general pazuello
Ricardo Noblat: Depoimento de Wajngarten à CPI irrita Ramos e assusta Pazuello
É tal a irritação do general Luiz Eduardo Ramos, chefe da Casa Civil, com o publicitário Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo, que a ele só se refere como “idiota, imbecil”. Mesmo assim, quando de bom humor. De mal então…
Ramos não perdoa o ex-secretário por ter concedido uma barulhenta entrevista à VEJA onde criticou o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, e quis parecer mais importante do que foi no combate à pandemia da Covid-19.
O comando da CPI que investiga os erros do governo está convencido de que Wajngarten quis faturar alguns milhões de reais como lobista da vacina da Pfizer. É justamente por isso que o convocou para depor nesta quarta-feira.
Poderá pedir a quebra dos seus sigilos bancário e telefônico para comprovar as denúncias que recebeu. De sua parte, Pazuello está certo de que o depoimento do ex-secretário servirá para complicar ainda mais sua situação, deixando o governo de fora.
Lula volta a São Paulo preocupado com a fraqueza de Bolsonaro
O ex-presidente aproveitou a visita a Brasília para dizer aos companheiros que é preferível Bolsonaro na situação em que está a ele no chão
Lula aproveitou a visita de três dias que fez a Brasília para manifestar a interlocutores sua preocupação com o mau estado da saúde política do presidente Jair Bolsonaro. Voltou a São Paulo com a certeza de que ela inspira cuidados, inclusive da parte da oposição ao governo. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
A oposição, PT na cabeça, deve continuar batendo em Bolsonaro, mas não a ponto de inviabilizá-lo como adversário a ser batido nas eleições do ano que vem. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid-19, sabe disso e compartilha a opinião de Lula. Devagar com o andor para que o santo não caia.
Tem lembrado Lula que Bolsonaro radicaliza o discurso sempre que se vê ameaçado, e assim procede desde o início do governo. É para manter refém os bolsonaristas de raiz. Acontece que isso não o salvou de perder o apoio de devotos que lhe pareciam os mais confiáveis. E é aí que o bicho pode pegar a oposição.
A ela não deve interessar que Bolsonaro se enfraqueça e corra o risco de ficar de fora do segundo turno da eleição, dando passagem desde já a um nome, ou a mais de um, do que se convencionou chamar de terceira via, um candidato capaz de apresentar-se como alternativa a Bolsonaro e a Lula. Isso seria o pior dos mundos.
Lula está convencido de que tem lugar assegurado no segundo turno. Concordam com ele Bolsonaro, seus ministros, e líderes de partidos fechados com o governo até aqui. Mas Lula quer Bolsonaro no ringue para com ele trocar socos. Nada, pois, de apeá-lo do poder. Melhor mantê-lo de pé, sangrando
A opção pelo “deixa ele sangrar” foi escolha da oposição ao governo de Lula no segundo semestre de 2015 quando estourou o escândalo do mensalão do PT – a compra de votos de deputados para que aprovassem projetos despachados ao Congresso pelo Palácio do Planalto. O tiro saiu pela culatra, matando a oposição.
Era o PSDB quem a comandava. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-ministro da Saúde José Serra e outras estrelas do partido concluíram que um Lula vulnerável, a ter que se explicar, seria melhor do que um Lula vítima de um processo de impeachment, ovelha golpeada pelas elites perversas.
Houve um momento em que Lula quase se rendeu. Num sábado de porre na Granja do Torto, uma das residências oficiais do presidente, Lula admitiu renunciar. Foi demovido da ideia pelos companheiros – um deles José Dirceu, chefe da Casa Civil, que estava em São Paulo e teve que voar às pressas a Brasília.
A economia ia bem, obrigado. Lula aproveitou a trégua que a oposição lhe deu para recuperar-se. No primeiro turno da eleição de 2016, derrotou Geraldo Alckmin (PSDB) por uma margem pequena de votos. No segundo turno, Alckmin cometeu o prodígio de ter menos votos do que no primeiro. Nunca se viu nada igual.
A economia, hoje, voa baixo como as galinhas. O desemprego está em alta. As reformas do Estado empacaram. A pandemia com quase meio milhão de mortos tão cedo sairá da memória dos brasileiros. Lula conta com tudo isso para vencer, mas também com Bolsonaro. Estará errado no seu cálculo? A ver.
Fonte:
Metrópoles
Hélio Schwartsman: Pazuello, covarde ou herói?
O general Pazuello fugiu do depoimento que daria à CPI da Covid. Isso é fato. Resta determinar se o fez por covardia ou bravura. É claro que estou sendo irônico, mas menos do que o leitor imagina. A relação entre covardia e bravura é irredutivelmente paradoxal.
O guerreiro que nada teme não faz nada de extraordinário quando enfrenta a morte no campo de batalha. Para que sua atitude tenha algo de heroico, é preciso que ele tenha medo, se não de perder a vida, dos chamados destinos piores que a morte, como viver em desonra ou ver seus familiares e compatriotas reduzidos à escravidão. E basta admitir que o medo é indissociável da bravura para gerar situações contraditórias.
Gosto de uma observação do marechal Georgi Jukov: “No Exército Vermelho, é preciso ser muito valente para ser covarde”. É que os soviéticos punham em campo as temíveis companhias penais, que fuzilavam imediatamente qualquer soldado que parecesse recuar. Estima-se que centenas de milhares tenham sido mortos por esses pelotões.
Num exemplo mais literário e mais doméstico, Gonçalves Dias cria um I-Juca Pirama tão valente que não teme passar por covarde para cumprir suas obrigações filiais, sendo rejeitado até mesmo pelo pai pelo qual sacrificara a honra aparente.
Em qual contexto a fuga de Pazuello da CPI poderia ser interpretada como um ato de bravura? Lealdade. O general é tão leal ao comandante em chefe que não hesita em passar por covarde para protegê-lo. O fato de Pazuello ser um militar, carreira em que a covardia é o pior anátema que pode ser pespegado a alguém, torna seu sacrifício ainda mais trágico.
Só o que impede o general de ter seu destino imortalizado em versos são as motivações do chefe. Elas são tão mesquinhas que apequenam qualquer heroísmo. Se Pazuello não é covarde por ter fugido da CPI, o é por não ter denunciado os crimes de Bolsonaro.
Fonte:
O Globo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/05/pazuello-covarde-ou-heroi.shtml
Demétrio Magnoli: O general que obedecia
“Um manda, outro obedece”. Eduardo Pazuello, o general que logo sentará na cadeira de testemunhas da CPI da Covid, carrega um álibi no bolso, mas pensará duas vezes antes de invocá-lo. A alegação permitiria à CPI saltar as etapas intermediárias, girando seus holofotes diretamente para a suposta fonte das ordens, que é Bolsonaro. Além disso, como revela a história argentina, não seria capaz de livrá-lo da responsabilidade por seus próprios atos.
Sob pressão militar, Raúl Alfonsín, o primeiro presidente da redemocratização argentina, anunciou em março de 1987 a edição de uma lei destinada a interromper inúmeros processos por crimes contra a humanidade. A Lei de Obediência Devida foi antecipada pela sublevação dos “carapintadas”, comandada por um tenente-coronel condecorado na Guerra das Malvinas, na Escola de Infantaria do Campo de Mayo, durante a Semana Santa. Promulgada em junho de 1987, tornou inimputáveis cerca de 500 oficiais indiciados por torturas, “desaparecimentos” e assassinatos durante a ditadura militar.
A lei erguia-se sobre o reconhecimento de que as Forças Armadas operam com base na regra da “obediência devida” —ou seja, os subordinados na cadeia de comando cumprem “atos de serviço”. Contudo, mesmo cedendo à chantagem dos quartéis para estabilizar uma jovem democracia acuada, o presidente eleito introduziu uma cláusula limitante: o benefício da impunidade só seria concedido a oficiais com patentes inferiores a coronel. Pazuello teria que responder por suas ações e omissões até na Argentina abalada pelos motins militares.
O conceito de obediência devida sustentou a defesa do nazista Adolf Eichmann no célebre julgamento em Jerusalém, em 1961. Seu advogado, Robert Servatius, declarou que o coronel da SS responsável pela deportação dos judeus aos campos de extermínio era “culpado diante de Deus, não diante da lei”. Na Argentina, a Lei de Obediência Devida foi derrogada pelo Congresso em 1998 e declarada inconstitucional pela Corte Suprema em 2005. Crimes contra a humanidade não são passíveis de anistia, decidiram os juízes.
Pazuello não cometeu crimes contra a humanidade, mas crimes potenciais contra a saúde pública que se estendem da postergação da compra de vacinas à divulgação de falsos tratamentos milagrosos contra a Covid-19, passando pela distribuição de cloroquina a hospitais de Manaus carentes de oxigênio. Nem assim, porém, o álibi dos “atos de serviço” pode ser admitido na CPI.
O general obediente permaneceu na ativa quando assumiu o cargo de ministro da Saúde, borrando um pouco mais a fronteira democrática que separa as Forças Armadas do governo. Sua deliberação pessoal, contudo, em nada altera o fato institucional de que ministros são auxiliares políticos do presidente, não subordinados numa hierarquia militar. Diante dos senadores da CPI, deporá um político fantasiado em uniforme militar, não um oficial sujeito à cadeia de comando castrense.
Eichmann e os oficiais argentinos estavam submetidos a ordens superiores. Entretanto, não agiam automaticamente, à moda de robôs: cotejavam, numa balança invisível, o peso das hipotéticas punições por desobediência contra os imperativos das suas consciências. Como explicou Kant, eles continuavam a dispor de autonomia e decidiram cumprir ordens abomináveis. Seus crimes resultaram de obediência consentida, não de obediência devida.
Pazuello, como eles, mas encarando consequências muito menores, poderia ter dito “não”.
Alfonsín concedeu bastante, até um certo limite. No Processo das Juntas, em 1985, os chefes militares que emitiram as ordens da “guerra suja” foram sentenciados e encarcerados. A CPI tem o dever de analisar as responsabilidades pessoais do general que obedecia, mas não tem o direito de usá-lo como bode expiatório, fingindo que ninguém emitia as ordens desastrosas.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2021/04/o-general-que-obedecia.shtml
Ricardo Noblat: O preço a ser pago por uma “boquinha” para o general Pazuello
O país pode esperar. O vírus agradece
Pois não foi que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária se esqueceu de passar no último sábado o e-mail que convocaria para o dia seguinte uma reunião sobre a falta de remédios necessários à intubação de pacientes vítimas da Covid-19?
Situação insólita, assim os mais tolerantes a definiriam. Quer algo mais insólito do que o país estar sem ministro da Saúde há 8 dias apesar de Bolsonaro ter anunciado a demissão do general Eduardo Pazuello e a entrada do médico Marcelo Queiroga?
A demissão não havia sido publicada até ontem no Diário Oficial, tampouco a nomeação do novo ministro. Oficialmente, Pazuello continua ministro da Saúde, à espera de ser substituído por Queiroga. Enquanto isso, o ministério parou.
É concebível que tal coisa aconteça em meio a uma pandemia que se aproxima do número de 300 mil mortos em menos de um ano? Pior: em meio a uma pandemia que se agrava, superando os picos que alcançou no ano passado? Neste governo, tudo é possível.
O presidente da República procura um novo cargo para oferecer ao general. Um cargo que lhe assegure foro especial para só ser processado pelo Supremo Tribunal Federal. Entregue ao sol e à chuva é que Pazuello não ficará para evitar o risco de ser preso.
Quem sabe, o presidente não cria um novo ministério só para abrigá-lo. Está pensando nisso, mas não é tão simples. Pode não ser um novo ministério com pesada carga de obrigações. Pazuello tem dificuldade de encarar várias tarefas ao mesmo tempo.
Se não der, talvez dê para alocar o general em algum cargo no exterior, como se fez com Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação, promovido a diretor do Banco Mundial. Ele também fugiu do país para escapar de processos. Agora, ganha em dólares.
De alguma maneira, a demora na troca está sendo providencial para Queiroga. Os órgãos de inteligência do governo se esqueceram de pesquisar a fundo a vida do futuro ministro da Saúde, e ignoravam que ele era sócio de empresas na área médica.
Deve andar ocupado em transferir para terceiros sua parte nos negócios. O Ministério da Saúde pode ficar inativo enquanto tudo isso se resolve. Afinal, não é para morrer os que tiverem de morrer, como disse mais de uma vez o presidente da República?
Então não fará tanta diferença assim. Bolsonaro providenciou mais uma distração para que o tempo corra e o vírus avance: amanhã, reunirá os presidentes dos demais poderes da República e anunciará um pacto nacional de combate à pandemia.
Seria conveniente que desta vez não se esquecesse de transmitir o e-mail de convocação do encontro.
Vaidade, o pecado favorito do diabo e de Paulo Guedes
Ruim com ele, talvez pior sem...
Ao fundo, ouve-se a voz baixinha de Paulo Guedes, ministro da Economia, o ex-Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro: ”Sou a favor das vacinas. Quero me vacinar”. Como se isso o fortalecesse, de um lado, junto ao chamado mercado financeiro que acreditou em suas promessas não realizadas até aqui, e do outro, junto à maioria dos brasileiros que reprovam o governo do qual ele faz parte.
Tem uma cena memorável do filme “Advogado do Diabo”, estrelado por Al Pacino, que conta a história do diabo na pele de um bem-sucedido advogado de Nova Iorque. Depois de possuir e de perder a alma de um talentoso colega do interior, atraído por ele para defender suas causas, o diabo a recupera no final e comenta com malícia: “Ah, a vaidade, o meu pecado favorito”.
É o pecado da vaidade que justifica a permanência de Guedes no governo. Se estivesse no mercado, ganhando muito dinheiro como sempre fez por obra e graça do seu talento, sua posição seria mais confortável. Quem sabe não teria subscrito a carta de mais de 1.500 nomes de peso do país, entre empresários e economistas, que pedem ao governo mais vacina e mais respeito pelo Brasil.
Nada, na carta, contraria o que Guedes pensa. Em conversas reservadas a respeito, ele mesmo admite. Mas o ministro sofre do complexo de inferioridade de nunca ter sido chamado a servir aos governos passados, nem reconhecido por seus pares como acha que merecia. Criticou todos os planos econômicos que sem sua rubrica deram certo ou errado. O seu, sem dúvida, seria melhor.
Bolsonaro representou para Guedes a oportunidade de fazer parte da elite dos economistas do país e de poder pôr em prática suas ideias – mas aí deu ruim. O candidato não precisava de um iluminado para introduzi-lo no complexo e traiçoeiro mundo da economia. Bastava que fosse seu avalista junto aos donos do dinheiro. Uma vez eleito, Bolsonaro, tem feito o que quer.
Por que mesmo assim Guedes não pede para ir embora? Ah, a vaidade, o pecado favorito do diabo e dos homens que ele seduz! Ir embora para quê? Para que digam que fracassou? Guedes prefere dizer que sem ele a situação seria pior. O mercado começa a achar que talvez não fosse bem assim. Só ainda não o abandonou, nem a Bolsonaro, por medo da eventual volta de Lula ao poder.
Mas – quem sabe? -, Bolsonaro não se reelege? Quem sabe não se deixa governar por Guedes no segundo mandato? Vai que o país se recupere e que Bolsonaro faça seu sucessor… Lula não se elegeu, reelegeu-se, elegeu e reelegeu Dilma? É verdade que ela foi derrubada. Mas nem sempre a história se repete. Guedes, vacinado, vai recobrar o ânimo, acredite. Quanto às reformas…
Elas podem esperar.
Queiroga: 'Ministro executa a política do governo', diz sobre 'continuidade' na Saúde
O médico afirmou que não tem 'avaliação' sobre a gestão do general Eduardo Pazuello, nem 'vara de condão' para resolver os problemas da saúde nacional
Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo16 de março de 2021 | 11h12 SAIBA MAIS
BRASÍLIA - Escolhido para ser o quarto ministro da Saúde em plena pandemia, o cardiologista Marcelo Queiroga disse nesta terça-feira, 16, que dará continuidade ao trabalho até agora executado na pasta. "A política é do governo Bolsonaro, não do ministro da Saúde. O ministro executa a política do governo", disse Queiroga.
O médico afirmou que não tem "avaliação" sobre a gestão do general Eduardo Pazuello, nem "vara de condão" para resolver os problemas da saúde nacional. "O ministro Pazuello tem trabalhado arduamente para melhorar as condições sanitárias do Brasil. Eu fui convocado pelo presidente Bolsonaro para dar continuidade a este trabalho e conseguirmos vencer essa crise na saúde pública brasileira", disse Queiroga ao chegar na sede da Saúde para a sua primeira reunião de trabalho.
O cardiologista foi escolhido na segunda-feira, 15, pelo presidente Jair Bolsonaro ao ministério, após desgaste de Pazuello no cargo. Queiroga reúne-se nesta manhã com o general e sua equipe para tratar da transição de gestões. "Não vim aqui para avaliar a gestão Pazuello. Vim aqui para trabalhar pelo Brasil. Juntamente com o general Pazuello e com outros ministros do governo. O Presidente está muito preocupado com essa situação", disse Queiroga.
Apesar de já ter manifestado rejeição a bandeiras do governo Bolsonaro, como o uso da cloroquina, medicamento ineficaz para covid-19, Queiroga não deve realizar mudanças bruscas na pasta. Ao chegar na sede da Saúde, ele afirmou que o País precisa de "união nacional" para vencer a crise sanitária. "Não tenho vara de condão", disse o médico.
Queiroga disse que as suas posições sobre temas como distanciamento social "são públicas". Ele usou máscara e pediu que os jornalistas não se aglomerem durante as entrevistas. O novo ministro disse que daria novas declarações após a reunião com Pazuello.
O novo ministro deve acompanhar Pazuello em agendas da Saúde nesta semana. Ambos devem participar de reunião na Câmara dos Deputados, na quarta-feira, 17, e de entrega de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca, envasadas na Fiocruz, em cerimônia no Rio de Janeiro, na mesma data. Pazuello deixou a sua equipe à disposição de Queiroga para a transição na saúde, que deve durar até duas semanas, conforme o presidente Bolsonaro disse na segunda-feira.
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Alon Feuerwerker: Com firma reconhecida
Documento oficial do governo americano informa que os Estados Unidos atuaram (ainda atuam?) junto ao Brasil para evitar que usássemos (usemos?) vacinas russas contra a Covid-19 (leia). Aparentemente, essa pressão tem sido feita sem a oferta de contrapartidas. Por exemplo, os americanos poderiam oferecer-nos vacinas deles em lugar das do concorrente geopolítico.
Pressões desse tipo são esperadas num ambiente global de acirramento das disputas. A principal hoje é entre os Estados Unidos e a China, mas a polarização entre americanos e russos também vai adquirindo desenhos assemelhados aos da Guerra Fria, que durou do pós-2a. Guerra até o colapso e a consequente extinção da União Soviética.
Mas não é normal que o poder de barganha de um país esteja tão diminuído para uma pressão desse tipo não vir acompanhada de ofertas compensatórias. Afinal, vacinar os brasileiros deveria em teoria interessar ao mundo todo. Ou, pelo menos, ficar bem com o Brasil deveria ser do interesse do ocupante da Casa Branca, qualquer que fosse ele.
O debate político aqui dentro vai muito aquecido, com cada jogador tentando tirar o máximo proveito da desorganização no combate à Covid-19. Parece faltar, entretanto, quem esteja pensando antes de tudo no interesse nacional. E o interesse nacional é um só. Ter e aplicar o maior número de doses de vacina no menor tempo possível.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Felipe Salto: Remendo novo em tecido velho
É a PEC Emergencial. Tempo perdido em meio à emergência da crise sanitária
No melhor cenário, a chamada PEC Emergencial mudará muito pouco a gestão das contas públicas. Costumo dizer que o Brasil é pródigo em criar regras fiscais, mas nem tanto em cumpri-las. Desta vez, nem mesmo a criação foi promissora. Eventual ajuste decorrente da proposta de emenda à Constituição só virá em 2025. No caso dos Estados e municípios, as medidas serão facultativas e sua aplicação, incerta.
O teto de gastos foi mantido, mas ficou sem sanção para o caso de burla. Rompê-lo poderia ensejar, a partir de agora, crime de responsabilidade. Os gatilhos – medidas automáticas de ajuste –, que já estavam previstos na regra do teto, serão acionados quando as despesas obrigatórias superarem 95% das despesas primárias (não incluem juros da dívida), ambas sujeitas ao teto. Os gatilhos impedem reajuste salarial a servidores, criação de despesas, correção do salário mínimo acima da inflação e contratação de pessoal (a não ser para repor aposentadorias).
As contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), contudo, mostram que os 95% só seriam atingidos em 2025. Em 2020 o indicador ficou em 92,6% e em 2021 a projeção é de 93,4%. Assim, levando em conta que o objetivo era tomar medidas “emergenciais”, o porcentual proposto foi mal calibrado. Algumas áreas poderão acionar gatilhos mais cedo, já que a regra será aplicada por Poder e por órgão, mas sem efeito agregado relevante.
Então, não haverá reforço do ajuste fiscal. A ideia do Ministério da Economia era trocar o auxílio emergencial pela aprovação de um programa de consolidação fiscal. Isso não ocorreu. O auxílio foi viabilizado pela PEC, mas não haverá contenção adicional do gasto ou geração de novas receitas em horizonte de quatro anos.
Mais do que isso, em 2022, ano eleitoral, a porta para reajustes salariais estará aberta. O teto de gastos precisará ser observado, mas um eventual espaço orçamentário poderá ser canalizado para beneficiar certas categorias do serviço público. Essa não é uma tendência nova sob o atual governo. Basta ver que a reforma da previdência dos militares, em 2019, garantiu reajustes com custo de R$ 7,1 bilhões já em 2021. O restante dos servidores não ganhou o mesmo tratamento.
Durante a votação da PEC Emergencial na Câmara dos Deputados, o governo firmou acordo que enfraqueceu os gatilhos. A possibilidade de barrar as chamadas progressões e promoções dos servidores, no cenário de gatilhos acionados, saiu do texto. Em live do dia 11 de março, o presidente da República destacou essa blindagem, citando servidores da área de segurança pública e das Forças Armadas. A mudança abrange todos, mas essa revelação de preferência é digna de nota.
Na parte que trata do auxílio emergencial, constitucionalizou-se a permissão para financiá-lo por crédito extraordinário. Essa prerrogativa já estava prevista na Constituição, justificadas a imprevisibilidade e a urgência do gasto. Dado o ritmo lento da vacinação, as medidas restritivas à circulação e ao comércio terão de ser mantidas para preservar vidas e evitar o colapso total do sistema hospitalar. Isso retardará a recuperação da renda e do emprego. O risco é claro: para editar um provável novo crédito extraordinário, fora do teto, outra PEC será requerida.
A PEC Emergencial trata também dos chamados gastos tributários, hoje em torno de R$ 308 bilhões – ou 4,3% do produto interno bruto (PIB). São as desonerações, os regimes especiais e as isenções tributárias que o Estado carrega há décadas sem nenhuma revisão ou avaliação. O texto aprovado obriga o governo a enviar ao Congresso, em até seis meses, um plano para redução dessas renúncias. No entanto, foram ressalvados programas que correspondem a 50% do volume total. No primeiro ano ele teria de diminuir 10% e em até oito anos, a 2% do PIB. Não há sanção prevista para o caso de o plano não ser aprovado, como alertou a jurista Élida Graziane.
As regras criadas para os Estados e municípios contemplam gatilhos iguais aos da União, mas o critério é distinto. Se a despesa corrente ultrapassar 95% da receita corrente, as medidas poderão ser tomadas. A escolha será do prefeito ou do governador. Quem não se ajustar não terá mais aval do Tesouro Nacional em operações de crédito, a exemplo de empréstimos em bancos ou organismos multilaterais. No cálculo do Tesouro, 14 Estados já estariam em condição de acionar os gatilhos (95%). Contudo, pelos dados dos Estados, conforme mostrou a economista Vilma Pinto, nenhum governo estadual atingiu 95% em 2020.
Em resumo, o auxílio sairá do papel, autorizado pela PEC, mas poderá ser insuficiente. As compensações, em termos de redução de despesas ou aumento de receitas, não vieram. O arcabouço fiscal ficará mais complexo e, no caso da União, dificilmente produzirá efeitos concretos antes de 2025, véspera do ano em que a regra do teto poderá ser alterada, conforme prevê a Constituição. A PEC é um remendo novo em tecido velho. Tempo perdido em meio à emergência da crise sanitária.
*Diretor Executivo da IFI e professor do IDP
Pedro Fernando Nery: O que o PIB não vai contar sobre a realidade do País
Crescimento em 2021 não vai refletir situação material de boa parte da população nos próximos meses
O Brasil deve crescer em 2021. Possivelmente a alta do PIB será a maior em mais de dez anos. Entretanto, de forma incomum, o crescimento do PIB nos próximos meses deve coincidir com elevações do desemprego e da pobreza – a recordes. O PIB não vai contar boa parte da história.
Vale entender melhor como o PIB tem se comportado. A atividade econômica no Brasil, em 2020, sofreu uma queda menor que a de outros países – em boa parte pelos efeitos do auxílio emergencial. O País chegou a subir posições na lista de maiores economias do mundo, para o 8.º lugar – segundo os dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).
A imprensa deu grande ênfase a outro resultado, o de que o Brasil teria na verdade perdido posições nesse ranking, e inclusive saído do top 10. Isso só ocorre em uma comparação menos apropriada, que refletisse menos a variação do PIB e mais a forte queda do real, que diminuiria o valor do nosso PIB em outras moedas.
A comparação mais comum, porém, levando em conta o poder de compra das moedas, teria o Brasil ganhando posições – como nas estimativas do FMI em que supera França e Reino Unido. Afinal, em um dia em que o dólar sobe muito os brasileiros não ficam necessariamente mais pobres.
Se o Brasil ganhou posições na comparação internacional do PIB em 2020, e em 2021 deve crescer bem mais do que na média da última década, qual é então o problema?
O problema é que o crescimento da economia nos próximos meses não deve alcançar tanto os trabalhadores informais, os desempregados, os fora da força de trabalho. O agravamento da pandemia afetará o emprego informal e também o formal. E o orçamento do auxílio emergencial será um sexto do que foi em 2020.
Mesmo quando a curva de mortes voltar a níveis menores, muitos ainda estarão afetados pela crise. São trabalhadores de ocupações que demorarão para registrar a normalidade de 2019, ou de empresas que já não existem mais. Ainda que se beneficiem pelo auxílio emergencial reduzido, o novo valor só será pago por alguns meses. Depois, voltaremos ao Bolsa Família, que na ausência de reformas é uma rede incapaz de segurar a alta da pobreza extrema que vai ocorrer.
A divergência entre a situação mostrada por indicadores da atividade econômica como o PIB e indicadores do mercado de trabalho e renda já ocorre há alguns meses. Com a redução do auxílio emergencial ao fim de 2020, e a sua suspensão na virada do ano, milhões de famílias tiveram uma queda significativa de renda. A situação da pandemia manteve o mercado de trabalho difícil. Mas tudo que indicava que o PIB vinha crescendo.
O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), divulgado ontem e considerado uma prévia do PIB, sugere que em janeiro deste ano a economia já estava em patamar próximo do de janeiro de 2020. Mas pelo menos alguns milhões não recuperaram seus empregos, e a pobreza está em alta (o que melhorará um pouco, é verdade, com o novo auxílio, ainda que reduzido).
Veja o leitor que o mero retorno da economia ao nível pré-pandemia, por ocorrer depois de uma queda, significa uma variação positiva: crescimento. Essa espécie de “efeito sanfona” do PIB também acontecerá em outros países, que apresentarão crescimento forte sem que haja melhora das condições de vida em relação a 2019.
Em especial, PIB crescendo com pobreza crescendo significa aumento da desigualdade. A sociedade deve querer então outras bússolas para este ano que não o PIB. Ele certamente vale a torcida, mas por condições atípicas não vai refletir a evolução da situação material de boa parte da população nos próximos meses.
Para onde devemos olhar então? A taxa de desemprego é agora outro indicador problemático, porque muitos que deixaram de trabalhar não estão necessariamente procurando ativamente uma vaga – porque não querem se contaminar pelo vírus. Eles não são computados na taxa de desemprego. Pelos dados do Google, a procura por vagas até subiu após o fim do auxílio emergencial, mas a piora da covid e as medidas restritivas devem continuar mantendo parte dos sem emprego em casa.
Assim, a taxa de desemprego tradicional, mesmo aumentando, ainda não vai absorver todo o drama. A imprensa deve passar a divulgar mais estimativas da taxa que contemplem essa população que queria trabalhar, mas não está na busca (desemprego oculto, sombra). Idealmente, o IBGE poderia já fazer essa projeção ao divulgar os resultados da Pnad.
Devemos dar ênfase também às estimativas de taxas de pobreza e de pobreza extrema, que não foram preocupantes em 2020 por conta do amplo auxílio emergencial – que, sabemos, acabou naquele formato. O complicador aqui é outro: essas não são projetadas mensalmente pelo governo. Vale ficar de olho, portanto, no trabalho da academia – como o da FGV Social.
Com a bússola errada será mais difícil chegarmos ao lugar certo.
*Doutor em economia
Monica de Bolle: Pandemia é chance para país desenvolver tecnologia de saúde
Para economista, Brasil tem potencial para ser referência em mundo no qual convivência com vírus será permanente
Eduardo Cucolo, Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - O Brasil tem potencial para desenvolver uma indústria de ponta na área de saúde e utilizar a pandemia para se tornar um player global nessa área, de forma a se destacar em um “novo mundo pandêmico”, no qual a convivência com o novo coronavírus seria permanente.
Essa é a visão da economista Monica de Bolle, professora da Johns Hopkins University (EUA). Com especialização em Escola de Medicina de Harvard, de Bolle afirma, em entrevista à Folha, que não voltaremos à normalidade pré-pandemia e que a convivência com o vírus irá alterar a forma de funcionamento da economia global.Mundo pandêmicoA realidade que a gente tem pela frente não é uma realidade em que vai poder declarar um fim da pandemia. A fase aguda da pandemia vai passar, a gente não vai ficar no estágio em que está agora, mas esse estado de alerta permanente vai continuar conosco. Isso tem implicações em como os países, as pessoas e a economia vão se adaptar. Mercado de trabalho, ambiente de trabalho, aglomerações de todos os tipos, como eventos esportivos, viagens, todas essas coisas estão alteradas, e a gente não vai voltar ao que tinha antes.
No segundo semestre de 2021, a gente vai relaxar medidas restritivas, medidas sanitárias, em várias partes do mundo. Mas, supondo que todas essas vacinas deem conta dessas variantes, as que existem e as que vão surgir, a gente só consegue ter um contingente no mundo vacinado em quantidade suficiente para conseguir respirar com algum alívio, com certo otimismo, lá para o final de 2022.
Eu passei os últimos dois anos fazendo uma série de especializações em medicina em Harvard e calhou da pandemia acontecer. Para mim, pela natureza desse vírus, ele vai permanecer entre nós. A gente vai ter de se adaptar a conviver com isso, passar por surtos, por várias vacinas que vão ter de ser atualizadas recorrentemente e continuar com algum grau de cautela nas nossas vidas. Você vai ter sempre um repositório de Sars-Covid-2 em algum lugar do mundo sofrendo mutações.Mudança na economiaO setor de serviços vai ter de se reinventar. Já havia uma pressão para se pensar novos modelos de trabalho e na pandemia isso teve de acontecer. Você pode pensar pelo lado negativo, algumas pessoas vão perder permanentemente os empregos que tinham porque eles vão desaparecer. Por outro lado, há mudanças que geram uma flexibilidade maior, muitas pessoas não voltarão aos escritórios, e isso gera um ganho de eficiência enorme.
Para um país poder se sair melhor que outro vai ter de investir muito na área de saúde. Em tudo: testagem, equipamento de proteção pessoal, capacidade de vigilância genômica, que requer vários laboratório com equipamentos de ponta e uma rede que converse entre si e esteja rastreando no país inteiro.Nova agenda para o BrasilA agenda para mim no Brasil hoje, se tivesse um governo com visão estratégica, seria a saúde pública. É onde a gente tem uma vantagem natural, pelo sistema de saúde que a gente tem.
Você vê a Índia exportando vacina para muitos países e também exportando medicamente, produtos químicos. A China, a mesma coisa. A Rússia está tendo o mesmo tipo de posicionamento. Se você olhar para esses países [do Brics], tirando o B [de Brasil], o resto dos Brics estão todos fazendo esse reposicionamento. O Brasil teria uma posição muito privilegiada para fazer isso. Já fomos grandes produtores de medicamentos e vacinas, mas abrimos mão dessa vantagem.
A agenda de longo prazo deveria ser essa. Dessas coisas começam a vir inovações, tecnologias, inserção global, capacidade de estar mais envolvido nas cadeias de produção globais, tudo pela via da saúde pública.
Quais são as reformas que a gente precisa fazer para alcançar esses objetivos? Aí você faz as reformas com esses objetivos em mente. Vamos fazer uma reforma administrativa que atenda a esse objetivo, uma reforma tributária de modo a alcançar esse objetivo.EUAColocar a saúde pública no centro das discussões faz com que essas oportunidades fiquem mais visíveis e você começa a mudar um pouco o debate no Brasil. Aqui nos EUA, vai acontecer a mesma coisa. O setor de saúde aqui tem uma precariedade que o Brasil não tem. Tem muitas escolas de medicina de ponta, mas o sistema de saúde vai ter de ser reinventado.
O envelhecimento populacional é outro aspecto importante do porquê investir em saúde pública. E tem as sequelas da própria Covid. O número de pessoas que vão precisar dessa área para continuar sendo produtivas... Algumas vão ter sequelas para sempre, que as torna dependentes de centros de reabilitação.
Aqui nos EUA, todos os hospitais têm centro de reabilitação para quem teve Covid. A gente já tinha essa realidade de envelhecimento populacional somada a uma carga de doenças crônicas cada vez maior. Agora, além disso, tem o efeito que vem com as sequelas da Covid.
Míriam Leitão: Em reunião difícil, BC deve subir juros
O Banco Central começa hoje a reunião mais difícil feita no atual governo. A inflação de fevereiro foi mais alta do que o previsto e pode chegar perto de 8% em junho, em 12 meses. A expectativa é que caia depois, mas ontem a sondagem do BC mostrou que, de uma semana para outra, as projeções para o ano saíram de 3,98% para 4,6%. Os juros estão em 2%. A maioria dos economistas de bancos e consultorias acha que o Copom subirá a Selic em meio ponto percentual. O problema é que a economia ainda está em ambiente recessivo e o desemprego aumentou. Desapareceram em um ano 8,4 milhões de postos de trabalho. Se os juros não subirem, confirma-se a expectativa de alta da inflação. Se eles subirem, pode-se esfriar ainda mais a economia.
A inflação atual é bem complicada. Sobem alimentos, produtos industriais e há falta de algumas peças e insumos na indústria. Tudo ao mesmo tempo e no meio de uma recessão. Os alimentos e bebidas subiram 15% nos últimos 12 meses. Alguns itens deram saltos enormes, como as carnes, com alta de 29%, e frutas, 27%. Os combustíveis subiram 9,37% nos dois primeiros meses deste ano. A produção industrial está sendo atingida por gargalos e choques de preços. Aço subiu 30%. O gás natural, 40%. O setor de plásticos só tem conseguido entregar 50% dos pedidos. Algumas indústrias estão parando por falta de peças. Há dificuldades na compra de resinas e na produção de papelão. Isso afeta as embalagens, o que faz com que vários setores tenham dificuldades de produção.
O dólar subiu 8,14% só este ano. O real está entre as moedas que mais se desvalorizaram no mundo, ao lado do peso argentino. As commodities que o Brasil exporta também subiram. O índice CRB, que faz uma média das cotações internacionais das matérias-primas, mostra valorização de 14% este ano. Como a soja e o minério de ferro tiveram alta nas cotações, o Brasil está recebendo mais dólares. Isso, em qualquer tempo, geraria queda da moeda americana em relação ao real. Mas a incerteza sobre o país fez com que houvesse esse fenômeno raro, em que as matérias-primas que exportamos e o dólar sobem ao mesmo tempo.
É o custo dos erros do governo no combate à pandemia e do intervencionismo econômico do presidente. Além disso, foi necessário ampliar muito os gastos públicos para mitigar os efeitos da crise sanitária e econômica. A dívida pública é de 89% do PIB, num país que está há seis anos com déficits primários e assim permanecerá pelos próximos anos. O risco-país, medido pelo Credit Default Swap (CDS), saltou de 142 pontos no início do ano para 199 pontos, ontem. Essa é uma medida de percepção de risco sobre uma economia.
Na equipe econômica admite-se que essa alta da inflação é o grande problema agora, porque se as expectativas forem de descontrole das contas públicas as tendências inflacionárias vão permanecer. Por isso, a aprovação da PEC Emergencial era considerada fundamental nesse esforço para “ancorar as expectativas”. Mas o problema é que o projeto foi tão desidratado que poucos economistas de fora do governo acreditam que ela fará diferença. Oficialmente o Ministério da Economia divulgou nota chamando a PEC de “a maior reforma fiscal dos últimos 22 anos”. Isso foi motivo de piada entre os especialistas em contas públicas.
Diante desse quadro, o Copom vai se reunir hoje e amanhã. Inflação alta, ambiente recessivo, choque de preços, desvalorização cambial e falhas no abastecimento afetando a cadeia produtiva. Além do cenário de piora das contas públicas. No mercado, a maior parte dos economistas aposta que o Banco Central anunciará uma elevação de meio ponto percentual. Um grupo menor acha que o aumento será de 0,25%.
Começa a fechar a janela de oportunidade que se abriu com os juros mais baixos da nossa história. Nesse meio tempo o país poderia ter aprovado mudanças que apontassem para uma redução do déficit público no futuro. Mas nada anda porque o governo tem uma agenda caótica e uma calamitosa forma de administrar o país. As trapalhadas, nas últimas horas, para a escolha do quarto ministro da Saúde na pandemia mostraram isso. Que sentido faz o filho do presidente sabatinar uma médica e perguntar o que ela acha da liberação das armas. Em que governo do mundo isso é pré-requisito para alguém assumir o comando do Ministério da Saúde, em um país onde já morreram quase 280 mil pessoas?
Joel Pinheiro da Fonseca: Mudar de ministro não adianta; o problema é o presidente
Mudar o rumo do governo seria admitir que Bolsonaro foi diretamente responsável por dezenas de milhares de mortes
Os protestos pró-Bolsonaro que tomaram o Brasil neste domingo foram marcados por muito fanatismo, muitos pedidos de golpe militar e muita teoria da conspiração.
O sentimento de revolta que movia os participantes, contudo, é em parte compreensível. Voltar a fechar grande parte da economia —o que significa falir negócios, destruir empregos, desamparar famílias, aumentar o estresse doméstico— é desesperador. Só uma situação muito crítica justifica esse tipo de medida drástica.
Se ainda não está claro para alguém, a situação está crítica. O estado de São Paulo, por exemplo, triplicou os leitos de UTI disponíveis, e mesmo assim os internados logo excederão a capacidade do sistema.
Outros estados vivem situação similar. Dos pacientes de Covid-19 que são internados em UTI, mais da metade sucumbe. O único jeito de impedir essa tragédia de aumentar ainda mais é reduzir as aglomerações e, paralelamente, acelerar o tanto quanto possível nossa única porta de saída: a vacinação em massa.
Para os manifestantes, as medidas de isolamento de governadores são um plano para se capitalizar politicamente e contrariar o presidente. Se fosse, seria o plano mais estúpido da história. Não há nada mais impopular do que impor medidas duras sobre a população. Quem tenta se capitalizar politicamente é quem vê a tragédia chegando e nada faz, exceto, pela terceira vez na pandemia, mudar seu ministro da Saúde.
Neste momento, não sabemos o que esperar do sucessor de Pazuello, o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Marcelo Queiroga. Antes, especulou-se sobre a médica Ludhmila Hajjar, profissional competente e ética. Durante a pandemia, ela defendeu as medidas de isolamento, foi contra a promoção de cloroquina, foi favorável ao uso de máscara e combateu a politização da doença. Ela trabalha com base na ciência. Ou seja, é diametralmente oposta a tudo que o governo federal fez e faz.Pazuello foi um péssimo ministro da Saúde. Com efeito, ele jamais deveria ter sido ministro. Assumiu o cargo interinamente depois da saída de Nelson Teich, quando ficou claro que nenhum médico sério estaria disposto a assumir a vaga, que trazia apenas uma condição: submissão total aos desejos do presidente.Pazuello mostrou-se submisso e por isso ficou. Suas trapalhadas mortais exasperaram o Brasil. Sua troca, porém, será, na melhor das hipóteses, não mais do que um paliativo. O real problema da Saúde não é o ministro, e sim o presidente da República.
Mudar o rumo do governo seria admitir que o presidente foi diretamente responsável —não por ignorância, e sim por má-fé— por dezenas de milhares de mortes. Bolsonaro não mudará; não vai em momento nenhum assumir a responsabilidade do cargo ou algo que o valha. Continuará igualmente inepto e mal-intencionado. Precisará, portanto, de um novo Pazuello. O que está em jogo não é uma medida ou outra; é a própria essência do bolsonarismo, um movimento de fanatização das massas para permitir que Bolsonaro continue no poder e siga agindo contra a população impunemente. No momento em que ele abandonar o discurso vitimista e for julgado por seus resultados, o projeto implode.
A única possibilidade de mudança virá caso Bolsonaro aceite entregar o ministério ao centrão. Zelar pela saúde pública é impossível; jogar o ministério mais rico de todos nas mãos dos interesses fisiológicos do Congresso, aí sim, pode acontecer. E quem negará que já seria um avanço? O Brasil atual só nos permite sonhar baixo.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
Hélio Schwartsman: Efeito Lula derruba Pazuello
É improvável que Bolsonaro deixe Queiroga fazer o que tem de ser feito
Quanto medo Bolsonaro tem de Lula? Bastante, já que o capitão resolveu demitir o general e se esforçou para convidar gente com qualificação técnica para exercer o cargo. A primeira cotada, Ludhmila Hajjar, recusou; o segundo, Marcelo Queiroga, aceitou.
As coisas, porém, são mais complicadas do que parecem. Ninguém com diploma de medicina e familiaridade mínima com o método científico pode aceitar o posto se não arrancar de Bolsonaro a promessa de que poderá mudar a política sanitária até aqui adotada, o que inclui licença para impor medidas de distanciamento social, para aposentar os delírios cloroquínicos e para investir pesadamente na vacinação. E, para o presidente fazer uma concessão dessas, ele precisa estar aterrorizado com Lula e sob muita pressão do centrão.
O problema é que, mesmo que Bolsonaro aceda agora a esse programa elementar, é improvável que deixe Queiroga fazer o que tem de ser feito. A impulsividade com tons paranoides é um traço inapagável da personalidade do presidente. Em algum momento, ele acabará recaindo em seus tresvarios sanitários e desautorizará o ministro.
Quem tem um bom olhar clínico percebe isso e nem aceita o cargo, como parece ter sido o caso de Hajjar. Já Queiroga provavelmente superestima suas capacidades como negociador. Deve acreditar que conseguirá tourear Bolsonaro e encontrar espaço para atuar. Veremos.
De todo modo, é positivo que Lula tenha entrado na equação. Ao tentar viabilizar-se como candidato que busca ganhar espaço entre eleitores do centro político, Lula não dá a Bolsonaro alternativa que não a de imitá-lo. Recoloca assim em jogo o teorema do eleitor mediano, segundo o qual os principais postulantes em um pleito majoritário buscam a chancela da maioria dos eleitores mesmo que sacrificando o apoio dos mais radicais. Até esse estranho começo de século 21, essa era a regra nas democracias.