Fux
Ascânio Seleme: A beleza da rotatividade
O novo time de Bolsonaro havia esquecido que o Supremo tinha um novo presidente
Nada como um dia depois do outro. Até o final de setembro, as articulações dos novos aliados de Bolsonaro contra a Lava-Jato andavam de vento em popa. A indicação de Kassio Marques para a vaga de Celso de Mello era o ponto alto do entendimento entre o centrão, o Planalto e alguns ministros do Supremo Tribunal Federal. O presidente afastava, pelo menos provisoriamente, a ideia de nomear um nome terrivelmente evangélico ou um advogado despreparado para o posto, o tribunal seguia na sua solene altivez, e o centrão ganhava um ministro que ajudaria a torpedear a saga punitivista, engordando a ala garantista da Segunda Turma do STF. Aí chegou o Fux.
O novo time de Bolsonaro havia esquecido que o Supremo tinha um novo presidente. Acostumado com a simpatia e a amizade de Dias Toffoli, batia bola como se nada houvera. Foi um erro. O mundo estava diferente. E esta é a beleza da rotatividade no comando do STF. Se Toffoli fosse presidente vitalício, como funciona na Suprema Corte dos Estados Unidos, Bolsonaro nadaria de braçada. Mas, não, por aqui o sabiá muda de cantiga a cada dois anos. E o canto da vez é o de Luiz Fux, que reagiu à manobra do capitão com outra manobra, e tirou poder da Segunda Turma sobre a Lava-Jato.
Sem entrar no mérito de quem tem razão, se os garantistas ou os punitivistas, é fato que se Bolsonaro e o centrão estão de um lado, tudo indica que o outro lado é melhor. Se o lado de Bolsonaro e do centrão também tiver a simpatia do PT de Lula, mais forte fica esta convicção. Foi o que se viu com a indicação de Kassio Marques. O festival de elogios ao magistrado não teve qualquer contenção partidária. O PT sentiu-se à vontade para falar bem alegando que o indicado já havia sido conduzido para o TRF pela ex-presidente Dilma. Mas é mais do que isto, além de tentar enterrar a Lava-Jato, Kassio provavelmente se somará aos que querem punir e desautorizar Sergio Moro, anulando a sentença de Lula no caso do tríplex do Guarujá.
O ex-sumido senador Renan Calheiros também entrou no circuito ao lado de Bolsonaro, do centrão e do PT de Lula, reforçando a tese de que o outro lado é melhor. Há três semanas, Renan recebeu Lula num hospital de São Paulo, onde se convalescia de uma cirurgia. “Vou vingar o senhor, presidente”, disse Renan ao visitante. Dias depois, saiu do hospital e voltou a operar com toda a desenvoltura que o distingue. Junto com seu ex-desafeto, o presidente do Senado Davi Alcolumbre, Renan organizou a paz entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia; ajudou a consolidar a vida de Bolsonaro no STF; está azeitando o caminho de Kassio no Senado e incentivando a punição a Moro.
Renan trabalha por Lula, com o seu aval, e por Bolsonaro, com o OK do presidente. Foi para atender ao capitão que ele acionou a senadora Kátia Abreu, a organizadora do jantar que reuniu Guedes e Rodrigo. E para contemplar também o petista, Renan se uniu a Alcolumbre em favor do rito rápido na aprovação do garantista Kassio e da votação para a suspeição de Moro. Se depender de Renan e dos novos aliados de Bolsonaro, a maquiagem do currículo do indicado não o impedirá de ser aprovado pelo Senado. Com isso, ganham centrão, Bolsonaro e Lula. E ganha o reinserido Renan.
Não foram poucas, como se vê, as articulações que reuniram sob o mesmo guarda-chuva Bolsonaro, Lula, Renan, Gilmar, Toffoli, Alcolumbre e o centrão. Não importa a força e o poder que um grupo desse possa ter, o problema é que sempre há um outro lado. E de dois em dois anos a fila anda.
Transparência
Pode-se falar tudo de Dias Toffoli, menos que não seja transparente. Tem o currículo que tem e não se acanha. Não inventou mestrados, doutorados ou pós-docs. Sabe-se que lecionou numa universidade meia boca de Brasília e nunca escondeu que tentou ser juiz e foi reprovado em dois concursos. Ele é o que é. E ponto final.
Grande negócio
Sabe qual o melhor investimento hoje no Brasil? Esqueça Bolsa, dólar ou fundos de investimento. Na Justiça é que a grana rola. Qualquer sentença judicial que envolva pagamento em dinheiro, rende 1% ao mês se a parte condenada recorrer da decisão. Assim, quando uma pessoa ou empresa é sentenciada e recorre, a dívida vai sendo ajustada mensalmente até a sentença em instância derradeira. Se o caso tramitar por mais de dez anos e a decisão final confirmar a sentença inicial, o devedor deverá pagar juro de 1% ao mês por todo o período. Numa simulação feita pelo TJ do Rio, uma dívida de R$ 10 milhões vai pagar R$ 20,6 milhões só de juros. Somam-se a isso a correção monetária e os honorários advocatícios, e a facada final chega a R$ 42,1 milhões.
Esfarrapadas
A cordialidade entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia, quando fizeram as pazes publicamente, deve ser vista com muita atenção para se saber quem mesmo se desculpou com o outro. Na entrevista do perdão, Rodrigo disse com os olhos marejados fitando Guedes: “Eu fui grosseiro e pedi desculpas”. Na sua vez, Guedes foi muito menos inflamado: “Caso tenha ofendido alguém inadvertidamente, peço desculpas”. Claro que Paulo Guedes não se desculpou. Na verdade, nem acha que ofendeu Rodrigo Maia ao desautorizar membros da sua equipe a se reunir com o presidente da Câmara.
Huck Bobeou
Tucanos da nova geração de São Paulo acham que Luciano Huck perdeu uma grande chance de testar sua capacidade eleitoral e ganhar corpo para uma disputa presidencial mais adiante. Huck poderia ter se candidatado à prefeitura do Rio, dizem os tucanos, com grande chance de ganhar. Partido não lhe faltaria, e o PSDB chegou a sondá-lo neste sentido. Se ganhasse, estaria se qualificando para 2022, além de obter experiência na administração pública. Se perdesse, aprenderia a jogar, o que lhe daria um pouco mais de segurança para o pleito seguinte.
Lema
Para os que vivem se lamentando pela vitória de Bolsonaro, vale a pena lembrar o lema americano de convivência democrática: “Vote, eleja, aguente, aprenda”. Nos Estados Unidos, a máxima está em vigor desde a eleição de Donald Trump, em 2016. Os americanos votaram, elegeram e depois aguentaram, resta saber se aprenderam. Aqui no Brasil, vai-se saber se houve algum aprendizado desde Bolsonaro já nas eleições municipais.
Agulha no palheiro
Um mil e 800 candidatos de 33 partidos se apresentam para concorrer a um mandato de vereador na Câmara do Rio. Tem todo tipo de gente. Tem doutor, tem cabo, sargento e tenente, tem corretor, bombeiro e pastor. Tem até um que se apresenta como “advogado de Deus”. O eleitor terá de vasculhar para encontrar agulhas neste palheiro. Mas com esforço e determinação, vai encontrar candidato que presta. Não desanime, nobre eleitor.
Serial killer
É incalculável o número de vidas ceifadas pelo negacionismo de Donald Trump em relação ao coronavírus. Mas tem gente calculando quantas pessoas ele matou nos últimos cinco dias, desde que tuitou que as pessoas têm de enfrentar o vírus sem medo e tirou a máscara em cadeia de TV ao voltar para a Casa Branca depois de sua internação.
Reza o contrato
A gigante Pinterest, uma rede social de compartilhamento de fotos, pagou US$ 90 milhões a uma empresa imobiliária para desfazer contrato de leasing de um prédio de 46,5 mil metros quadrados em São Francisco. Com a pandemia, a empresa aprendeu que dá para manter muita gente em casa e seguir suas operações a custos bem mais baixos. O detalhe curioso é que o prédio ainda nem foi construído.
Que susto
Certo dia um senador que atende pelo apelido de Vulcabras foi a São Paulo receber uma propina de um empresário local. Chegou ao escritório da empresa, contou o dinheiro e levantou-se para sair, quando o empresário lhe ofereceu um carro blindado para levá-lo ao aeroporto. No meio do caminho para Cumbica, o veículo parou por falta de gasolina. Em dois minutos uma patrulhinha da PM estacionou ao lado do carrão. O senador, que achou que tinham armado contra ele, se identificou com os policiais e pediu ajuda. Pois não, excelência. Os PMs então empurraram o carro blindado e pesado, que carregava um senador com uma mala cheia de dinheiro, até um posto de gasolina.
Dinos do Planalto
A Christie’s leiloou na terça passada em Londres o esqueleto de um Tiranossauro Rex. Conseguiu oferta final de US$ 31,8 milhões (R$ 177,2 milhões) pelos restos da fera do período cretáceo. Se viesse garimpar em Brasília, a leiloeira levantaria uma fortuna.
Eliane Cantanhêde: Fux infla especulações
Se Flávio Bolsonaro nem era investigado, por que tanto medo das investigações?
A liminar do ministro Luiz Fux suspendendo as investigações do Ministério Público do Rio sobre as contas do ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro é daquelas que parecem coisa de amigo, mas só podem ser de inimigo. O filho do presidente nem sequer era investigado, mas se jogou no olho do furacão. E, na sofreguidão de agradar ao presidente da República, Fux acabou dando mais um empurrão.
Em vez de “hay gobierno, soy contra”, Fux é adepto do “hay gobierno, soy a favor”. A liminar de ontem, porém, pode ter um efeito prático oposto ao pretendido pela família Bolsonaro. Em vez de suspender, ampliar e apressar as investigações.
Desde o início, as reações à história levantada pelo Coaf e divulgada pelo Estado têm sido erradas do ponto de vista jurídico, político e midiático. Não é admissível que o policial militar e ex-assessor Fabrício Queiroz, sua mulher e suas filhas não apareçam para depor. É um desrespeito inaceitável com as instituições republicanas. Para piorar, Fabrício alegou questões de saúde para não depor, enquanto aparecia bem serelepe em entrevista à TV. Sem falar na dancinha do hospital...
Em vez de esclarecer, os Bolsonaro trataram de complicar e quem cobrou publicamente explicações não foram o PT, a imprensa, a oposição, foram os generais, à frente o vice-presidente Hamilton Mourão. Se nem assim as explicações vieram, é porque provavelmente os envolvidos não as têm.
Depois de também não atender ao chamado do MP-RJ (no caso dele um mero convite), Flávio Bolsonaro agora parte para uma estratégia de altíssimo risco. Ele havia dito que não tem nada a ver com isso e que o assessor do seu gabinete é quem deveria se explicar. Se não tem nada a ver com isso, por que entrar com pedido de suspensão de investigações junto ao Supremo?
No caso de Luiz Fux, a situação é mais do que apenas constrangedora, como admitem seus colegas no Supremo. Ferrenho defensor do fim do foro privilegiado, ele usou justamente o foro para privilegiar o filho do presidente. E com argumentações questionáveis, segundo seus próprios pares, que passaram o dia ontem trocando telefonemas, informações e impressões.
Em sua decisão, Fux – que responde pelo STF nessa segunda fase do recesso do Judiciário – alegou que Flávio Bolsonaro foi eleito senador e assumirá o mandato e ganhará foro privilegiado em primeiro de fevereiro e, segundo o ministro, cabe ao plenário decidir o que deve ou não se encaixar no foro.
Só que... a decisão do plenário foi clara: o foro no STF para senadores e deputados vale para crimes cometidos durante o mandato e em função do mandato. No caso de Flávio Bolsonaro: 1) até agora, não há crime; 2) se houve algum foi quando ele era deputado estadual no Rio; 3) nada disso tem a ver com o seu futuro mandato no Senado.
Logo, tudo isso demonstra um certo desespero e joga ainda mais suspeitas, intrigas e especulações sobre os envolvidos. Uma delas, que circulava ontem em Brasília, é de que as investigações estariam evoluindo rapidamente e deixando não apenas Flávio como o próprio pai, agora presidente, numa situação delicada. A conta de Fabrício não seria abastecida só pelos funcionários? E seria um “caixa comum” da família?
O fato é que o tema viralizou na internet – um front em que as tropas bolsonaristas venceram a guerra das eleições e vinham ganhando as batalhas de governo. Isso pode mudar e os generais não estão mais sozinhos ao pedir explicações. Seus soldados nas redes também querem entender o que acontecia no gabinete de Flávio, que dinheiro era aquele, de onde vinha e para onde ia. Os Bolsonaro ganharam as eleições, não um habeas corpus para fazerem o que bem entendem. Ninguém está mais acima da lei, lembram?
Bruno Boghossian: Caso Battisti simboliza mudanças políticas dos últimos 8 anos
Lula autorizou permanência de italiano no Brasil quando tinha 83% de aprovação
Quando assinou a autorização para que Cesare Battisti ficasse no Brasil, no último dia de 2010, Lula se preparava para deixar o poder com 83% de aprovação. O governo foi pressionado pelos italianos, mas decidiu não extraditar o homem condenado à prisão perpétua por quatro homicídios nos anos 1970.
Nas semanas seguintes, antes de deixar a cadeia, Battisti demonstrou perceber que seu destino estava diretamente ligado à força política do petista. “Se o Lula desse essa decisão antes, iam em cima dele. Porque me derrotar também é derrotar o Lula”, disse o italiano em uma entrevista.
Os ventos mudaram em Cananeia, município do litoral paulista que Battisti escolheu como sua casa. Ao menos três personagens receberam os avisos meteorológicos: Michel Temer, Jair Bolsonaro e Luiz Fux.
Em outubro do ano passado, Temer decidiu revogar o asilo que havia sido concedido por Lula ao italiano. Àquela altura, o petista já havia sido condenado por corrupção pelo então juiz Sergio Moro e recorria em liberdade. Fux, relator do caso no Supremo, deu uma liminar que travou a extradição.
Battisti depois se tornou um dos fiapos da linha populista na política externa que Bolsonaro começou a ensaiar ainda nos primeiros meses de campanha. Em abril, o então candidato conversou com o embaixador da Itália e tentou fazer graça: “No ano que vem, vou mandar um presente para vocês: o Cesare Battisti”.
Embora Bolsonaro não tenha participado das decisões que devem culminar na extradição de Battisti, sua possível saída do país simboliza uma vitória do presidente eleito.
Ao determinar a prisão do italiano na última quinta (13), Fux afirmou que a decisão de Lula em 2010 poderia ser revista, porque era um “juízo estritamente político” e estava sujeita a “conjunturas sociais”.
A conjuntura realmente mudou. O homem que deu liberdade a Battisti por oito anos passa seu nono mês na prisão. Fux percebeu os novos tempos e colocou sua assinatura no ato de pré-estreia da era Bolsonaro.
El País: Battisti vira peça central no flerte de Bolsonaro com Governo de direita italiano
Disputa diplomática com a Itália se aproxima do fim com mandado de prisão de italiano. Temer já assinou ordem de extradição, porém ex-ativista está foragido
A decisão de Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de determinar a prisão de Cesare Battisti deixa o ex-militante e escritor italiano a um passo da extradição e aproxima do fim uma disputa diplomática entre Brasil e Itália que se arrasta desde o final do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na Itália, Battisti é peça central nas cada vez mais próximas relações entre o presidente eleito Jair Bolsonaro e o governo do país europeu. Matteo Salvini, ministro do Interior e líder do partido populista de direita Lega Nord, comemorou a decisão de Fux e trocou mensagens pelo Twitter com Bolsonaro. "Darei grande mérito ao presidente Bolsonaro se ele ajudar a Itália a ter justiça, 'dando de presente' para Battisti um futuro nas nossas prisões", escreveu Salvini. A resposta de Bolsonaro a Salvini nas redes não poderia ser mais clara: "Conte conosco!"
O diário italiano La Repubblica narra uma vida repleta de fugas internacionais que há décadas mantêm Cesare Battisti longe das prisões italianas. Nascido em 1954, ele integrou na Itália o grupo Proletariado Armado pelo Comunismo (PAC), que nos anos 70 realizou assaltos a banco e a supermercados no país europeu, justificados como ações de expropriação. Foi nesse contexto que ele foi acusado —e condenado— por ter participado de quatro assassinatos, sendo o autor material de dois deles. Detido na Itália, conseguiu escapar da prisão em 1981 e fugir para a França. Permaneceu na Europa por pouco tempo e depois partiu para o México. Antes de fugir para o Brasil, passou outra temporada na França, que só reconheceu o pedido de extradição feito pela Itália em 2004. Ante o risco de cumprir prisão perpétua em seu país, fugiu novamente, dessa vez para a América do Sul. Ao longo desse período, Cesare Battisti passou a escrever livros e amealhou o apoio de intelectuais de esquerda que se opuseram à sua devolução à Itália.
No Brasil, Battisti protagonizou uma disputa diplomática com a Itália que se arrastou durante anos. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os assassinatos pelos quais Battisti fora sentenciado em seu país de origem não podiam ser considerados crimes políticos. Dessa forma, a condição de refugiado do italiano foi revogada e o caminho para a extradição parecia livre. No entanto, a Suprema Corte havia determinado naquele mesmo julgamento que a decisão final sobre entregá-lo ou não à Itália caberia ao presidente da República, na época Lula. No último dia do seu mandato, o petista optou pela não extradição, o que gerou fortes protestos das autoridades italianas.
#Bolsonaro: “Conta su di noi!”.
Grazie Presidente @jairbolsonaro.
Se serve prendo il primo volo per riportare finalmente in Italia un delinquente condannato all’ergastolo.
Instalado no país e contando com a simpatia de figuras importantes dentro do PT, Battisti teve um filho no Brasil, um dos pontos levantados por sua defesa como impedimento à sua extradição. Seu caso voltou a complicar-se após o impeachment de Dilma Rousseff e a chegada de Michel Temer ao Palácio do Planalto, quando a nova administração passou a emitir sinais de que tinha interesse em dar seguimento à extradição.
Em 2017, o italiano chegou a ser preso tentando atravessar a fronteira do Brasil com a Bolívia em Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Segundo as autoridades, ele portava 6.000 dólares e 1.300 euros. Depois de ser solto, ele se defendeu e disse que seu status legal à época lhe permitia sair do Brasil quando quisesse, mas o episódio foi interpretado por autoridades brasileiras com uma tentativa de evasão.
Naquele mesmo ano a Itália pediu ao governo Temer que revisasse o decreto de Lula de 2010 que possibilitou a permanência de Battisti no Brasil. Seus advogados entraram com um pedido de habeas corpus preventivo no Supremo para tentar evitar o seu envio à Itália. O principal argumento dos seus defensores era que a decisão de Lula não poderia ser derrubada mais de cinco anos após a sua publicação. Em um primeiro momento, Fux concedeu uma decisão provisória impedindo a extradição, mas ele cassou a própria decisão no seu despacho desta quinta-feira. "Com efeito, todos os requisitos para a extradição de Cesare Battisti já foram preenchidos, conforme reconhecido pelo plenário deste Supremo Tribunal Federal", escreveu o ministro do STF.
Demétrio Magnoli: Fux e as crianças
Imerso em sua arrogância, ministro diz que protegerá os cidadãos
Luiz Fux é um homem de muitos princípios — tantos, que seleciona o mais conveniente para cada circunstância. O juiz chegou ao STF quando sugeriu a José Dirceu que absolveria os réus do mensalão (“eu mato no peito”).
Já ministro, entre a lei e a palavra empenhada, optou pela primeira, condenando-os. Mais tarde, empurrou a lei para um bueiro e escolheu o corporativismo, estendendo o auxílio moradia a toda a magistratura. Agora, tritura a Constituição para reinstalar a censura prévia, proibindo a realização e a publicação de entrevistas com o presidiário Lula.
No seu despacho, o principista invoca os limites legais à propaganda eleitoral para justificar seu veto ao trabalho jornalístico, confundindo deliberadamente assuntos desconexos. Ele sabe que viola a lei. Mas o faz porque quer e pode, operando no terreno da desinstitucionalização do país e da anarquia judiciária.
A confirmação da liminar fuxiana pelo presidente da corte, Dias Toffoli, acelera a “autofagia” do Supremo (apud ministro Marco Aurélio). Mas, sobretudo, sedimenta um precedente: de direito dos cidadãos, a liberdade de imprensa fica rebaixada à concessão de uma reinventada “Divisão de Censura Federal”, que passa a funcionar clandestinamente no gabinete dos ministros do STF.
O episódio guarda um segredo. O pedido de liminar oriundo do Partido Novo — uma igrejinha de auto-intitulados liberais sempre prontos a apelar pelo veto de candidaturas e pela censura à imprensa — foi encaminhado ao presidente do STF, que estava no país, mas desviou-se misteriosamente até o colo de Fux. A decisão do Censor, derrubada por Lewandowski, acabou reimposta por um Toffoli ressurgido da noite escura. A triangulação entre o partido e dois ministros que fazem tabelinha tem os contornos clássicos de uma ação entre amigos. A exposição do segredo é, porém, menos relevante que o exame das bases filosóficas da restaurada censura prévia.
Num artigo recente, publicado pela Revista de Jornalismo ESPM, Eugênio Bucci e Carlos Eduardo Lins da Silva identificaram a emergência do “jusbonapartismo” — o poder bonapartista de um Judiciário que se ergue acima da lei. Eis a chave para decifrar o ato de censura prévia. Fux argumenta que a “relativização excepcional da liberdade de imprensa” (isto é, a censura prévia) destina-se a evitar a “desinformação do eleitor”, a “confusão do eleitorado”.
É direito criativo em estado puro: a fabricação expressa de uma Constituição alternativa. Imerso no lago de sua arrogância, o Censor declara que protegerá os cidadãos de si mesmos. A nação, formada por crianças, será tutelada por um ente de consciência paternal, que é ele mesmo.
Desde o mensalão, o PT clama aos céus pela implantação do “controle social da mídia”. No núcleo do conceito petista, encontra-se a noção de que uma representação da “sociedade” deve exercer a prerrogativa de censura, a fim de presevar os cidadãos indefesos de ideias venenosas propagadas pela “mídia”. Ironicamente, é Fux, esse militante improvável, quem realiza o sonho do partido. Só que no lugar de “conferências” “conselhos” ou “comitês populares” gerados pelo governo (isto é, de fato, pelo Partido), o ministro atribui ao STF o papel de Poder Tutelar.
Num tuíte de agosto, Trump referiu-se do seguinte modo aos jornalistas: “De propósito, eles causam grande divisão e desconfiança. Eles também podem provocar guerra! Eles são muito perigosos e doentes!”. O arco do “controle social da mídia” abrange correntes ultranacionalistas de direita nos EUA e na Europa e regimes autoritários de esquerda, como os de Cuba e da Venezuela. No Brasil, funciona como ponto de encontro do lulismo (“mídia golpista”) com o bolsonarismo (“mídia vermelha”). Fux, o Censor, não proíbe a entrevista de Lula por divergir do lulismo, mas por concordar doutrinariamente com ele.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Bruno Boghossian: Algo está errado quando juízes querem ser árbitros da arena eleitoral
Tutelar o eleitor e interferir no debate político não cai bem ao Judiciário
O avanço das ações de combate à corrupção deu protagonismo inédito ao Judiciário na vida do país. O trabalho de magistrados produziu revelações que imprimiram uma marca permanente em partidos e agentes políticos. Algo está fora do lugar, entretanto, quando juízes pretendem assumir também o papel de árbitros da arena eleitoral.
Em agosto, o juiz Sergio Moro achou melhor adiar para novembro o depoimento de Lula em um dos processos que correm contra o petista. “A fim de evitar a exploração eleitoral dos interrogatórios, seja qual for a perspectiva, reputo oportuno redesignar as audiências.”
O magistrado acrescentou uma crítica ao réu nesta segunda-feira (1º) e afirmou que o ex-presidente “tem transformado as datas de seus interrogatórios em eventos partidários”.
O comentário serviu de introdução ao despacho em que o juiz tornou públicos, a seis dias da eleição presidencial, trechos da delação de Antonio Palocci. O ex-ministro acusa Lula de ter conhecimento dos esquemas de corrupção na Petrobras e diz que o PT financiou ilegalmente suas campanhas políticas.
A divulgação do depoimento, com clara influência sobre o processo eleitoral, reforçou no PT o discurso de que o Judiciário age para prejudicar o partido. Moro sabia disso e buscou uma defesa prévia: “A farsa da invocação de perseguição política não tem lugar perante este juízo”.
No Supremo, Luiz Fux também olhou o calendário ao proibir uma entrevista de Lula à Folha. O ministro julgou razoável tutelar o eleitor, “considerando a proximidade do primeiro turno”, e afirmou que declarações do ex-presidente provocariam “confusão”. A única confusão até agora se deu no tribunal, que precisará discutir o caso no plenário.
Os juízes exercem um bom ofício quando tomam decisões para garantir direitos e punir aqueles que desrespeitam a lei, em qualquer dia do ano. Interferir e tentar mediar o debate eleitoral não cai bem a quem exerce essa função —“seja qual for a perspectiva”, como escreveu Moro.