G7
Após cúpula de emergência, G7 diz que apoiará Ucrânia 'até quando for preciso'
g1*
Em reunião de emergência convocada após o pior ataque da Rússia na Ucrânia, os líderes do G7 - o clube dos países mais ricos do mundo - declararam nesta terça-feira (11) que darão apoio financeiro, militar, humanitário, diplomático e legal ao governo ucraniano até quando for preciso.
A reunião teve a participação de Joe Biden (Estados Unidos), Liz Truss (Reino Unido), Fumio Kishida (Japão), Mario Draghi (Itália), Justin Trudeau (Canadá), Emmanuel Macron (França) e Olaf Scholz (Alemanha).
"Nós garantimos ao presidente (da Ucrânia) Volodymyr Zelensky que estamos inabaláveis e firmes em nosso compromisso para providenciar o apoio que a Ucrânia precisa para defender sua soberania e integridade territorial (...) Nós continuaremos a fornecer apoio financeiro, militar, humanitário, diplomático e legal ao governo ucraniano até quando for preciso", declararam os líderes, em um comunicado final conjunto.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, participou por videoconferência do encontro e pediu aos líderes que garantam às suas forças armadas capacidade de defesa aérea suficiente para deter a Rússia.
No depoimento, Zelensky voltou a descartar um diálogo com Vladimir Putin e também pediu ao G7 que apoie uma missão internacional na fronteira Ucrânia-Bielorrússia.
Também nesta terça-feira, um dia após um dos piores ataques russos a Kiev, a Ucrânia anunciou novos bombardeios a cidades estratégicas do país. Mísseis foram lançados contra Lviv - que fica próxima à fronteira com a Polônia - e Zaporizhzhia, onde fica a maior usina nuclear da Europa.
Mais tarde, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse nesta terça-feira (11) que a Rússia não recusaria uma reunião entre o presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em uma próxima reunião do G20 e que consideraria a proposta se a receber.
Falando na televisão estatal, Lavrov disse que a Rússia estaria disposta a "ouvir quaisquer sugestões sobre conversações de paz", mas que ele não poderia dizer antecipadamente qual seria o desfecho do diálogo em termos práticos.
Apesar da fala do chanceler russo, o Kremlin tem adotado uma postura agressiva e de contra-ofensiva. Há duas semanas, Vladimir Putin, fez um pronunciamento à nação pela TV anunciando a convocação de cerca de 300 mil reservistas no país inteiro, o que gerou uma grande onda de fuga de jovens russos.
Dias depois, quatro regiões da Ucrânia – Kherson, Zaporizhzhia, Luhansk e Donetsk – foram submetidas a um referendo organizado e realizado por Moscou sobre se os cidadãos locais queriam se separar da Ucrânia e se anexar à Rússia.
Putin anunciou vitória na consulta pública e, há duas semanas, assinou a anexação dos quatro territórios em uma cerimônia transmitida por telões em Moscou. A ONU e a comunidade internacional não reconhecem a anexação.
Texto publicado originalmente no g1.
COP26: 'Agora é momento de países ricos trazerem solução', diz Joaquim Leite
Agora é momento de países ricos, o G7, mostrarem movimento claro para trazer uma solução, disse Leite
Nathalia Passarinho / BBC News Brasil
O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, disse nesta terça-feira (9/11) na COP26, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, em Glasgow, na Escócia, que durante as negociações com outros quase 200 países presentes vai "defender os interesses do Brasil em primeiro lugar".
Leite disse que o Brasil adotou compromissos "ambiciosos" durante a primeira semana da cúpula do clima e que agora caberia aos países desenvolvidos "trazer soluções".
"Vamos defender os interesses do Brasil em primeiro lugar, mas buscando um consenso global. Países ricos têm que contribuir efetivamente com recursos, e países mais poluidores têm que aderir a politicas que o Brasil já tem internamente", disse Leite, em evento organizado pela Confederação Nacional da Indústria, na COP26.
"O governo federal fez movimentos importantes em relação a neutralidade, metano, desmatamento. Agora é momento de países ricos, o G7, mostrarem movimento claro para trazer uma solução. E a solução é econômica, a emergência é financeira", completou.
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Joaquim Leite chegou à cúpula do clima, em Glasgow, na segunda (8/11), e desde então tem se negado a responder qualquer pergunta dos jornalistas presentes à conferência. "Zero perguntas", disse ele ao ser abordado por jornalistas.
Num claro contraste com a visão adotada nos três primeiros anos de governo do presidente Jair Bolsonaro, que levou a recordes de emissões e destruição florestal, o Brasil resolveu aderir a compromissos na COP26 que incluem combater destruição de florestas, financiar povos indígenas e reduzir emissões de metano na agropecuária. Também anunciou que vai reduzir em 50% as emissões de gases do efeito estufa em 2030 e zerar o desmatamento ilegal até 2028.
Mas as negociações durante a cúpula do clima foram lideradas pela equipe técnica do Itamaraty, que há tempos tenta convencer o governo Bolsonaro da necessidade de melhorar a imagem do Brasil no exterior.
Mudança de política climática?
Em entrevista à BBC News Brasil, o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, negociador-chefe do Brasil na COP26 disse que o governo fez uma "reflexão cuidadosa" sobre sua política ambiental e resolveu "corrigir" rumos.
Todos os indicadores ambientais pioraram acentuadamente nos primeiros dois anos de gestão do presidente. Em 2020, o desmatamento na Amazônia foi o maior em 12 anos; o volume de emissões de gases poluentes foi o maior em 14 anos e o número de focos de incêndio foi o maior em dez anos.
"Ninguém discute esses números. Houve realmente isso. Houve um aumento das nossas emissões, basicamente pelo aumento no desmatamento", disse Carvalho Neto.
"O que nós queremos fazer agora é corrigir isso. Olhar com muita seriedade, envolver recursos no combate ao desmatamento, aumentar os recursos, sejam nacionais ou internacionais."
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/geral-59201461
Cenário internacional: O Brasil, a OCDE e o meio ambiente
Correções e ajustes serão necessários para preencher os requisitos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
Rubens Barbosa / O Estado de S. Paulo
Desde que, em 2017, o Brasil pediu para ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o cenário internacional transformou-se de forma acentuada. A mudança do clima passou a ser vista como elemento importante para a política macroeconômica. Bancos centrais, reguladores e ministérios de finanças discutem estabilidade macroeconômica, regulação financeira e sustentabilidade fiscal relacionadas aos riscos climáticos. Organizações políticas multilaterais, como o G-7 e o G-20 passaram a incluir meio ambiente e mudança de clima entre suas prioridades e a União Europeia e os Estados Unidos põem esses temas no centro de reformas econômicas voltadas para o crescimento e a recuperação dos prejuízos causados pela pandemia.
No seu relatório anual, a OCDE faz uma avaliação ampla de reformas para promover o crescimento em longo prazo nos 37 países-membros e alguns emergentes, incluído o Brasil. No tocante ao meio ambiente, a estimativa é de que mais de três quartos da população brasileira está exposta a níveis nocivos de poluição do ar, semelhante ao risco de boa parte dos países examinados. A constatação é de que as emissões de gás carbônico ficaram estáveis em anos recentes antes da crise sanitária. Ao lado do exame da política econômica e social, o relatório inclui a “nova prioridade”, envolvendo a política ambiental para o Brasil preservar os recursos naturais e acabar com o desmatamento, reforçando o apelo global. No documento a OCDE mostra a necessidade de reforçar a proteção efetiva dos recursos naturais, incluindo os da floresta tropical amazônica. Defende a manutenção das leis atuais e de proteções capazes de reduzir o desmatamento no passado, combinadas com mais fiscalização para combater o desmatamento ilegal, o que exigirá recursos adicionais. A OCDE recomenda ao governo brasileiro “evitar um enfraquecimento do atual quadro de proteção legal, incluindo as áreas protegidas, o Código Florestal e concentrar-se no uso sustentável do potencial econômico da Amazônia”. Em outro levantamento comparativo, a OCDE indica que medidas adotadas pelo governo brasileiro para ajudar a economia a passar pela crise da covid-19 subiram a US$ 105 bilhões, mas apenas uma fração desse montante, US$ 351 milhões, ou 0,3%, teve efeito claramente positivo para o meio ambiente. Por outro lado, o governo brasileiro ainda não respondeu ao convite da OCDE para participar do Programa Internacional de Ação sobre o Clima, visando a acelerar a ação dos países na descarbonização de suas economias.
Como explica Vera Thorstensen, coordenadora do Centro de Estudos do Comércio Global e Investimento, “a maioria de suas regras é negociada pelos seus membros como recomendações e orientações não obrigatórias. A OCDE exerce sua função por meio de exames contínuos das práticas de seus membros, realizados pelo seu Secretariado, e um sofisticado processo de comparação entre os participantes, por meio de instrumentos de análise e uma métrica de avaliação sofisticada. O resultado é a apresentação dos mais diversos pontos das atividades econômicas dos membros, comparando-os e estimulando-os a cumprir as regras, sob pressão política de seus pares”. No processo de acesso do Brasil à OCDE, o País passará pelo crivo de seus membros, com base nos indicadores verdes da organização, quais sejam, os de sustentabilidade, os de crescimento verde e os de meio ambiente.
É importante entender como funciona o mecanismo de trabalho da OCDE. Como reiteradamente afirmado pelo governo atual, “a entrada do Brasil na OCDE é uma prioridade da política externa e da estratégia de aprimoramento das políticas públicas nacionais e de maior integração do País à economia mundial”. Para alcançar esse objetivo será necessário não só participar ativamente de seus trabalhos técnicos na área econômica, financeira e comercial, mas também levar em conta outras áreas importantes para os países-membros, incluída a ambiental e de mudança de clima. Os indicadores verdes e as recomendações feitas pela organização devem ser acompanhados pelo governo e pela sociedade civil para que o Brasil esteja em conformidade com as regras e possa ser aceito por todos os países-membros.
Não basta participar dos 246 instrumentos legais existentes no âmbito da OCDE. Correções e ajustes na política ambiental serão necessários para preencher os requisitos exigidos pela organização de Paris e serem avaliados positivamente pelos demais países. O combate aos ilícitos na Amazônia (queimadas, destruição da floresta e garimpo) são medidas que só dependem da vontade política do governo.
Se o desafio da mudança de clima não fosse suficiente, em dezembro passado a OCDE passou a monitorar também a corrupção no Brasil. Pela primeira vez em 27 anos de atividades, o Grupo Anticorrupção da OCDE criou um grupo específico, integrado por EUA, Itália e Noruega, para acompanhar o que acontece no Brasil nesse campo. A criação desse grupo coincide sintomaticamente com o esvaziamento da Lava Jato, o que deverá ser objeto de questionamento dos países-membros na próxima reunião do grupo.
*Presidente do IRICE
Marcos Troyjo: Trump desmonta mundo projetado por Churchill
Sob comando do presidente, EUA descortinam era de particularismo e relativismo moral
Já é extensa a coleção de mudanças que Donald Trump impôs ao papel dos EUA no cenário global. Dado o imenso peso relativo norte-americano, altera-se, por conseguinte, a própria ordem internacional.
Consciente ou não, com menor ou maior grau de intencionalidade, Trump vai aos poucos desmontando uma configuração mundial estruturada ao longo dos últimos setenta anos. E um dos principais projetistas do mundo que se está desmanchando foi Winston Churchill.
Por mais de sete décadas, os EUA capitanearam um mundo em grande medida delineado por Churchill em seu discurso “Tendões da Paz” (“Sinews of Peace”), mais conhecido como “Discurso da Cortina de Ferro”, proferido no Westminster College, no estado norte-americano do Missouri, em março de 1946.
Tal pronunciamento ofereceu aos EUA uma “moldura política” (“policy framework”, em inglês). E, em seu interior, é claro que a trajetória de política externa e visão de mundo dos EUA de Harry Truman a Barack Obama apresentou oscilações de estilo e foco.
Truman e Eisenhower foram engenheiros dos movimentos inaugurais da Guerra Fria. Kennedy e Johnson buscaram liderança americana num mundo que àquela altura parecia fadado ao conflito Leste-Oeste por muito tempo.
Nixon, Reagan e Bush sênior tentaram —e conseguiram— quebrar a espinha dorsal da União Soviética e assim “vencer” a Guerra Fria. Bush júnior inventou a Guerra ao Terror e aplicou a doutrina dos ataques preventivos (“preemptive”).
Carter, Clinton e Obama puseram ênfase nos EUA como “superpotência benigna” —protagonistas, sim, mas de um sistema multilateral baseado em regras.
Muitas dessas alternâncias respondem a conjunturas específicas. Em seu todo, no entanto, há uma viga mestra, um “conceito estratégico abrangente”, como descreveu Churchill em seu discurso do Missouri, na certeza de que a expressão agradaria os formadores de política externa e de defesa dos EUA.
Tal conceito teve menos que ver com a Cortina de Ferro ou a ameaça expansionista do comunismo soviético. Tampouco foi algo direcionado apenas a aplicações militares. O objetivo abrangente era “nada menos que a segurança e bem-estar, a liberdade e o progresso de todos os lares e famílias de todos homens e mulheres de todas as terras”.
Homem experimentado e do mundo, Churchill era cheio de imperfeições —e nada sacrossanto. Na condução quotidiana dos assuntos de estado, fez barbeiragens como ministro da Fazenda (“Chancellor of the Exchequer) ou primeiro lorde do Almirantado. Suas posições relativas ao colonialismo britânico ou ao voto feminino são para lá de questionáveis. Em nome de objetivos maiores, como derrotar o Terceiro Reich, não hesitou em costurar alianças com a União Soviética, regime que abominava.
Encontro do G7 no Canadá
Assim, Churchill estava longe de ser um idealista, em seu discurso do Missouri, no entanto, parece ter encontrado fórmula em que, defendidos os cânones ocidentais (bandeira cuja liderança deveria caber aos EUA), todos poderiam ganhar.
Nessa linha, Churchill sugeria ao menos duas diretivas. A primeira: há uma família de nações pautadas por valores fundamentais do Ocidente: a democracia representativa, o estado de direito, a livre iniciativa; alguma noção, enfim, de civilização próspera e livre. A segunda, tais valores devem permanecer válidos não importa o antagonista ou a conjuntura. Não devem portanto esmorecer se o adversário for o fascismo, o comunismo ou o terrorismo.
Fica natural assim entender muito da pregação de Churchill que emerge de tais vetores. A formação de uma aliança ocidental, o valor de uma Europa Unida, o fortalecimento de um sistema multilateral a partir de uma efetiva Organização das Nações Unidas.
Essa visão de Churchill —concebida por indivíduo com amplo treinamento no que ele próprio denominava “a guerra como escola de aperfeiçoamento”— é menos “realista” e mais “moral”.
No campo semântico das relações internacionais, “realismo” é ortodoxamente compreendido como o poder “nu e cru”. O mundo é um tabuleiro em que, quando uns ganham, outros perdem —um “jogo de soma zero”. Aqui, a única régua ética é perseguir seus próprios interesses, mensurados em termos de obtenção de mais poder ou riqueza.
O Ocidente como moral —o projeto de Churchill— estima não apenas a superioridade de valores como democracia representativa, estado de direito e livre iniciativa, mas também sua ambicionada “universalidade”.
Na segunda metade dos anos 1940, Churchill enxergava os EUA no “pináculo do poder mundial”. Os EUA deveriam portanto liderar a construção de um mundo sustentado sobre os pilares ocidentais.
Na atual fase dos EUA presididos por Trump, abre-se mão de tal ambição de universalidade. Descortina-se uma era de particularismo e relativismo moral. Nela, talvez o próprio conceito de Ocidente tenha perdido a validade.
Vivemos uma trama em que o primeiro-ministro do Canadá é “ofensivo”. O ditador da Coreia do Norte, “talentoso”. Um mundo em que as instituições multilaterais são inclinadas a sempre constranger os EUA, fazendo com que Washington sempre saia perdedor de contenciosos arbitrados multilateralmente.
Encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un
Trata-se de cenário em que alianças estratégicas —como a Otan— têm de ser revistas. E onde Duterte, Erdogan, Putin ou Kim podem ser considerados “grandes líderes para seus povos”.
O estranhamento dos EUA no G7, a fadiga do sistema multilateral, a equivalência moral de democracia e autocracia, o renovado mercantilismo comercial e o redesenho do mapa geopolítico a partir de noções como balança de poder ou esferas de influência —são todos traços da presente conjuntura global.
Talvez tais marcas não prevaleçam ao longo do tempo, evitando assim que se lancem bases firmes para uma nova ordem internacional em que a ideia de Ocidente não seja relevante. Ainda assim, é inegável que, por ora, o mundo projetado por Churchill está se despedaçando.
* Marcos Troyjo é diplomata, economista e cientista social, é diretor do BRICLab da Universidade Columbia
Ricardo Tavares: Trazer a política industrial brasileira para o século XXI
País enfrenta a perda de competitividade internacional, visto que os nossos parceiros comerciais mais competitivos penetram o nosso mercado e deslocam a produção brasileira de mercados tradicionais de nossas exportações industriais, como a América Latina.
A produção industrial mudou nas últimas décadas com fábricas e cadeias produtivas nacionais cedendo lugar a cadeias de produção transfronteiriças aonde tarefas e componentes atravessam vários países, frequentemente, mais de uma vez, até que o produto seja finalizado numa zona de baixo custo de mão de obra. O Brasil ficou à margem deste processo, procurou adensar as suas cadeias produtivas nacionalmente e utilizou abundantemente políticas de “conteúdo local”.
Isto resultou, nas palavras do economista Otaviano Canuto, em cadeias de produção “densas demais”, que levaram à perda de competitividade internacional. Subsídios setoriais e políticas de proteção já não são mais suficientes para dar sobrevivência à indústria brasileira, visto que os nossos parceiros comerciais mais competitivos penetram o nosso mercado e deslocam a produção brasileira de mercados tradicionais de nossas exportações industriais, como a América Latina.
O debate no Brasil, especialmente entre economistas na academia, no entanto, continua resistente à ideia de que o país precisa reavaliar sua politica industrial na direção de maior integração com cadeias globais. Os argumentos são variados, mas aqui vão três deles:
A fragmentação dos processos produtivos não é boa para os sócios mais fracos, porque só países centrais mantêm os melhores empregos e salários;
A China define a ordem industrial atual e nossa integração nos desindustrializa e nos torna meros fornecedores de commodities;
Finalmente, surge o argumento de que não valeria a pena o Brasil se inserir em cadeias globais exatamente quando a Indústria 4.0, com tecnologias como a Internet das Coisas, Robótica, Impressão 3D, Inteligência Artificial e Realidade Virtual irão reverticalizar a indústria e reduzir a importâncias destas mesmas cadeias.
O economista Richard Baldwin notou que os países do G-7 em 1990 tinham cerca de 70% da renda mundial, mas hoje possuem algo como 45% e caindo. Este significativo deslocamento de renda se deveu à fragmentação da produção e à expansão de cadeias globais de valor. Seis países em desenvolvimento se beneficiaram fartamente deste processo por sua integração a cadeias globais: China, Coréia do Sul, Índia, México, Polônia e Tailândia. O Brasil ficou à margem deste processo. Centenas de milhões de pessoas saíram da faixa de pobreza. Assim, a ideia de que as cadeias globais simplesmente criam injustiça nos países em desenvolvimento é mais complicada do que a simplicidade do argumento indica.
A China hoje ocupa papel central nas cadeias produtivas de várias indústrias-chave. Ganhou esta posição saindo debaixo, importando bens de capital e componented e subindo a ladeira das cadeias de valor. As políticas chinesas vão muito além do simples livre comércio, mas são baseadas em importar para exportar, agindo estrategicamente em vários setores, integrando-se e buscando papel mais central nas cadeias. No entanto, não é responsabilidade da China que o Brasil tenha aproveitado o ciclo de commodities para aumentar o consumo sem crescer seus investimentos, ou que tenha optado por adensar cadeias locais antes de se integrar ao dinâmico processo de formação de cadeias globais. Estas responsabilidades são exclusivamente nossas.
Quanto à Indústria 4.0 está claro que terá impacto nas cadeias produtivas globais. O que não está claro é qual será a direção deste impacto. O Fórum Econômico Mundial (WEF), por exemplo, está promovendo debates sobre a questão. No caso da Impressão 3D, o WEF concluiu que o impacto é mais restrito a produtos industriais de baixa escala e alto valor. Outras tecnologias vão ser integradas à produção nos próximos anos. Vale a pena esperar sentado pela reverticalização enquanto a bola continua rodando em cadeias transfonteiriças? Como será a indústria brasileira em cinco ou dez anos sem ajustes? Além disso, estas novas tecnologias permitirão aos países do G7 recapturar nacos da renda mundial, agora junto com a China? Uma reverticalização da indústria num novo patamar tecnológico daria mais ou menos oportunidades ao Brasil?
Ao invés de questionar a importância da integração, seria mais útil discutir como o Brasil pode se beneficiar de cadeias globais de valor, que na verdade tendem a se estruturar regionalmente. Trata-se de uma tarefa gigantesca. As políticas não podem mudar radicalmente do dia para a noite, visto que isso terminaria por destruir a indústria. É importante pensar um processo de transição de cadeias densas demais para maior integração.
O governo Dilma Rousseff (2011-2016) é responsável por políticas de conteúdo local que levaram painel da Organização Mundial de Comércio (OMC) a condenar o Brasil por programas como o Inovar-Auto e a Lei de Informática. Mas ironicamente criou o RECOF, programa aduaneiro especial que deu à indústria exportadora intensa em tecnologia mais flexibilidade para importar insumos à produção sem pagamento de impostos imediatos, com a isenção se configurando quando produto é exportado. Isto certamente está dando impulso à maior integração do Brasil em cadeias internacionais e à melhoria das condições de competitivade das nossas exportações industriais em setores de intensidade tecnológica.
A Embraer por seu turno está procurando fazer, com o apoio da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), um programa de localização de fornecedores de insumos industriais diferente do passado, estimulando o desenvolvimento de sua cadeia local de fornecedores de componentes não somente para suprir a Embraer mas para exportar para a indústria aeronáutica international. O conteúdo local para vender somente no próprio país não faz qualquer sentido e destrói a competitividade internacional da indústria. Devemos pensar em iniciativas semelhantes para outros setores.
A política industrial brasileira dos últimos 10 anos ficou parada no século XX. É preciso fazê-la chegar ao século XXI. O RECOF deu um passo importante. A próxima etapa é sem dúvida a modernização da política comercial.
* Ricardo Tavares é cientista político e consultor de empresas; é presidente da TechPolis, empresa de consultoria internacional.