general heleno

O Estado de S. Paulo: Sínodo vira pauta de governo pela primeira vez nos últimos anos

Edição de 2019 que terá como tema principal a Amazônia começou a ser acompanhada pela Abin; entenda os conflitos de interesses do governo federal e da Igreja

Carla Bridi, de O Estado de S.Paulo

Agendado para outubro deste ano, o Sínodo da Amazônia virou pauta nos últimos dias após reportagem do Estado ter identificado documentos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) relacionados a encontros de cardeais brasileiros com o papa Francisco sobre o evento. Para o governo brasileiro, as pautas discutidas pertencem a uma "agenda de esquerda", e servirão como base para críticas ao governo de Jair Bolsonaro durante o evento, que acontecerá no Vaticano.

Sínodo dos Bispos
Prelados rezam antes da abertura da sessão da manhã, no Vaticano. Foto: Alessandra Tarantino/AP
O Sínodo trata-se de um encontro de bispos de todo o mundo, convocado pelo papa, para discutir temas ou problemas relacionados à Igreja. Nos últimos anos, as Assembleias Especiais, categoria no qual está enquadrado o Sínodo da Amazônia, trataram de temas como África e Oriente Médio, realizadas respectivamente em 2009 e 2010.

Os eventos mais recentes foram classificados como Assembleias Gerais, podendo ser ordinárias ou extraordinárias. Em 2018, o tema discutido pelos cardeais foi "Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”. Em 2014 e 2015, a pauta era “Os desafios Pastorais da Família no contexto da evangelização”. Não há uma peridiocidade fixa para a realização dos sínodos.

O objetivo principal que cerceia as discussões dos eventos, além de definir como a Igreja Católica pode intervir em conflitos, também tem como base sólida novas maneiras de catequese de grupos em regiões onde há empecilhos para a disseminação dos ideais católicos. Participam 250 bispos, em evento de 23 dias de duração no Vaticano. Dois pré-eventos também fazem parte da agenda, um já ocorrido no Peru em janeiro e um seminário agendado para março na Arquidiocese de Manaus.

Como aponta o texto, redigido pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), juntamente com a Comissão Episcopal para a Amazônia, “o objetivo principal desta convocação é identificar novos caminhos para a evangelização daquela porção do Povo de Deus, especialmente dos indígenas, frequentemente esquecidos e sem perspectivas de um futuro sereno, também por causa da crise da Floresta Amazônica, pulmão de capital importância para nosso planeta".

Dividido em três subtítulos, "Ver", "Discernir" e "Agir", o material serve como uma orientação de análise dos povos amazônicos para depois definir o método de ação da Igreja Católica na região. Dos 13 autores do documento, três são brasileiros e membros da REPAM-Brasil.

"Agenda de esquerda". A preocupação expressa pelo general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que classificou pautas a serem discutidas no evento da Igreja como de "interesse da segurança nacional", reflete no alinhamento histórico do chamado "clero progressista" ao Partido dos Trabalhadores (PT).

O cardeal e arcebispo emérito de São Paulo, d. Cláudio Hummes, era próximo ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Hummes também tem proximidade com o papa Francisco. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também apresentava alinhamento histórico a vertentes democráticas, na época da ditadura, e posteriormente ao PT, tendo apresentado afastamento no governo de Dilma Rousseff. Então candidata defensora da descriminalização do aborto, apresentou ideologia contrária a CNBB.

O secretário-geral da instituição, dom Leonardo Steiner, criticou a intenção de interferência governamental no evento, afirmando que é "da Igreja para a Igreja". Heleno, representando o governo federal, apontou preocupação com intervenção externa em assuntos domésticos, como é o caso da Amazônia brasileira. Dom Steiner ressaltou que oito países compõem a Floresta Amazônica, assim sendo difícil incluir a presença de representantes de diversas nações, como foi solicitado à CNBB pelo governo federal.

Em artigo publicado no site da CNBB sob a autoria de Dom Demétrio Valentini, Bispo emérito de Jales, consta que "alguns logo propuseram que, desta vez, o Sínodo fosse realizado em algum lugar da própria Amazônia. Mas logo se chegou à conclusão que, ao contrário, mais ainda o Sínodo sobre a Amazônia deveria ser realizado em Roma para mostrar que a Amazônia interessa ao mundo todo." Não há registros de representantes governamentais em nenhum dos últimos eventos.

O presidente Jair Bolsonaro tem histórico polêmico com representantes indígenas e questões relacionadas ao meio ambiente. A Fundação Nacional do Índio (Funai) passou a ser vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em seu governo, gerando protestos de entidades indígenas. O Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) também foi deslocado para a pasta, gerando dúvidas sobre a demarcação de terras. A pretensão de saída do Brasil do Acordo de Paris também era um dos pontos do início do governo, revogado posteriormente pelo Ministério do Meio Ambiente, que inicialmente deixaria de ter o status de ministério.


O Estado de S. Paulo: Governo prepara pacote de obras para Amazônia

Projetos incluem ponte sobre o Rio Amazonas, hidrelétrica e extensão da BR-163 até o Suriname; militares querem marcar posição contra ‘pressões globalistas’

Tânia Monteiro e André Borges, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O governo vai começar o seu plano de desenvolvimento pela região amazônica e enviará três ministros ao oeste do Pará para avaliar investimentos de infraestrutura e definir grandes obras na região. A escolha não é casual. O avanço nessas áreas isoladas da floresta e na fronteira atende também a um compromisso de campanha do presidente Jair Bolsonaro de aumentar a presença do Estado no chamado Triplo A. Trata-se de uma área que se estende dos Andes ao Atlântico, onde organismos internacionais supostamente pretendem criar uma faixa independente para preservação ambiental.

A região é estratégica para os militares, que querem marcar posição contra o que chamam de “pressões globalistas”. Como parte dessa estratégia, os ministros Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) desembarcam nesta quarta-feira, 13, em Tiriós (PA) para discutir com líderes locais a construção de uma ponte sobre o Rio Amazonas na cidade de Óbidos, uma hidrelétrica em Oriximiná e a extensão da BR-163 até a fronteira do Suriname.

A hidrelétrica teria, na avaliação do governo, o propósito de abastecer a Zona Franca de Manaus e região, reduzindo apagões. A ampliação da BR-163 – construída nos anos 1970, ainda inacabada e notícia por causa de seus atoleiros – cumpriria uma meta de integração da Região Norte. Já a ponte ligaria as duas margens do Amazonas por via terrestre, ainda feita por travessia de barcos e balsas. O projeto serviria como mais um caminho para o escoamento da produção de grãos do Centro-Oeste.

Bebianno comparou as iniciativas à retomada do Calha Norte, projeto do governo José Sarney para fixação da presença militar na Amazônia. “A retomada do Calha Norte é fundamental para o Brasil como um todo. Estamos fazendo um mapeamento da região e vamos lá olhar pessoalmente”, afirmou o ministro ao Estado.

O movimento coincide com ação do governo para combater a influência do chamado “clero progressista” da Igreja Católica naregião. O pano de fundo é a realização do Sínodo sobre Amazônia, que será organizado em outubro, em Roma, pelo Vaticano. Entre os temas que serão discutidos estão a situação dos povos indígenas e de quilombolas e os investimentos na região – considerados “agendas de esquerda” pelo Planalto.

A última série de grandes investimentos na Amazônia ocorreu ainda no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o início das obras das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, em Rondônia, e Belo Monte, no Pará. Nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, os canteiros foram abandonados ou perderam o ritmo.

O Planalto justifica a escolha dos projetos com o argumento de que a população dos municípios da margem norte do Amazonas está abandonada e seu objetivo é implementar um plano de ocupação para estimular o mercado regional e definir um “marco” da política do governo de incentivo econômico.

Resistências. Um auxiliar de Bolsonaro afirmou que a presença dos ministros do Meio Ambiente e dos Direitos Humanos na comitiva tem por objetivo reduzir eventuais ataques de ativistas e ambientalistas. A área delimitada para o início do plano estratégico é formada por reservas ambientais e territórios de comunidades isoladas, como a dos índios zoés, na região de Santarém.

 

Para tentar quebrar resistências, o governo vai incluir termos de responsabilidade socioambiental em todas as obras e firmar compromisso de diálogo com as comunidades locais. A equipe do presidente já antevê, no entanto, reações especialmente de países da União Europeia, que têm ligações com as entidades mais influentes da área de defesa da preservação da floresta.

Militares com cargo no governo recusam a comparação com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado por Lula com obras em todo o País, especialmente no Norte e no Nordeste. Ainda está prevista a retomada do projeto de revitalização dos afluentes do Rio São Francisco.

A viabilidade dos projetos de infraestrutura na Amazônia desenhados pelo Planalto esbarra numa série de dificuldades. As tentativas de se instalar uma usina no Rio Trombetas já fracassaram em outros governos por obstáculos socioambientais. O mesmo problema já comprometeu a continuidade da BR-163. A região é de mata densa, sem estradas. Seria necessário abrir uma rodovia na floresta, região marcada por áreas protegidas.

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‘Sínodo é encontro da Igreja para a Igreja’, diz secretário-geral da CNBB

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Um dia após o Estado revelar que o governo federal quer neutralizar potenciais críticas de líderes católicos ao presidente Jair Bolsonaro no Sínodo da Amazônia, encontro religioso convocado pelo papa Francisco, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Steiner, afirmou nesta segunda-feira, 11, que o evento é “da Igreja para a Igreja”.

“É um evento, uma celebração da Igreja para a Igreja. É claro, da Igreja para a Igreja, envolve toda a questão da Pan-Amazônia: os povos, o meio ambiente, toda essa realidade certamente será abordada”, disse dom Leonardo, em vídeo divulgado pela CNBB.

Conforme o Estado mostrou, o governo Bolsonaro acionou o Itamaraty para buscar interlocução com o Vaticano. Uma das tentativas era que um representante diplomático do Brasil participasse da reunião de bispos, o que causou reação negativa entre os religiosos brasileiros. Segundo ele, nunca houve políticos no evento. A Santa Sé é a responsável pela organização e qualquer convite passa pelo crivo do papa.

No vídeo, a CNBB reproduziu falas do papa Francisco explicando a importância do Sínodo da Amazônia. A entidade destacou que o encontro estava programado desde 2017 – ou seja, antes da eleição de Bolsonaro. Depois de uma série de reuniões preparatórias nas dioceses pelo Brasil, que despertaram a atenção da inteligência e dos militares, ocorrerá em outubro, em Roma, na Itália.

“Como ouvimos e vimos, o santo padre Francisco convocou um Sínodo para a Pan-Amazônia já em 2017. Neste ano, celebraremos o Sínodo para a Pan-Amazônia. Para isso, nós contamos com a presença e a oração de todas as pessoas do Brasil, mas também dos outros oito países que envolvem a Amazônia”, pede dom Leonardo. “O santo padre deseja que encontremos caminhos para evangelização.”


Oposição quer convocar general Heleno para explicar 'espionagem' de bispos
Deputado Marcio Jerry, do PCdoB, promete protocolar requerimento de convocação do ministro na Câmara; cabe a Maia convocar comissão

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A oposição ao governo Jair Bolsonaro quer convocar o ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para prestar explicações das atividades de inteligência sobre o "clero progressista", reveladas pelo Estado. O Palácio do Planalto recebeu relatórios de inteligência com detalhes das reuniões de preparação do Sínodo da Amazônia, encontro religioso convocado pelo papa Francisco para outubro, em Roma, e tenta neutralizar o que considera uma brecha para críticas internacionais ao governo por parte de bispos brasileiros da Igreja Católica.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O deputado Marcio Jerry (PCdoB-MA) promete protocolar nesta terça-feira, 12, na Câmara, um requerimento de convocação do general Heleno. No entendimento do parlamentar, há "espionagem política das atividades da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por parte da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)".

O deputado pede que o plenário da Câmara aprove, por maioria simples, a convocação do ministro, conforme cópia do requerimento obtida pela reportagem. Se isso ocorrer, Heleno será obrigado a ir à tribuna da Casa para se pronunciar e depois responder aos questionamentos dos parlamentares. Cabe ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), convocar a comissão para ouvir o ministro. Uma falta configura crime de responsabilidade.

O deputado Marcio Jerry comparou o monitoramento das reuniões católicas pelo governo a uma retomada de políticas do regime militar, ao justificar o pedido de convocação.

"Esse tipo de procedimento é muito grave e inadmissível num Estado Democrático de Direito, contraria as garantias constantes da Constituição Federal e precisa ser urgentemente explicado pelo governo. Se de fato a Presidência da República, por meio da Abin, estiver espionando e tratando a CNBB como 'inimiga interna', estará diante de um dos maiores escândalos deste começo de ano. É inaceitável a volta da 'doutrina da segurança nacional' utilizada de maneira nefasta pela ditadura banida do nosso País há três décadas", escreveu o deputado.


Forças Armadas consideram Triplo A como uma ‘ameaça’
Para alguns oficiais de Estado-Maior, pode ser uma 'das mais preocupantes' hipóteses de conflito do Brasil

Roberto Godoy, O Estado de S.Paulo

O Corredor Triplo A, ligação gigante entre os Andes, a Amazônia e uma linha larga no litoral do oceano Atlântico, é amplamente considerado, sempre como ameaça, entre os estudos estratégicos das Forças Armadas. Para alguns oficiais de Estado-Maior, pode ser uma “das mais preocupantes” hipóteses de conflito do Brasil. O quadro – que há cinco meses mereceu do ex-comandante do Exército general Eduardo Villas Bôas vigoroso comentário de alerta no Twitter (“Minha missão como comandante do Exército, preocupado com interesses nacionais, é indicar os riscos dessa proposta para o País”) – é tema de análises militares há cerca de 45 anos.

Nos anos 1970, ainda não era o Triplo A. Um grupo de entidades da Europa defendia a tese da declaração de um território em regime de administração especial para abrigar a etnia ianomâmi. Um dos argumentos da época era a preocupação com a preservação da matriz genética dos índios. A área pretendida era grande e estaria sobreposta a reservas naturais de metais raros. A ideia não pegou.

O modelo mudou até o atual AAA, desenhado pelo antropólogo americano Martin von Hildebrand, envolvendo 135 milhões de hectares, uma faixa que começa nos Andes, pega a parte norte do Rio Maranõn, no Peru, segue pela Amazônia do Equador e da Colômbia, abrange o Estado do Amazonas na Venezuela, entra pela Guiana, o Suriname, a Guiana Francesa, e segue pela calha dos rios Solimões e Amazonas. Nessa imensa passagem, a estimativa é de que haja perto de 1.200 terras indígenas distribuídas por sete países – um bolsão do tamanho de 1,2 milhão de km².


Ricardo Noblat: O risco de um Estado repressor

Sinais de que a democracia pode ser minada

O esforço bem intencionado de muitos em tentar normalizar o presidente Jair Bolsonaro e seu governo de extrema direita sofreu um duro golpe com a revelação de que a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), sob o controle do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, está de olho nas atividades do que chama de clero de esquerda da Igreja Católica.

E não só a ABIN, com escritórios em Manaus, Belém, Marabá e Boa Vista, já acionados. Relatórios a respeito também foram produzidos pelo Comando Militar da Amazônia, com sede em Manaus, e o Comando Militar do Norte, sediado em Belém. Trata-se, pois, de uma operação abrangente de inteligência que permite ao governo monitorar os passos de autoridades religiosas e de ONGs.

Em outubro próximo, sob a presidência do Papa Francisco, cerca de 250 bispos do Brasil, Peru, Venezuela e de outros países do continente se reunirão em Roma para discutir os principais problemas da Amazônia e dos povos que a habitam. O governo acha que isso representará encrenca certa para sua imagem lá fora e para a política ambiental que defende.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, no entendimento de generais que cercam Bolsonaro, a Igreja Católica por aqui sempre foi “um braço do PT” e, agora, com a derrota eleitoral colhida pelo partido no ano passado, ela imagina assumir de vez a liderança da oposição ao governo. O encontro em Roma é visto pelo general Heleno como uma clara “interferência em assunto interno do Brasil”.

O Ministério das Relações Exteriores pressionará o governo italiano para que interfira junto ao Papa em favor dos interesses do governo brasileiro. A embaixada do Brasil no Vaticano foi avisada de que deverá fazer o mesmo. Planeja-se a realização em Roma de um simpósio para divulgar as ideias ambientais de Bolsonaro na mesma data da reunião dos bispos com o Papa Francisco.

Onde no mundo das redes sociais, da economia globalizada, pode-se ainda falar em “assunto interno” ou exclusivo de um país? Nos Estados Unidos de Donald Trump, sob a suspeita de ter sido eleito com a colaboração do governo russo? Na Venezuela do ditador Nicolás Maduro, ameaçado de ser deposto por um movimento também apoiado pelo governo de Bolsonaro?

O mais ridículo da ofensiva contra a Igreja é que os generais de Bolsonaro parecem nada ter aprendido com seus colegas da ditadura de 64 que perseguiram o que chamavam de “ala progressista” do clero e se deram mal. A expressão “ala progressista”, tão comum naquela época, por sinal foi ressuscitada pelo general Heleno. Ele parece ignorar que a Igreja Católica mudou desde então.

João Paulo II, o terceiro Papa mais longevo da história da Igreja, aproveitou seu reinado de quase 26 anos e meio para liquidar com a “ala progressista” em toda parte onde ela existia. Seu sucessor, Bento XVI, foi um implacável adversário da Teologia da Libertação que tantas dores de cabeça deu a governos conservadores ou simplesmente de direita mundo a fora.

Se comparado com seus antecessores, o Papa Francisco estaria à esquerda deles no enfrentamento dos problemas sociais e de outros temas contemporâneos como a globalização, por exemplo, e a questão ambiental. O governo Bolsonaro conceber que Francisco será sensível aos seus apelos e pressões é não conhecê-lo nem um pouco. É também dar-se uma importância que não tem.

É no laboratório do general Heleno que estão sendo manipuladas as primeiras e mais escandalosas restrições ao pleno Estado de Direito. Envolver comandos militares na espionagem à Igreja e a movimentos sociais a ela ligados pode ser a mais explosiva, mas a única não é. Foi do laboratório de Heleno que saiu o Decreto 9.690 que desfigurou a Lei da Transparência.

Há poucos dias, Heleno disse que mandou investigar como vazou para a imprensa a minuta do projeto de reforma da Previdência. Com isso o que ele quer não é necessariamente descobrir o responsável pelo vazamento, mas sim intimidar funcionários que possam colaborar com os jornalistas para tornar públicas informações que o governo prefere manter escondidas.

Tudo que atente contra a liberdade e os direitos dos cidadãos serve para minar a democracia. Bolsonaro e seus devotos, fardados ou não, sempre foram partidários de um Estado autoritário. Uma vez no poder, convenhamos, estão sendo apenas coerentes com o que pensam e pregaram durante a campanha. De estelionato eleitoral, não serão jamais acusados.

À queima roupa (3)

Curto e seco
+ Com vocês, a Nova Política: 1. Governo espiona a Igreja Católica com a ajuda do Exército; 2. PSL, o partido do presidente, desviou dinheiro público por meio de laranjas; 3. Ministério Público espera há meses que filho do presidente vá depor sobre rolos; (Acabou o espaço)

+ O que o ministro Gilmar Mendes acha de uma agência de inteligência que investiga padres, bispos e cardeais? Seria algo, por exemplo, parecido com a Gestapo da época do nazismo?

+ Não sei onde está escrito que ministro do Supremo Tribunal Federal pode virar consultor do governo para projetos a serem submetidos ao Congresso. Mas de uns tempos para cá eles podem tudo, desde que não sejam investigados.

+ Quando estourou o caso do mensalão do PT em 2005, teve ministro do Supremo que procurou líderes de partidos para que desistissem da ideia de derrubar Lula. Mais recentemente, um ministro foi grampeado em conversa com senador que pedia sua ajuda. O sistema é foda, parceiro.

+ Roga-se a quem saiba informar onde podem ser encontrados os 8 funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro que depositaram parte dos seus salários na conta de Queiroz. Eles desapareceram de suas casas e empregos. Familiares e amigos se recusam a informar onde eles se esconderam.

+ “Quem foram os responsáveis por determinar que o Adélio praticasse aquele crime em Juiz de Fora?” – pergunta com razão o presidente Jair Bolsonaro em sua página no Twitter. Quem sabe não foram os mesmos que mandaram matar Marielle Franco? Por que ele não manda investigar os dois casos com o mesmo rigor?

+ Pelo visto, 2018, como 1968, é também no Brasil um ano que não terminou por aqui.


O Estado de S. Paulo: Planalto recorrerá à Itália para evitar ataques de bispos

Governo tenta se blindar de críticas a políticas ambientais durante Sínodo sobre Amazônia, visto como parte da ‘agenda da esquerda’

Tânia Monteiro, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Como parte de uma estratégia para combater a ação do que chama de "clero progressista", o Palácio do Planalto recorrerá à relação diplomática com a Itália, que vive um bom momento desde o esforço do presidente Jair Bolsonaro para garantir a prisão de Cesare Battisti. A equipe de auxiliares de Bolsonaro tentará convencer o governo italiano a interceder junto à Santa Sé para evitar ataques diretos à política ambiental e social do governo brasileiro durante o Sínodo sobre Amazônia, que será promovido pelo papa Francisco, em Roma, em outubro.

O Estado revelou ontem que o Planalto quer conter o que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição ao governo, como efeito da perda de protagonismo dos partidos de esquerda. Em nota divulgada na noite deste domingo, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) confirmou que existe "preocupação funcional com alguns pontos da pauta” do evento e que parte dos temas "tratam de aspectos que afetam, de certa forma, a soberania nacional".

Nos 23 dias do Sínodo, as discussões vão envolver temas como a situação dos povos indígenas e quilombolas e mudanças climáticas - consideradas "agendas de esquerda" pelo Planalto. O governo quer ter representantes nas reuniões preparatórias para o encontro em Roma.

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A ação diplomática do Planalto terá várias frentes. Numa delas, o governo brasileiro quer procurar os representantes da Itália e do Vaticano no Brasil - Antonio Bernardini e d. Giovanni D'Aniello, respectivamente - para pedir a ajuda deles na divulgação dos trabalhos brasileiros nas áreas social, de meio ambiente e de atuação indígena. Serviria como contraponto aos ataques que o governo está certo que sofrerá no Sínodo, por ver influência de partidos de esquerda nesses setores. Os embaixadores do Brasil na Itália e no Vaticano também terão a missão de pressionar a cúpula da Igreja para minimizar os estragos que um evento como esse poderia trazer, dada a cobertura da mídia internacional.

Simpósio
Em outra ação diplomática, o Brasil decidiu realizar um simpósio próprio também em Roma e em setembro, um mês antes do evento organizado pelo Vaticano. Na pauta, vários painéis devem apresentar diferentes projetos desenvolvidos no País com intuito de mostrar à comunidade internacional a "preocupação e o cuidado do Brasil com a Amazônia". "Queremos mostrar e divulgar as ações que são desenvolvidas no Brasil pela proteção da Amazônia na área de meio ambiente, de quilombolas e na proteção dos índios", disse um dos militares do Planalto.

Também no Brasil, o governo quer fazer barulho e mostrar projetos sustentáveis. O primeiro evento já será nesta quarta-feira, na aldeia Bacaval, do povo Paresi - a 40 quilômetros de Campo Novo do Parecis, no norte de Mato Grosso. Ali, será realizado o 1.º Encontro do Grupo de Agricultores Indígenas, que tem por objetivo celebrar a Festa da Colheita.

O evento já estava marcado, mas o governo Bolsonaro quer aproveitar o encontro para enfatizar o projeto de agricultura sustentável tocado pelos índios naquela região. Trata-se do plantio de dois mil hectares de soja sob o regime de controle biológico de pragas, ou seja, sem pesticidas. Mais de dois mil indígenas (dados do último censo do IBGE) têm se revezado também no plantio de milho, mandioca, abóbora, batata, batata-doce e feijão. A nova direção da Funai afirma que pretende incentivar projetos semelhantes em áreas onde os índios tenham interesse em plantar em suas terras.

A apresentação de projetos de extração legal de madeira, assim como o apelo às empresas estrangeiras para que só comprem material certificado, é uma outra ideia para divulgar trabalhos realizados no Brasil. Com isso, o governo espera abrir outra frente de contraponto ao que vê como tentativa de interferência externa na Amazônia e ataque a políticas governamentais.

'Desnecessária'. Para o presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), d. Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO), essa preocupação do governo é desnecessária. "O Sínodo não tem a intenção de dar norma para o governo, mas de encontrar caminhos que nos ajudem a viver a solidariedade e a fraternidade com as populações que vivem na Amazônia há milhares de anos", disse d. Roque. / COLABOROU FELIPE FRAZÃO

» Leia a nota divulgada pelo Gabinete de Segurança Institucional:

Em relação à matéria publicada hoje no Jornal o Estado de São Paulo com o título “Planalto vê Igreja Católica como potencial opositora”, informamos o seguinte:

1. A Igreja Católica não é objeto de qualquer tipo de ação por parte da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) que, conforme a legislação vigente, acompanha cenários que possam comprometer a segurança da sociedade e do estado brasileiro;

2. Não há críticas genéricas à Igreja Católica. Existe a preocupação funcional do Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional com alguns pontos da pauta do Sínodo sobre a Amazônia que ocorrerá no Vaticano, em outubro deste ano;

3. Parte dos temas do referido evento tratam de aspectos que afetam, de certa forma, a soberania nacional. Por isso, reiteramos o entendimento do GSI de que cabe ao Brasil cuidar da Amazônia Brasileira.

Brasília, DF, 10 de Fevereiro de 2019.

Atenciosamente,

Assessoria de Comunicação do GSI


O Estado de S. Paulo: Bispos se opõem a políticos em evento

Organizadores argumentam que Sínodo sobre Amazônia, previsto para ocorrer em outubro, em Roma, não tem participação de governos

Felipe Frazão e José Maria Mayrink, de O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O grupo de bispos brasileiros que prepara o Sínodo sobre Amazônia, previsto para ocorrer em outubro, em Roma, critica a presença de representantes do governo federal no evento. O cardeal e arcebispo emérito de São Paulo, d. Cláudio Hummes, um dos mais próximos do papa Francisco, foi indicado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para levar ao Vaticano o pedido do Planalto para participar do encontro, mas ele sugeriu à equipe do presidente Jair Bolsonaro buscar outro interlocutor. “Sugeri que o governo acionasse a Embaixada do Brasil na Santa Sé como contato, pois se trata de uma questão diplomática”, disse ele ao Estado.

Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB e prefeito emérito da Congregação para o Clero em Roma, Hummes afirmou que a Igreja Católica não pretende prejudicar Bolsonaro nem dar uma “resposta” a repressões sofridas nos tempos do regime militar. “Deve-se ter a preocupação de não olhar para o passado, mas para o futuro, pois não é a mesma coisa agora”, disse, referindo-se a setores da Igreja que temem a repetição da conturbada relação do clero com a ditadura militar.

Um dos principais nomes da Igreja Católica em atividade na região Norte, o bispo emérito do Xingu (PA), d. Erwin Kräutler, reagiu com estranheza ao interesse do Planalto em influenciar o encontro religioso para tratar de temas como meio ambiente e índios. “Nós conhecemos a Amazônia muito melhor do que qualquer integrante do governo federal”, afirmou. “Como vão contribuir quando falarmos da situação da floresta, que vivemos há tantos anos?”, questionou.

Entre os integrantes do Planalto, estão ex-comandantes militares da Amazônia, como os generais Augusto Heleno Ribeiro, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Eduardo Villas Bôas, assessor da pasta, além do vice-presidente, general Hamilton Mourão, cuja família é do Amazonas e comandou em São Gabriel da Cachoeira, interior do Estado.

Aos 79 anos, sendo 54 no Pará, d. Erwin disse que é incomum a participação de autoridades políticas nesses encontros globais promovidos pelo Vaticano.

“Não, meu irmão. É um Sínodo de bispos!”, disse à reportagem. “Nunca vi membro de governo de qualquer país convidado”, acrescentou. “O que um representante do governo vai dizer quando estivermos tratando de novos caminhos da evangelização?”

D. Erwin foi um dos autores da Encíclica do Meio Ambiente, documento assinado pelo papa Francisco em 2015, que serviu de base para a decisão da Igreja em realizar o Sínodo. Ele afirmou que os representantes dos governos dos outros oito países da Amazônia – Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e França (Guiana Francesa) – também deveriam ser convidados. “Se convidar alguém do Brasil, o papa terá de chamar também pessoas de outros países. Isso me parece até um absurdo.”

‘Responsabilidade’. Outro envolvido nos preparativos do Sínodo, o presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), d. Roque Paloschi, disse que o encontro focará uma “realidade” de “direitos negados” a índios, ribeirinhos, quilombolas e extrativistas. “Não estamos jogando culpa em ninguém, estamos assumindo uma responsabilidade histórica que exige de nós clareza”, afirmou. “A Igreja tem de ficar do lado de quem? Ao lado de quem promove a morte ou de quem busca a vida?”, questionou.

D. Roque discorda da visão do Planalto de que os religiosos agem por simpatia à esquerda e antipatia a Bolsonaro. “A missão da Igreja é viver o Evangelho”, afirmou. “Não temos nada a esconder. Mas também não temos de nos encolher porque há uma preocupação do governo.”

O Estado questionou o Itamaraty sobre as tratativas com o Vaticano, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição. A Embaixada da Santa Sé em Brasília disse que só falaria nesta semana.

D. Erwin Kräutler

BISPO EMÉRITO DO XINGU (PA)

1. O governo Bolsonaro vai ser criticado no Sínodo?
Se os bispos fazem crítica é querendo ajudar, não derrubar. Eles sabem onde o sapato aperta. Vão falar da situação dos povos e do bioma ameaçado. Mas não para atacar frontalmente o governo.

2. O governo mudou a demarcação e quer abrir economicamente as terras indígenas.
Isso fere a Constituição, que é exemplar. Que nisso não se mexa. Se o governo ousar ferir, vamos nos levantar.

3. O governo editou decreto para fiscalizar ONGs.
É supérfluo. O que deve ser fiscalizado é o que se faz clandestinamente. Tem tanta roubalheira aqui na Amazônia que só Deus sabe. Não precisa ter medo das ONGs.

4. Houve aumento de conflitos florestais?
Nunca parou. Desde 1.º de janeiro tem gente invadindo e derrubando onde não pode. Essa conversa de que vai ser aberto é nefasta. Vai conspurcar a imagem do Brasil no exterior.

SÍNODO
O que é?
É o encontro global de bispos no Vaticano para discutir a realidade de índios, ribeirinhos e demais povos da Amazônia, políticas de desenvolvimento dos governos da região, mudanças climáticas e conflitos de terra.

Participantes
Participam 250 bispos.

Cronograma do Sínodo
19 de janeiro de 2019: início simbólico com a visita do papa Francisco a Puerto Maldonado, na selva peruana;

7 a 9 de março: seminário preparatório na Arquidiocese de Manaus;

6 a 29 de outubro: fase final no Vaticano, com missas na Basílica de São Pedro celebradas por Francisco.

Tema do encontro
Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.

As três diretrizes do evento
“Ver” o clamor dos povos amazônicos;

“Discernir” o Evangelho na floresta. O grito dos índios é semelhante ao grito do povo de Deus no Egito;

“Agir” para a defesa de uma Igreja com “rosto amazônico”


O Estado de S. Paulo: Planalto vê Igreja Católica como potencial opositora

Com base em relatórios de inteligência, o GSI avalia que setores da Igreja pretendem aproveitar o Sínodo sobre a Amazônia, em outubro, em Roma, para criticar o governo Bolsonaro, informa Tânia Monteiro. O temor é de que o chamado “clero progressista”, ligado a movimentos sociais, tome o lugar da oposição com a perda do protagonismo dos partidos de esquerda. Durante 23 dias, serão discutidos pelo Vaticano temas como situação dos povos indígenas e quilombolas e mudanças climáticas, considerados “agenda de esquerda” pelo Planalto. Na tentativa de neutralizar a ação, o governo vai procurar governadores, prefeitos e autoridades eclesiais, principalmente nas regiões de fronteira. “Achamos que isso é interferência em assunto interno do Brasil”, disse o ministro do GSI, general Augusto Heleno. Bispos que preparam o Sínodo são contra a presença de representantes do governo.

Tânia Monteiro, de O Estado de S. Paulo

O Palácio do Planalto quer conter o que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição ao governo Jair Bolsonaro, no vácuo da derrota e perda de protagonismo dos partidos de esquerda. Na avaliação da equipe do presidente, a Igreja é uma tradicional aliada do PT e está se articulando para influenciar debates antes protagonizados pelo partido no interior do País e nas periferias.

O alerta ao governo veio de informes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e dos comandos militares. Os informes relatam recentes encontros de cardeais brasileiros com o papa Francisco, no Vaticano, para discutir a realização do Sínodo sobre Amazônia, que reunirá em Roma, em outubro, bispos de todos os continentes.

Durante 23 dias, o Vaticano vai discutir a situação da Amazônia e tratar de temas considerados pelo governo brasileiro como uma “agenda da esquerda”.

O debate irá abordar a situação de povos indígenas, mudanças climáticas provocadas por desmatamento e quilombolas. “Estamos preocupados e queremos neutralizar isso aí”, disse o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que comanda a contraofensiva (mais informações nesta página).

Com base em documentos que circularam no Planalto, militares do GSI avaliaram que os setores da Igreja aliados a movimentos sociais e partidos de esquerda, integrantes do chamado “clero progressista”, pretenderiam aproveitar o Sínodo para criticar o governo Bolsonaro e obter impacto internacional. “Achamos que isso é interferência em assunto interno do Brasil”, disse Heleno.

Escritórios da Abin em Manaus, Belém, Marabá, no sudoeste paraense (epicentro de conflitos agrários), e Boa Vista (que monitora a presença de estrangeiros nas terras indígenas ianomâmi e Raposa Serra do Sol) estão sendo mobilizados para acompanhar reuniões preparatórias para o Sínodo em paróquias e dioceses.

O GSI também obteve informações do Comando Militar da Amazônia, com sede em Manaus, e do Comando Militar do Norte, em Belém. Com base nos relatórios de inteligência, o governo federal vai procurar governadores, prefeitos e até autoridades eclesiásticas que mantêm boas relações com os quartéis, especialmente nas regiões de fronteira, para reforçar sua tentativa de neutralizar o Sínodo.

O Estado apurou que o GSI planeja envolver ainda o Itamaraty, para monitorar discussões no exterior, e o Ministério do Meio Ambiente, para detectar a eventual participação de ONGs e ambientalistas. Com pedido de reserva, outro militar da equipe de Bolsonaro afirmou que o Sínodo é contra “toda” a política do governo para a Amazônia – que prega a defesa da “soberania” da região. “O encontro vai servir para recrudescer o discurso ideológico da esquerda”, avaliou ele.

Assim que os primeiros comunicados da Abin chegaram ao Planalto, os generais logo fizeram uma conexão com as críticas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Órgãos ligados à CNBB, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT),

não economizaram ataques, que continuaram após a eleição e a posse de Bolsonaro na Presidência. Todos eles são aliados históricos do PT. A Pastoral Carcerária, por exemplo, distribuiu nota na semana passada em que critica o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que, como juiz, condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato.

Na campanha, a Pastoral da Terra divulgou relato do bispo André de Witte, da Bahia, que apontou Bolsonaro como um “perigo real”. As redes de apoio a Bolsonaro contra-atacaram espalhando na internet que o papa Francisco era “comunista”. Como resultado, Bolsonaro desistiu de vez da CNBB e investiu incessantemente no apoio dos evangélicos. A princípio, ele queria que o ex-senador e cantor gospel Magno Malta (PR-ES) fosse seu candidato a vice. Eleito, nomeou a pastora Damares Alves, assessora de Malta, para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

A relação tensa entre militares e Igreja Católica começou ainda em 1964 e se manteve mesmo nos governos de “distensão” dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, último presidente do ciclo da ditadura. A CNBB manteve relações amistosas com governos democráticos, mas foi classificada pela gestão Fernando Henrique Cardoso como um braço do PT. A entidade criticou a política agrária do governo FHC e a decisão dos tucanos de acabar com o ensino religioso nas escolas públicas.

O governo do ex-presidente Lula, que era próximo de d. Cláudio Hummes, ex-cardeal de São Paulo, foi surpreendido, em 2005, pela greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Cappio. O religioso se opôs à transposição do Rio São Francisco.

Com a chegada de Dilma Rousseff, a relação entre a CNBB e o PT sofreu abalos. A entidade fez uma série de eventos para criticar a presidente, especialmente por questões como aborto e reforma agrária. A CNBB, porém, se opôs ao processo de impeachment, alegando que “enfraqueceria” as instituições.

‘Vamos entrar a fundo nisso’, afirma Heleno
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno Ribeiro, afirmou que há uma “preocupação” do Planalto com as reuniões e os encontros preparatórios do Sínodo sobre a Amazônia, que ocorrem nos Estados.

“Há muito tempo existe influência da Igreja e ONGs na floresta”, disse. Mais próximo conselheiro do presidente Jair Bolsonaro, Heleno criticou a atuação da Igreja, mas relativizou sua capacidade de causar problemas para o governo.

“Não vai trazer problema. (O trabalho do governo de neutralizar impactos do encontro) vai apenas fortalecer a soberania brasileira e impedir que interesses estranhos acabem prevalecendo na Amazônia”, afirmou. “A questão vai ser objeto de estudo cuidadoso pelo GSI. Vamos entrar a fundo nisso.”

Tanto o ministro Augusto Heleno quanto o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, hoje na assessoria do GSI e no comando do monitoramento do Sínodo, foram comandantes militares em Manaus. O vice-presidente Hamilton Mourão também atuou na região, à frente da 2.ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira.


Valor: AI-5 faz 50 anos em país polarizado; general Heleno defende decreto da linha-dura

Traumas demoram a passar. Cinquenta anos depois daquela sexta-feira, 13 de dezembro de 1968, ainda causam emoção e controvérsias os motivos que levaram o então presidente Arthur da Costa e Silva (1899-1969) a editar o Ato Institucional nº 5, o AI-5, marco do início dos anos de chumbo.

Por Helena Celestino, do Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Quando, numa tarde ensolarada, o marechal-presidente abriu a reunião com as 24 autoridades mais poderosas do país, em volta da mesa de jantar do Palácio das Laranjeiras no Rio, já estava tomada a decisão de armar o Estado de poderes extraordinários, libertando o regime, por tempo indeterminado, das já tênues amarras legais.

Durou dez anos, foi o período mais duro da mais longa ditadura brasileira (1964-1985) e, mais de três décadas após a redemocratização, muitas das ideias consagradas sobre a radicalização do regime foram derrubadas com a abertura de novos arquivos, profusão de livros, filmes e teses a revisitar o período. Mas a interpretação do passado ainda reflete a polarização política de ontem e de hoje.

"Assinei e, se as condições fossem as mesmas e o conhecimento fosse aquele que a gente tinha naquele instante, assinaria outra vez", diz Delfim Netto, o único sobrevivente da histórica reunião, da qual participou aos 40 anos como ministro da Fazenda ainda apagado, mas já com passagem bem-sucedida como secretário de São Paulo e autor de tese de doutorado sobre café, na época o produto que mais mexia com a economia brasileira. (Leia entrevista na página 12)

A fidelidade ao passado não impede Delfim de ridicularizar, duas décadas depois, o solene pronunciamento feito, em cadeia nacional de televisão, pelo então ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva (1913-1979) horas depois da decretação do AI-5. Em nome do governo, ele justificava o fechamento do Congresso, a cassação de mandatos, a prerrogativa de demitir funcionários públicos, a suspensão do habeas corpus, o cancelamento da liberdade de expressão e de reunião, pela necessidade de poderes extraordinários contra a ameaça comunista.

O perigo seria representado pelas manifestações estudantis, as ações armadas da esquerda e, como cereja no bolo da insubordinação, o discurso do deputado Marcio Moreira Alves (1936-2009) na tribuna da Câmara, em que se referia ao Exército como santuário de torturadores. "Naquela época do AI-5, havia muita tensão, mas, no fundo, era tudo teatro… Era teatro para levar ao ato", disse Delfim ao jornalista Elio Gaspari, autor de cinco livros com minuciosa reconstituição da ditadura.

Foi prosaico assim, concorda a maioria dos historiadores. "Os protestos estudantis acabaram em junho e nem havia ainda as ações armadas. O Estado brasileiro tinha todas as condições para cuidar de alguns assaltos e meia dúzia de protestos", afirma Carlos Fico, historiador, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e reconhecido como grande pesquisador do período.

O alvo principal do ato não era a esquerda armada, mas antigos aliados de 64, afirma o historiador Rodrigo Patto. O governo temia que o Congresso votasse uma Lei de Anistia, acusava os professores de estimular a revolta dos estudantes, via na imprensa simpatia com os protestos e, nos juízes, impedimento para a "justiça revolucionária" agir livremente. O AI-5, analisa, forneceu ao Estado meios para punir segmentos do seu campo, grupos de centro ou liberais flertando com a rebeldia.

A interpretação do professor é reforçada por enquete do então embaixador dos EUA John Tuthill (1910-1996), recuperada em um arquivo americano, em que ele expressa o desconforto da diplomacia de seu país com o fim das garantias institucionais no Brasil e ouve de políticos, intelectuais e empresários brasileiros previsões de tempos difíceis pela frente.

"A sensação era de que o novo Ato Institucional liberava as feras, que saíram à caça com mais vontade do que em 64", diz Patto, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e autor de "As Universidades e a Ditadura" (Zahar).

A partir daí, a ditadura tornou-se mais militar, mais autoritária, reduziu o espaço para atuação de aliados civis e botou os políticos em situação ainda mais subalterna. O "milagre econômico" já começara, mas a velha máxima "é a economia, estúpido" não ajudou a melhorar o clima político. Depois de um longo ajuste fiscal promovido pelo governo de Castello Branco (1897-1967), a liberação de crédito ao consumo estimulava a economia e já em 1968 o país cresceu 10%, iniciando um ciclo de taxas recordes de aumento do PIB até 1973. Só que a sensação de melhoria na qualidade de vida ainda não chegara à elite brasileira e, muito menos, aos mais pobres, dizem alguns especialistas.

"A crise foi estritamente política. O propósito que unificava os militares era transformar o Brasil em uma grande potência por meio de uma ação autoritária. O AI-5 não foi um fato episódico, foi a vitória da tendência saneadora, que achava necessário prender subversivos, corruptos e opositores para levar o projeto adiante", diz Fico, autor de livros importantes sobre o período.

Era a vitória da chamada linha-dura. A outra corrente, mais moderada, tinha uma dimensão pedagógica, acreditava na força da propaganda política para conquistar apoios e da censura para resguardar a moral conservadora. Ambas as tendências partiam do princípio de que a sociedade era despreparada, não sabia votar e cabia aos dirigentes o papel de "Messias". Os dois grupos se confrontaram ao longo da ditadura, às vezes ganhava força a corrente saneadora, outras, a pedagogia autoritária. "Eram dimensões distintas que expressam um propósito unificado, que chamo de utopia autoritária: tornar o Brasil um país rico ainda que a custo de direitos individuais, liberdade", afirma Fico.

 

O general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, próximo ministro do Gabinete da Segurança Institucional, olha o passado de uma maneira semelhante à de Jair Bolsonaro (PSL) e ao discurso oficial da época. O homem que vai assessorar o presidente eleito em assuntos militares e de segurança acha que é fácil criticar agora o AI-5, longe do que qualifica de cenário de guerra revolucionária alastrando-se pelo país.

"Não era possível seguir permitindo que as forças da 'comunização' seguissem ganhando espaço por falta de instrumentos legais", diz o general, em defesa das medidas de exceção, consideradas como uma maneira de "partir para a ignorância" pelo diretor do Serviço Nacional de Informações (SNI) da época, o depois presidente João Baptista Figueiredo (1918-1999).

"O AI-5 começou a censurar antes mesmo de ser editado e a prender antes de ser anunciado publicamente", escreve o jornalista Zuenir Ventura no livro "1968: O Ano que Não Terminou". Nos dias seguintes ao 13 de dezembro, oficiais fizeram arrastões pelas cidades levando centenas de intelectuais, estudantes, artistas e jornalistas para as celas dos Departamentos de Ordem Política e Social (Dops) e quartéis. Estavam nessa turma de Caetano Veloso e Gilberto Gil ao ex-presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), capturado enquanto descia as escadas do Teatro Municipal do Rio. Aos 75 anos, o jurista Sobral Pinto (1893-1991) foi levado de chinelos e meias para um quartel; o antigo aliado dos militares Carlos Lacerda (1914-1977) se viu na mesma cela que o seu arqui-inimigo Mário Lago (1911-2002), histórico comunista vestido de vilão, o figurino da novela que gravava ao "cair".

"Vivemos um terrorismo cultural", classificou Alceu de Amoroso Lima (1893-1983), pensador católico importante nos anos 60. A suspensão do habeas corpus, princípio do direito para dar proteção ao cidadão contra arbitrariedades do Estado, devastou uma geração de brasileiros e deixou uma herança trágica: em documento entregue à então presidente Dilma Rousseff (PT) em 2014, a Comissão Nacional da Verdade contabilizou 434 mortos ou desaparecidos, 7 mil exilados e 20 mil torturados.

"A partir do AI-5 monta-se a repressão política, organizada nacionalmente por setores de espionagem, setores da polícia política, setores de censura", diz Fico. O general Heleno contesta: "Apenas os excessos das forças do Estado são invariavelmente maximizados, enquanto as forças que desejavam transformar o Brasil em uma ditadura comunista são romantizadas".

As denúncias de abusos contra os direitos humanos afetaram as relações externas do Brasil com as grandes democracias ocidentais, mas não só da maneira esperada pela rede de solidariedade aos exilados, organizadas por ativistas e parlamentares na Europa e nos EUA. Documentos revelam que interesses comerciais falaram mais alto do que as palavras de ordem dos manifestantes nas ruas e, secretamente, Reino Unido e França colaboraram com os oficiais brasileiros em ação nos porões.

"Os brasileiros foram cobaias das técnicas de tortura usadas depois pelo Exército britânico contra o IRA [Exército Republicano da Irlanda]", diz o historiador João Roberto Martins Filho.

Professor da Universidade Federal de São Carlos, ele teve acesso a uma carta confidencial, de 1972, enviada pelo então embaixador britânico em Brasília, Sir David Hunt (1913-1998), ao Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido, na qual comenta que os "métodos mais sofisticados de interrogatórios no Brasil foram influenciados por sugestões e recomendações do Exército inglês". Pelo texto, presume-se que os britânicos estariam sendo procurados de novo por brasileiros, e o diplomata escreve que, como seu interlocutor deve saber, a "colaboração com o Brasil já acabara há um ano e meio, ou seja, em agosto de 1971".

"Os britânicos construíram três salas de tortura no DOI-Codi na Barão de Mesquita, antes de fazer isso na Irlanda, perto de Belfast", diz Martins Filho, autor do livro "Segredos de Estado - O Governo Britânico e a Tortura no Brasil". Eram cubículos pintados de preto ou completamente brancos, hermeticamente fechados, mantidos sob frio intenso ou calor escaldante, bombardeados com sons em alta frequência, variações de luz e ameaças gritadas em alto-falantes.

Uma réplica dessa sala escondia-se numa prisão na Irlanda, onde os membros do IRA também conheceram a arquitetura e os métodos de interrogatórios do Exército britânico, exportados depois para a prisão de Abu Ghraib, onde os EUA torturavam prisioneiros no Iraque. "O prisioneiro ficava no escuro muitas horas, perdia a noção do dia e da noite, começava a ouvir vozes e não sabia mais se eram deles ou não", afirma o professor.

Para a rua Barão de Mesquita eram levados os ativistas nos anos 70. O jornalista Álvaro Caldas esteve lá duas vezes e constatou a modernização da tortura entre a primeira e a segunda prisão. Na primeira, era pau de arara e choque elétrico, juntos ou separados. Na segunda, foi deixado numa das salas especiais e viu que era tudo novinho, notou que os fios elétricos eram importados e achou tudo parecido com consultório de dentista. "Fiquei sozinho, ouvindo o barulho, até que entrou um cara e, de um púlpito, dizia: 'Agora não torturamos mais', como se não estivesse me torturando", relembra Caldas. A história abre o livro "Tirando o Capuz".

O "Times" de Londres foi o primeiro a denunciar o uso das "técnicas do Ulster [Norte da Irlanda]" e, por exigência do arcebispo ao primeiro-ministro britânico, a tortura foi proibida logo depois. Em relatório secreto consultado pelo pesquisador, um general citava enviados de muitos países, a Alemanha Ocidental entre eles, para aprender as técnicas britânicas de interrogatório. O Brasil não estava na lista, mas há registros de militares brasileiros em Londres e vice-versa.

"O documento comprova a participação direta do Reino Unido na construção da tortura no Brasil", diz Martins Filho. Contatada, a embaixada do Reino Unido em Brasília não respondeu ao pedido de informações sobre o assunto.

 

Após o AI-5, ficaram mais complexas as relações diplomáticas do Brasil. Os EUA, aliados ativos no golpe de 64, agora estavam reticentes e divididos. O Conselho Nacional de Segurança propunha o esfriamento das relações com o Brasil e senadores defendiam o corte da ajuda externa aos brasileiros. Documento do Departamento de Estado mostrava a preocupação do então secretário Dean Rusk (1909-1994) com o rumo da política, mas, na Casa Branca, prevalecia o pragmatismo. Só que o Congresso, em conflito com governo de Richard Nixon (1913-1994) desde 1965, impusera ao Executivo a apresentação de um relatório anual sobre a situação dos direitos humanos nos países compradores de armas, restrições que dificultavam negócios com os militares brasileiros interessados em reequipar as Forças Armadas.

O Reino Unido percebeu a oportunidade de bons negócios. A moeda de troca para passar tecnologia a ser usada contra opositores da ditadura foi a compra de seis fragatas da Marinha inglesa, um negócio de 100 milhões de libras financiado por um consórcio de oito bancos britânicos, diz Martins Filho. As relações comerciais entre os dois países eram públicas e provocavam protestos na cidade-sede da Anistia Internacional. O apoio aos porões, naturalmente, era secreto lá e aqui. "Provavelmente, os primeiros-ministros não sabiam", diz o pesquisador.

Padrão semelhante tiveram as relações entre França e Brasil. Paris honrava a fama de pátria dos exilados políticos do mundo: recebeu bem os brasileiros expulsos pela ditadura, mas foi igualmente acolhedora com as autoridades que os perseguiam. Negociava-se com a Força Aérea Brasileira 16 caças Mirages, um negócio com cacife para evitar as críticas oficiais do país dos direitos humanos às torturas nas prisões brasileiras. "Generoso no asilo, o governo francês era severo na vigilância dos exilados e cordial nas relações com a embaixada", resume Elio Gaspari, em "A Ditadura Escancarada".

As denúncias ecoavam em jornais, nas universidades e materializavam-se em protestos no Parlamento e nas ruas, com apoio de sindicatos e da esquerda francesa. Só dom Helder Câmara (1909-1999), arcebispo do Recife, numa passagem por Paris, reuniu no Palácio dos Esportes 10 ml pessoas para ouvi-lo pedir que denunciassem ao mundo que no Brasil se torturava.

O governo brasileiro rotulava esse movimento de "campanha de difamação do Brasil no exterior" e chegou a contratar um escritório para publicar textos elogiosos ao país num obscuro jornal, "East Ouest". O historiador Paulo César Gomes encontrou documentos da embaixada brasileira relatando artifícios arquitetados para fazer o arcebispo perder o passaporte e, no Ministére des Affaires Étrangeres, teve acesso a dossiês completos sobre a vida em Paris do crítico de arte Mário Pedrosa (1900-1981), do escritor Josué de Castro (1908-1973) e do jornalista Samuel Wainer (1910-1980).

"O governador Miguel Arraes [1916-2005], na época morando na Argélia, só recebia visto de entrada na França se o cunhado francês, Pierre Gervaiseau, assinasse termo de responsabilidade por ele", diz o pesquisador, autor de livro sobre o tema que será lançado em 2019.

Quase oficial foi a exportação para a América Latina da doutrina militar francesa, batizada de guerra antissubversiva. O método, cuja arma principal era a tortura, foi sistematizado após a derrota do Exército francês contra a Frente de Libertação Nacional da Argélia e, nos anos 60, foi ensinado a brasileiros, argentinos, chilenos e uruguaios. Em 1972, quando o Brasil enfrentou a guerrilha do Araguaia, um ex-general da batalha de Argel, Paul Aussaresses (1918-2013), veio servir como adido militar em Brasília e deu aulas no Centro de Instrução de Guerra na Selva, com sede em Manaus.

"Antes de morrer, ele me contou que ensinou tortura aos militares brasileiros", diz Marie-Monique Robin, autora de "Escadrons de la Mort: L'École Française" [Esquadrões da Morte: A Escola Francesa], livro e filme sobre o tema.

 

 

"Essa estrutura de repressão política trouxe um prejuízo generalizado à sociedade brasileira", diz Fico. Ele dá o exemplo da rede de espionagem criada para monitorar autarquias, estatais e universidades, fazendo com que todas as ações da esfera pública passassem a ser pautadas pela comunidade de informações, a essa altura o grupo mais poderoso do aparelho de Estado. "Muita gente foi vítima dessa comunidade de informação", afirma o historiador.

O general Heleno rechaça as críticas. "A história do Brasil, durante o que chamam de regime militar, jamais foi contada com imparcialidade, a começar pela falsa afirmativa de que a tortura, os sequestros e os assassinatos foram institucionalizados", diz.

Essa tragédia política brasileira, desenrolada com mais intensidade durante os dez anos de AI-5, poderia ter sido abreviada se não fosse mais um desses acidentes que pontuam a história do país. Arquivos revelam a intenção de Costa e Silva de outorgar uma nova Constituição, em que o presidente teria poder de revogar "qualquer ou todos os artigos do AI-5". O vice, Pedro Aleixo (1901-1975), e juristas trabalharam no projeto. O marechal participou de reuniões e fez anotações. Marcou para 1º de setembro a reabertura do Congresso (fechado desde o AI-5), ocasião em que promulgaria a emenda constitucional para revogar o AI-5.

Mas Costa e Silva teve uma trombose em agosto de 1969. Fico relata seus últimos movimentos no poder: "Estava muito pressionado pela linha-dura, aconselhavam-no a não abrir mão de parte dos poderes do AI-5. Na última reunião, o homem autoritário e tido como burro, faz um desabafo dizendo que nunca quis impor a tirania ao Brasil. Já era doente, mas provavelmente o estado dele se agravou pela pressão política".

A sequência dessa história é arquiconhecida: na sequência, os três ministros militares dão um golpe e impedem Pedro Aleixo de assumir a Presidência. "Aí, sim, acontece o golpe dentro do golpe. A junta promulga a Constituição sem o artigo 182", diz Fico.

O general Heleno vê o periodo como a consolidação da vitória do Brasil contra o comunismo: "Concordo com o general Leônidas [Pires Gonçalves], quando afirma que o Brasil se transformaria em um verdadeiro continente sócio-marxista, se não fosse o regime militar. O AI-5 aconteceu dentro desse contexto". Tudo indica que as profundas cicatrizes e divisões da sociedade deixadas por esses anos ainda atravessarão novas gerações. (Colaborou Monica Gugliano)

Nota da Redação: Esta reportagem foi publicada na edição impressa com o título Uma utopia autoritária.

A relação entre arte, democracia e utopia

Todos estão em torno dos 70 anos, os cabelos são grisalhos, os corpos têm as marcas do tempo. São 12 ao redor de uma mesa, as vozes às vezes se quebram num choro contido. A plateia, uma maioria de companheiros de geração salpicada por muitos jovens, enxuga as lágrimas, em meio a sorrisos ternos provocados pelas lembranças. É uma leitura dramática, mas não como as outras que marcam o início de ensaios. "O Mutirão", nome provisório desse espetáculo, está sendo construído há dois anos em um trabalho de criação coletiva. É uma arqueologia sentimental do Tuca, grupo de teatro universitário da década de 60, entremeada com a memória dos 50 anos de vida dos então jovens atores amadores, trazendo junto meio século da história do Brasil.

As apresentações aos sábados de manhã, na UFRJ, e as sessões especiais para estudantes universitários comovem. Remexem num passado doloroso, revisitado também em documentários como "Torre das Donzelas", em que Susanna Lira retrata as presas políticas durante a ditadura militar no presídio Tiradentes, ou na transposição para o cinema de "Rasga Coração", peça-símbolo da luta contra a censura escrita por Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974) e filmada agora por Jorge Furtado. O Teatro Oficina de José Celso Martinez Correa estreou nesta semana a remontagem de "Roda Viva" e mostras no Instituto Tomie Ohtake de São Paulo (encerrada no mês passado) ou no Museu de Arte do Rio (MAR) discutem, respectivamente, os custos da retirada dos direitos no imaginário cultural do país e a relação entre arte, democracia e utopia.

Lembrar para não repetir está no espírito de todas essas manifestações culturais. Talvez a mais despretenciosa, mas não menos poderosa, seja a memória do engajamento cultural contra a ditadura e a reflexão sobre o tempo político vivido, encenada pelos agora envelhecidos atores amadores, para comemorar os 50 anos do Tuca. "Ficamos atrevidos, achamos que nossa geração tem algo a dizer", reforça um deles para o público. "Estamos criando algo novo, tudo tem uma ressignificação", diz Amir Haddad, o diretor do passado e do presente, em mais um ensaio na semana passada.

Esse tempo revivido começa com a formação do grupo em 1966, tem o momento de glória com a montagem de "Coronel de Macambira" em 67 e a fase feliz acaba em dezembro de 68 com o AI-5. Foram dois anos que deixaram marcas na trajetória de cada um e na história do teatro. "Pouco mais do que um adolescente, fiquei encantado com a encenação. Ali, em plena ditadura, o Brasil era o boi, que afinal ressuscitava, e dele se ouvia o rumor dos passos", disse o deputado Chico Alencar (PSol), num depoimento ao "Globo" em 2016.

A vida brasileira desfilava na grande praça montada no palco, nesta adaptação de "Bumba Meu Boi", criada pelo poeta Joaquim Cardozo (1897-1978), o também famoso engenheiro dos projetos de Oscar Niemeyer (1907-2012). As músicas, compostas por Sérgio Ricardo, eram todas originais e jamais foram gravadas. Haddad, um homem de teatro já confirmado, largou tudo para, encantado, trabalhar com aquele bando de jovens: eles eram 36 no palco, revezando-se em 45 papéis, mas eram muito mais atrás das cortinas, ajudando, aplaudindo e discutindo, registrou Arthur Poerner, no "Correio da Manhã", em 1966: "O Tuca é fundamentalmente o movimento estudantil".

O trabalho teatral era parte da luta pela democracia. O projeto do grupo era levar o teatro à periferia, aos sindicatos, às cidades pequenas. Eram apenas estudantes contra a ditadura, mas, após o AI-5, muitos deles foram presos, torturados, exilados e demitidos dos empregos.

E se a gente lesse de novo o "Macambira"? A ideia foi lançada no primeiro reencontro do grupo há três anos e resultou no espetáculo de agora. Nesse "Mutirão", trechos do texto e das músicas originais são intercalados com o relato do processo de criação e depoimentos dos atores sobre como eram no passado, por onde andaram e como são agora. "Tudo que é dito aqui foi intensamente vivido ou testemunhado por nós. Nada é ficção", diz Amir Haddad, narrador do espetáculo.

Ninguém conta para o público a sua história, mas todos reconhecem como seus os sentimentos vividos por cada um dos outros. Por exemplo, a dor e o medo na cadeia. "Não dá para esquecer. O barulho das chaves na Ilha das Flores, cada vez que o guarda ia buscar alguém para o interrogatório. Esse barulho a gente carrega pela vida toda", diz uma delas.

Ou a solidão do exílio para os que foram e o clima opressivo criado pela desconfiança e a repressão para os que ficaram. "Essa atmosfera que asfixia a liberdade dificulta a respiração", diz um deles.

O humor e a ironia permeiam os relatos. "Chegamos [as três exiladas] a Santiago do Chile, e, talvez por ver uma de nós carregando um violão, um jornalista perguntou: 'Ustedes no son el trio Bangu?'." Na volta ao Brasil, com a Anistia, a alegria se mistura ao estranhamento. "Reencontrar os amigos traz um sentimento ambíguo. Eles estão diferentes, mudaram. Descubro que eu também", reconhece.

Com o fim da ditadura, a vida retomou uma certa normalidade, e a maioria seguiu as profissões para as quais se preparavam. Haddad criou o Tá na Rua e continua dando aulas. Três deles se tornaram atores profissionais: Márcia Fiani, Renata Sorrah e Roberto Bonfim, outros são economistas, químicos, engenheiros, professores. Para todos, é importante contar os sonhos, as derrotas e as vitórias. A emoção do público parece demonstrar que é importante ouvir. No ano que vem o espetáculo volta ao mesmo lugar, no mesmo horário.

Produção artística era vista como uma grande ameaça

"Fecha esta exposição." Era 1969, a Petite Galerie expunha as obras de Carlos Vergara, já naquela época um nome importante nas artes visuais brasileiras. Em exibição estava "Berço Esplêndido", instalação de caixotes com um manequim como um corpo morto enrolado na bandeira dos Estados Unidos e do Brasil. Pelo chão da sala, uma palavra repetida muitas vezes: penso, penso, penso.

Um general morava perto da galeria, em Ipanema. Passou por ali, ficou irritado com o que viu e deu a ordem. "O general não disse nem o nome. Mandou fechar, simples assim, simples como um bom-dia", afirma Vergara, 50 anos depois. Franco Terranova (1923-2013), dono da Petite Galerie, ligou para o artista, contou a história, e os dois desmontaram a exposição.

"Nasci em 1941, vivi toda a época libertária juscelinista. Para quem teve um início assim, foi muito violento. Pensei em ir para a clandestinidade, mas achei que minha arte poderia ser mais útil. Com trabalhos que não fossem das musas, fossem mais perigosos, que contivessem dados do real, como os músicos faziam, o teatro fazia, todos tentando manifestar uma visão libertária do mundo", diz o artista.

Com um público mais reservado, as artes plásticas foram menos afetadas pelo Ato Institucional nº 5, o AI-5, do que a música, o cinema e o teatro, mas algumas manifestações criaram enormes polêmicas no país, como as trouxas ensanguentadas espalhadas pela cidade por Arthur Barrio, numa referência à violência da repressão. Ou a performance de Antonio Manuel nu, apresentando-se como obra de arte no Salão Nacional de Artes Plásticas, no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio. Estava conectado com a "body art", um dos caminhos da arte no mundo. Mas aqui foi proibido, estávamos em 1970.

"Depois ele construiu um belo trabalho com a foto dele nu numa caixa", diz Paulo Sérgio Duarte, crítico de arte, curador e professor. Duarte mostra como o desdobramento da política na produção artística nessa época se dá por uma obra mais reflexiva, uma tendência internacional que faz uma crítica forte da arte como mercadoria. "São trabalhos muito importantes, mas que não se entregam sem o pensamento, você é obrigado a pensar", diz.

No Brasil ocorre com Waltercio Caldas, Antonio Dias (1944-2018) e, um pouco mais tarde, Tunga (1952-2016), um grupo de artistas com trabalhos de muita potência que repercutem hoje em todo o mundo. "O interesse em não produzir uma obra comercial é político", afirma.

Fazer pensar ficou perigoso nos anos de chumbo. O poder público foi usado como polícia pedagógica, destinada a perseguir desviantes, rotulados de comunistas e acusados de pregarem ideias para destruir os pilares da civilização ocidental: a família, a moral sexual e as bases do direito penal e civil. Só depois da Lei da Anistia (1979), foram reintegrados à universidade os 66 professores expulsos com o AI-5, entre eles Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995), a historiadora Maria Yeda Linhares (1921-2011). Para combater o pensamento marxista que teria se infiltrado nas instituições culturais, o Estado abriu inquéritos policiais e militares contra "think tanks" (Iseb, por exemplo) e centros de cultura, como o CPC da UNE. Interveio nas escolas e universidades, com uma legislação repressiva forte, aulas de moral e cívica do ensino fundamental às faculdades e incentivos à espionagem. E usou a censura sem moderação.

"Criou-se um clima de medo e revolta. Uma situação muito violenta contra as atividades intelectuais e culturais. A censura, instituída por lei em 1970, vai ser muito pesada contra artes e espetáculos regidos por essa lei", diz Marcelo Ridenti, professor do Instituto de Filosofia da Unicamp e autor de livros sobre cultura e ditadura.

As histórias são conhecidas, mas os números impressionam. Em dez anos, os censores examinaram em torno de 22 mil peças de teatro, das quais 700 foram proibidas na íntegra e outras centenas tiveram trechos cortados, contabiliza a pesquisadora Miliandre Garcia.

Cerca de 500 filmes (muitos estrangeiros) foram banidos das telas brasileiras, a maioria por questões morais ou religiosas - um exemplo foi "Último Tango em Paris" (1972), clássico do cinema de Bernardo Bertolucci (1941-2018). A literatura foi um pouco menos afetada, mas 430 livros não puderam chegar às livrarias, dos quais 92 escritos por brasileiros. Centenas de letras de canções foram vetadas pela censura, levando Chico Buarque a recorrer a pseudônimos e sair do país, mesmo caminho seguido por Caetano Veloso e Gilberto Gil. A imprensa foi controlada de modo severo entre 1969 e 78, sujeita a arbitrariedades de censores, já que não havia regulamentação específica para jornais e noticiários em televisões e rádios.

Em muitos jornais, sob mordaça, estampava-se o ufanismo do Brasil Grande e a família tradicional, imagens só contestadas mais tarde com a criação da imprensa alternativa iniciada com "O Pasquim" e depois o "Opinião" - este teve 5 mil páginas publicadas e 5 mil vetadas.

"A cultura é muito flexível e sobrevive. Quem falou muito depois do AI-5 foi a poesia marginal", diz Heloisa Buarque de Hollanda, a primeira a chamar atenção para os poetas do mimeógrafo.

Lentamente um reflorescimento cultural se inicia, com o surgimento da contracultura, não diretamente política, mas muito crítica à situação do país. Os movimentos de vanguarda reaparecem, os exilados culturais começam a voltar. "É uma reação ainda à meia voz, foi se criando uma cultura alternativa muito viva que só fez crescer", diz Ridenti. Era o início da distensão, lenta e gradual.


El País: General Heleno, o estrategista-chefe que Bolsonaro instalou a um gabinete de distância

Futuro chefe do GSI é o principal conselheiro do presidente em um futuro Governo de “superministros”

Por Afonso Benites, do El País

Em um governo de “superministros”, quem tem mais poderes é uma espécie de sombra do presidente eleito. O general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, de 71 anos, foi um dos principais incentivadores da candidatura Jair Bolsonaro (PSL). Primeiro tentou que o seu partido, o PRP, aceitasse lançá-lo como vice. Não conseguiu. Desligou-se das atividades partidárias e passou a coordenar uma equipe de técnicos responsável por elaborar o programa de Governo. Paralelamente, organizava carreatas em Brasília em apoio ao então candidato e discutia estratégias de segurança com policiais federais depois que ele levou uma facada, em setembro.

Com a vitória nas urnas, deixou de ser um simples conselheiro. Primeiro, foi alçado a futuro ministro da Defesa. Todavia, como o presidente o queria mais próximo, aceitou uma espécie de promoção para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) – órgão responsável por fomentar toda atividade de inteligência do Governo federal. Desde então, sempre que Bolsonaro vai tomar uma decisão importante, um dos primeiros a ser consultado é Heleno. Opina sobre tudo, desde que seja perguntado. É o principal estrategista do Governo.

“O presidente toma doses cavalares de Heleno, todos os dias. Nada de doses homeopáticas. Ele quer absorver tudo o que pode do general”, disse um membro da equipe de transição. Não por menos, o general é visto antes das 8h no apartamento funcional do presidente eleito, ou o acompanhando nos mais diversos encontros, seja ele uma reunião com embaixadores, um evento com governadores eleitos ou uma audiência formal com atual presidente, Michel Temer (MDB).

E sobre o que tanto fala com o presidente eleito? “São conversas sigilosas, profissionais, entre pessoas que se confiam. São trocas de ideias constantes”, afirma ele ao EL PAÍS.

Conforme membros da equipe de transição, frequentemente Heleno diz para Bolsonaro ter calma. Pede para ele se tranquilizar quando tem de tomar decisões relacionadas ao Itamaraty, à Defesa, aos médicos cubanos, à segurança pública.

Sobre o trato com o Congresso Nacional, prefere que o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) opine. Quando falam de economia, ele pede, principalmente, para que não haja contingenciamento de recursos das Forças Armadas e joga o restante no colo de Paulo Guedes (futuro “superministro” da Economia). Já na pasta do outro “superministro”, Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, ele dá opiniões, mas diz confiar plenamente no futuro colega de Esplanada. Em privado, contudo, segue falando com Bolsonaro.

Ao contrário de seu chefe, o general costuma ser cordial com a imprensa. Raramente perde a paciência com jornalistas, nem quando insistem em perguntar sobre temas que ele não está disposto a falar. Na última semana, quando notou que um batalhão de repórteres o aguardava após um dos eventos, disse aos risos: “Pô, parece que vocês se reproduzem por partenogênese”. Ao perceber que três desses jornalistas eram de um mesmo grupo de comunicação, voltou a fazer piada: “Está sobrando gente no jornal, heim! Que bom”.

Quando atendeu por telefone a reportagem do EL PAÍS, afirmou, em tom simpático: “Não tenho nada para acrescentar. Tudo já foi dito. Agora não é mais campanha. Cada um tem um cantinho para cuidar”. Ainda assim, teceu breves comentários sobre várias áreas da gestão.

Sobre sua ida para o GSI, Heleno afirma que não teve como rejeitar o convite de Bolsonaro. “O presidente conversou comigo para que eu ficasse próximo a ele. E eu no ministério da Defesa não fico próximo, nem física nem funcionalmente. Aí, eu concordei com o seu pedido”. No GSI, Heleno comandará a força-tarefa de inteligência, estrutura criada pelo Governo Temer que dá poderes aos militares.

Inicialmente, o general usaria de sua experiência como comandante das forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti e de chefe da região amazônica para comandar as três Forças Armadas. Ele é visto como uma referência entre os militares. E, mesmo não sendo mais o chefe oficial deles, manifesta-se sobre o tema. Bolsonaro disse que foi de Heleno a sugestão para que indicasse o general Fernando Azevedo e Silva para a Defesa. Algo que o próprio Heleno contemporiza. “A Defesa é uma decisão pessoal do Bolsonaro. O general Fernando é amigo dele há muito tempo”.

E sobre o fato de ter mais um representante do Exército no primeiro escalão, em detrimento de nomes da Marinha ou da Aeronáuttica? “É uma bobagem. É absolutamente compreensível que até hoje tenha sido um civil. Se bem que alguns deles só foram provocações. Mas é lógico que o entendimento entre nós, das três forças, é muito sadio e muito vasto”, diz Heleno.

Quando indagado sobre a escolha do diplomata trumpista Ernesto Araújo para o Ministério das Relações Exteriores, Heleno elogia. E bota a definição na fatura de seu chefe. Ainda que o próprio general e o escritor Olavo de Carvalho tenham sido consultados. Independentemente de qualquer crédito dado a ele e negado por ele, algo é certo: quase nada será decidido por Bolsonaro antes de uma consulta rápida ao seu estrategista-chefe, que ficará instalado em um gabinete a uma escadaria de distância.