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Fabio Giambiagi: Gasto do governo com militares teve um incremento real de 4% em 2020
Uma lição que tentava passar para meus alunos quando dava aulas de Finanças Públicas era: “Sempre que for possível, abram o dado”. Ou seja, antes de fazer afirmações peremptórias sobre algo, é preciso entender bem o que está acontecendo. O gasto público está aumentando? Sim, ok. Por causa de que rubricas? INSS? Perfeito, onde? Aposentadorias urbanas ou rurais? Por idade ou por tempo de contribuição? O problema está nas “outras despesas”? Quais delas, então?
Agora faço uma observação similar quando vejo análises gerais sobre a despesa com pessoal. Esta é uma rubrica que, sem dúvidas, era necessário rever no começo do atual governo, haja vista o fato de que, desde que o teto do gasto fora adotado em 2016, ela e o INSS foram os dois grandes itens que continuaram mantendo seu crescimento, em contraste com a evolução do terceiro grande bloco de despesa – as “outras” – que encolheram muito entre 2016 e 2019. A razão se localiza na decisão do governo Temer de validar os aumentos salariais negociados politicamente – ainda no governo Dilma – com a maioria das carreiras do funcionalismo, acarretando um incremento real do gasto. Esse item, então, pressionou severamente as chamadas “despesas discricionárias”, que têm sido espremidas nos últimos cinco anos.
Como, porém, aqueles aumentos nominais se esgotavam em 2019, é útil colocar uma lupa na questão e analisar o que continuou acontecendo em 2020 e 2021. A observação dos dados sugere que chegou a hora de tratar de um tema que, até agora, tem merecido escassa ou nenhuma importância nas análises da maioria dos analistas. Parodiando o nome de um famoso filme, eu diria que “precisamos falar sobre a despesa com pessoal dos militares”. O rigor analítico exige apresentar os números de forma nua e crua.
Vejamos as questões com maior grau de detalhamento. Entre 2016 – ano da aprovação da “regra do teto” – e 2019, as despesas com pessoal passaram de 20,6% para 22,2% do total do gasto. O que aconteceu com essa rubrica em 2020? Neste ponto, há que lembrar a negociação que ocorreu em 2019, visando à aceitação, por parte dos militares, de uma reforma previdenciária da categoria que fosse aceitável por parte das Forças Armadas. Eles acabaram apoiando a proposta específica de reforma enviada ao Congresso, em troca de aumentos salariais maiores ao longo da carreira, vinculados a determinados requisitos.
O fato é que, muito provavelmente, o que os economistas chamamos de “integral de remuneração”, ou seja, o valor de quanto será pago a essa pessoa ao longo de toda a sua vida será maior do que antes da reforma, uma vez que, embora o tempo de vigência da aposentadoria será menor, o valor gasto na ativa, após os aumentos, será muito superior ao que iria ser pago antes dos aumentos concedidos, além de outros detalhes que não há espaço aqui para comentar. Alguém poderia alegar que isso ocorreria só em forma dilatada ao longo do tempo, mas não é o que os dados mostram.
A realidade dos números é inequívoca: deflacionando os dados pelo IPCA médio anual, em 2020, o gasto com pessoal civil teve uma redução real de 2%, enquanto o gasto militar teve um incremento real de nada menos que 4% – no ano em que o PIB caiu 4%! E, quando se olha para o pessoal ativo, devido ao congelamento nominal de uns e aos aumentos concedidos a outros, o contraste entre civis e militares foi maior ainda: o gasto com ativos civis caiu, em termos reais, 4%, enquanto o gasto com pessoal ativo militar teve um salto real de 7%. E, nos primeiros três meses de 2021, essa realidade se acentuou: a despesa com ativos civis caiu em termos reais mais 6% e com pessoal ativo militar aumentou novamente outros 7% reais. Não é preciso ser um profundo conhecedor de política para entender a lógica desse processo. Em outras épocas, dir-se-ia que se tratava de uma “questão de correlação de forças”. Neste caso, literalmente.
*ECONOMISTA
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,gasto-do-governo-com-militares-teve-um-incremento-real-de4-em-2020,70003706910
Vinicius Mota: Pela segunda vez em uma geração, Brasil tenta sair do buraco econômico
SÃO PAULO – Esta semana pode marcar a abertura de um longo período de alterações constitucionais no domínio econômico. O congelamento do gasto global do setor público, se for cimentado sobretudo pela reforma previdenciária, alterará em alguns graus o curso do transatlântico.
No correr dos anos, lentamente, ele vai se desviar da rota de choque com os rochedos da falência civil, que no modo brasileiro costuma significar inflação e desigualdade ascendentes, desorganização produtiva e estagnação econômica.
A ocasião se assemelha à do início dos anos 1990. Como acontece hoje, o país vinha de uma trombada recessiva e de uma crise política que decapitara o presidente da República. Como agora, deparava-se com amarras constitucionais a bloquear o avanço da produtividade.
Seja porque a visão da forca ajuda a concentrar o pensamento, seja por outra razão, a resposta do sistema político submetido ao estresse foi notável. De 1995 a 2006, maiorias de no mínimo 3/5 do Congresso aprovaram cerca de 30 mudanças na Carta com impacto na economia.
Outra batelada de consertos infraconstitucionais foi implementada ao longo daquele período. Tanto ativismo normativo favoreceu a abertura à competição econômica, o fortalecimento do direito de propriedade, o florescimento do crédito e a percolação da eficiência produtiva por diversos setores antes fossilizados.
Deixou-se sem remédio eficaz, contudo, a insustentável marcha da despesa pública. Mais tarde, a volta do velho desenvolvimentismo com seu consórcio de parasitas do Estado colocou obrigações pesadíssimas sobre os ombros de algumas gerações de contribuintes brasileiros.
O Brasil quebrou, mas o passado e eventos recentes indicam que talvez tenha preservado a capacidade de reformar-se na crise para melhorar a perspectiva do futuro. É o que veremos a partir de agora. (Folha de S. Paulo – 10/10/2016)
Fonte: pps.org.br