ministério da Saúde ainda mais humilhante. Ela conhece profundamente a situação da pandemia e tem noção clara não só do que fazer, mas sobretudo do que não fazer. E ele? O homem errado, na hora errada, passando vexame. Mas a grande diferença entre os dois nem é essa. É que ela tem brios.
Ao ser chamada a Brasília pelo presidente Jair Bolsonaro, Hajjar já tinha estratégia, equipe e estava pronta para a guerra – diferentemente do general. “Mas foi só um sonho”, desabafou a doutora, depois do encontro com Bolsonaro. O mais surpreendente é que ela sabia exatamente o que o presidente pensa da pandemia, mas ele nem sabia com quem estava falando. Só aí soube que os dois são como azeite e água.
Bastava fazer uma busca na internet e ouvir umas poucas pessoas para Bolsonaro saber que Hajjar é contra cloroquina, despreza o tal “tratamento precoce”, segue a ciência, defende o isolamento social e as máscaras e é obcecada pelas vacinas – e pela vida. Ou seja: ela defende tudo o que ele condena e condena tudo o que ele defende. Por isso, é mais uma a virar alvo de ataques covardes da tropa bolsonarista.
Isso, aliás, combina à perfeição com a provocação que uma alta fonte do governo me fez na semana passada, quando ficou claro que Pazuello não duraria muito na Saúde: “Quem pôr no lugar? Desafio você a sugerir um médico respeitável, com credibilidade, que aceite assumir a Saúde numa hora dessas!”
Pura verdade. Qualquer médico sério pensa como Hajjar. Logo, Bolsonaro ficou entre um nome do Centrão ou um doutor pronto a seguir a máxima de Pazuello: “um manda, outro obedece”. Assim, o novo ministro, Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, está no foco. Vai ter a altivez de Luiz Mandetta, Nelson Teich e Ludhmila Hajjar, ou vai replicar Pazuello e jogar a ciência para o alto?
O País está em polvorosa, caminhando para 300 mil mortos, com governadores e prefeitos tontos, médicos e enfermeiros no limite, mas o que fez Bolsonaro mudar o ministro e o discurso não foi nada disso. Foi a entrada do ex-presidente Lula em cena. Era preciso um bode expiatório rápido. E um general da ativa é um bode expiatório e tanto.
Depois de fritado pelo presidente e três generais de Exército, inclusive o ministro da Defesa, Pazuello ainda divulgou que, ao contrário das versões palacianas, ele não estava doente, não tinha pedido demissão e não tinha sido demitido. E, ontem, disse que 15% dos grupos prioritários estarão vacinados em março e 88% em abril. Convém guardar esses números, porque uma das marcas do general é fazer previsões que não se confirmam, nem de datas, nem de doses, nem de contratos, nem de testes...
E ele se “esqueceu” de dizer que, se 10 milhões de brasileiros foram vacinados até agora, é graças ao governador João Doria (SP), ao Butantan, ao laboratório Sinovac e à Coronavac, atacada como “aquela vacina chinesa do Doria”, quando Bolsonaro bateu no peito, disse que ele é que mandava e cancelou a compra de 46 milhões de doses que Pazuello anunciara.
Se dependesse de Bolsonaro, os brasileiros nem estariam se vacinando até agora, quando estão morrendo sem direito a UTI, dignidade, humanidade. É por isso, aliás, que a gestão da pandemia no Brasil foi parar na Conselho de Direitos Humanos da ONU, sofre investigações do STF, do TCU e do Ministério Público e pode virar alvo do Congresso.
Caso a CPI seja instalada, não há gabinete do ódio, carreatas e fake news que possam apagar todas as monstruosidades de Bolsonaro a favor do vírus, contra a vida. A dúvida é como Queiroga vai lidar com isso. E com a realidade.
Merval Pereira: Catch-22
A escolha do substituto do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde é uma situação típica de Catch-22, expressão muito usada nos países de língua inglesa, especialmente nos Estados Unidos, oriunda de uma lei militar. Dá nome a um livro de Joseph Heller, “Ardil-22” na versão brasileira, que se passa no final da Segunda Guerra Mundial. Segundo o dicionário, caracteriza um problema cuja solução é negada por uma circunstância inerente ao próprio problema. No livro, o piloto que pede uma avaliação psicológica para escapar de missões perigosas de bombardeios estará mostrando sua sensatez e será considerado apto às mesmas missões perigosas.
É preciso mudar a política sanitária devido à repulsa provocada na população, fazendo cair a popularidade do presidente Bolsonaro. Mas como mudar a política sanitária, se o responsável por ela, o próprio presidente, não mudou a maneira de pensar em relação ao distanciamento social, ao uso da máscara ou à vacinação?
Se Bolsonaro escolhesse uma médica como Ludhmila Hajjar, estaria admitindo uma mudança de comportamento. Como não é esse o caso, a indicada pelo Centrão desistiu, incentivada por uma brutal guerrilha digital bolsonarista. O presidente Bolsonaro sempre alega que seus seguidores nas redes sociais são autônomos, não obedecem às suas ordens, o que é meia verdade. Veja-se a atuação do gabinete do ódio de dentro do Palácio do Planalto.
A solução seria escolher uma pessoa ligada a ele, que pensasse como ele, como o novo ministro escolhido, Marcelo Queiroga. Mas, para isso, por que demitir o general Pazuello, que já se humilhou publicamente afirmando, sem que lhe perguntassem, que “um manda, e o outro obedece”? O Centrão, por sua vez, também se encontra numa situação de Catch-22.
Indicou a médica rejeitada pelos bolsonaristas, tendo a demonstração clara de que seu peso político não decide tudo no governo Bolsonaro. Mas como continuar apoiando um presidente que os leva para o precipício da impopularidade, ainda mais agora que outro candidato forte se apresenta, o ex-presidente Lula, a quem já serviram com grandes vantagens? Mas, também, abrir mão das benesses do governo assim, de graça?
Típica situação de Catch-22 é a do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que, vendo que seria derrotado na Segunda Turma no julgamento da suspeição do então juiz Sergio Moro, resolveu chutar o pau da barraca e anulou quatro processos contra o ex-presidente Lula, mandando-os para a Justiça Federal de Brasília.
Como a solução de um problema Catch-22 será sempre negada pelo próprio problema, num conflito mútuo, Fachin pode perder tudo, não salvar a Lava-Jato, que parece ter sido sua motivação para ir para tudo ou nada. Salvar a Lava-Jato anulando as condenações do ex-presidente Lula é uma contradição em termos, pois ele era um símbolo do sucesso da operação de combate à corrupção.
Claro que anular os processos não significa dá-lo por inocente, mas, para efeitos políticos, Lula livre dá no mesmo. Fachin só poderá se livrar desse efeito Catch-22 se o Supremo, mais uma vez, decidir não decidir. O ministro Nunes Marques, que pediu vista do processo, pode ficar eternamente com ele, como o próprio presidente da Segunda Turma, ministro Gilmar Mendes, ficou dois anos até anunciá-lo na reunião da semana passada.
Se fizer isso, é sinal de que tem as costas quentes. Quem lhe esquenta as costas, o presidente Bolsonaro, também nesse caso se encontra numa situação de Catch-22. Para se vingar de Moro, seu inimigo mortal e talvez competidor em 2022, tem que aceitar a liberação de Lula, outro forte candidato contra Bolsonaro. Para se livrar de Lula, precisa que o plenário vote contra Fachin e que Nunes Marques segure o processo de suspeição até que o prazo para registrar candidaturas se esgote. Agindo assim, estará fortalecendo Moro. Difícil combinação, como é difícil, se não impossível, escapar do Catch-22.
Como todo brasileiro, terá que escolher a opção menos ruim para ele. Não foi assim que chegou à Presidência da República, nos colocando, a nós, brasileiros, numa situação de Catch-22? Para melhorar o país, só trocando o presidente. Mas trocar o presidente pode nos levar a uma convulsão social. Melhor deixá-lo sangrar até 2022. Lembram-se de Lula no mensalão?
Hélio Schwartsman: O general Pazuello e a minha vó
No Brasil, a autoridade sanitária repete as crenças (erradas) de minha avó
Custou-me acreditar no que li. Pessoas estão morrendo asfixiadas em Manaus por falta de oxigênio nos hospitais, e o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, atribuiu o colapso do sistema de saúde manauara ao aumento da umidade e ao fato de médicos locais não prescreverem "tratamento precoce".
O general dificilmente poderia estar mais errado. Ecoando as recomendações de minha avó, ele acha que o problema é as pessoas saírem na chuva e não tomarem cloroquina. No mundo real, é o clima seco, e não o úmido, que favorece as infecções respiratórias, e, apesar de a cloroquina já ter sido esquadrinhada por cientistas, nenhum estudo de qualidade demonstrou que ela tenha efeito importante contra a Covid-19.
A explicação científica mais geral para o caos em Manaus está na curva exponencial. Epidemias se caracterizam justamente por concentrar muitos casos num intervalo curto de tempo. Sem medidas de contenção, um vírus pode entrar em propagação exponencial e saturar rapidamente até os mais robustos sistemas de saúde.
O problema de Manaus, que não é diferente do de várias outras cidades, é que, apesar dos alertas dos especialistas, as pessoas relaxaram nas medidas de segurança. Cansaram das privações sociais, aposentaram máscaras, viajaram e celebraram a chegada do novo ano em populosas confraternizações. Em Manaus, ainda se aglomeraram para protestar contra as regras de distanciamento que o governo queria impor.
Redes de saúde pequenas como a do Amazonas e de Rondônia são as primeiras a colapsar, mas não há motivo para que grandes centros não enfrentem dificuldades parecidas, especialmente se estivermos lidando com mutações que geraram cepas virais mais infecciosas, como parece plausível.
Atentas a essa terrível possibilidade, autoridades sanitárias europeias estão endurecendo as restrições. No Brasil, a autoridade sanitária repete as crenças (erradas) de minha avó.
Elio Gaspari: De Marechal.Bittencourt para Pazuello: 'Vosmicê está sendo frito'
O senhor está numa situação rara nos anais militares, responde a um comando confuso e a um Estado-Maior inerte
Estimado general Eduardo Pazuello
O senhor sabe que sou o patrono da arma da Intendência, mas só alguns oficiais lembram quem fui. Menos gente recorda que sou o único marechal do nosso Exército que morreu literalmente defendendo o poder civil.
Na tarde de 4 de novembro de 1897 acompanhei o presidente Prudente de Moraes ao desfile da tropa que voltava vitoriosa de Canudos. Um anspeçada avançou com uma garrucha, ela falhou e ele avançou com uma faca contra Sua Excelência. Interpus-me, embolamo-nos e ele me feriu no peito, na virilha e numa das mãos. Morri pouco depois.
O lugar onde caí, em frente ao Arsenal de Guerra, que hoje é o Museu Histórico Nacional, foi demarcado com uma placa de bronze e dois mourões. Puseram um busto meu do outro lado da rua e minhas luvas ensanguentadas ficavam numa vitrine do museu.
O busto saiu de lá, os mourões foram derrubados e hoje a placa fica embaixo dos chassis dos carros que lá estacionam. O Exército pouco fala do meu gesto. Marechal-ministro que morre defendendo um presidente civil é coisa esquisita. Afinal de contas, desde 1897, generais depuseram três presidentes. A memória das gentes é bastante seletiva.
Deixemos de velharias, general Pazuello. Escrevo-lhe para dizer que vosmicê está sendo frito, como se diz hoje. Consigo fritam-se os militares. O senhor substituiu dois médicos e levou pelo menos 20 oficiais para o Ministério da Saúde. No dia da sua posse os mortos da pandemia eram 15 mil. Hoje passaram dos 170 mil. Nossa Arma não tem parte nisso, mas fomos metidos na fabricação de cloroquina e acompanhamos um negacionismo irracional. A máquina da administração civil estoca testes que arriscam perder a validade dentro das caixas.
Seu comandante já disse que a pandemia talvez seja “a missão mais importante de nossa geração”. Que seja.
Conheci os casacas dos primeiros anos da República. Quando disseram que eu era o “Marechal de Ouro”, queriam contrapor-me ao Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro”, com que me dou muito bem. Os casacas não mudam e digo-lhe que muitos colegas nossos, deixando o serviço ativo, encasaqueiam-se.
Não me cabe dizer como, mas digo-lhe que deve impedir o prosseguimento de sua fritura. Na semana passada o mundo bateu o recorde de mortes provocadas pela pandemia. Vem aí o desafio logístico da aplicação de uma vacina. Não vislumbro um dedo de racionalidade no planejamento dessa operação.
O senhor está numa situação rara nos anais militares. Responde a um comando confuso, a um Estado-Maior inerte e tem que aguentar fogos inimigos e dos amigos.
Na Revolta da Vacina de 1904, na qual meteram-se alguns generais atraídos pelos casacas, o presidente da República deu mão forte ao doutor Oswaldo Cruz. Rodrigues Alves engrandeceu a medicina brasileira apoiando seu colaborador. Vossa fritura não tem motivo para apequenar nossa arma.
Outro dia estive com meu colega Cordeiro de Farias. Ele me contou o que disse ao presidente Castello Branco quando ele decidiu aceitar a candidatura do marechal Costa e Silva à Presidência: “Não quero ter parte nisso” (A frase só foi conhecida décadas depois).
Atenciosamente, do seu companheiro de Arma
Marechal Carlos Machado Bittencourt
O holofotismo de Lewandowski ao dar prazo para um plano de vacinação
O ministro do STF não disse qual vacina será aplicada e não explicou o que o tribunal tem a ver com uma atribuição do Poder Executivo.
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, deu 30 dias de prazo ao governo para apresentar um plano de vacinação contra a Covid.
Não disse, nem poderia dizer, qual vacina será aplicada. Também não disse como. Não explicou o que o tribunal tem a ver com uma atribuição do Poder Executivo.
Lewandowski se zangaria se um cabo lotado no Planalto desse 30 dias de prazo aos ministros do Supremo para conceder ou negar uma liminar a quem a pede.
Em 2014 o ministro era um campeão de rapidez nesse quesito (17 dias). Um colega seu demorava 74 dias para fazer o mesmo serviço.
LORD MARADONA
Já se disse tudo sobre Maradona. Resta o seu momento de cavalheirismo. Depois de ter feito um dos maiores gols da história do futebol, driblando cinco ingleses numa corrida de dez segundos e 55 metros, ele homenageou suas vítimas: “Eu duvido que conseguisse a mesma coisa jogando contra outro time. Eles teriam me derrubado”.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e tornou-se um admirador do prefeito Bruno Covas porque ele disse que “coloco minha mão no fogo” pelo seu vice, Ricardo Nunes. O cretino viu em Covas um corajoso altruísta. Afinal, coloca as próprias mãos no fogo, não as dos outros.
Negacionismo do governo tomou conta da cabeça de Paulo Guedes
Enquanto Bolsonaro diz que a segunda onda é conversinha, ministro vai adiante: a evidência empírica é que a doença diminuiu
Em março, quando a pandemia ainda não havia matado gente no Brasil, o ministro da Economia, doutor Paulo Guedes, disse que os dados que lhe chegavam eram “alarmantes”. Em poucos dias coordenou uma bem sucedida operação de resgate dos “invisíveis” com o auxílio emergencial.
Passaram-se os meses e o negacionismo do governo tomou conta da cabeça do economista. Enquanto Bolsonaro diz que a segunda onda é “conversinha”, ele vai adiante: “A evidência empírica é que a doença diminuiu”.
No dia em que ele disse isso a média móvel de mortes estava em 496. No início do mês era de 420.
Pode ser que não haja segunda onda, mas diminuindo a doença não está.
BANCO CENTRAL
O projeto de autonomia do Banco Central subiu no telhado da atual legislatura da Câmara dos Deputados.
MANICÔMIO
Se alguém dissesse que um dia o governo brasileiro arrumaria uma encrenca com o seu maior parceiro comercial, passaria por doido. Se esse maluco dissesse que a retórica do confronto seria alimentada por teorias da conspiração, seria internado.
Os Bolsonaro acreditam que o atual embaixador da China está no Brasil para derrubar o capitão. Ele mesmo disse isso ao ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. Nas suas palavras, no livro “Um Paciente Chamado Brasil”, reproduzindo uma conversa que teve com o capitão em abril:
“Ele acreditava na teoria de que a China tinha inventado a pandemia, de que o embaixador chinês estava aqui para derrubá-lo e que esse mesmo embaixador havia sido o promotor dos protestos de rua em 2019 no Chile contra o presidente Sebastián Piñera, e tinha trabalhado para que o Mauricio Macri perdesse a eleição na Argentina. O embaixador chinês era um agente para desestabilizar a direita na América do Sul e promover a volta da esquerda, e ninguém tirava isso da cabeça dele. O coronavírus era parte do plano”.
Esse estado de espírito disseminou-se no entorno do Planalto e o tenente-coronel indicado para uma diretoria da Agência de Vigilância Sanitária já curtiu uma mensagem na qual um empresário chamava o governador João Doria de “China boy”.
Para complicar o quadro, o embaixador Yang Wanming é um diplomata barulhento e arrogante que subscreve notas redigidas em péssimo português.