gazeta do povo
Eduardo Rocha: A mulher e as desigualdades
Não obstante os séculos XX e XXI terem assistido a uma revolução no tocante a crescente presença das mulheres em todas as instâncias, no atual estágio do processo civilizatório da humanidade é inadmissível constatar o grau de desigualdade ainda existente entre homens e mulheres.
As mulheres estão em todas as partes da sociedade, mas a igualdade não está em parte alguma. É a conclusão que se repete mais uma vez quando se olha os números expostos no estudo “As mulheres no mercado de trabalho”, infográfico divulgado em 3 de março último pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) com base nos dados do 4º trimestre de 2019 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).
Em termos gerais de rendimentos médios mensais, enquanto os homens ganham R$ 2.495,00, as mulheres recebem R$ 1.958,00, ou seja, recebem 22% a menos.
Elas também recebem 29% a menos do que homens que ocupam os mesmos cargos de alta administração, como diretoria e gerência.
Quando se compara os rendimentos médios tendo por base o ensino superior, enquanto o homem ganha R$ 6.292,00, a mulher recebe R$ 3.876,00, isto é, 38% a menos.
Na aposentadoria, a mulher recebe em média R$ 1.707,00 e os homens R$ 2.051,00, ou seja, 17% menos. E como a desigualdade não tem limites, o desemprego atinge mais elas (13,1%) do que os homens (10,2%). E, desempregadas, demoram mais tempo (37%) para conseguirem outro emprego.
Mulheres brancas ganham mais do que negras, mostram dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De 2012 até 2018, a diferença entre as mulheres cresceu levemente, de 66% para 71%.
Ainda segundo o DIEESE, a falta de creche tira a mulher do mercado de trabalho. Das que têm filhos em creches, 67% tinha trabalho remunerado. Já entre as mulheres cujos filhos não têm acesso à creche, 41% trabalham.
A desigualdade de oportunidades e rendimentos ocorre entre mulheres brancas e negras, entre mulheres e homens e mesmo numa mesma função/cargo, numa mesma categoria profissional, num mesmo nível educacional, numa mesma cidade, num mesmo estado e numa mesma região.
Mesmo depois de 230 anos da Revolução Francesa, não se concretizaram plenamente os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade – nem para o gênero humano em geral e muito menos para as mulheres em particular.
A democracia brasileira tem de cumprir a “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”, aprovada em 1979 pelas Nações Unidas (e assinada pelo Brasil) e o seu cumprimento é mais do que um dever legal, é um dever moral em defesa da vida e da humanidade.
*Eduardo Rocha é economista.
Thiago de Aragão: "Congresso e “inflação política” no ano 01 de Jair Bolsonaro
Desde sempre, onde há Congresso cria-se uma necessidade para o bom funcionamento do Executivo: formar aliança. Em alguns países e em algumas circunstância isso é fácil; em outros, é falso; e em outros, ainda, é difícil e fluido. No caso do Brasil, vemos um pouco disso tudo. Historicamente, governos montam sua base aliada contando com a solidez de sua própria coalizão eleitoral, reforçada pela agregação de alguns partidos durante o início do mandato.
Como bem sabemos, a formação de uma base aliada é feita de diversas maneiras. A aliança pode se dar por alinhamento ideológico ou programático, distribuição de cargos para determinadas lideranças partidárias, liberação de emendas parlamentares para complementação de orçamento e envolvimento no processo de tomada de decisão. Como vimos também no caso do Mensalão, a compra fria e direta de apoio político no Congresso também pode - infelizmente! - ocorrer.
Uma base aliada possui seus membros primários, aqueles que já integravam o partido governista ou já apoiavam o Presidente desde a campanha eleitoral; e membros secundários, os que entraram posteriormente, possivelmente antes do início do mandato e "aderiram" à agenda do Presidente.
Os “secundários, muitas vezes, aderem à base de apoio para se posicionar estrategicamente em contraposição à oposição com o intuito de marcar território para o próximo ciclo eleitoral. E ainda podemos notar membros terciários, aqueles que apoiam a base aliada dependendo da temática envolvida ou em função de um objetivo claro de participação dentro do processo de tomada de decisão no Executivo.
No caso do governo Bolsonaro, existem dificuldades em cada um dos três níveis de aliados. Nos aliados primários, a falta de uma liderança partidária firme faz com que facções internas se digladiem na busca por comandar o partido. Como existe inexperiência política por parte de vários membros do PSL, o boicote e a difamação são as formas mais usuais que um grupo busca para desestabilizar um outro.
A legitimação do grupo vencedor vem das redes sociais, mais do que do próprio Presidente da República. A incerteza em relação a quantos votos o próprio partido pode entregar faz com que as articulações internas passem a ser temáticas e a escolha de um interlocutor entre o Executivo e o partido torna-se uma tarefa delicada e sujeita à grande instabilidade.
Já no grupo secundário, enxergamos vários partidos e lideranças regionais que aderiram ao governo no período de formação da base atual. Alguns desses partidos, habituados a formas antigas de negociar apoio, perceberam que o Palácio diminuía o poder das lideranças partidárias em relação a abordagens individuais, na clássica estratégia de diminuir o poder central do partido por meio da arregimentação de lideranças únicas.
Isso até funciona, mas gera uma dificuldade enorme na distinção de quem de fato forma a base aliada, pois a inconstância na fidelidade à agenda do governo por parte de um indivíduo é maior do que a instabilidade de um partido como um todo. Isso também leva a conflitos entre a liderança do partido e um parlamentar quando as visões divergem em relação a um determinado tópico.
Um outro problema é quando o "preço" do apoio de um parlamentar varia de tema em tema, votação em votação: em certas votações o governo consegue maioria e, em outras, onde tudo parecia mais fácil, falta número.
Como as emendas parlamentares se tornaram impositivas, cada parlamentar possui, em média, 25 milhões de reais de emendas por ano - entre pessoais e partidárias -, as quais o governo obrigatoriamente deve ceder. Historicamente, a liberação de emendas era uma área cuidada pelo Executivo, que regulava a fidelidade e a atuação de seus aliados. Como agora as emendas ocorrem de qualquer forma, a disputa por cargos passa a ser o ponto central, assim como participação no processo decisório. E ainda, como grande parte da sociedade entende por "cargo" apenas “Ministérios”, cria-se a sensação de que não há mais o "toma-lá-dá-cá" de antigamente.
O Presidente da República pode nomear mais de 20 mil posições em sua administração e o grande interesse de muitas lideranças parlamentares está focado nos cargos inferiores de alto poder burocrático. Importante ressaltar que não advogo por um modelo ou outro, até porque considero que uma grande liderança política deveria convencer um Parlamento pelo mérito da sua agenda. A instabilidade na relação entre Executivo e Legislativo é fruto da falta de compreensão de um lado em relação ao outro. Nessa queda de braço, atualmente o Legislativo se mostra mais forte.