gasolina

Nas entrelinhas: Bolsonaro recupera expectativa de poder

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A aprovação da PEC Emergencial e a redução do preço dos combustíveis alteraram o cenário eleitoral. Na pesquisa feita pelo Instituto FSB para o banco BTG Pactual, divulgada ontem, a diferença entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera a corrida presidencial, e o presidente Jair Bolsonaro (PL) caiu de 13 para sete pontos. O petista está com 41% das intenções de voto, enquanto Bolsonaro tem 34% no primeiro turno. Também se alterou a avaliação do governo, que era ruim ou péssima para 47% dos eleitores e, agora, está em 44%. Entre os que acham o governo Bolsonaro ótimo ou bom, o número subiu de 31% para 33%. O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) está com 7% dos votos; a ex-senadora Simone Tebet (MDB), com 3%; e André Janones (Avante), com 2%. José Maria Eymael (DC) e Pablo Marçal (Pros) têm 1% cada.

A pesquisa FSB/BTG Pactual explica o empenho de Lula para remover as candidaturas de Janones e Marçal e tentar atrair esse 3%. Mesmo assim, a simples soma de votos de Ciro e Simone inviabilizaria, hoje, uma vitória no primeiro turno. Vêm daí as previsões baluartistas do Palácio do Planalto, explicitadas com clareza pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, na entrevista publicada pelo Correio, no domingo. O presidente do PP fez duas previsões audaciosas: de que Bolsonaro chegará à frente de Lula no primeiro turno e o Centrão elegerá 350 dos 513 deputados da Câmara.

Presidente do PP, Nogueira é a raposa política por trás da estratégia de reeleição de Bolsonaro, cujo eixo é a PEC Emergencial, que permitirá farta distribuição de recursos pelo governo, a menos de 60 dias das eleições, burlando os princípios da “paridade de condições” e de “neutralidade da máquina pública” contidos na atual legislação eleitoral. Suas previsões sobre o desempenho do presidente nas eleições se baseiam, principalmente, no impacto do Auxílio Brasil na população de baixa renda, que receberá do governo, neste mês de agosto, as duas primeiras parcelas de uma só vez, no valor total de R$ 1,2 mil. Os subsídios para caminhoneiros, taxistas e do vale gás também estão sendo pagos. São aproximadamente R$ 41 bilhões em transferências de recursos para uma base eleitoral que está majoritariamente com Lula.

A outra previsão importante de Nogueira está diretamente relacionada às emendas parlamentares do chamado “orçamento secreto”, que devem somar R$ 16 bilhões neste ano. Essas emendas favorecem a reeleição dos parlamentares do Centrão, sem que a opinião pública saiba sequer quanto é que cada um está recebendo realmente. Pela projeção de Nogueira, serão eleitos 350 parlamentares governistas. Os deputados que estão manipulando esses recursos têm grande vantagem em relação aos concorrentes, inclusive dentro de seus próprios partidos. Nas contas de Nogueira, o bloco de esquerda liderado por Lula elegeria 150 deputados. São projeções muito otimistas, mas que refletem a confiança no sistema de blindagem da base de apoio do governo montada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Obviamente, entram nessa contabilidade parlamentares que estão nos partidos de oposição e votam sistematicamente com o governo.

Agenda conservadora

Nos cálculos de Nogueira, a peça chave da governabilidade é a eleição de uma ampla maioria na Câmara, no primeiro turno. Em qualquer resultado, na avaliação do ministro, o próximo presidente eleito terá uma taxa de rejeição acima de 40% e precisará de uma base parlamentar sólida, no caso o Centrão. Isso vale para Bolsonaro e dificultaria muito a vida de Lula no segundo turno, porque seu projeto político estaria em franca oposição à maioria parlamentar eleita. O candidato natural dos parlamentares do Centrão, mesmo no Nordeste, no segundo turno, será Bolsonaro. Não haveria mais adesão por conveniência eleitoral, pois os parlamentares já estarão eleitos. Vale destacar que isso também garantiria a reeleição de Lira na Câmara, o controle do Orçamento da União pelo Centrão e a aprovação de uma reforma constitucional ultra-conservadora.

É um cenários que restabelece a expectativa de poder de Bolsonaro, que havia se transferido para Lula, desde quando as pesquisas mostravam a possibilidade de o petista vencer no primeiro turno. Entretanto, como diria Mané Garrincha, é preciso antes combinar com o eleitor. Até porque existe uma contradição entre a estratégia política traçada pelas raposas do Centrão e o modo como Bolsonaro faz campanha eleitoral, com uma narrativa ideológica de cunho messiânico, ultra-conservadora, com ataques à urna eletrônica, à Justiça Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal (STF), com impacto negativos na sociedade civil e até mesmo na alta burocracia federal. O próprio Nogueira reconhece que isso mina a reeleição de Bolsonaro.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-bolsonaro-recupera-expectativa-de-poder-2/

Abastecimento | Foto: Nakun/Shutterstock

Inflação histórica e medo de violência afetam brasileiro que volta ao trabalho presencial

Giulia Granchi / BBC News Brasil em São Paulo*

A volta ao trabalho presencial para brasileiros que faziam home office até o início de 2022 pode ser considerada uma notícia boa - afinal, o que levou funcionários a ficarem em casa durante quase dois anos, a pandemia de coronavírus, demonstra uma melhora gradual. No mês de abril, o Brasil registrou o menor número de mortes por covid-19 desde março de 2020, de acordo com dados do Ministério da Saúde.

No entanto, para o grupo que pôde realizar as atividades profissionais remotamente - cerca de 1 a cada 5 brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da FGV -, a hora é de enfrentar altas de preço históricas e, para alguns, sentir-se mais vulnerável à criminalidade, especialmente nas grandes metrópoles.

Para a advogada Debora Moreira, de 27 anos, moradora da capital paulista, o retorno ao escritório onde trabalha quatro vezes por semana significa que ela terá uma parte menor de sua renda disponível no fim do mês.

"Agora gasto três vezes mais do que antes com gasolina, pelo trajeto e preço mais alto, e como trabalho em uma região cara, no bairro da Vila Olímpia, meu vale-alimentação não é suficiente para comer todos os dias fora. Enquanto estava em casa, cozinhava e ainda sobrava para o dia seguinte, então era bem mais econômico", diz.

"Por ficar parada no trânsito de grandes avenidas e em faróis, tenho medo de ser assaltada e perder não só meus bens, mas o notebook da empresa com todo o meu trabalho nele. De sofrer violência, então, mais ainda. Evito assistir televisão para que os crimes não me causem ansiedade".

Medo da violência

O psicólogo André Vilela Komatsu, pesquisador do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo), aponta que tem acompanhado muitos relatos de trabalhadores que, assim como Debora, se sentem mais ansiosos por precisar transitar em distâncias maiores nas cidades.

Na avaliação dele, é esperado, assim como toda mudança de rotina, que as pessoas sintam algum nível de estresse. "Passando mais tempo em casa, reparamos na cadeira que está ruim, no espaço não tão agradável... E, com o tempo, a gente vai acostumando. E agora é a mesma coisa. Voltamos a reparar em problemas sociais que sempre estiveram aí, mas muita gente não viu as transformações do espaço público por ficarem restritos a seus bairros durante a pandemia."

Entre as mudanças, ele cita a intensificação de problemas sociais, com maior degradação dos espaços públicos, mais pessoas morando nas ruas e o aumento de crimes. "Houve uma redução de assaltos durante a pandemia, justamente por ter menos gente na rua, e agora já estamos chegando em níveis semelhantes aos de antes."

Para o pesquisador, a sensação de medo é natural e, embora não seja o ideal, é esperado que as pessoas consigam se acostumar ao menos parcialmente.

"(Para) a maior parte dos trabalhadores, não é nem uma questão a ser discutida. Infelizmente, o medo de ser demitido ou de não ter onde trabalhar às vezes é maior do que o medo de sofrer violência, e certamente isso causa muita ansiedade."

Alta histórica da inflação

A prévia da inflação oficial, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - 15 (IPCA-15), chegou em abril a 1,73%, a maior taxa desde 1995, resultado que é consequência de uma série de fatores ocorridos nos últimos dois anos no Brasil e mais recentemente, internacionalmente.

Em março, o IPCA teve o maior avanço para o mês em 28 anos, com alta de 1,62%.

"Há dois fatores que agiram juntos para jogar inflação para cima durante a pandemia: estímulo muito forte por meio da transferência direta de renda do governo para as famílias e taxas de juro em uma mínima histórica - a Selic chegou a 2% ao ano e hoje já está em 11,75%. Isso ajudou a manter o poder de compra das famílias estável por algum tempo, mas com maior demanda e circulação de dinheiro, elevou a inflação", explica a economista Tatiana Vieira, da XP Investimentos.

Os motivos que levaram inflação de março a ser a maior em quase 3 décadas e como isso afeta o consumidor

Outros acontecimentos recentes no cenário internacional também contribuíram para a alta da inflação no Brasil. "A guerra da Rússia contra a Ucrânia fechou portos, criou embargos importantes para Rússia e paralisou produção em ambos os países, exportadores de milho, trigo, sementes - o que influencia, inclusive, no preço da carne, já que esses alimentos servem como ração", afirma Vieira, lembrando que a Rússia também é o maior exportador de gás para Europa e que a situação de instabilidade afeta o preço dos combustíveis.

O número de brasileiros endividados bateu novo recorde em abril, chegando a 77,7%

Na China, o lockdown restritivo a qualquer caso de covid-19 faz com que fábricas e portos fechem por alguns dias, deixando a comunidade global sem acesso a insumos muito importantes para produção. "Com isso, bens manufaturados devem subir, especialmente os industrializados."

Não é só preço: por que carne bovina está perdendo espaço no prato do brasileiro

Em 2022, funcionário paga muito mais caro para ir trabalhar

De todas as altas, a de combustível foi a maior - no último ano, o preço da gasolina aumentou 47%, o diesel, 50% e o etanol, 60%. Os automóveis também ficaram muito mais caros, com aumento de 20% para carros novos e 15% para modelos usados, de acordo com o IPCA.

"Transporte por aplicativo tinha sido uma alternativa muito usada. Até por conta da pandemia, muitos reavaliaram o uso de alguns bens, 'abriram mão' de ter o carro. Mas os preços já subiram um pouco, principalmente pelo combustível", comenta a economista.

Para quem usa o transporte público, também houve aumento. O aumento da passagem de ônibus municipais foi de 1,2%, e para os intermunicipais e interestaduais, entre 1,5 e 2,5%.

Transporte público | Foto: Clipfy/Shutterstock

"Durante a pandemia, os prefeitos decidiram não dar reajuste. O caixa dos municípios e estados estava muito bem, arrecadação por ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) surpreendeu positivamente, evitando que repassassem a alta do diesel via aumento de tarifas. Mas não sabemos até quando vão conseguir segurar", aponta Vieira.

Os serviços, em geral, desde a contratação de funcionários para limpeza, mensalidade de escolas e creches, e outros que se tornaram ainda mais necessários para muitas famílias ao deixarem o home office, sofrem reajustes ligados à inflação do ano anterior.

Para comer, mesmo dentro de casa, o preço dos alimentos também aumentou, e a conta fica ainda mais cara em restaurantes. "O primeiro motivo é doméstico, crise hídrica, fatores climáticos que impactaram a produção. Fretes e transporte das mercadorias ficaram muito mais caros. E a expectativa é que a gente continue vendo", conclui.

Preferências dos funcionários e tendências das empresas brasileiras

A volta parcial ao escritório com equipes reunidas até duas vezes por semana é a opção preferida pela maioria dos profissionais de grandes empresas brasileiras, de acordo com o estudo "Modelos de trabalho pós-pandemia", realizado pela empresa de consultoria e auditoria PwC Brasil em parceria com o PageGroup.

Entre os mil profissionais ouvidos, 67% preferem regime integral de home office ou modelo híbrido com uma, ou duas idas ao escritório na semana.

"Com a pandemia, fomos convidados a refletir sobre qual modelo de trabalho queremos. Algumas barreiras já foram quebradas e as pessoas começam a pensar 'Bom, talvez eu não precise me deslocar - por horas, às vezes - para trabalhar. Além disso, pessoas localizadas remotamente em diferentes partes do Brasil trazem a equipe, pela minha experiência profissional, ideias diferentes e originais", Stephanie Crispino, CEO da Tribo, consultoria do grupo Anga que tem como foco a humanização de culturas empresariais.

A mistura de home office e trabalho presencial é realidade na rotina das pequenas e médias empresas brasileiras. Segundo a pesquisa "Impacto da covid-19 na cultura e operação das PMEs brasileiras", 47% das PMEs estão trabalhando de forma híbrida. O trabalho 100% presencial vem em segundo lugar, com 38% das companhias, seguido do trabalho totalmente remoto, com 15%.

Ter conhecido a possibilidade de trabalhar em sistema híbrido ou remoto, aponta Stephanie, não significa que as empresas necessariamente continuarão adotando o modelo - mas, em sua opinião, para os tipos de trabalho que permitem, é um passo nessa direção.

"Essa flexibilidade fez as lideranças e trabalhadores entenderem que a produtividade fora do escritório é possível, e nesse ponto, não há como voltar. Essa alternativa pode, inclusive, fazer a diferença quando o profissional for escolher a empresa na qual quer trabalhar", conclui Crispino.

*Texto publicado originalmente nBBC News Brasil


Vinicius Torres Freire: Crise mundial vai encarecer sua gasolina

Motivo mais imediato da crise é a falta de gás na Europa, que contagia outros mercados

Vinicius Torres Freire / Folha de S. Paulo

Falta energia no mundo. A crise pode ser transitória, em parte resolvida em parte com arranjos políticos até o final do ano, mas encarece combustíveis, como a sua gasolina, e a produção de algumas indústrias e serviços, quando não a paralisa. A inflação mundial vai aumentar um pouco mais. Com algum azar e sem arranjos, a crise pode se prolongar até bem entrado o verão do Hemisfério Sul e o inverno do Norte. Nesse caso, haverá mais dificuldades do que preços algo maiores.

O problema mais novo e imediato é a falta de gás natural, retirado das profundezas do chão. Em um ano, o preço do gás mais do que dobrou nos Estados Unidos e quadruplicou, mais ou menos, na Europa —estão nos níveis mais altos em cerca de sete anos.

A Europa depende em parte de gás para fazer eletricidade e para aquecimento doméstico. Fábricas de metais, fertilizantes e materiais de construção do mundo inteiro usam gás. Com o preço do produto nas alturas, começa-se a recorrer mais a óleo combustível, o que pressiona ora marginalmente e ainda mais o preço do barril de petróleo. A produção dos poços por ora está limitada por decisão do cartel dos grandes produtores, a Opep.

É fácil perceber que a falta de energia contribui para o aumento dos preços em geral; altas de preços persistentes podem limitar o crescimento econômico, a “retomada” da crise da pandemia. Basta pensar no efeito sobre o custo do aço e de fertilizantes. A falta de gás criou problema até para a produção de gelo seco na Inglaterra, dificultando e encarecendo o transporte de mercadorias refrigeradas.

Os preços do gás e da eletricidade subiram tanto que Itália, Espanha e França estão subsidiando consumidores residenciais. Empresas de distribuição de eletricidade na Inglaterra estão indo à breca, por causa da alta de custos e de preços de venda limitados, em parte. A Espanha propôs um arranjo europeu de compra conjunta de gás, para que a eurozona não fique “à mercê” dos fornecedores. O preço da gasolina aumentou cerca de 50% nos Estados Unidos, em um ano. Alguns comentaristas dizem que esse é um dos motivos da queda de popularidade do presidente Joe Biden.

Falta gás porque: 1) o inverno europeu de 2020-21 foi frio e comprido, o que reduziu os estoques além da conta; 2) países europeus desestimulam a produção de gás ou fecham grandes campos de exploração, como um na Holanda, por motivos variados; 3) o maior fornecedor de gás da Europa, a Rússia, não tem aumentado a oferta, por motivos complicados e ainda não muito bem compreendidos até pelos europeus; 4) a China consome mais gás porque quer limpar o ambiente, usando menos carvão. A Ásia paga caro e leva o gás americano, por exemplo; 5) até Brasil e Argentina entram na lista, pois ora compram mais gás dos EUA, para abastecer termelétricas, que substituem as usinas hidrelétricas secas; 6) as usinas eólicas na Europa, no Reino Unido em particular, estão produzindo menos eletricidade por causa da falta de vento; 7) o furacão Ida prejudicou a produção no Golfo do México.

A reabertura das economias depois do que “passou o pior” da epidemia, contribuiu para a alta dos combustíveis, que tinham ido ao nível de colapso, no ano passado. A escassez de agora dá mais um impulso a essa recuperação de preços.

O barril do petróleo (Brent) chegou a US$ 80 nesta terça-feira, maior preço em três anos.

Enquanto não há solução para os problemas do gás, os preços no Hemisfério Norte sobem, pois é preciso fazer estoques para o inverno. Se o inverno no Norte for muito frio, a situação vai piorar, assim como vamos ter problemas por aqui no Brasil se não chover muito a partir de novembro.

Uma crise ainda mais feia de preços ainda parece evitável. A Rússia talvez possa fornecer mais gás. Há um problema enrolado aqui. Os russos acabaram de concluir um gasoduto que parte quase da sua fronteira com a Finlândia e chega na Alemanha, passando pelo Mar Báltico, o Nord Stream 2. A obra foi muito contestada por americanos e alguns europeus; sofreu sanções, por assim dizer. Com o gasoduto novo, os russos podem largar os seus canos de gás que passavam pela Ucrânia. Se a Ucrânia não tem mais essa utilidade, dizem ocidentais, é possível que os russos até invadam o país, entre outros problemas geopolíticos, embora a Alemanha seja a favor do gasoduto. Segundo a especulação diplomática europeia, pois, os russos usam a escassez de gás para obter o fim de sanções a seu gasoduto. É possível também que estejam apenas ou também repondo seus estoques vazios.

Em breve, a Opep pode permitir aumentos adicionais de produção de petróleo. Não resolve o problema de falta de gás natural, mas o atenua ou segura a alta do petróleo. A especulação dos analistas é que o cartel não vai conter a produção (e faturar ainda mais com preços mais altos) até asfixiar os clientes, como fez nos anos 1970. Querem apenas garantir que o preço do barril flutue em uma faixa alta o suficiente para que o rendimento dos poços pague a conta das despesas de seus governos, mas não alta em excesso, que estimularia a entrada de concorrentes no mercado.

Por fim, a certo preço, alguns produtores americanos de gás (“shale”) podem voltar a se interessar em produzir e outros podem investir em centros de distribuição. No entanto, também nos Estados Unidos se procura desestimular o uso de gás, o que é um problema: o investimento para lidar com uma crise de curto prazo pode não dar retorno.

Em tese, o pior da crise é evitável, ao menos no que diz respeito aos gargalos de gás e petróleo mais imediatos. Os gargalos, porém, podem não ser tão breves. Críticos variados do programa de descarbonização (ou do seu ritmo e de seu planejamento) dizem que a Europa se lançou em um programa de desestímulo de produção e uso de combustíveis fósseis sem antes dispor de alternativa confiável para crises ao menos pontuais de oferta de energia. Isto é, tributou os fósseis, criou um mercado caro de permissão de uso de carbono, desmonta unidades produtivas. No longo prazo, tende a funcionar. Em crises de oferta, como agora, piorada pela desordem provocada pela epidemia, pode ter de lidar com uma conta de luz e aquecimento cara e revolta popular.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/09/crise-de-energia-no-horizonte-vai-encarecer-sua-gasolina-e-bater-na-inflacao-mundial.shtml


Vinicius Torres Freire: A gasolina e o dólar estão caros?

País está mais pobre do que em 2010, mas certos preços apenas estão no lugar

“Devolve meu dólar a R$ 1,99.” Houve gente que foi às ruas pedir a cabeça de Dilma Rousseff carregando cartazes que criticavam a desvalorização do real, alguns por chacota, outros a sério. Nas manifestações finais a favor do impeachment, o dólar andava pela casa dos R$ 3,50.

A cada vez que o real cai da escada, como agora, a chacota muda de lado. As fotos dos manifestantes de amarelo se tornam objeto de ridículo e de memes que escarnecem também do governo, antes de Michel Temer, agora de Jair Bolsonaro.

O povo ainda faz troça de Eduardo Bolsonaro, republicando o tuíte em que o filho 03 recomendava “Não compre dólar agora!” em 14 de abril de 2016 (o dólar custava R$ 3,51).

É a conversa comum sobre economia no mundo real das redes sociais, feita de ódio ou deboche do preço do tomate, do bife, da gasolina ou do dólar. Graças à demagogia agressiva de Bolsonaro, os combustíveis voltaram a ser motivo de “tretas”, piadas e ódios.

A gasolina está cara? Flutua em torno da média de R$ 4,41 desde janeiro de 2018. Custava R$ 4,58 na última semana de janeiro, segundo pesquisa semanal da Agência Nacional do Petróleo (esses valores são médias nacionais). Subiu uns 5% em um ano, um pouco mais do que os salários.
O salto grande de preços mais recente ocorreu no final de 2017. Em três anos, a gasolina subiu 23%; o salário médio, 14%. A inflação média foi de uns 11%. Na percepção e no bolso do povo mediano, a gasolina está cara.

O dólar está caro? Embora uma variação abrupta do preço da moeda americana possa ser importante, é tristemente tolo dizer que o dólar “bate recordes”, como a gente lê por aí (dizer que o recorde é “nominal” apenas lambuza a tolice de ridículo).

Feitas as contas relevantes, em termos reais o dólar está onde esteve entre mais ou menos 2007 e 2009 (para ser específico, trata-se aqui de taxas de câmbio real). Entre 2010 e 2014, a moeda brasileira ficaria loucamente forte, em parte por causa da política econômica dos países centrais em crise braba, em parte devido às barbaridades da política econômica brasileira.

Foi a época do Bolsa Miami (gastos no exterior) e de alguma farra de importados. Foi também uma paulada extra na indústria brasileira, que desde 2010 parou de crescer.

O dólar nominal de janeiro de 2020 ficou 11% mais caro que o de um ano antes (30% em relação a janeiro de 2018). Suscita uma sensação de empobrecimento, em parte correta, embora de um ano para cá os gastos dos brasileiros em viagens no exterior tenham ficado praticamente na mesma.

O preço dos combustíveis, claro, sobe também com a alta do dólar. No entanto, essa desvalorização recente do real não buliu com a inflação geral, convém notar.

E daí? Por qualquer critério, estamos na média mais pobres do que em 2010: neste país já caro (de tão ineficiente), a crise aumentou a penúria, óbvio. Quanto a esses preços que causam celeuma, há mais realismo, é duro dizer, é duro ouvir.

Não há subsídio disfarçado no preço dos combustíveis. O dólar desvalorizado resulta de gasto público e inflação mais controlados, que contribuem para reduzir a taxa de juros (além da estagnação econômica). Bulir com esses preços, com tabelamentos e subsídios, não vai resolver nosso problema, apenas criar outros, como se fez em particular entre 2011 e 2014. Não resolve a falta de crescimento e de investimento, o emprego precário. É demagogia ou burrice ou as duas coisas.