general eduardo villas boas
Adilson Paes de Souza: Militares, retornem para os quartéis. O estado democrático de direito exige
As falas do general Villas Bôas, que inspiraram o deputado Daniel Silveira a fazer um show de arbítrios e horrores, mostram a pressão feita por ele sobre o STF em 2018 e a ordem dada para mandar Lula para à prisão e pavimentar o caminho da eleição de Jair Bolsonaro. Foi golpe de Estado
Causou repulsa, decepção e vergonha a fala do general Villas Bôas, que revelou a movimentação e o concerto, entre os oficiais do Alto Comando do Exército brasileiro, na elaboração do texto publicado no tuíte do comandante, pouco antes do julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), do habeas corpus do presidente Lula, em 2018. Não há como relativizar. Houve pressão e, com isso, houve intromissão descabida e indevida do Exército brasileiro no STF. Cabe a ele tutelar as decisões da nossa Suprema Corte? Numa democracia, não!
Após a publicação do seu livro de memórias neste ano (General Villas Bôas: conversa com o comandante”, organização Celso Castro, FGV Editora), é mais do que óbvio haver repercussão. Houve reação do ministro da Corte Edson Facchin, um tanto tardia (demorou três anos!). Outro oficial do Exército, agora na reserva, afirmou que jamais teria a força de intimidar ministros. Mas o STF se acovardou — exceção feita ao ministro Celso de Mello — e houve, sim, a pressão dos militares. A ordem dada foi para mandar Lula para a prisão e pavimentar o caminho da eleição de Jair Bolsonaro. Foi golpe de Estado. Gabriel Naudé ensina que o bom golpe é dado sem barulho, sem tanques e canhões nas ruas, quando reina a aparente normalidade. Foi bem assim que ele aconteceu (ver Consideraciones políticas sobre los golpes de Estado, Instituto de Estudios Políticos. Caracas).
Li o livro do general. Ele fez referência a veículos de comunicação dominados pelo politicamente correto (sabe Deus o que isso significa!?), que tratam dos assuntos com “enfoque desconectado da verdade”; fez alusão às “formas contemporâneas de imperialismo movidas pelo grande capital, corporações, organismos internacionais e as ONGs” ―delírio. Tece largos elogios ao ministro Ricardo Salles: “o nosso destacado e eficiente (sic) ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que corajosamente, desde que assumiu sua pasta, vem lutando para desmontar estruturas aparelhadas, ineficientes e corrompidas, que criaram um ambiente favorável à dissipação de recursos financeiros, sem que se produzissem os efeitos pretendidos.” Absurdo.
Interessante pontuar que não houve, até agora, um único comentário do general sobre a gastança de dinheiro público, pelas Forças Armadas, na compra de grande quantidade de leite condensado, chiclete, picanha, lombo de bacalhau, uísque 12 anos etc etc etc, com suspeitas de superfaturamento. Mas em seu livro, a sua preocupação era outra: “Me preocupa uma eventual volta ao poder pela esquerda” ―Perigo! Atenção para a tutela da democracia de acordo com os que os militares exigem. “Estamos carentes de valores universais, que igualem as pessoas pela condição humana, acima da classificação aleatória que se lhes quer atribuir”, descreve Villas Bôas. Mais um absurdo, como se o ser humano não fosse distinto, plural ―querer igualar (ou nivelar) as pessoas pode significar traçar um perfil padrão, onde todos devem caber. Perigoso ―eugenia?
Sobre o Governo Dilma, o general disse que “ela nos pegou de surpresa, despertando um sentimento de traição em relação ao Governo. Foi uma facada nas costas”, em referência à Comissão da Verdade que trataria dos crimes cometidos contra civis durante o regime militar (1964 -1985). Mais um absurdo. É essa a fala e a postura que se espera de um comandante, que devia obediência e lealdade às autoridades constituídas? Evidente que não! Se o comandante fala e age assim, o que pensar dos subordinados? E para os que não são subordinados também! A fala do general serviu de inspiração para o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) fazer um show de arbítrios e horrores, com direito ao AI-5, à ditadura, ameaças e tudo.
Outro general, famoso pelos seus desacertos, causa espanto e indignação. Me refiro ao general Eduardo Pazuello, empossado ministro da Saúde e tido como um expert. Uma sucessão de erros e de mentiras brota de sua gestão. Uma subserviência, no mínimo constrangedora, ao presidente, que causa vergonha e os tornam cúmplices do caos instalado. Eles são corresponsáveis pelas mortes advindas da pandemia.
Sou policial militar, aposentado desde 2012. Cheguei até o posto de tenente coronel. As estruturas do Exército e das polícias militares são semelhantes, desde 1969, então fico a vontade para criticar. Eu tenho vergonha de ver oficiais com essa forma de pensar e de agir, me deparei com alguns deles durante a minha carreira. Eles não inspiram confiança, passam um ar de intelectualidade, de superioridade e, até mesmo, de arrogância. Veja o que se tornou o Ministério da Saúde, com tantos militares, um quartel e um exemplo de péssima administração e de incompetência.
Muitos dizem estar preocupados com seus subordinados, mas não estão. Pensam neles mesmos. Repito, tive o desprazer de conviver com oficiais desta natureza. Não foi nada bom. O pior é que tem gente na instituição que acredita neles. Quando algo dá errado, esses seguidores são abandonados à própria sorte. Vi isso na polícia, quando subordinados eram estimulados a praticarem determinadas ações e abandonados. Na cultura militar o superior hierárquico deve comandar servindo de exemplo. O general Pazuello serve de exemplo para quem? Veja o que Bolsonaro está fazendo com ele. Com o perdão da palavra, que vergonha!
Os militares, gostem ou não, devem obediência irrestrita à Constituição federal. Na democracia o poder emana do povo, que não precisa ser tutelado por pessoas fardadas; aliás, esta tutela era bem típica na ditadura. O conceito de democracia controlada (ou domesticada), tão caro à Doutrina de Segurança Nacional, era o que valia, como mostra a obra A ideologia da segurança nacional - o poder militar na América Latina (Joseph Comblin, Civilização Brasileira, 1978) Pelo visto, ainda vale. Por muito tempo senti na pele a desconfiança que as pessoas nutriam pelos militares. Situações nada agradáveis. As revelações do general Villas Bôas e a atuação do general Pazuello demonstram que elas estavam com a razão.
Militares, cumpram os papéis que lhes são destinados pela Constituição federal; não queiram ser mais do que lhes são reservados. Façam por merecer a confiança do povo, único titular do poder. Os danos a todos e, inclusive, a todos vocês, serão imensos. Retornem para os quartéis. Meia volta, volver! O Estado democrático de direito exige.
Adilson Paes de Souza é tenente coronel aposentado da PMSP, doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, e mestre em Direitos Humanos
Alvaro Costa e Silva: Como é boa a comida do quartel
Picanha, bacalhau, cerveja e uísque: não basta participar do governo; é preciso comer e beber bem
Em seu livro-depoimento, o general Eduardo Villas Bôas não trata de picanha nem de cerveja. Os assuntos abordados pelo comandante do Exército nos governos Dilma e Temer são mais indigestos: ataques ao politicamente correto e ao movimento antirracista, pressões e alertas ao STF contra o perigo de conceder habeas corpus a Lula, a luta pela preservação moral do país e a preocupação de as Forças Armadas não se envolverem em política.
O último apelo teve efeito contrário: um batalhão de militares da ativa e da reserva ocupa hoje cargos no governo. Portanto, não custaria nada ao general pedir que a caserna, num momento em que grande parte da população não tem o que comer, maneirasse o apetite. E os gastos.
Ao longo de 2020, as Forças Armadas usaram dinheiro público para comprar mais de 700 toneladas de picanha e 80 mil cervejas. Haja churrasco. De lombo de bacalhau, foram 140 toneladas; para rebater, caixas de uísque 12 anos. Desconfiados de superfaturamento nas aquisições, deputados enviaram uma representação ao procurador-geral da República. A ver no que vai dar (se é que vai dar em alguma coisa).
Em recente coluna (9 de fevereiro), lembrei meus tempos de recruta zero no forte de Copacabana. A alimentação funcionava em regime de castas, a dos soldados e cabos, a dos sargentos e a dos oficiais. Estes se reuniam no cassino para café da manhã, almoço, jantar e ceia. No rancho dos recrutas nunca comemos algo nem parecido com picanha. O prato de resistência tinha apelido: “galinha atropelada”. Dava para encarar. O maior sacrifício era o cardápio das terças: peixe. Não importando se frito ou ensopado, causava uma azia que só desaparecia na terça seguinte.
Nas corridas pelo calçadão da praia, o sargento dialogava aos berros com a tropa: “Ela é boa!”, ao que respondíamos: “Muito boa!”. “O que é que é boa?” “A comida do quartel!”.
Cristina Serra: Será possível mandar militares de volta para os quartéis?
De volta à política 30 anos depois do fim da ditadura, eles ocupam milhares de cargos, acumulam salários, privilégios e benesses
O livro "General Villas Bôas - conversa com o comandante", do professor da FGV Celso Castro, joga luz sobre a atuação dos militares no período mais turbulento da história recente do país, que vai do impeachment de Dilma Roussef à eleição de Jair Bolsonaro.
A revelação mais importante é sobre o famoso tuíte do comandante do Exército, em abril de 2018, com ameaças ao STF na véspera do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula. Villas Bôas informa que o tuíte teve um "rascunho" e que foi "discutido minuciosamente" por generais do Alto Comando. Nas palavras do entrevistado: "Recebidas as sugestões, elaboramos o texto final, o que nos tomou todo o expediente, até por volta das 20h, momento em que liberei o CComSEx [centro de comunicação do Exército] para expedição."
Sim, foi isso mesmo que você leu. Villas Bôas confessa que a tradição golpista segue firme e forte entre os fardados e que o topo da hierarquia do Exército tramou para afrontar a mais alta corte do Judiciário brasileiro. Qual o comando constitucional que autoriza militares a exercer tutela sobre o poder civil? Em nome de quem? Como se sabe, o Supremo rejeitou o HC de Lula, preso dias depois. E agora, STF?
Em meio a tortuosos raciocínios sobre geopolítica e um ego que transborda das páginas, Villas Bôas deixa claro que as Forças Armadas não engoliram a Comissão Nacional da Verdade ("foi uma facada nas costas"), dá versões duvidosas sobre alguns acontecimentos e faz comparações despropositadas. Uma delas: que a desintrusão de não indígenas da reserva Raposa Serra do Sol (RR) equivale aos "pogroms de Stalin" na extinta União Soviética.
De volta à política 30 anos depois do fim da ditadura, os militares ocupam milhares de cargos, acumulam salários, privilégios e benesses. De mãos dadas com Bolsonaro, também são responsáveis pela catástrofe que já custou a vida de 240 mil brasileiros, até agora. A grande dúvida é quando —e se— será possível mandá-los de volta para os quartéis.
Elio Gaspari: Villas Bôas contou, reviu e errou
O tempo e novas memórias do período lapidarão as lembranças de Villas Bôas. Num caso, porém, sua memória (revista) falhou feio.
Está nas livrarias “General Villas Bôas: Conversa com o comandante”. É o resultado de 13 horas de entrevistas do professor Celso Castro com o general Eduardo Villas Bôas, que comandou o Exército de 2015 a 2019. O texto foi revisto pelo general até maio de 2020 e devolvido com acréscimos que engordaram o livro em 30%.
“VB”, como é chamado pelos colegas, rememora sua vida, da infância de Cruz Alta aos dias tensos do impedimento de Dilma Rousseff e da eleição de Jair Bolsonaro.
Ele tratou do seu famoso tuíte de 2018, às vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula pelo Supremo Tribunal Federal (“um alerta, muito antes que uma ameaça”) e do agradecimento que Bolsonaro lhe fez pouco depois de ter sido empossado:
“Meu muito obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por estar aqui. Muito obrigado, mais uma vez.”
O general explicou: “Morrerá entre nós! Garanto que não foi um tema de caráter conspiratório.”
O tempo e novas memórias do período lapidarão as lembranças de Villas Bôas.
Num caso, porém, sua memória (revista) falhou feio. Ele conta:
“O presidente Sarney relata que, após a morte de Tancredo Neves, houve uma reunião para deliberar como se processaria a nova sucessão. O deputado Ulysses Guimarães tentou impor sua posição que consistia na realização de um novo pleito. O ministro Leônidas (general Leônidas Pires Gonçalves) posicionou-se no sentido de que, conforme a legislação vigente, o cargo de presidente caberia ao senador Sarney (que havia sido eleito para a vice-presidência). Ato contínuo, voltou-se para ele, prestando uma continência disse: ‘Boa noite, presidente.’ Com seu arbítrio, o fato estava consumado, o que assegurou uma transição sem percalços”.
Sarney nunca relatou isso. Ele vestiu a faixa na manhã de 15 de março de 1985, e Tancredo só morreu no dia 21 de abril.
As incertezas com relação à posse do dia 15 foram desencadeadas na noite da véspera, quando Tancredo foi levado para o Hospital de Base de Brasília, para uma cirurgia de emergência. A posse estava marcada para horas depois.
Sarney chegou ao hospital às 21h30m.
Nas suas palavras:
“Lá encontro Ulysses. Tenho os olhos marejados. Rasga-me a alma o sofrimento de Tancredo. Ulysses me desperta ríspido: ‘Sarney, não é hora de sentimentalismos. Nossa luta não pode morrer na praia. Temos de tomar decisões. Você assume amanhã, como manda a Constituição, na interinidade do Tancredo.’
‘Não, Ulysses, assume você. Só assumo com Tancredo.’
‘Você não pode acrescentar problemas aos que estamos vivendo. É a democracia que temos de salvar.’”
O general Leônidas, ministro do Exército escolhido por Tancredo, jantava na Academia de Tênis quando soube que o presidente eleito estava no hospital. Foi para lá defendendo a posse de Sarney. Conseguiu uma gravata emprestada e seguiu com uma pequena comitiva de políticos para um encontro com o chefe da Casa Civil, professor Leitão de Abreu. Sarney ficou no hospital e depois foi para casa.
Leitão estava em dúvida (ou fingia estar em dúvida), se deveria ser empossado o vice ou o presidente da Câmara (Ulysses). Nesse encontro Ulysses e Leônidas queriam a posse do vice-presidente. Fernando Henrique Cardoso testemunhou a cena. Ela aconteceu nas primeiras horas da madrugada do dia 15. Àquela altura, achava-se que em alguns dias Tancredo estaria recuperado.
Às 3h da madrugada tocou o telefone na casa de Sarney. Era o general Leônidas, que começou a conversa com um “boa noite, presidente”. Sarney repetiu que não queria assumir, e Leônidas disse-lhe que “não temos espaço para erros”. Despediu-se com outro “boa noite, presidente.”
A cena contada por Villas Bôas nunca aconteceu. Tancredo não estava morto. Ulysses nunca quis uma nova eleição e sempre defendeu a posse de Sarney. O general Leônidas era formal, mas não dava continência falando ao telefone.
O Lavajatismo de Bretas
Enquanto o Supremo Tribunal Federal resolvia o destino das conversas promíscuas de procuradores de Curitiba, algumas das quais envolvem o ex-juiz Sergio Moro, o ministro Gilmar Mendes dava uma entrevista a Felipe Recondo e Fábio Zambeli. Nela, descascou as impropriedades praticadas durante a Operação Lava-Jato e perguntou:
“Como nós chegamos até aqui? (...) O que nós fizemos de errado para que institucionalmente produzíssemos isso que se produziu. (....) Sabiam que estavam fazendo uma coisa errada, mas fizeram.”
Gilmar reconheceu as limitações do Judiciário, condenou a “blindagem” com que a imprensa protegeu a turma da Lava-Jato e foi ao essencial: “O que nós devemos fazer para evitar que esse fenômeno se repita?”
Nesse mesmo dia, o juiz Marcelo Bretas, lavajatista do Rio de Janeiro, ouvia o ex-governador Luiz Fernando Pezão. A certa altura, Pezão disse ter certeza de que seu parceiro Sérgio Cabral e dois de seus colaboradores haviam combinado as versões de suas delações enquanto estavam na cadeia.
Pezão estava no meio do seu raciocínio quando o procurador Carlos Aguiar interrompeu-o, dizendo que ele estava fazendo “juízo de valor sobre as colaborações”.
Vá lá, porque é conhecido o espírito de corpo do Ministério Público, mas o juiz Bretas entrou no diálogo, informando a Pezão que não lhe cabia, como testemunha, avaliar se a colaboração “é justa ou correta”. Vá lá, juízes adoram dar aulas, mas Bretas foi adiante:
“É preciso ter cuidado quando se afirma que certa irregularidade aconteceu, porque é preciso provar.”
Em seguida, Pezão mudou o tom.
O repórter Athos Moura noticiou o fato. O que aconteceu?
Nadinha, pois, tomando cuidado, chegara-se àquilo.
Faz tempo que se chega.
Em 1974, quando Elzita Santa Cruz de Oliveira procurava seu filho Fernando, escreveu cartas a chefes militares contando seu caso, e um tenente-coronel acusou-a de caluniar o Exército, pois “seria desonrar todo nosso passado de tradições, se nos mantivéssemos calados diante de injúrias ora assacadas contra nossa conduta de soldados da Lei e da Ordem que abominam o arbítrio, a violência e a prepotência”.
Meses depois, o mesmo tenente-coronel estava na sala do comandante do II Exército, general Ednardo D’Avila Mello, quando o ministro Sylvio Frota interpelou-o por que um oficial da Polícia Militar de São Paulo “tinha sido insultado e agredido a socos durante um interrogatório” no DOI.
Nas palavras de Frota:
“Não é possível, Ednardo, que isso aconteça! Você deve tomar enérgicas providências. É preciso mudar, logo, alguns dos oficiais que trabalham no DOI; substituí-los, porque estão ocorrendo exageros que não podemos admitir.”
Fernando, filho de Elzita, era o pai de Felipe Santa Cruz, atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Nunca foi encontrado.
Janio de Freitas: Habituados às delações traidoras, integrantes da Lava Jato se delataram em gravações
Próprios integrantes da Lava Jato se delataram em gravações
“Presente da CIA.”
A frase começa por suscitar curiosidade com seu sentido dúbio e logo ascende, vertiginosa, à mais elevada das questões nacionais —a soberania. As três palavras vêm, e passaram quase despercebidas, entre as novas revelações das tramas ilícitas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol, envoltas em abusos de poder e de antiética no grupo de procuradores.
Seca, emitida como um repente fugidio de saberes velados, a frase de Dallagnol celebrava a informação mais desejada: Sergio Moro determinara, no começo da noite daquele 5 de abril de 2018, primórdio da campanha para a Presidência, a prisão do candidato favorito Lula da Silva. Na véspera, o Supremo Tribunal Federal acovardou-se ante a ameaça golpista do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Por um voto de diferença, entregou a candidatura e, para não haver dúvida, o próprio Lula à milícia judicial de Curitiba.
A frase pode dizer presente “da CIA” porque destinado à agência do golpismo externo dos Estados Unidos. Ou “da CIA” porque vindo da articuladora do presente. Não importa o que agora Dallagnol diga. Não será crível. O mesmo sobre quem embalou e entregou o presente, Sergio Moro.
A dubiedade cede à certeza quando se trata do pré-requisito para que Dallagnol compusesse a frase. Em qualquer dos dois sentidos, a preliminar é a mesma: o coordenador da Lava Jato tinha conhecimento da relação entre pretensões da CIA na eleição brasileira e a exclusão da candidatura de Lula. Nem lhe ocorreu falar de candidatos favorecidos, nem sequer do êxito da ideia fixa que dividia com Moro e disseminara nos companheiros. Era a CIA na sua cabeça.
Não faz muito, foi noticiado o envolvimento de agentes do FBI com a Lava Jato de Curitiba. FBI como cobertura, mas, por certo, também outras agências (NSA, Tesouro, CIA, por exemplo). Um grupo de 17 desses agentes chegou à Lava Jato em outubro de 2015, acobertado por uma providência muito suspeita: Dallagnol escondeu sua presença, descumprindo a exigência legal de consultar a respeito, com antecedência, o Ministério da Justiça. Eram policiais e agentes estrangeiros agindo com a Lava Jato, não só sem autorização, mas sem conhecimento oficial. Violação da soberania, proporcionada por procuradores da República, servidores públicos. Caso de exoneração e processo criminal.
O sigilo é tão mais suspeito quanto era certo que o governo nada oporia, como não veio a opor. Há até uma delegação permanente do FBI no Brasil, trabalhando inclusive em assuntos internos como as investigações de rotas do tráfico. O motivo real do sigilo é desconhecido, e só pode ser comprometedor.
Também interessante é outra providência do coordenador. Logo depois da prisão de Lula, o obcecado Dallagnol viajou. Para os Estados Unidos. “Foi à Disney.” Logo naqueles dias tumultuosos, que lhe pareceram até exigir, como recomendou, medidas especiais de segurança dos integrantes da Lava Jato.
Talvez se tenha que esperar por livros estrangeiros para saber o que foi e como foi, de fato, a Lava Jato conduzida por Deltan Dallagnol e Sergio Moro, este, hoje, integrado a uma empresa americana que lida com procedimentos do submundo empresarial. Mas nem tudo continua sob sombra ou como dúvida.
Habituados às delações traidoras, os próprios integrantes da Lava Jato delataram-se em gravações. A procuradora Carolina Resende, por exemplo, não disfarçou o objetivo do grupo: “Precisamos atingir Lula na cabeça (prioridade número 1) pra nós da PGR”. Falou no melhor vernáculo miliciano.
UM SHOW
No mesmo dia em que era noticiado o próximo fim do estoque de vacinas, o general do Ministério militar da Saúde dizia no Senado que “a Pfizer oferece 2 milhões de vacinas ao Brasil, mas não vamos comprar. É muito pouco”.
O general Pazuello mostrou, o tempo todo, desfaçatez admirável. Um exemplo, dos mais inofensivos: “Vamos vacinar 50% da população vacinável no primeiro semestre e 100% até dezembro”. O Brasil vacinou apenas 1,3% da população e já está parando, não se sabe até quando.
Sabe-se, isto sim, que, se a variante do vírus, chamada no exterior de Brasil ou Amazonas, se espalhar aqui, ocorrerá uma calamidade. Americanos e europeus estão assustados com essa variante, mas aqui o governo e seus 26 militares do Ministério militar da Saúde nem sabem dessa nova criação da sua incúria.