garimpo
O que se sabe sobre invasão de garimpeiros no território yanomami
BBC News Brasil*
A denúncia de que uma menina indígena teria morrido após ser estuprada e de que outra teria desaparecido em um episódio envolvendo garimpeiros dentro da Terra Indígena Yanomami jogou luz sobre o impacto da mineração ilegal no território.
Garimpeiros atuam na região desde ao menos os anos 1980. A atividade viveu um declínio com a demarcação da terra indígena, em 1992, mas voltou a crescer nos últimos anos.
Segundo a Hutukara, principal associação yanomami, a área desmatada por garimpeiros dentro do território cresceu 46% em 2021 em comparação com o ano anterior.
"Esse é o maior crescimento observado desde que iniciamos o nosso monitoramento em 2018", diz a entidade em um relatório divulgado no mês passado (leia mais abaixo).
Denúncia e investigações
Em 25 de abril, o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kwana (Condisi-YY), Júnior Hekukari, divulgou um vídeo no qual disse ter recebido a informação de que uma menina de 11 ou 12 anos teria morrido na comunidade de Aracaçá após ser estuprada por garimpeiros.
O vídeo citava ainda outra menina da comunidade que supostamente teria desaparecido no rio em episódio relacionado ao caso anterior.
Então, nos dias 27 e 28 de abril, uma comitiva de órgãos federais visitou a aldeia para apurar a denúncia.
Após a expedição, foi divulgado um vídeo que mostrava parte da aldeia queimada e sem a presença dos moradores.
As imagens alimentaram a campanha CADÊ OS YANOMAMI?, compartilhada nas redes sociais por vários políticos e celebridades.
A BBC News Brasil lista abaixo o que já se sabe sobre o caso.
O Condisi-YY, órgão que inicialmente divulgou as denúncias sobre as meninas yanomami, tem como função fiscalizar as ações do Ministério da Saúde no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do território yanomami.
Segundo o conselho, os episódios teriam ocorrido na comunidade de Aracaçá, que abriga cerca de 25 indígenas e está rodeada por áreas de garimpo ilegal.
Participaram da expedição até a aldeia representantes da Polícia Federal (PF), da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério Público Federal (MPF) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). A Força Aérea Brasileira e o Exército deram apoio logístico à operação, que partiu de Boa Vista e envolveu o uso de aeronaves e barcos.
Ao retornar da expedição, o MPF divulgou uma nota dizendo que "foram colhidos relatos de indígenas da comunidade, mas após buscas na região não foram encontrados indícios materiais da prática dos crimes de homicídio e estupro ou de óbito por afogamento".
"As diligências demonstraram a necessidade de aprofundamento da investigação, para melhor esclarecimento dos fatos", afirmou o órgão.
Na viagem, o órgão foi representado pelo procurador Alisson Marugal, representante da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) em Roraima.
Dias antes da viagem, Marugal participou de uma audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal que tratou do garimpo ilegal no território yanomami.
Em sua fala, o procurador apresentou dados e gráficos sobre o crescimento da atividade na região. "Num período de dois anos, foram aproximadamente 3 mil alertas de mineração ilegal, mostrando a expansão dessa atividade. Atualmente, essa mineração afeta mais de 16 mil indígenas", disse o procurador.
Especialistas atribuem parte do crescimento a declarações do presidente Jair Bolsonaro favoráveis a garimpeiros e à proposta, atualmente em discussão no Congresso, de legalizar a mineração em terras indígenas.
Segundo Marugal, mais de 20 mil garimpeiros estariam atuando dentro da terra indígena. Ele afirmou que as penas para os crimes relacionados ao garimpo não ultrapassam 4 anos de reclusão e são normalmente substituídas pela prestação de serviços.
"O que temos feito agora é apostar na investigação das organizações criminosas e lavagem de dinheiro para introduzir de maneira lícita os lucros obtidos no garimpo, crimes que geram penas maiores. Essa é a maneira mais eficiente de se combater o garimpo ilegal no âmbito da investigação", disse o procurador.
Cadê os yanomami?
Após a visita das autoridades à aldeia, uma nova carta divulgada pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kwana (Condisi-YY) abriu outra frente no caso.
O texto do Condisi-YY afirma que, quando as autoridades chegaram à aldeia para apurar as denúncias, "avistamos a comunidade em chamas e sem a presença de moradores indígenas no local, que só apareceram 40 minutos após pousarmos, somente para resgatar materiais de garimpeiros".
O comunicado afirma que a queimada, no entanto, poderia estar relacionada a uma tradição. "Líderes indígenas analisaram as imagens da comunidade queimada, e relataram, conforme costume e tradições, que após a morte de um ente querido, a comunidade em que residia é queimada e todos evacuam para outro local", diz o texto.
O comunicado afirma ainda que, "após insistência, alguns indígenas relataram que não poderiam falar, pois teriam recebido 5 gramas de ouro dos garimpeiros para manter o silêncio".
Após a divulgação dessa carta, usuários no Twitter começaram uma campanha questionando: "CADÊ OS YANOMAMI?".
A expressão entrou nos Trending Topics (assuntos mais comentados) da plataforma na última terça-feira (03/05) e foi reproduzida por vários políticos, como os deputados federais Marcelo Freixo (PSB-RJ) e Fernanda Melchionna (PSOL-RJ).
Também cobraram respostas sobre as denúncias a cantora Anitta, o DJ Alok e o humorista Whindersson Nunes, entre outros.
Vários tuítes de endosso à campanha afirmavam que a comunidade de Aracaçá teria "desaparecido".
No entanto, a própria carta do Condisi-YY afirmava que membros da comunidade haviam sido contatados pela comitiva federal - ou seja, não estavam desaparecidos.
'Região mais impactada pelo garimpo'
As denúncias sobre as meninas que teriam morrido na comunidade estão sendo acompanhadas pela Hutukara Associação Yanomami, principal organização da etnia.
Em nota em 27 de abril, a associação afirmou que estava "apurando mais informações junto às comunidades para esclarecer os fatos e encaminhar o que for necessário junto às autoridades".
"A Hutukara chama a atenção para o fato de que, se confirmado, este não é um caso isolado", disse a organização.
"Infelizmente, episódios de violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres Yanomami praticadas por garimpeiros invasores já foram registrados em outras regiões", segue a carta, que cita um relatório sobre o tema publicado pela própria organização em 11 de abril.
O relatório Yanomami Sob Ataque detalha casos de violência armada e ameaças contra indígenas dos povos Yanomami e Ye'kwana.
O documento afirma ainda que a região de Waikás, onde fica a aldeia Aracaçá, "é a região mais impactada pelo garimpo ilegal" na Terra Indígena Yanomami.
"A devastação na região em 2021 foi 296,18 hectares, um aumento de 25% em relação à 2021", diz o texto.
"Essas e outras graves violações aos direitos dos povos indígenas causadas pelo garimpo ilegal em suas terras há anos vêm sendo denunciadas ao poder público pela Hutukara Associação Yanomami. Insistimos que o Estado brasileiro cumpra o seu dever constitucional e promova urgentemente a retirada dos invasores", concluiu o comunicado da entidade.
O documento é assinado pelo vice-presidente da organização, Dario Kopenawa Yanomami.
O território yanomami
Com área equivalente à de Portugal, a Terra Indígena Yanomami abriga cerca de 27.398 membros dos povos yanomami e ye'kwana, espalhados por 331 aldeias.
O território ocupa porções do Amazonas e de Roraima e se estende por boa parte da fronteira do Brasil com a Venezuela.
Rica em depósitos de ouro, a área é alvo de garimpeiros há décadas. Em visita ao território em 2018 para a gravação de um documentário, a BBC atestou como o ouro circula livremente pela região.
Parte das gravações ocorreu numa base do Exército dentro da terra indígena, o 5º Pelotão Especial de Fronteira. Numa aldeia ao lado da base militar, era possível comprar mercadorias com ouro, pesado numa balança sobre o balcão de uma loja.
Além do desmatamento, o garimpo de ouro está associado à contaminação por mercúrio, usado pelos garimpeiros para aglutinar o metal. A substância está associada a problemas motores e neurológicos, perda de visão e danos em fetos.
Em 2016, um estudo do Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Fiocruz e a FGV (Fundação Getulio Vargas) revelou índices preocupantes de contaminação por mercúrio em aldeias yanomami próximas a garimpos em Roraima.
Numa delas - justamente a de Aracaçá, local das investigações em curso - o índice de moradores com altos níveis de mercúrio no sangue chegou a 92%.
Condenação por genocídio
A entrada dos garimpeiros no território de Roraima ganhou impulso em 1986, quando o governo federal ampliou uma pista de pouso na área, na fronteira do Brasil com a Venezuela.
A obra facilitou o ingresso dos invasores, que no fim da década chegavam a 40 mil e construíram mais de uma centena de outras pistas.
Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade, "comunidades inteiras desapareceram em decorrência das epidemias, dos conflitos com garimpeiros, ou assoladas pela fome".
"Os garimpeiros aliciaram indígenas, que largaram seus modos de vida e passaram a viver nos garimpos. A prostituição e o sequestro de crianças agravaram a situação de desagregação social", diz o documento, divulgado em 2015.
Em 1993, as tensões no território provocaram um massacre. Em vingança pela morte de quatro indígenas, os yanomami tiraram a vida de dois garimpeiros, que reagiram atacando uma aldeia.
Doze indígenas foram assassinados, entre os quais idosos e crianças.
O episódio ficou conhecido como Massacre de Haximu e gerou a primeira condenação da história do Brasil pelo crime de genocídio.
*Texto publicado originalmente na BBC News Brasil
Grandes obras de Bolsonaro: facilitar a corrupção e criar feudos bárbaros no país
Gestão esvaziou a fiscalização das leis ambientais e incentivou grileiros e garimpeiros
Vinicius Torres Freire / Folha de S. Paulo
Jair Bolsonaro não foi capaz de inaugurar muito mais do que pinguelas, bicas e metros de asfalto. Mas tem grandes obras na sua ficha corrida. Ataca e enfraquece instituições de controle do poder público e privado. Mais do que isso, favorece uma espécie de feudalização do país.
Desmoraliza e manipula a Polícia Federal. Limitou na prática o poder do Coaf de dar alertas sobre falcatrua financeira, com a colaboração do Judiciário, aliás. Colocou paus mandados na Procuradoria-Geral. Com sua conivência, o sistema político, esquerda inclusive, se aproveita de uma reforma necessária do Ministério Público (MP) a fim de facilitar a interferência em investigações. Se não for contido, nomeará uma bancada no Supremo. A família Bolsonaro procura ainda criar um sistema de espionagem agregado ao departamento de propaganda, o tal gabinete do ódio.
Essa obra de destruição conta com a conivência do sistema político, desde 2015 interessado em controlar, em causa própria, o MP contaminado pelo salvacionismo dos lacerdistas e autoritários da Lava Jato.
Além disso, os líderes do semiparlamentarismo podre em vigor desde 2015 procuram se eternizar no poder por outros meios. Não tem a ver diretamente com as obras de Bolsonaro, mas convém prestar um pouco de atenção nisso.
Há uma nova fase da fragmentação que criou tantos pequenos partidos negocistas, comandadas não raro por chefetes ou líderes de gangue. É a feudalização dos lordes e duques das emendas. O aumento torto do poder sobre o Orçamento e outros financiamentos públicos da política privada facilitam a reeleição de quem domina a distribuição desses recursos. Quanto maior essa privatização, maior pode ser indiferença dos chefetes a partidos e a pressões sociais. A decadência ou o fim das legendas maiores facilitou a feudalização.
A terra arrasada favorece as cargas da cavalaria do bolsonarismo, outros entrincheiramentos de interesses.
Bolsonaro não destruiu o grosso da lei ambiental, embora tenha esvaziado instituições do setor. Mais do que isso, incentivou o descaramento de agro ogro, grileiros, garimpeiros e hordas similares, que ocuparam tanto terras de fato como o terreno político-institucional. Se o país voltar a ter um governo, será difícil repelir essas invasões bárbaras.
Aconteceu algo parecido com a religião na política. A tentativa evangélica de ter mais representação é legítima; fazer da religião um assunto de Estado é outra história, assim como a apropriação de dinheiros públicos pela empresa pentecostal. Os evangélicos bolsonaristas querem ocupar parte do Estado por meio de cotas religiosas e solapando a laicidade.
Militares querem não apenas impor sua ideologia cafona, reacionarismos lavados na água suja das ideias de um filósofo de YouTube. Querem também ou principalmente dinheiro, com o que estão animados desde que Michel Temer lhes abriu as porteiras e Bolsonaro lhes deu o que pastar.
Privatização mais antiga, as empresas se entrincheiram nas suas proteções fiscais, tarifárias e de todo o sistema que protege as firmas maiores de competição. De “reformas”, quiseram saber das que esfolam o povo e que as deixam em paz, sem novos impostos, o ponto central do programa “Ponte para o Futuro”, tocado desde 2015.
Conter essa feudalização, renovar a ideia moribunda de República, será muito difícil, até porque o problema não para por aí. Por exemplo, está também na insubordinação das polícias ou no domínio cada vez mais tranquilo do território por milícias e facções (muita vez em conluio com a polícia), uma invasão bárbara desde cedo apoiada pelos Bolsonaro.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/10/grandes-obras-de-bolsonaro-facilitar-a-corrupcao-e-criar-feudos-barbaros-no-pais.shtml
Índios marcham pelo centro de Brasília e fazem reivindicações
Marcha das Mulheres Indígenas reuniu-se com o movimento Luta pela Vida
Alex Rodrigues / Agência Brasil
Com faixas contra o governo federal e pela manutenção de seus direitos constitucionais, o grupo deixou o acampamento por volta das 9h de hoje e seguiu em caminhada pelo Eixo Monumental até a avenida W3 Sul, de onde foi para a Praça do Compromisso. Na praça, o grupo homenageou a memória do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, morto, no local, por cinco jovens de classe média que, em 1997, atearam fogo em seu corpo. Durante o ato, um boneco alusivo ao presidente Jair Bolsonaro foi queimado.
A marcha pela região central de Brasília estava prevista para ontem (9), mas, por segurança, os coordenadores decidiram adiá-la. Ainda por segurança, os indígenas optaram por caminhar até a Praça do Compromisso, e não mais até a Praça dos Três Poderes.
"As forças de segurança do Distrito Federal recomendaram que, por precaução, as mulheres ficassem aqui mesmo, no acampamento. Decidimos não fazer a marcha até a Praça dos Três Poderes por entender que ainda há muita gente armada na cidade”, disse ontem Danielle Guajajara à Agência Brasil.
Luta Pela Vida
Desde a última terça-feira (7), os participantes da 2ª Marcha Nacional das Mulheres Indígenas se somam aos remanescentes do movimento Luta Pela Vida, acampamento indígena que, nas últimas semanas, chegou a reunir 6 mil pessoas na capital federal para acompanhar o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do futuro das demarcações das terras indígenas.
O movimento indígena reivindica pressa na demarcação de novas reservas, com a conclusão dos processos de reconhecimento em fase avançada. E, principalmente, cobra que os ministros do STF refutem o chamado Marco Temporal, tese segundo a qual só teriam direito às terras pertencentes a seus ancestrais as comunidades que as estavam ocupando ou já as disputavam na Justiça em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Os índios também se opõem às propostas de liberar a mineração em seus territórios e flexibilizar as normas de licenciamento ambiental em todo o país e ainda cobram ações públicas contra a violência contra as mulheres indígenas e a favor da saúde dos povos tradicionais.
Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-09/indigenas-marcham-pelo-centro-de-brasilia-e-fazem-reivindicacoes
Terras indígenas: Relator vota contra o marco temporal
Proteção constitucional independe do marco ou disputa judicial na data da promulgação da Constituição, disse Fachin
André Richter / Agência Brasil
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin votou hoje (9) contra a tese do marco temporal para demarcações de terras indígenas. Para o ministro, que é relator do caso, a proteção constitucional das áreas indígenas independe do marco ou disputa judicial na data da promulgação da Constituição. Após o voto, a sessão foi suspensa para intervalo e será retomada em seguida.
Há duas semanas, o STF julga o processo sobre a disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte é questionada pela procuradoria do estado.
Os ministros discutem o chamado marco temporal. Pela tese, defendida por proprietários de terras, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial nesta época.
PROTESTO CONTRA O MARCO TEMPORAL
Voto
Fachin iniciou seu voto discordando das afirmações de que as condicionantes estabelecidas no julgamento do caso da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em 2009, não possam ser reavaliadas por estarem sendo aplicadas pelo Judiciário em outros casos envolvendo demarcações de terras. Na época, o STF estabeleceu balizas e salvaguardas na promoção de todos os direitos indígenas, e, para garantir a regularidade da demarcação de suas terras, como regra geral, foram observados o marco temporal e o marco da tradicionalidade.
“Dizer que Raposa Serra do Sol é um precedente para toda a questão indígena é inviabilizar as demais etnias indígenas. É dizer que a solução dada para os Macuxis é a mesma dada para Guaranis, para os Xoklengs seria a mesma dada para os Pataxós. Só faz essa ordem de compreensão quem chama todos de índios, esquecendo das mais de 270 línguas que formam a cultura brasileira e somente quem parifica os diferentes e os distintos e as distintas etnias pode dizer que a solução tem que ser a mesma sempre. Quem não vê diferença não promove a igualdade”, afirmou.
O ministro argumentou ainda que as regras de posse indígena não têm relação com o direito de posse civil.
“Não se configura posse em terras indígenas. No caso das terras indígenas, a função da terra se liga visceralmente à conservação das condições de sobrevivência e do modo de vida indígena, mas não funciona como mercadoria de circulação para essas comunidades. A manutenção do habitat indígena não se resume a um conjunto de ocas”, argumentou.
Fachin relembrou histórico de violência pela disputa de terras indígenas e entendeu que o marco temporal não garante proteção contínua das comunidades, garantido pela Constituição, e não abrange casos de comunidades isoladas.
“Assegurar aos índios os direitos originários às terras que tradicionalmente ocupam não se confunde com usucapião imemorial, que exigisse, de forma automática, a manutenção da presença indígena na área na data exata de 5 de outubro de 1988".
O processo tem a chamada repercussão geral. Isso significa que a decisão que for tomada servirá de baliza para outros casos semelhantes que forem decididos em todo o Judiciário.
Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2021-09/relator-vota-contra-marco-temporal-para-demarcacao-de-terra-indigena
Câmara discute ações para conter violência contra mulheres indígenas
Cerca de 5 mil indígenas estão acampadas em Brasília
Alex Rodrigues / Agência Brasil
Duas comissões parlamentares (Direitos Humanos e Minorias e Defesa dos Direitos da Mulher) da Câmara dos Deputados realizaram, hoje (9), uma reunião conjunta para debater a violência contra mulheres indígenas de todo o Brasil. Solicitada pelas deputadas federais Joenia Wapichana (Rede-RR) e Erika Kokay (PT-DF), a iniciativa ocorre em um momento em que milhares de pessoas se encontram acampadas em Brasília, onde ocorre a 2ª Marcha Nacional das Mulheres Indígenas.
Convidada a abordar o contexto de violações aos direitos indígenas, especialmente os das mulheres, dentro de um cenário mais amplo, a representante da ONU Mulheres Brasil, a quirguistanesa Anastasia Divinskaya destacou que este tipo de violência não deve ser avaliado isoladamente. Anastasia lembrou que relatórios da própria ONU Mulheres demonstram que, em toda a América Latina, as indígenas, sobretudo aquelas que lutam em defesa de territórios tradicionais e dos direitos humanos, estão mais sujeitas às represálias.
“As mulheres indígenas são vítimas de múltiplos atos de violência: abuso sexual, violência doméstica, assassinatos, desaparecimento, submissão à prostituição e uso não consensual de suas imagens como objetos decorativos e exóticos. Elas também experimentam formas particulares de violências, as chamadas violências ecológica - uma referência aos impactos prejudiciais das políticas e práticas que afetam a saúde das mulheres, estilos de vida, status social e sobrevivência cultural”, disse a representante da ONU Mulheres.
“[Logo] A violação aos direitos das mulheres indígenas não deve ser considerada isoladamente. Ela deve ser vista dentro do amplo espectro das violações dos direitos humanos”, acrescentou Anastasia, antes de comentar os riscos a que se expõem as lideranças que se engajam na promoção e defesa dos direitos de seus povos. “Um recente relatório que abrange os países da América Latina, incluindo o Brasil, observou que ser mulher e promover a defesa de seus direitos, especificamente o direito à terra e aos direitos humanos, aumentam os riscos de retaliação.”
“[Em geral] mulheres indígenas experimentam um amplo e complexo espectro de abusos e de violações aos direitos humanos. Este espectro é influenciado por múltiplas formas de discriminação e marginalização, baseadas em questões de gênero, origem étnica e circunstâncias socioeconômicas”, pontuou Anastasia para, em seguida, enfatizar a importância da mobilização indígena. “Gostaria de dar crédito às mulheres indígenas brasileiras que têm sido fundamentais para a formulação dos marcos normativos globais, influenciando o estabelecimento de um sólido regime de igualdade de gêneros e de direitos das mulheres nas Nações Unidas e em outros fóruns. Há décadas, estas mulheres vêm defendendo seus direitos e os direitos humanos no Brasil”, disse a representante da ONU Mulheres, conclamando os governos a ouvir a opinião de representantes das comunidades, principalmente das mulheres, sobre projetos que afetem os povos indígenas – conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
ÍNDIOS PROTESTAM EM FRENTE AO STF
“É fundamental que as mulheres indígenas tenham a possibilidade de afirmar sua autonomia. O empoderamento destas mulheres não deve ser considerado um fator de desagregação cultural ou uma imposição de direitos individuais aos coletivos. A participação política, a representação das mulheres indígenas em órgãos decisórios de Estado, é essencial para assegurar o respeito a seus direitos, bem como a inclusão de suas realidades e demandas na [formulação de] políticas públicas”, finalizou Anastasia.
Denúncias
Secretária do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Maria Betania Mota de Jesus, lamentou que o Poder Público brasileiro não dê a devida atenção às principais reivindicações do movimento indígena, sobretudo no sentido de proteger os territórios tradicionais.
“As ameaças e retrocessos estão aí, à vista de todos. Estamos fazendo nosso papel, denunciando esta situação a várias instâncias que precisam se alertar e estar ao nosso lado”, declarou a secretária. Segundo ela, a Convenção 169 da OIT vem sendo descumprida, já que a opinião majoritária entre os indígenas sobre projetos de lei que visam a alterar as regras para demarcação de novas reservas e liberar a mineração em territórios de usufruto indígena não estaria sendo levada em conta.
As representantes da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade, Elisângela Baré, e da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), Alessandra Munduruku, endossaram a fala de Maria Betania.
“Precisamos sair da invisibilidade, sermos ouvidas a fim de caminharmos todos juntos”, pontuou Elisângela, ao mencionar que grande parte das terras indígenas possuem um plano de gestão territorial e ambiental elaborado pelas comunidades que ali residem, com apoio técnico, e no qual os povos originais estabelecem como pretendem gerir o território, preservando os recursos naturais e seus costumes. “Queremos desenvolvimento sim, mas não de qualquer jeito. Por isso criamos protocolos de consulta”, acrescentou Elisângela.
“O que seria de nós sem nosso território, sem nossos rios, nossas florestas? O que seria de nós se não protegêssemos a Amazônia? Fazemos isso de graça e a única coisa que queremos é viver em paz, mas, infelizmente, não temos isso. O que [recebemos em troca] é violência”, lamentou Alessandra Munduruku, criticando deputados federais e senadores que, segundo ela, vêm propondo e aprovando projetos que prejudicam não só as comunidades indígenas, mas também a outros povos tradicionais que lutam para preservar seu modo de vida ancestral.
“Não estamos mais conseguindo plantar, colher, estar dentro de nossas comunidades tranquilas. Todo o tempo a gente precisa estar aqui, em Brasília, porque temos que gritar que estamos vivos, temos que brigar por nossos direitos.”
ATOS CONTRA O MARCO TEMPORAL
Inconstitucionalidade
Para a procuradora do Ministério Público Federal (MPF), Márcia Brandão Zollinger, muitos dos projetos de lei criticados pelo movimento indígena são claramente inconstitucionais. Caso, segundo ela, do Projeto de Lei 490/2007, que tenta alterar as atuais regras para demarcação de terras indígenas e que já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
“Vários projetos de lei que tramitam na Câmara violam os direitos dos povos indígenas porque perpetuam o esbulho das terras indígenas que ocorre desde a invasão do Brasil. São projetos que materializam violências contra os povos indígenas, e mais especificamente contra as mulheres indígenas”, declarou a procuradora. Márcia criticou também o Projeto de Lei 2.159/21, que flexibiliza as regras do licenciamento ambiental, levando em conta a exigência da consulta e autorização dos órgãos ambientais apenas para empreendimentos em terras indígenas já homologadas. “Temos, hoje, 273 territórios já em processo de demarcação, com seus limites já reconhecidos, e que serão desconsiderados para processos de licenciamento ambiental [caso o Senado aprove o PL como recebido da Câmara dos Deputados]. Fora que há ainda outras 536 áreas sendo reivindicadas. Todas seriam desconsideradas.”
Único homem a falar durante o debate, o secretário-adjunto de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Esequiel Roque do Espírito Santo, disse que o governo federal reconhece que o Brasil é um país “multiétnico, de enorme diversidade cultural”, e que está atento à violência contra as mulheres, incluindo as indígenas.
“Temos o grande desafio de tirar esta questão da invisibilidade e trabalharmos com foco nisto. Nos preocupamos muito também com a questão da relativização da violência contra a mulher. Existe uma ideia de que alguns atos de violência cometidos contra as mulheres indígenas são reflexos culturais. Entendemos que a Convenção 169 deixa muito claro que os povos indígenas têm o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional, nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos”, disse o secretário.
Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-09/camara-discute-acoes-para-conter-violencia-contra-mulheres-indigenas
Maria Hermínia Tavares: Para Bolsonaro a prioridade é devastar
Quatro projetos de lei tem tudo para agravar a destruição da Amazônia e colocar em perigo as populações indígenas
Na semana passada, o presidente da República entregou ao novo titular da Câmara dos Deputados a pauta legislativa de interesse do Executivo, contendo 35 projetos já em tramitação no Congresso. Quem tem tantas metas a rigor não tem nenhuma. Ainda mais quando se considera o escasso tempo —coisa de um ano— antes que as disputas voltadas para as próximas eleições paralisem os trabalhos legislativos.
Em meio à pandemia, é de estarrecer a ausência de qualquer iniciativa para fortalecer o sistema público de saúde, apoiar as redes de escolas públicas confrontadas com o desafio da reabertura em circunstâncias difíceis ou, enfim, para fortalecer a capacidade do país de produzir ciência e conhecimento aplicado a fim de enfrentar a calamidade sanitária.
Em compensação, quatro projetos, considerados prioritários pelo presidente, tem tudo para agravar a devastação da Amazônia e colocar em perigo o modo de vida --se não a própria existência-- de suas populações originárias.
Menina dos olhos de Bolsonaro, a mineração nas terras teoricamente protegidas que esses povos, por lei, ocupam é objeto do projeto de lei 191/2020, que pretende regulamentar a exploração de recursos minerais —incluindo o garimpo—, hídricos e orgânicos naquelas reservas. Hoje praticados de forma ilegal, se guiados por regras frouxas, mineração e garimpo poderão desfigurar 50% das terras indígenas da Amazônia Legal, 28% delas em toda sua extensão, afetar 28 comunidades indígenas e cerca de 65 povos isolados, segundo calcula o ISA (Instituto Socioambiental).
A regularização fundiária é tratada no projeto de lei 2633/2020, que substituiu a chamada medida provisória da grilagem (MP 910) e que, no entender dos especialistas, ao estimular a ocupação predatória e ilegal de terras, pode produzir retrocesso ambiental.
A lista do desastre se completa com os textos que tratam do licenciamento ambiental (projeto 3729/2004) e das concessões florestais (5518/2020). Nos dois casos, um cabo de guerra opõe os defensores de normas claras que imponham custos elevados à depredação àqueles que mexem os pauzinhos junto ao governo pela licença ilimitada para desmatar.
Os destinos da floresta e de seus povos são inextricáveis: é o que torna o Brasil original como cultura e decisivo, graças ao seu patrimônio ambiental, para o futuro do planeta --valores espezinhados pela combinação de cegueira, ignorância e vocação destrutiva da extrema direita que desgoverna o país. O Legislativo terá de enfrentar mais uma vez o desafio de impedir o pior. Resta saber se terá ânimo para tanto.
Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Cristina Serra: O centrão e a pauta da pilhagem
Bolsonaro é obcecado por garimpo, agropecuária e hidrelétricas em terras indígenas
A nova configuração de poder no Congresso é a mais favorável em tempos recentes à agenda do "correntão", que pretende legalizar crimes já em curso na Amazônia, como grilagem de terras, desmatamento e garimpo em áreas indígenas.
Bolsonaro terá em Arthur Lira, experiente colecionador de infrações ao Código Penal, um parceiro à altura para conduzir a pauta da pilhagem. Em sua campanha à presidência da Câmara, o líder do centrão serviu-se de jatinho da Rico Táxi Aéreo, de Manaus. Em seu site, consta que a Rico cresceu no setor de transporte com "pequenas aeronaves que serviam ao garimpo na região". A mesma empresa doou R$ 200 mil à campanha de Lira a deputado, em 2014.
Uma das maiores obsessões de Bolsonaro é o projeto que libera mineração, garimpo, agropecuária, construção de hidrelétricas e extração de petróleo e gás em terra indígena. O projeto trata os povos nativos com a mesma lógica do colonizador europeu: dividir para governar. Estimula conflitos em torno da repartição de poder e do dinheiro das indenizações que vierem a receber.
Na essência, é um projeto etnocida. Os cupins da manipulação política e econômica têm o potencial de desestruturar essas sociedades por dentro. É também genocida porque os povos terão, forçosamente, contato com todas as desgraças levadas pelos invasores: doenças, drogas, violência. E alguém acredita que os órgãos de fiscalização terão condições de agir nos confins da Amazônia se não foram sequer capazes de monitorar barragens em Minas Gerais ?
O projeto viola o preceito constitucional de respeito à integridade das terras "tradicionalmente" ocupadas pelos indígenas, criado durante a Constituinte em árduo processo de negociação entre a direita e a esquerda. Pela direita, pasme, o negociador foi o então senador Jarbas Passarinho, ex-ministro da ditadura. Mas aqueles eram tempos de diálogo e de gestação de um pacto para a reconstrução do país.
Hoje, estamos diante da destruição desse pacto e da ruína civilizatória.
El País: Arthur Lira poderá fazer área ambiental ter saudades de 2020
Faltou ao caos ambiental brasileiro no ano passado um ingrediente básico tradicional: o Congresso
Sim, é verdade que tivemos um terço do Pantanal virando cinza, o maior desmatamento na Amazônia em 12 anos, a “boiada” passando, o ministro do Meio Ambiente desmontando a própria pasta, o combate à mudança do clima extinto, o Ibama manietado e o vice-presidente da República ameaçando controlar “100% das ONGs”. Mas faltou ao caos ambiental brasileiro no ano passado um ingrediente básico tradicional: o Congresso.
Todo o desastre que vimos, que não foi pequeno, resultou do Executivo operando praticamente sozinho. Isso não é normal por aqui. Em geral o Parlamento, dominado pela bancada ruralista, é a fonte da maioria dos retrocessos ambientais. Em 2020, dois fatores impediram que isso ocorresse. Um foi a pandemia, que interrompeu o trabalho das comissões e pôs no caminho de suas excelências coisas mais urgentes do que destruir o futuro do Brasil e ampliar nosso isolamento internacional. O outro foi Rodrigo Maia.
Apesar de todas as críticas que possam ser feitas a Maia (cole a sua favorita aqui), o deputado evitou que a caixa de Pandora ambiental fosse escancarada por seus colegas e pelo Palácio do Planalto. Maia engavetou o projeto sociopata de Bolsonaro de abrir terras indígenas a todo tipo de exploração comercial; deixou caducar na undécima hora a MP da Grilagem; e manteve em banho-maria até mesmo uma proposta de seu interesse, o desmonte do licenciamento ambiental. De forma inédita, o Congresso virou um amortecedor de choques ambientais produzidos pelo Executivo.
Com a retomada das atividades parlamentares, a demanda reprimida por favorecer lobbies de poluidores, avançar sobre terras públicas e eliminar regulações emergiria em 2021 de qualquer forma, principalmente via comissões ―mesmo com Baleia Rossi, Luiza Erundina ou o papa Francisco na presidência da Câmara. A vitória acachapante de Arthur Lira (PP-AL) nesta segunda, porém, pode colocar as ameaças e os retrocessos num outro patamar. Caso Lira tenha como uma de suas prioridades a agenda antiambiental costurada entre ruralistas e Bolsonaro, veremos no Congresso uma enxurrada histórica de tentativas de aprovação de retrocessos ambientais. Nesse cenário, o inferno é o limite.
Só para refrescar a memória: a última atuação de Arthur Lira no plenário num tema ambiental, no ano passado, foi uma articulação para aprovar a Medida Provisória que liberava a grilagem de terras no Brasil. O texto não foi a voto. Hoje é Lira quem controla o que vai ou deixa de ir para o plenário.
No dia do infame discurso da “boiada”, Ricardo Salles lamentou que o Governo precisasse operar o desmonte ambiental de forma “infralegal”, porque nada passava no Congresso. Com o Centrão no comando, esse óbice pode deixar de existir. Antigos sonhos do Governo, como ver anistiadas as invasões de terras praticadas por seus apoiadores na Amazônia e ter o garimpo legalizado em terras indígenas, ficam subitamente mais próximos.
As áreas protegidas do país também estão ameaçadas, no atacado. Em mais de uma ocasião Bolsonaro lamentou que a redução ou extinção de unidades de conservação ―como a Estação Ecológica Tamoios, onde ele foi multado por pesca ilegal― só possa ser feita por projeto de lei e não por decreto. O Governo trama desde 2019 contra o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. A extinção do Instituto Chico Mendes, que o Governo deseja levar a cabo o quanto antes, não será um ato isolado.
Juntem-se a essas propostas os clássicos imortais das bandas podres do ruralismo e da indústria na Câmara: o enfraquecimento do licenciamento ambiental, a flexibilização ainda maior do Código Florestal, a venda de terras a estrangeiros e a liberação da caça e de agrotóxicos. Algumas dessas “boiadas”, uma vez sacramentadas em lei, tornam-se irreversíveis.
Mas calma, porque fica pior. Além da agenda antiambiental, o consórcio entre Bolsonaro e o Centrão também pode ser campo fértil para fazer avançar a possibilidade de “hungarização” do Brasil ―o sonho do clã Bolsonaro e seus agregados militares de solapar a democracia. O primeiro ato do novo presidente da Câmara na noite de segunda-feira, dissolvendo o bloco da oposição, passa uma mensagem bem clara sobre o tamanho do apego de Lira à democracia. Assim, não seria espanto ver tramitando no Congresso propostas contra as instituições identificadas como inimigas pelo regime Bolsonaro: as ONGs (o “câncer”), a academia (os “baderneiros”) e a imprensa.
Compõe o rol de tragédias da nossa nacionalidade o fato de essa investida contra o desenvolvimento sustentável ocorrer justamente no momento em que a pauta ambiental assiste a uma virada histórica no mundo. A eleição de Joe Biden criou uma conjunção astral inédita entre EUA, Europa e China a favor da ação contra as mudanças climáticas. A recuperação pós-covid-19 desses países tem tudo para ser impulsionada pela economia de baixo carbono, fazendo da proteção ambiental e das populações tradicionais um ativo, além do respeito a nossa própria constituição. Porém, no Brasil, não apenas estamos ignorando vantagens comparativas nesse setor, como estamos deliberadamente implodindo suas bases. Infelizmente, o preço poderá ser cobrado em sanções comerciais e diplomáticas, investimentos e empregos.
Espero estar errado sobre tudo o que escrevi aqui, mas, se há coisa que a história recente do Brasil tem nos ensinado é que até podemos esperar o melhor, mas devemos sempre nos preparar para o pior.
*Marcio Astrini é secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de 60 organizações da sociedade civil.
Bernardo Mello Franco: O voo do garimpo nas asas da FAB
Num sábado de carnaval, um major e um capitão arrombaram o depósito de munições da Base Aérea dos Afonsos, no subúrbio do Rio. Os dois levaram armas e explosivos até um bimotor Beechcraft. Com o avião carregado, decolaram rumo ao sul do Pará para iniciar um levante contra o governo.
A dupla de aloprados queria derrubar o presidente Juscelino Kubitschek, que havia acabado de tomar posse. O plano era organizar um exército de índios e caboclos e articular o golpe a partir da selva amazônica. A Revolta de Jacareacanga teve vida curta: começou e terminou em fevereiro de 1956. Depois de 64 anos, a Aeronáutica volta a se enrolar na cidade paraense.
Na quinta-feira, o Ministério Público Federal abriu investigação por improbidade administrativa no uso de um avião da FAB. A aeronave pousou em Jacareacanga no último dia 5, a pretexto de apoiar o combate à mineração ilegal na terra indígena Munduruku. Na manhã seguinte, decolou para Brasília com sete garimpeiros a bordo.
“A lei proíbe o garimpo em terras indígenas. O avião da FAB foi usado para transportar criminosos”, resume o procurador Paulo de Tarso Moreira Oliveira. “Essa terra indígena já sofria com invasões. Agora há um avanço desenfreado, impulsionado pela valorização do ouro e pelo discurso de cumplicidade do governo”, acrescenta.
Na véspera do voo para Brasília, os garimpeiros se reuniram com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Após o encontro, o governo suspendeu a Operação Verde Brasil 2, que deveria reprimir os crimes ambientais na Amazônia.
Em ofício ao MPF, o Ministério da Defesa afirmou que a Aeronáutica transportou “lideranças indígenas” para “tratativas com o Ministério do Meio Ambiente”. A versão é contestada por associações que representam os munduruku. As entidades afirmam que o cacique-geral da etnia não autorizou a viagem e que o grupo não fala em nome dos povos locais.
“Os passageiros do voo não eram líderes indígenas, eram garimpeiros. Os índios estão frustrados com o fracasso da operação. Muitos deles já sofreram ameaças de morte”, conta o procurador Oliveira. Ele afirma que os donos das máquinas são brancos e aliciam parte dos locais com a distribuição de dinheiro e de cestas básicas.
O clima na região é tenso. Há duas semanas, a Polícia Federal apreendeu veículos e computadores usados pelos mineradores. Agentes do Ibama chegaram a destruir equipamentos da quadrilha. Em represália, garimpeiros ameaçaram derrubar um helicóptero usado pelos fiscais.
“Estamos falando de uma milícia que cooptou indígenas e se sente estimulada pelo governo”, diz o ambientalista Danicley de Aguiar, do Greenpeace. “O garimpo compromete o modo de vida dos povos tradicionais, destrói a floresta e contamina os rios da região. E tudo está sendo feito com a omissão do Estado brasileiro”, critica.
O presidente Jair Bolsonaro não disfarça. Já assinou projeto para abrir as terras indígenas à exploração mineral. Enquanto o Congresso faz cara de paisagem, o ministro Salles tenta passar sua boiada ao arrepio da lei. Falta explicar por que a Aeronáutica aceitou se misturar a essa agenda de destruição.
Agência Pública: A mineração em terra indígena com nome, sobrenome e CNPJ
Levantamento exclusivo revela explosão de processos desde 2019 e lista os beneficiários com mais pedidos minerários: políticos, cooperativas de garimpo e até um artista plástico paulista
ANNA BEATRIZ ANJOS, BRUNO FONSECA, CIRO BARROS, JOSÉ CÍCERO DA SILVA, RAFAEL OLIVEIRA E THIAGO DOMENICI (AGÊNCIA PÚBLICA)
A intenção de Jair Bolsonaro de abrir as Terras Indígenas brasileiras para a exploração do subsolo e recursos hídricos não é novidade. Desde que assumiu a Presidência, o mandatário deixou claro, em diferentes momentos, seu desejo nesse sentido.
Uma das justificativas apresentadas é de que as terras indígenas devem ser aproveitadas economicamente. Mas, além de contrariar a Constituição de 1988, como afirmou em entrevista à Agência Pública o subprocurador-geral da República, Antônio Carlos Bigonha, o conteúdo do PL 191/2020 também tem sido questionado por entidades indígenas, organizações socioambientais e pesquisas de opinião —Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, garantiu no último dia 18 que não vai pautar o projeto na Câmara.
Mas, afinal, quem são os potenciais beneficiados com a mineração em terras indígenas?
Levantamento inédito realizado pela Pública com base em dados da Funai e da Agência Nacional de Mineração (ANM) não só traz nome, sobrenome e CNPJ de pessoas físicas e jurídicas com mais pedidos minerários em Terras Indígenas (TIs) como revela um aumento de processos de pesquisa mineral nessas áreas em 2019, revertendo uma tendência de queda dos últimos anos.
AGÊNCIA PÚBLICA
Os dados indicam que os processos de exploração minerária em TIs da Amazônia cresceram 91% desde o início do governo Bolsonaro. Esta foi a primeira vez, desde 2013, que os requerimentos registraram aumento —antes, eles vinham caindo ano após ano.
Entre os potenciais beneficiários da medida do Executivo, estão grandes figuras políticas do Amazonas, cooperativas de garimpo com sócios envolvidos em denúncias por crimes ambientais, uma gigante da mineração mundial e até mesmo um artista plástico paulista.
Os dados listados pela Pública apresentam dois cenários —requerimentos incidentes em TIs feitos no período 2011-2020 e os registrados durante o governo Bolsonaro (2019-2020).
É no Pará onde está a maioria dos processos minerários em terras indígenas que avançaram no primeiro ano de Bolsonaro. A Terra Indígena Kayapó é a que mais enfrenta processos sobre suas terras no período. Em seguida, está a terra Sawré Muybu, dos Munduruku, também no Pará.
A Sawré é justamente o território indígena mais afetado por processos minerários na década: mais de 14% de todos os requerimentos que passaram por áreas indígenas na Amazônia afetam a terra. Foram 97 processos visando sobretudo a jazidas de ouro, cobre e diamante, e, em menor quantidade, de cassiterita e extração de cascalho.
Após o Pará, são os Estados de Mato Grosso e Roraima que mais concentram processos em terras indígenas durante o primeiro ano de Governo Bolsonaro.
Evolução de processos de pesquisa e mineração na Amazônia
A ANM registrou processos minerários —e chegou a conceder títulos de mineração— até mesmo em TIs homologadas, isto é, que já passaram por todas as etapas de regularização junto ao governo federal, incluindo a sanção presidencial. Um dos territórios potencialmente afetados pelos títulos minerários é o do povo Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, cujo processo de homologação foi concluído em 2006. No território vivem nove povos, incluindo indígenas isolados.
Em 2013, por exemplo, a Cooperativa Mineradora dos Garimpeiros de Ariquemes (Coomiga) obteve um título de lavra garimpeira de ouro que incide em parte do território indígena dos Uru-Eu-Wau-Wau. A cooperativa é a terceira maior produtora de estanho do país, segundo o Anuário Mineral de 2018 da ANM. Já em 2016, foi a Cooperativa Estanífera de Rondônia que conseguiu um título para lavrar cassiterita em uma área que inclui trechos da terra dos Uru-Eu-Wau-Wau. A cassiterita é o principal minério de estanho utilizado para produzir ligas metálicas —e fica em Rondônia, no município de Ariquemes, o maior garimpo de cassiterita a céu aberto do mundo.
Nos últimos dez anos, a ANM registrou 656 processos minerários que passaram por trechos de territórios indígenas. Além dos Munduruku, no Pará, os processos minerários nesta década se concentraram nas terras dos Kaxuyana e dos Kayapó, ambos no Pará, e dos Yanomami, em Roraima e no Amazonas.
Cooperativa tem 26 requerimentos em TIs e parte dos sócios foi denunciada pelo MPF
A Cooperativa dos Garimpeiros da Amazônia (Coogam) ocupa o terceiro lugar no ranking de requisições de exploração mineral em terras indígenas no período analisado (2011-2020). Fundada nos anos 1990, ela reúne mais de uma centena de garimpeiros e atua nos estados de Rondônia, Amazonas e Pará, no garimpo feito por meio de balsas.
Foram encontrados 26 requerimentos de lavra garimpeira incidentes em nove terras indígenas na Amazônia Legal.
Para além das requisições formais feitas à ANM, alguns quadros ligados à organização enfrentam acusações na Justiça Federal de exploração mineral ilegal em terras indígenas. É o caso, por exemplo, do atual presidente da cooperativa, Cacildo Jacoby, denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por formação de quadrilha, usurpação dos bens da União e poluição e extração de bens minerais sem autorização do órgão competente.
A denúncia do MPF apoia-se na Operação Eldorado, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em novembro de 2012. A operação visou, nos termos da própria PF, desarticular uma “organização criminosa dedicada à extração ilegal de ouro” nas terras indígenas Kayabi e Munduruku e de outros garimpos ilegais no leito do rio Teles Pires. Além de Jacoby, o fundador da Coogam, Geomário Leitão Sena, também é réu pelas mesmas acusações na ação penal que corre na Justiça Federal do Mato Grosso.
A investigação da PF constatou que o ouro extraído ilegalmente no leito do Teles Pires era entregue a empresas Distribuidoras de Títulos de Valores Mobiliários (DTVMs) e, após disfarçada a sua origem, era vendido como ativo financeiro a empresas em São Paulo. Só uma das DTVMs denunciadas pela PF movimentou cerca de R$ 150 milhões. Procurada, a Coogam não respondeu aos questionamentos da Pública enviados por email até publicação da reportagem.
Ex-governador e vice do estado do Amazonas possuem seis requerimentos em TIs
Duas figuras da política do Amazonas estão entre os sócios da terceira empresa que mais registrou requerimentos de exploração mineral em terras indígenas durante o primeiro ano do governo Bolsonaro.
A SMD Recursos Naturais Ltda., criada em 2012 e com sede em São Paulo, conta com o ex-governador do Estado Amazonino Armando Mendes e seu antigo vice e ex-secretário da Fazenda Samuel Assayag Hanan entre o quadro de sócios. Hanan possui um longo histórico ligado à mineração: entre outras passagens profissionais, já foi presidente da Paranapanema S.A., uma gigante da produção de cobre no país, atuou no setor de Minerocobre Metalúrgico da British Petroleum, foi diretor industrial e comercial da Companhia Estanífera do Brasil (Cesbra) e fez parte do Conselho Superior de Minas do Ministério de Minas e Energia.
Os requerimentos da SMD visam à pesquisa de estanho e incidem sobre as TIs Yanomami, em Roraima, e Waimiri-Atroari, entre este Estado e o Amazonas.
Como governador, Amazonino tomou decisões que favoreceram outros interessados na exploração mineral em terras indígenas. Em dezembro de 2017, o então governador renovou Licenças de Operação Ambiental (Loas) em poder da Coogam —outra pessoa jurídica que aparece no levantamento da Pública—, além de conceder outra licença de exploração de ouro para a organização. As Loas, expedidas pelo órgão ambiental do Amazonas, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), autorizaram a Coogam a explorar ouro em cerca de 87 mil hectares no leito do rio Madeira. Dias depois da concessão, o MPF ajuizou uma ação contra o Ipaam pedindo a suspensão de uma das licenças. Segundo a Procuradoria, a licença foi concedida “sem exigência prévia de estudos ambientais adequados e a despeito de a atividade atingir terras indígenas, unidades de conservação federais e de produzir impacto sobre curso d’água federal em mais de um Estado da Federação”.
As licenças foram concedidas antes da conclusão de um estudo do Conselho Estadual do Meio Ambiente do Amazonas (Cemaam) sobre resíduos de mercúrio no rio Madeira. Elas foram suspensas liminarmente pela Justiça Federal dias depois da concessão. Quando as suspendeu, a juíza Maria Elisa Andrade apontou uma série de descumprimentos de condicionantes ambientais ligadas às licenças de operação. “O acervo documental dos autos demonstra o sistemático descumprimento de condicionantes de licenças ambientais, a provocar danos que colocam em risco a integridade do Rio Madeira, bem como riscos à saúde humana, à biodiversidade e à manutenção do ecossistema amazônico”, escreveu a magistrada em sua decisão. O caso segue em trâmite na Justiça Federal do Amazonas.
Cooperativa com interesse em TIs tem dois sócios denunciados por crimes ambientais
A Cooperativa de Trabalho de Mineradores e Garimpeiros do Marupá (Coopermigama), detentora de quatro requerimentos em TIs em 2019, é outra a ter sócios envolvidos em questões judiciais na área de Meio Ambiente.
Em 2015, Alex Renato Queiroz Carvalho, um dos 12 sócios da cooperativa, foi investigado pela Polícia Civil do Pará por envolvimento em fraudes na aquisição de créditos florestais junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do estado. No inquérito, Queiroz Carvalho é descrito como um dos “intermediários compradores de madeira, créditos e empresas”.
Segundo a investigação, a fraude ocorreu em fevereiro de 2015 e envolveu a Madeireira Sagrada Família, de Pacajá, no Pará —na época ela era de propriedade do então secretário de Desenvolvimento Econômico do município, João Paulo Chopek.
Queiroz Carvalho chegou a ser preso em julho de 2015 por estar supostamente envolvido em transferência irregular de madeira, na comercialização de empresas fantasmas, comercialização de créditos de produtos florestais, crimes ambientais e lavagem de capitais. Foi solto pela Justiça paraense no mesmo mês, mas ainda responde ao processo em liberdade. Procurado pela Pública, o advogado de Queiroz Carvalho respondeu que ele “atuava como comprador de uma empresa exportadora, tendo sido equivocadamente apontado como proprietário de uma empresa madeireira que teria recebido uma carga de madeira irregular, a qual o legítimo proprietário compareceu em juízo e assumiu a responsabilidade sobre o empreendimento”. A advogado afirmou ainda que o processo criminal se encontra em fase de diligências e que “a defesa tem plena convicção da futura absolvição” do acusado.
Outro sócio, Cleidson Cavalcante Hashiguchi, é réu em dois processos na Justiça Federal. No primeiro, foi autuado pelo ICMBio por praticar garimpo sem autorização no rio Jamanxim, em área no entorno da Flona Itaituba II, em Trairão, no Pará. Foi denunciado pelo MPF e condenado em primeira instância, na 1ª Vara de Itaituba, em junho de 2019, mas recorreu. O MPF apresentou contrarrazões ao recurso e o processo agora corre em segunda instância. Cleidson também foi denunciado junto com outras seis pessoas por atividade de extração ilegal de ouro na Estação Ecológica Juami-Japurá em Tefé, no Amazonas. Nem Cleidson, nem sua defesa se pronunciaram até a publicação.
Artista plástico lidera pedidos em 2019; a gigante Anglo também aparece com destaque
O campeão de requisições de exploração mineral em terras indígenas durante o governo Bolsonaro é o arquiteto e artista plástico Sami Hassan Akl. Ele fez sete pedidos para exploração mineral de diamante em TIs apenas em 2019. Ele é sócio da empresa Bogari & Akl Comércio Importação e Exportação Ltda., sediada em São Paulo, voltada ao mercado artístico. Procurado pela Pública, uma pessoa que se identificou como assistente de Sami Akl informou que ele estava em viagem ao exterior e por isso não pôde responder. Indicou o número de um geólogo que estaria auxiliando o artista plástico nos pedidos de mineração, mas não conseguimos contato com o profissional.
Outra a aparecer com destaque no levantamento de requerimentos de exploração mineral é a gigante da mineração mundial, a Anglo American, sediada em Londres. Uma de suas subsidiárias, a Anglo American Níquel do Brasil, a maior produtora de níquel do país, aparece com destaque nos dois recortes do levantamento. A empresa fez seis requerimentos de exploração em terras indígenas em 2019. Ao longo desta década, são 46 requerimentos incidentes em TIs.
O grupo Anglo também enfrenta ações na Justiça relacionadas a infrações ambientais no Brasil. O braço de minério de ferro da companhia é alvo de ação civil pública pelo Ministério Público de Minas Gerais devido ao rompimento de um mineroduto no município de Santo Antônio do Gama, em Minas Gerais. O MP estadual de Minas também cobra R$ 400 milhões na Justiça como reparação de danos morais e sociais coletivos às comunidades impactadas pelo Mineroduto Minas-Rio – um caso já abordado por nossa reportagem. Em âmbito federal, o MPF mineiro pede a suspensão das licenças de operação já concedidas à Anglo bem como do licenciamento ambiental do projeto Minas-Rio.
Procurada, a Anglo afirmou que “apresentou sua defesa nas ações judiciais e não comenta o seu conteúdo” e sobre os requerimentos disse que os fez “com base em dados geológicos disponíveis”, que “a autorização para realizar esses trabalhos de pesquisa mineral será concedida ou não pelas autoridades competentes” e que “somente executa trabalhos de pesquisa mineral em áreas devidamente autorizadas”. A empresa disse ainda, em nota, que “realizou uma revisão de seu portfólio e desistiu de todos os requerimentos em áreas de pesquisa em terras indígenas até 2015. Requerimentos de pesquisa vigentes que porventura margeiem terras indígenas podem apresentar blocos com interferências nesses territórios. Nesses casos, cabe à Agência Nacional de Mineração (ANM) demarcar corretamente os blocos fora das áreas ou reservas indígenas.”
Processos “Branca de Neve”
“Normalmente, quando algum processo minerário incide em terra indígena, ele tem tido sua tramitação sustada. É um fenômeno burocrático curioso: os requerimentos não são indeferidos, mas também não tramitam, ficam, como chamamos, de ‘processos Branca de Neve’, dormindo à espera do beijo do príncipe. A ANM (Agência Nacional de Mineração) mantém alguns títulos nessa situação, há casos de títulos concedidos antes da homologação de terras indígenas ou antes da Constituição de 1988. Há questionamentos em juízo sobre esses títulos”, explica o sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA) Márcio Santilli.
De acordo com manifestação da ANM ao MPF do Pará, a agência considera que a falta de lei regulamentadora não impede que os processos minerários sejam sobrestados, ou seja, abertos e colocados em espera. Em agosto de 2019, a Justiça Federal do Amazonas decidiu que a ANM deveria limpar da sua base todos os requerimentos de pesquisa ou lavra que atingissem territórios indígenas no Estado.
“Não sabemos se a ANM irá estender essa limpeza a outros estados, mas é uma situação anômala existirem esses processos minerários. Já existe jurisprudência do STF que o direito dos indígenas independe da homologação da terra, ou seja, qualquer título incidente em terras indígenas, inclusive o minerário, deveria ser anulado. A ANM se finge de morta até para não ser processada pelos detentores desses títulos”, argumenta Santilli.
Procurada, a ANM e também a Funai não responderam aos questionamentos até a publicação.
Metodologia
Para chegar aos dados, a Pública utilizou a base de processos minerários da Agência Nacional de Mineração (ANM) e cruzou com o mapeamento de Terras Indígenas (TIs) da Funai, para identificar áreas de sobreposição dos processos com os territórios indígenas. Os processos minerários são registros na ANM que pessoas físicas e empresas precisam fazer antes de explorar qualquer mineral ou substância no subsolo brasileiro. Eles têm início com o pedido de autorização para se pesquisar a substância e seguem até à etapa final, quando pode ser concedida a licença para exploração ou garimpo. Todo processo demarca uma área de terra sobre a qual se pretende realizar as etapas para atividade mineradora.
O levantamento da Pública levou em consideração todos os processos incidentes em áreas indígenas em diversas fases do processo de demarcação. As terras indígenas podem ter sido homologadas sobre requerimentos minerários já existentes, mas estes não foram cancelados.
A reportagem, publicada originalmente pela Agência Pública, é parte do projeto Amazônia sem Lei, que investiga violência relacionada à regularização fundiária, à demarcação de terras e à reforma agrária na Amazônia Legal. O especial também faz a cobertura dos conflitos no Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro.
‘Patrão manda passar motosserra na Amazônia’, diz garimpeiro de Serra Pelada
Reportagem publicada na nova edição da revista Política Democrática online relaciona desmatamento a atividade ilegal
Cleomar Almeida, da Ascom/FAP
A ação de garimpeiros em situação irregular tem aumentado o desmatamento na Amazônia. É o que revela a segunda e última reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois, publicada na nova edição da revista Política Democrática online. Todo o conteúdo da revista pode ser acessado, de graça, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que produz e edita a publicação.
» Acesse aqui a 13ª edição da revista Política Democrática online
A equipe de reportagem da revista Política Democrática online viajou até Serra Pelada, no Sudeste do Pará, e revela como os trabalhadores são explorados como tatus para cavarem crateras atrás de ouro. “Todo mundo sabe que destruir a floresta não é certo. O patrão, que foi quem descobriu o garimpo, é quem manda a gente passar a motosserra de madrugada”, admite um garimpeiro.
A reportagem mostra que, no Pará, o aumento da destruição do meio ambiente tem relação direta com a exploração do ouro, que teve seu auge nos anos 1980. Desde aquela época, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o Estado perdeu 148,3 mil km² de floresta, o equivalente à área do Ceará.
De agosto de 2018 a julho de 2019, segundo informa a revista Política Democrática online, o Brasil bateu novo recorde do desmatamento na Amazônia nesta década. Os dados são do Inpe. No período, a área desmatada na floresta foi de 9.762 km², o que representa um aumento de 29,5% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018), que teve 7.536 km² de área desmatada.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuiu o aumento do desmatamento à “economia ilegal” na Amazônia, citando o garimpo, a extração de madeira e a ocupação do solo nessa situação. Ele disse que há negociações na esfera governamental para criar uma sede do órgão na Amazônia.
Observatório do Clima considera que “a alta no desmate coroa o desmonte ambiental de Bolsonaro e Salles”. Diz, ainda, que os dados de desmatamento são decorrência direta da estratégia do governo para desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso, criminosos ambientais.
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Garimpeiros deflagram guerra silenciosa em Serra Pelada, mostra Política Democrática online
Animados por Bolsonaro, exploradores de ouro apostam na legalização da atividade
Em situação ilegal, a maioria dos garimpeiros deflagra entre si uma guerra silenciosa em parte da floresta amazônica, sem qualquer precisão sobre a existência de ouro no local em que operam e sem infraestrutura que diminua o risco de desabamento dos barrancos. Outros já exploram o metal com auxílio de empresas que identificam minas por meio de imagem via satélite. É o que revela reportagem especial da nova edição da revista mensal Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. A matéria tem textos e fotos exclusivos.
» Acesse aqui a 12ª edição da revista Política Democrática online
A revista tem acesso gratuito pelo site da fundação. Produzida por equipe de reportagem enviada a Serra Pelada, a 50 quilômetros de Curionópolis, no Sudeste do Pará, a reportagem mostra como as recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) animam os garimpeiros. Ele tem repetido promessa na mesma linha da que foi feita, em 1980, pelo então presidente João Batista Figueiredo, de legalizar o garimpo.
O consenso entre diversos grupos de garimpeiros é para que Bolsonaro cumpra a promessa. No início deste mês, o presidente criticou a empresa mineradora Vale pela exploração de minérios no país e reforçou seu discurso em defesa dos garimpeiros, que veem a multinacional como uma grande barreira para exercerem a atividade, manualmente.
A reportagem conta histórias de garimpeiros que esteve em Serra Pelada, no auge da febre do ouro, em 1980, mas de onde foram embora desolados, na época, por causa da multidão de pessoas atraídas para a região. É o caso de Antônio Soares, de 69 anos, que voltou para o garimpo no Sudeste do Pará.
Antônio voltou em janeiro. Deixou a família para trás – 17 filhos em Mato Grosso, Maranhão e São Paulo, além de netos e bisnetos – para se unir aos garimpeiros. Sem equipamentos de segurança, eles passam o dia inteiro revezando picareta, cavadeira, enxada e pá. Na minguada disputa pelo ouro, só há intervalo para fazerem uma rápida refeição em fogão à lenha de tijolo, tomar água e dormir, à noite. Ninguém dá detalhes da quantidade de ouro encontrado.
A reportagem também mostra que garimpeiros de Serra Pelada reclamam que a empresa mineradora Vale atrapalha as atividades de exploração manual de ouro que eles realizam no Sudeste do Pará. Desde os anos 1970, segundo líderes locais, a multinacional avançou sobre a área que antes estava demarcada para a atividade da cooperativa. Em nota, a Vale nega e informa que não tem intenção de prejudicar os garimpeiros.
Integram o conselho editorial da revista Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho. A direção da revista é de André Amado.
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