futebol
Multidão se despede do craque Pelé no Santos
Reuters*
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, estava entre os 230.000 presentes para ver o caixão aberto de Pelé em Santos, onde alguns torcedores derramaram lágrimas silenciosas e outros deram vivas ao astro do futebol brasileiro enquanto eles desfilavam pela costa estádio da cidade.
Um serviço memorial de 24 horas no estádio Vila Belmiro para Pelé, que morreu na semana passada aos 82 anos depois de lutar contra um câncer de cólon por um ano, terminou na manhã de terça-feira e seu caixão foi levado em uma procissão pela cidade para um enterro privado.
Ele parou do lado de fora da casa de sua mãe de 100 anos, onde uma multidão nas ruas aplaudiu. A irmã de Pelé assistiu em lágrimas de uma varanda.
"Pelé é incomparável, como jogador de futebol e como ser humano", disse o recém-empossado presidente Lula, que chegou de helicóptero ao estádio na manhã desta terça-feira. Ele ficou cerca de 30 minutos ao lado do caixão de Pelé, enfeitado com a bandeira do Brasil, no centro do campo de futebol.
As pessoas formaram longas filas do lado de fora do estádio de Santos, cidade onde Pelé viveu a maior parte de sua vida, e esperaram até três horas para prestar suas homenagens até durante a noite, segundo o Santos Futebol Clube.
"Viva o rei", dizia uma faixa gigante dentro do estádio. Apelidado de 'rei do futebol', Pelé jogou pelo Santos de 1956 a 1974, marcando mais de 1.000 gols.
Lula consolou os familiares de Pelé e ouviu uma cerimônia católica ao lado da primeira-dama Rosangela da Silva.
"O mais fantástico é que Pelé nunca levantou o nariz, tratava todo mundo igual", disse Lula à Santos TV.
Celebridades e autoridades também prestaram suas homenagens. O presidente da Fifa, Gianni Infantino , foi um dos primeiros a comparecer ao memorial na segunda-feira e disse que pedirá às associações de futebol de todo o mundo que nomeiem um estádio com o nome de Pelé, o único homem a vencer a Copa do Mundo três vezes como jogador.
Algumas estrelas do futebol compareceram ao velório, incluindo o ex-meio-campista Zé Roberto, que ajudou a colocar o caixão de Pelé no centro do campo na segunda-feira.
Mas apenas dois dos 67 campeões mundiais brasileiros vivos compareceram ao serviço - o vencedor da Copa do Mundo de 1994 Mauro Silva, que trabalha para a Federação Paulista de Futebol, e o campeão de 1970 Clodoaldo, que trabalha para o Santos, gerando críticas de alguns comentaristas.
Texto publicado originalmente no portal Reuters.
Eduardo Bolsonaro ganha apelido de desafetos após curtir jogo no Catar
Terra*
A ida do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ao Catar para curtir a vitória da Seleção Brasileira contra a Suíça na última segunda-feira, 28, rendeu muitas críticas de opositores e desafetos e até um apelido.
Após aparecer em fotos ao lado da esposa, Heloisa Bolsonaro, no Estádio 974, o filho do presidente Jair Bolsonaro (PL) foi chamado de “radical de ar-condicionado”, segundo informações da coluna de Bela Megale, do jornal O Globo.
O batismo foi feito por moderados do partido de Eduardo - e também do presidente Jair Bolsonaro - o PL, que consideram um tiro no pé a viagem do parlamentar ao País da Copa em meio à turbulência política envolvendo o pai, que contesta o resultado de parte das urnas utilizadas no pleito.
Nas redes sociais, Eduardo também foi alvo de críticas de outros parlamentares, como Kim Kataguiri (União-SP) e o deputado federal eleito Guilherme Boulos (PSOL-SP).
Além do delicado momento político no Brasil, o deputado ainda viajou para outro país com a intenção de assistir a um jogo de futebol em um dia que tinha compromissos na Câmara. O Terra consultou a agenda do parlamentar e encontrou dois compromissos de Eduardo no Brasil na mesma data em que foi para o Catar.
*Texto publicado originalmente no site Terra
Copa do Mundo e covid: por que 'normalidade' frustra chineses
Kerry Allen*, BBC News Brasil
Os meios de comunicação estatais chineses deram grande atenção à Copa do Mundo nesta semana, mas as partidas de futebol estão alimentando a frustração da população do país, que está ficando à margem das comemorações.
Além da seleção da China não ter se classificado para o evento, cenas de comemorações sem máscara e aglomerações barulhentas no Catar irritaram os espectadores, que foram desencorajados a se reunir para assistir aos jogos.
Muitos usaram a Copa do Mundo para reclamar na internet sobre as estratégias contra a covid atualmente em vigor na China. O país mantém uma política de covid-zero, na qual comunidades inteiras entram em lockdown por causa de casos isolados do vírus, a fim de evitar que se espalhe.
A China registrou nesta semana o maior número de casos diários de covid desde o início da pandemia, apesar das medidas rígidas adotadas. Várias cidades grandes, incluindo a capital Pequim e o centro comercial do sul, Guangzhou, estão enfrentando surtos da doença.
Na quarta-feira desta semana, foram registrados 31.527 casos, frente ao pico de 28 mil em abril. No entanto, os números ainda são ínfimos para um país de 1,4 bilhão de habitantes.
Presença simbólica
O futebol é muito popular na China. O presidente, Xi Jinping, é conhecido por ser um amante do esporte, e já havia falado anteriormente que era um sonho do país vencer a Copa do Mundo.
Por isso, as partidas estão sendo transmitidas pela emissora nacional CCTV, e a imprensa estatal tem buscado ampliar a "presença" da China.
O Global Times noticiou como os produtos fabricados na China "desde os ônibus até o estádio [Lusail], e inclusive aparelhos de ar-condicionado, estão bem representados no evento".
Meios de comunicação importantes como a CCTV também divulgaram a presença de porta-bandeiras chineses na cerimônia de abertura — e como dois pandas gigantes chegaram ao Catar para "conhecer" os visitantes que chegam para o evento.
Mas é evidente que a covid-19 atrapalhou as comemorações. Nas principais cidades, os surtos provocaram mais uma vez o fechamento de negócios não essenciais — e as pessoas foram instadas a limitar seus movimentos.
Sem bares para onde ir, o jornal Global Times afirma que alguns torcedores estão "optando por ver os jogos em casa com suas famílias". Outros, segundo a publicação, preferiram ir acampar.
Os voos entre o Catar e a China também permanecem bastante limitados para quem deseja assistir ao evento pessoalmente.
Um mundo dividido
Muitos estão sentindo um forte isolamento ao assistir ao evento deste ano.
Uma carta aberta questionando a contínua política de covid-zero do país e perguntando se a China estava "no mesmo planeta" que o Catar se espalhou rapidamente no aplicativo de mensagens WeChat na terça-feira, antes de ser censurada.
Na rede social Weibo, parecida com o Twitter, não faltam comentários de espectadores falando sobre como assistir às partidas deste ano os faz se sentirem separados do resto do mundo.
Alguns compartilham a percepção de que é "estranho" ver centenas de milhares de pessoas reunidas, sem usar máscaras ou precisar mostrar evidências de um teste recente de covid-19.
"Não há assentos separados para que as pessoas possam manter distância social, e não há ninguém vestido de branco e azul [médico] nos bastidores. Este planeta ficou realmente dividido."
"De um lado do mundo tem o carnaval que é a Copa do Mundo, do outro tem a regra de não ir a lugares públicos por cinco dias", diz outro usuário.
Alguns afirmam ter dificuldade de explicar aos filhos por que as cenas do Mundial são tão diferentes daquelas que as pessoas testemunham em casa.
Há muita gente na China, no entanto, que critica a abertura de países no exterior, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda classifica o vírus causador da covid-19 de "emergência global aguda".
Até agora, não há uma perspectiva de término das medidas existentes na China. Nesta semana, o porta-voz da Comissão Nacional de Saúde "alertou contra qualquer afrouxamento na prevenção e controle da epidemia" — e fez um apelo por "medidas mais resolutas e decisivas" para controlar os casos da doença.
Os governos locais das principais cidades reintroduziram testes em massa e restrições de viagens — e, por fim, transmitiram a mensagem de que as pessoas deveriam tentar ficar em casa.
Mas depois de três anos de medidas deste tipo, as pessoas estão frustradas, o que provocou protestos no último mês nas cidades de Guangzhou e Zhengzhou.
*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil. Título editado
Nas entrelinhas: O estranhamento de torcer pelo Brasil sem vestir a camisa amarela
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Havia uma expectativa de que a Copa do Mundo de Futebol no Catar mudasse o clima político no país, mas ainda não é o que está acontecendo. Vamos ver se os jogos da nossa Seleção — que estreou com os pés de Richarlison fazendo dois gols, um dos quais uma pintura — contribuirão para criar um novo clima de diálogo e convivência, em que todos estejamos do mesmo lado, ao torcer pelo Brasil. Não vejo em ninguém um sentimento antipatriótico, de rejeição à Seleção Brasileira de Tite, mas também não vejo a mesma sensação de pertencimento e identidade com a camisa canarinho como em outras copas. É muito esquisito!
Talvez o Catar fique longe demais, a maioria conhece muito pouco esse Emirato, que é considerado o país mais rico do mundo. Protetorado britânico, após a queda da Império Otomano, o Catar é governado há 150 anos pela mesma família, que manteve o poder com mão de ferro após a independência, em 1971. Petróleo, gás e alumínio garantem ao país receitas muito superiores ao que gasta com importações, principalmente de bens de consumo, de alimentos, que o deserto não oferece, de carros de alto luxo.
Doha, a capital, é uma das cidades mais modernas do mundo, com seus prédios altíssimos e arrojados, fruto de uma política cujo objetivo é transformar o Emirato num polo turístico, comercial e financeiro. O velho conceito de Peter Ducker, de que as cidades devem ser boas para morar, trabalhar e visitar, simultaneamente, deve ter inspirado a modernização da cidade, considerada uma das mais seguras do mundo.
O Catar é um dos países com os quais o presidente Jair Bolsonaro conseguiu manter relações bem amistosas. Havia uma forte conexão entre a autocracia local e o projeto iliberal bolsonarista, que acabou derrotado nas urnas pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Obviamente, não tem sentido romper os laços comerciais e econômicos que foram estabelecidos na visita de Bolsonaro aos Emiratos, mas nosso rumo político tem outros paradigmas, cujo eixo é o Estado democrático e não o direito divino ditado pelo Alcorão.
Vale a pena examinar melhor o contexto em que a Copa se realiza. O Catar está entre os países do Oriente que se lançaram arrojadamente na globalização, sendo um dos líderes da corrida mundial para reinventar o Estado de forma a torná-lo mais eficiente e produtivo, tendo como modelo o capitalismo de Estado de Cingapura. O fato de ser uma monarquia autoritária, com grande disponibilidade de recursos, facilita muito as coisas. Entretanto, não pode servir de paradigma para nós.
Somos um país democrático do Ocidente, com uma população muito mais numerosa e território de dimensões continentais. Nossa sociedade não segue rígidos padrões de comportamento ditados por dogmas religiosos, como é o caso das sociedades muçulmanas. Além disso, o Catar tem uma espécie de apartheid, no qual os trabalhadores estrangeiros não têm os mesmos direitos que os demais cidadãos do ponto de vista social. Um abismo social separa a elite árabe dos trabalhadores estrangeiros, entre os quais indianos, malaios, nepaleses e coreanos.
Todos juntos
A Copa no Catar vai desnudar essas duas realidades para o mundo, com certeza. Mas também há um abismo social entre aqueles que estão lá, assistindo aos jogos nos seis magníficos estádios construídos para o torneio, e os milhões e milhões de torcedores brasileiros que veem os jogos pela tevê e pelas redes sociais. Obviamente, a imprensa ocidental não se limitará à cobertura esportiva, mostrará o outro lado da realidade do país que tem a maior renda per capita do mundo.
Mas, voltando ao futebol, vamos ver se a vitória do Brasil de 2 x 0 contra Sérvia fará a torcida brasileira pegar no tranco. Como disse, a sensação ainda é muito estranha, por causa da polarização política existente e pelo fato de a camisa da Seleção Brasileira ter virado uma espécie de uniforme da extrema direita bolsonarista, que protesta à frente dos quartéis, e dos caminhoneiros que bloqueiam as estradas.
Ontem, no primeiro jogo do Brasil, era nítida a preocupação dos que ganharam as eleições com o fato de que poderiam ser confundidos com os derrotados, por causa do uniforme canarinho. Na década de 1970, a Seleção Brasileira era uma unanimidade, mas o “pra frente Brasil”, slogan da equipe, foi usado pelo regime militar para estigmatizar a oposição como antipatriótica, na base do “ame-o ou deixe-o”.
Não é o caso agora. Muitos deixam de usar a camisa da Seleção para não serem confundidos com os bolsonaristas raiz, que a transformaram em uniforme político, sequestrando um dos símbolos de nossa identidade nacional. É uma bobagem, talvez seja a hora de mostrar que somos todos brasileiros e temos direito a usá-la, não importam as convicções políticas e religiosas.
Guerra de quadrilhas por trás da Copa no Qatar
Leo Eiholzer e Andreas Schmid*, Outras Palavras
Uma rede de espionagem trabalha em segredo. Agentes de inteligência planejam influenciar eventos mundiais agindo secretamente. Hackers roubam informações controversas. E um cliente obscuro financia todo o projeto com centenas de milhões de dólares.
Esta é a história de uma operação secreta global.
A investigação realizada pela equipe investigativa do canal suíço SRF, a “SRF Investigativ”, mostra os detalhes de como o Estado do Catar espionou autoridades do futebol mundial. E como os críticos da próxima Copa do Mundo, de fora da FIFA, também foram visados.
O objetivo final desses esforços: evitar que o Catar perdesse a candidatura à Copa do Mundo depois que muitas críticas foram levantadas, quando a FIFA concedeu o torneio ao país autoritário em 2010.
A dimensão das atividades de espionagem é considerável. Uma única sub-operação envolveu a mobilização planejada de pelo menos 66 agentes ao longo de nove anos. O orçamento totalizou US$ 387 milhões. E as atividades abrangeram cinco continentes.
Os mais altos escalões do governo do Catar estiveram envolvidos nas atividades de espionagem, incluindo o atual chefe de Estado, o Emir do Catar.
Os documentos mostram que o país desértico queria garantir que nenhuma mudança de posição dentro da FIFA, nenhuma nova amizade, nenhuma aliança potencialmente perigosa, nada que pudesse comprometer a realização da Copa do Mundo de 2022 no Catar escapasse de sua atenção. O objetivo era obter o controle absoluto. Ou “penetração mundial”, como está escrito em um documento da operação de espionagem.
Para isso, o Catar contratou a empresa privada estadunidense Global Risk Advisors (GRA). A equipe da empresa é formada por ex-membros das agências de inteligência dos Estados Unidos. Seu fundador é o ex-agente da CIA, Kevin Chalker.
A Suíça foi um local chave na operação. O espião-chefe e seus clientes do Catar se encontraram em Zurique. E foi na Suíça que eles espionaram vários indivíduos. Assim, presume-se que os crimes foram cometidos por ordem do Catar.
Chalker nega todas as acusações. O estado do Catar não respondeu às perguntas. Logo após o contato da SRF, o emir do Catar reclamou em um discurso público sobre uma “campanha” contra seu país.
A investigação da SRF constatou que as vítimas estavam completamente à mercê dos agentes que as espionavam. Suas contas de e-mail, computadores, telefones, amigos e até familiares se tornaram alvos dos guerreiros das sombras do Catar.
A operação visava mais do que obter informações. A investigação conclui que houve uma mão invisível tentando controlar o direcionamento da FIFA durante os últimos dez anos. Os espiões afirmam ter penetrado na mais alta instância decisória da FIFA, o Comitê Executivo.
Esta é a história do “Projeto Sem Piedade”.
A história se passa em um mundo de bastidores. Os espiões são invisíveis. Suas atividades, no entanto, têm consequências na vida real. Em lugares reais.
Em 5 de janeiro de 2012, um ciberataque contra um cidadão suíço é lançado. Um ex-assessor do presidente da FIFA, Joseph Blatter, recebe e-mails estranhos. Seus remetentes parecem querer que ele abra os anexos das mensagens por todos os meios. Eles tentam repetidas vezes.
Se ele tivesse clicado nos arquivos, um software teria sido instalado secretamente em seu computador. Sem que ele percebesse, o software copiava todos os dados de seu disco rígido e os enviava aos hackers.
O homem sentado atrás do computador é Peter Hargitay. Oficialmente, ele atua como conselheiro, mas dentro da FIFA, ele é considerado uma espécie de porta-voz, um influente agente de poder nos bastidores. Ele havia sido próximo do então onipotente presidente Joseph Blatter. Mais tarde, ele foi consultor da associação australiana de futebol e de seu presidente, Frank Lowy, um bilionário. Hargitay deveria ajudar a Austrália a sediar a Copa do Mundo de 2022 e, portanto, trabalhou em estreita colaboração com Lowy.
Sem dúvida, o computador de Hargitay continha informações valiosas. Um tesouro para quem deseja ter uma boa noção do que realmente acontecia na FIFA.
Quem poderia querer tais informações tão desesperadamente a ponto de estar preparado para o risco de tomar um processo?
O líder indiano
Hargitay é cidadão suíço; sua empresa tinha um escritório em Zurique na época. Ele apresentou queixa e o ataque ao informante da FIFA se tornou um caso para as autoridades suíças.
As evidências apontaram rapidamente para a infraestrutura de uma empresa de TI com sede na Índia, a Appin Security. A SRF obteve registros do processo criminal de Zurique. Os hackers parecem ter sido descuidados em seu trabalho. O servidor que eles usaram para o ataque contém muitas evidências que indicam o envolvimento da Appin.
A Appin é uma empresa evasiva. Na época, era controlada por um empresário indiano. Oficialmente, a Appin oferecia apenas serviços jurídicos, incluindo proteção contra ataques de hackers.
Um representante legal do empresário disse à SRF que seu cliente era “um empresário internacional de sucesso com boa reputação. Ele nunca foi questionado pelas autoridades policiais em nenhum país. Ele nega claramente todas as conexões com quaisquer atividades ilegais”.
No entanto, os ataques que traziam a impressão digital da Appin começaram a atrair atenção em todo o mundo. Eles aparentemente não seguiam nenhum padrão, como se a empresa indiana estivesse atacando aleatoriamente.
De acordo com a investigação da SRF e reportagens da mídia internacional, um modelo de negócios relativamente novo está por trás do método: uma empresa ataca alvos por uma taxa e fornece as informações ao cliente. Chama-se “hackeamento de aluguel”.
O ataque ao colaborador da FIFA, Peter Hargitay, foi apenas um serviço contratado.
Mas quem é o cliente?
Documentos mostram que Peter Hargitay era alvo de uma rede secreta de espionagem que trabalhava para o governo do Catar. Um documento de planejamento altamente confidencial da Global Risk Advisors revela o que provavelmente aconteceu no caso de hackeamento. E mostra que os cidadãos suíços foram, ao que tudo indica, atacados em nome do governo do Catar.
Os documentos revelam um plano para uma campanha global de difamação, uma manipulação cínica da base de poder da FIFA. A ideia apresentada no documento era coletar informações incriminatórias sobre os membros da FIFA Hargitay e Lowy e vazá-las para o Federal Bureau of Investigation, o FBI.
O documento é intitulado “Project Clockwork: Concept of Operations” (Projeto Engrenagem: Conceito de Operações) e é datado de dezembro de 2011 – apenas um mês antes de Peter Hargitay receber os primeiros e-mails infectados.
O verdadeiro alvo era Lowy, não Hargitay, como mostram os documentos. Lowy estava trabalhando em estreita colaboração com Hargitay para a candidatura australiana à Copa do Mundo. A razão para os esforços dos espiões contra Lowy parece óbvia: o australiano era um duro adversário da realização da Copa do Mundo no Catar e havia dito publicamente que o país desértico poderia perder o direito de sediar o torneio.
O documento de planejamento diz, sob o título “o que devemos realizar”: “plano de 9 meses para neutralizar o papel e a influência de […] Frank Lowy”. Também menciona que Lowy era um alvo difícil. Sua riqueza e rede lhe davam acesso a consideráveis meios na área de contra-espionagem. O risco para os diretores da Global Risk Advisors, caso alguma coisa desse errado, foi considerado alto. O documento também especifica que o “Prazo exige ataque de força bruta”. Além disso, o documento apresenta uma foto de Peter Hargitay.
Na seção intitulada “Andando na corda bamba”, os agentes expõem como pretendiam neutralizar Lowy e Hargitay. Aparentemente, eles tinham informações internas a respeito de uma investigação das agências policiais dos EUA e planejavam usar essa investigação para seus próprios fins.
O documento alega conexões entre Hargitay, Lowy e a candidatura russa para a Copa do Mundo de 2018 e pergunta: “Podemos ajudar a conectar os pontos?”. E em seguida: “Fornecer provas de apoio às agências policiais relevantes”.
Uma investigação do FBI teria destruído a reputação de Lowy e Hargitay em âmbito global. Eles teriam sido efetivamente “neutralizados”.
De acordo com os documentos, o Catar aprovou o “Projeto Engrenagem”. E um mês após a elaboração do documento de planejamento, o computador de Hargitay foi hackeado. Que o ataque tenha sido realizado por outra empresa não é algo incomum. A Global Risk Advisors frequentemente recorre aos serviços de subcontratados para realizar operações, mostra a investigação da SRF. Essa abordagem torna mais difícil atribuir o ataque à empresa de Chalker. E mais ainda identificar o Catar como cliente. Em um documento, a empresa se compromete explicitamente a fornecer um “bode expiatório” e “para-raios” para desviar as suspeitas.
Chalker identificou Hargitay como um alvo importante muito antes do ataque cibernético contra ele. Ele havia dito isso aos associados na época. Chalker até tinha um codinome para Hargitay: “Broken Arrow”.
A ponta de um enorme iceberg
O plano para comprometer Lowy e Hargitay, no entanto, representa a ponta de um enorme iceberg. Nos anos seguintes à decisão sobre a Copa do Mundo, que aconteceu no final de 2010, uma operação de espionagem e manipulação não detectada que ninguém poderia imaginar se desenrolou nos bastidores da FIFA.
A SRF obteve uma série de documentos que descrevem a operação. Os repórteres receberam as informações de várias fontes que autorizaram o acesso a elas.
O cérebro por trás das atividades de espionagem é Kevin Chalker, ex-membro da Agência Central de Inteligência (CIA), o serviço de inteligência internacional dos EUA.
Chalker – de cabelos castanhos e barba ruiva – trabalhava para a CIA há pelo menos cinco anos. E não trabalhou como analista em algum escritório, atuou como “oficial de operações” e, portanto, em uma área do serviço de inteligência que realiza atividades secretas. Um verdadeiro espião.
Chalker deixou a CIA há vários anos. Posteriormente, ele primeiro negociou para trabalhar para a Diligence, uma empresa britânica de espionagem particular. Mas acabou fundando sua própria empresa, a Global Risk Advisors. Sua equipe consiste principalmente de ex-membros dos serviços de inteligência dos EUA. Por fim, a Global Risk Advisors estava trabalhando para o Catar.
Um advogado de Chalker negou todas as alegações quando procurado pela SRF para comentar o caso: “A Global Risk Advisors e o senhor Chalker não sabem nada sobre esses supostos novos hacks ou outras más condutas sugeridas em sua investigação e certamente não participaram deles de forma alguma”. Além disso, “Você afirma ter documentos da GRA para apoiar algumas das falsas acusações. Se você realmente tiver algum documento, como jornalista você deve questionar sua autenticidade”.
A SRF empregou uma série de medidas para verificar a autenticidade dos documentos. Chalker não quis comentar sobre questões específicas quanto à natureza do papel que desempenhou no Catar.
A investigação da SRF mostra que inicialmente, antes da premiação da Copa do Mundo em dezembro de 2010, Chalker espionou as várias licitações. Mas, com as críticas levantadas sobre corrupção e violações de direitos humanos no Catar após a conquista da Copa, o alvo mudou. Agora, a tarefa era impedir, a qualquer custo, que a FIFA tirasse a Copa do Mundo do Catar.
Chalker e sua empresa desenvolveram o plano que não deixaria nada ao sabor do acaso.
O “Projeto Engrenagem” e as atividades contra Lowy e Hargitay eram apenas parte desse plano.
A próxima parte foi o “Projeto Sem Piedade”. A descrição do projeto revela o quão elaborada era a trama do serviço de inteligência e quão ambicioso era o projeto.
“O Catar deve obter informações preditivas para alcançar a consciência informacional total”, diz o documento. O plano era conhecer os planos e intenções de vários alvos com antecedência, incluindo os de “figuras críticas dentro da FIFA”, do “presidente da FIFA Joseph Blatter” e dos “membros-chave do FIFA ExCo – presentes e futuros”. A sigla significa Comitê Executivo da FIFA.
“O objetivo final é alcançar a penetração de abrangência mundial”, especifica o documento. Os Global Risk Advisors pretendiam não perder nada. Nenhuma mudança em nenhum plano, nenhuma mudança de posição dentro da FIFA. O objetivo era obter o controle absoluto.
Especialistas em TI e especialistas em “coleta técnica” deveriam ser destacados para o projeto.
Segundo documentos internos da empresa, o “Projeto Sem Piedade” foi aprovado pelo Catar, com orçamento de US$ 387 milhões.
Esta foi apenas a “menor” opção das três apresentadas. Mas, aparentemente, causou impacto. Um documento diz: “A maior conquista até hoje do Projeto Sem Piedade […] veio de operações de penetração bem-sucedidas visando críticos vocais dentro da organização da FIFA”.
Outro documento descreve as atividades da seguinte forma: “[O projeto] é projetado para esconder o papel do Catar nas operações, enquanto utiliza tecnologia e inteligência humana para […] manipular o sentimento público”.
Os mais altos escalões do governo do Catar estiveram envolvidos nas atividades de Chalker, apurou o SRF Investigativ. De acordo com documentos analisados pela SRF, o então herdeiro do trono e atual emir Tamim bin Hamad Al-Thani ordenou pessoalmente a obtenção de registros detalhados de telefone e SMS de vários membros do Comitê Executivo da FIFA antes do anúncio do país sede da Copa do Mundo.
O quanto exatamente o Emir estaria envolvido depois que a Copa do Mundo foi concedida ao Catar ainda não está claro. A operação ainda tinha um codinome para ele – “Apex” – anos depois.
Claramente, no entanto, Chalker e Qatar estavam mais do que prontos a assumir riscos e não tiveram qualquer constrangimento em mirar em figuras proeminentes. Um documento obtido pela SRF indica que Michael Garcia, principal investigador do Comitê de Ética da FIFA, pode ter se tornado alvo de operações. O documento intitulado “Target Profile” contém várias páginas descrevendo Michael Garcia.
Segundo a agência de notícias Associated Press, o FBI está investigando Chalker há vários meses. Além das possíveis violações à lei na área de lobby e exportação de tecnologia sensível, os promotores estão se concentrando nas atividades de vigilância de Chalker em nome do Catar. A Associated Press já publicou relatórios sobre as operações de Chalker para o país desértico em conexão com a Copa do Mundo.
Nem a embaixada do Catar em Berna nem o Escritório de Comunicações do Governo em Doha responderam a vários pedidos de informações da SRF. Logo após os pedidos, o emir fez um discurso na Assembleia Consultiva do Catar, uma espécie de parlamento sem poder, no qual mencionou que o Catar havia sido vítima de uma “campanha inédita” depois que o país foi escolhido como sede da Copa do Mundo. Ele disse: “Logo ficou claro para nós que a campanha continua, se expande e inclui invenções e padrões duplos, até atingir uma ferocidade tal que fez muitos se perguntarem, infelizmente, sobre as verdadeiras razões e motivos por trás dessa campanha”.
Operação de vigilância na Suíça
A investigação da SRF mostra que a Suíça foi fundamental para a operação de inteligência do Catar.
Segundo a investigação, Chalker, a mando do Catar, viajou a Zurique com o objetivo de grampear quartos de hotel de membros do Comitê Executivo e de jornalistas.
Um documento inclui fotos obviamente tiradas em segredo como parte de uma operação de vigilância. Elas foram tiradas no luxuoso hotel Baur au Lac, em Zurique. E mostram pessoas ligadas à FIFA reunidas com dirigentes e jornalistas.
Os agentes aparentemente se sentiram à vontade na Suíça. De acordo com a investigação, Chalker se reuniu com seus clientes do Catar em Zurique para discutir as operações. Pelo menos um membro da Global Risk Advisors fixou sua base permanente na Suíça, depois que o Catar foi escolhido como sede da Copa do Mundo de 2022.
Isso é um problema. Espionar em nome de um terceiro país em solo suíço é proibido. Tais atividades podem ser indiciadas como espionagem.
No entanto, Chalker conheceu um de seus contatos mais próximos, um alto funcionário do Catar chamado Ali Al-Thawadi, em Zurique. Seu codinome era “Shepherd” (“Pastor”). Ele é o chefe de gabinete do irmão do atual emir, Mohammed bin Hamad bin Khalifa Al Thani, também conhecido como MBH.
Além disso, dois jovens tinham laços estreitos com Chalker na operação de espionagem em nome do Catar: Ahmad Nimeh, oficialmente consultor da candidatura do Catar, e um catariano chamado Ahmed Rashad. Ambos os homens têm conexões com uma misteriosa empresa com sede em Doha chamada Bluefort Public Relations. Nimeh esteve ligado às chamadas “operações negras” relacionadas à Copa do Mundo pelo jornal britânico The Sunday Times em 2018. Nimeh é genro de Patrick Theros, ex-embaixador dos Estados Unidos no Catar. Outro parceiro próximo de Nimeh, Nikos Kourkoulakos, estava trabalhando oficialmente para a candidatura do Catar à Copa do Mundo.
De acordo com o registro de empresas, Ahmad Rashad, colega de Nimeh, é o acionista majoritário da Bluefort Public Relations.
A investigação da SRF descobriu que uma pessoa-chave para a próxima Copa do Mundo, Hassan Al Thawadi, supervisionou a operação de espionagem em nome do Catar. Ele foi o CEO da bem-sucedida candidatura à Copa do Mundo e é o atual secretário-geral do Comitê Supremo, órgão que organiza a Copa do Mundo no Catar.
A FIFA aparentemente permaneceu alheia à operação de espionagem. O ex-presidente da entidade, Joseph Blatter, disse em entrevista à SRF: “Que houve um caso de espionagem organizada na FIFA, foi algo que me surpreendeu. E é alarmante”. Vários documentos mostram que Blatter era de grande interesse para os espiões. Mencionam, por exemplo, que os “planos e intenções” de Blatter devem ser conhecidos com antecedência.
A Chalker e a Global Risk Advisors estão atualmente enfrentando uma ação civil relacionada a supostas atividades semelhantes. A ação foi movida por Elliott Broidy, aliado do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Dados privados de Broidy vazaram para jornais em 2018, e ele acusa Chalker e sua empresa de um ataque de hackers em nome do Catar. Chalker nega todas as acusações. O processo ainda está pendente.
“Câncer do futebol mundial”
Houve uma figura no futebol mundial que pareceu importante o suficiente para os espiões do Catar lhe dedicarem um projeto inteiro: “Projeto Riverbed”. O codinome foi usado para o cartola do futebol alemão Theo Zwanziger.
Segundo documentos obtidos pela SRF, o Catar investiu US$ 10 milhões para espionar e influenciar Zwanziger. A Associated Press reportou a mesma cifra nesta primavera.
Zwanziger atuou como presidente da DFB, a Associação Alemã de Futebol, até 2012. E como membro do Comitê Executivo da FIFA até 2015 e, portanto, um executivo de futebol extremamente influente, associado a figuras poderosas na política mundial, ele era uma voz crítica e provocativa contra o Catar. A certa altura, ele chamou o Catar de “o câncer do futebol mundial”.
O Catar queria parar isso. Segundo documentos, uma rede foi construída em torno de Zwanziger, composta por pessoas que iriam influenciá-lo em benefício do Catar.
Para neutralizar Zwanziger, os espiões contaram com métodos de inteligência, como especificam os documentos.
Eles mencionam “operações ocultas”. Também em sua mira estava a “Família Riverbed” – que é a família de Zwanziger. Os atacantes do Global Risk Advisors aparentemente construíram relacionamentos com pessoas próximas a Zwanziger. Criaram uma rede de “recursos, fontes e contatos” ativos nos cinco continentes, trabalhando para influenciar Zwanziger.
Zwanziger receberia persistentemente uma mensagem: “A Copa do Mundo de 2022 no Catar é boa para o mundo”.
Para salvar a Copa do Mundo, o Catar queria calar as críticas. Os esforços da operação não deixaram de surtir efeito em Zwanziger. Ele foi enquadrado dentro da Fifa, como diz hoje. Ele liderou um grupo de trabalho que pressionou por mais direitos humanos e menos críticas ao Catar. Em entrevista à SRF, ele disse: “Várias pessoas me orientaram nessa direção. Claro, isso era do interesse do Catar. Para provocar precisamente essa mudança de pensamento.”
Mas esses esforços, de acordo com Zwanziger, não tiveram o efeito pretendido em suas opiniões. Na entrevista, ele disse: “O que eles subestimaram, porém, é que eu não abri mão da minha opinião no processo. Esta decisão [dar o mundial ao Catar] foi – como eu já disse – um câncer para o futebol mundial. A partir daí surgiram muitas correntes que prejudicaram o futebol mundial. Ainda hoje tenho essa opinião.”
No que diz respeito à operação de espionagem contra ele, Zwanziger acha que a FIFA tem a obrigação de agir. Ele disse: “Isso é um escândalo. Deve ser enfrentado por aqueles que estão no comando. O presidente da FIFA, Infantino, seria o primeiro. Mas ele não fará isso, é claro, porque é um vassalo do Catar.”
A FIFA e Gianni Infantino se recusaram a comentar.
Visando os sindicatos
A Confederação Sindical Internacional (ITUC) apresentou outro problema para o Catar. Durante anos, a federação sindical, que inclui 200 milhões de filiados, repetidamente levantou questões sobre a Copa do Mundo no Catar. E trabalhou para garantir que o sofrimento dos trabalhadores no Catar chamasse a atenção do mundo e comovesse as pessoas.
O sindicato foi vítima de um ataque cibernético no final de 2015. Alguém havia copiado o e-mail da então porta-voz de mídia para o secretário-geral. E os e-mails logo apareceram – em versão alterada, segundo o sindicato – na mídia.
O ataque trazia as impressões digitais de Global Risk Advisors. A SRF obteve um documento, no qual a Global Risk Advisors identifica o sindicato como um problema tão sério para o Catar quanto a FIFA ou o Conselho de Cooperação do Golfo – importante grupo de países em nível diplomático.
Os espiões também traçaram uma rede detalhada de relacionamentos de pessoas que trabalham para o sindicato e de que forma elas estavam ligadas à FIFA. Este documento menciona a porta-voz da mídia, que foi hackeada.
Atenção do FBI
Apesar de nunca ter disputado uma partida de futebol profissional na vida, Sunil Gulati é uma das figuras mais importantes do futebol nos EUA. Ele começou carregando as toalhas dos membros da seleção nacional de juniores, antes de avançar para o cargo de presidente da Federação de Futebol dos Estados Unidos. Por décadas, ele foi o indivíduo mais influente do futebol estadunidense. As fotos tiradas naquela época o mostram com Barack Obama, Bill Clinton ou Joe Biden.
No auge de seu poder, Gulati foi espionado, seu computador foi hackeado, aparentemente sem que isso tivesse sido notado. A evidência do ataque a Gulati parece inexpressiva a princípio: uma pasta digital comum.
No entanto, a pasta contém aproximadamente 800 arquivos, todos roubados do computador de Gulati. O hacker parece ter copiado todos os arquivos PDF, Word, PowerPoint e Excel naquele computador. E essas cópias chegaram à SRF.
Os arquivos incluem documentos confidenciais, como o contrato de trabalho do então técnico da seleção americana Bob Bradley, além de cartas de e para Gulati e outros dirigentes da FIFA. O ataque não poupou a vida privada de Gulati. Há um livro de fotos nos arquivos, por exemplo, documentando os anos de infância de Gulati, e há dados de saúde.
Gulati era concorrente direto do Catar, dois anos antes, durante o processo de definição da sede da Copa do Mundo. Ele foi presidente da candidatura estadunidense para a Copa do Mundo de 2022, período durante o qual a Global Risk Advisors se interessou por ele e preparou a seu respeito um dossiê pessoal de várias páginas.
Os metadados mostram que os últimos arquivos de Gulati foram editados na primavera de 2012. Portanto, o ataque hacker provavelmente ocorreu apenas algumas semanas após o ataque a Hargitay. Os membros da FIFA, SRF, conversaram para considerar Gulati um crítico do Catar.
Não há dúvida de que alguém cuja identidade ainda não foi esclarecida queria saber o que havia no computador de Gulati. E que eles não hesitaram em lançar um ataque cibernético contra um cidadão americano, embora o FBI investigue estritamente os crimes cibernéticos.
A inação das autoridades suíças
Agentes espionam o mundo do futebol em nome do Catar há dez anos. A SRF descobriu que o Ministério Público de Zurique sabia sobre uma suposta atividade da rede de espionagem desde o início. Eles estavam cientes do hack no computador de Peter Hargitay desde 2012 – quando os invasores iniciaram suas operações. E era óbvio que o caso Hargitay era importante.
No entanto, nada de mais aconteceu em relação às investigações do Ministério Público. Os promotores se omitiram em ações investigativas óbvias. O exemplo mais contundente disso diz respeito ao CEO da empresa indiana Appin Security, que havia sido considerado suspeito no caso. O promotor inicialmente perguntou ao CEO se ele estaria disposto a responder perguntas sobre o caso. Um advogado informou ao Ministério Público que o empresário estaria disposto a fazer isso por escrito. Mas então o promotor simplesmente não enviou nenhuma pergunta. Ainda não está claro o porquê.
Por fim, o Ministério Público encerrou o caso oito anos depois por falta de vias investigativas adequadas. O Ministério Público de Zurique disse em comunicado à SRF que, por motivos legais, não pode comentar suas próprias atividades no processo. Um porta-voz escreveu que houve esforços abrangentes para essa investigação que foi realizada dentro das disposições legais. O porta-voz disse ainda: “Não houve exercício de influência sobre nenhum membro do Ministério Público”.
O ex-CEO vive hoje na Suíça. No outono de 2020, logo após o encerramento da investigação, ele comprou uma mansão impressionante. De acordo com o cartório de registro de imóveis, ele pagou 13,5 milhões de francos suíços à filha de um oligarca ucraniano na transação. Ele agora se apresenta como um renomado investidor em startups e teve sua foto tirada para a edição francesa da revista suíça Bilanz.
O que ele teria testemunhado se tivesse sido solicitado em 2013? A história teria tomado outro rumo? Os espiões do Catar teriam reduzido seus esforços por medo de serem expostos? Não haverá resposta para tais perguntas.
Neste momento, com a Copa rolando, milhões estão de olho no Catar. Mas talvez ninguém veja as coisas da maneira que o Emir sempre desejou. Se a Copa do Mundo de 2022 for uma celebração do futebol, será manchada por agentes de inteligência, mentiras e manipulações.
*Texto publicado originalmente no site Outras Palavras
Seleções europeias não usarão braçadeira com a bandeira LGTBQIA+
Brasil de Fato*
Traduzido a partir de El Diario
Os capitães das seleções da Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Suíça, Inglaterra e País de Gales não usarão a braçadeira com a bandeira LGTBQIA+ durante as partidas da Copa do Mundo no Catar, conforme informaram as sete federações de futebol em comunicado nesta segunda-feira (21). As seleções nacionais tomaram essa decisão depois que a Fifa anunciou que os jogadores que usarem a pulseira One Love podem receber um cartão amarelo.
Alguns atletas, como o capitão da Inglaterra Harry Kane, anunciaram sua intenção de usar uma pulseira com a insígnia do arco-íris em protesto contra a perseguição do emirado a pessoas não heterossexuais. “Como federações nacionais, não podemos colocar nossos jogadores em uma posição em que possam enfrentar sanções esportivas, incluindo reservas”, disse o comunicado conjunto das federações.
Os jogadores, eles indicaram, estavam "preparados para pagar multas que normalmente se aplicariam a violações dos regulamentos do kit". Outra coisa diferente, eles entendem, é uma sanção esportiva que pode prejudicar o desempenho das equipes no torneio. Um cartão amarelo por usar a braçadeira colocaria "os jogadores em uma situação em que poderiam ser penalizados ou até forçados a abandonar a partida".
No futebol, um cartão amarelo significa uma sanção média (anterior ao cartão vermelho), e o acúmulo de dois cartões dessa cor implica a expulsão do jogador da partida e a proibição de participar pelo menos na próxima partida.
As federações se declararam "frustradas" com a decisão do organizador do torneio e descreveram a situação como um evento "sem precedentes". “Escrevemos à Fifa em setembro informando sobre nosso desejo de usar a braçadeira One Love para apoiar ativamente a inclusão no futebol, e não recebemos resposta. Os nossos jogadores e treinadores estão desapontados", denunciaram.
A declaração da Fifa ocorre apenas um dia depois de o presidente da entidade, Gianni Infantino, acusar os países ocidentais em entrevista coletiva por seus "duplos pesos e duas medidas" em relação ao país-sede, uma ditadura que é regida por uma interpretação dura da lei islâmica que discrimina mulheres e pune relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. "Sinto-me catariano, sinto-me árabe, sinto-me africano, gay, deficiente, trabalhador migrante", disse, respondendo às inúmeras críticas à decisão de que um torneio desta envergadura se realize num país que não cumpre os requisitos mínimos democráticos.
A vida no emirado é regida por uma legislação que pune com pena de prisão de até dez anos as relações sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo. O atual código penal também prevê penas de um a três anos de prisão para quem “incitar” ou “persuadir” outras pessoas a cometerem atos de “sodomia ou imoralidade”.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato. Título editado
Revista online | Copa do Mundo: poder do dinheiro comanda o espetáculo
Henrique Brandão*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
A Copa do Mundo bate às nossas portas, invade o cotidiano, toma conta das conversas. Em nosso dito “país do futebol”, essa rotina se repete de quatro em quatro anos. Estamos sempre entre as seleções favoritas. Que o digam as casas de apostas londrinas, insuspeitos templos das previsões futuras, onde o Brasil aparece bem cotado a cada campeonato mundial.
Em toda edição da Copa, haverá uma seleção que será lembrada, como ocorreu com a Hungria de Puskas, em 1954; o Brasil do tricampeonato (1958,62,70), com Pelé, Garrincha, Jairzinho e Tostão; a Holanda de 1974, com seu carrossel e o talento de Cruyff; Camarões em 1990, comandada por Roger Milla; a França de 1998, com Zidane & Cia. São várias as referências, ao gosto do freguês.
Mas o critério esportivo, nos tempos atuais, deixou de ser o único balizador a medir o sucesso de uma Copa. Os indicadores econômicos, hoje, para os burocratas da todo-poderosa Fifa, são tão ou mais importantes do que os legados surgidos em campo.
Na véspera da abertura da Copa 2022, o Conselho Executivo da Fifa divulgou seu faturamento: US$7,5 bilhões, o melhor resultado da história da entidade. Dentre as propriedades comerciais, os direitos de transmissão televisiva são o filé mignon. Desde a Copa de 1970, a primeira a ser transmitida para o mundo inteiro, os números não param de crescer. No Catar, a história se repete.
Para se ter uma ideia do volume de dinheiro, no Brasil os direitos da Copa do Catar são exclusivos da Globo para TV aberta e paga. O contrato, fechado na Rússia em 2018, é de US$90 milhões por ano.
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O próximo Mundial será ainda maior que o atual, disputado por 32 seleções. Em 2026, serão 48 equipes e 80 jogos, no total. O gigantismo da Copa começou a ser desenhado em 1974, quando o brasileiro João Havelange (1916-2016) foi eleito presidente com os votos de africanos, latino-americanos e asiáticos, destronando Sir Stanley Rous, o candidato da Europa.
Havelange presidiu a Fifa entre 1974 e 1998, período marcado pela expansão da entidade. Uma das promessas de campanha foi ampliar o número de vagas de África, Ásia e Concacaf – Confederação que engloba a América do Norte e a América Central – na Copa do Mundo.
Promessa cumprida. Em 1974, quando assumiu a presidência, a Copa era disputada por 16 seleções. Em 1998, quando deixou a entidade, o Mundial tinha o dobro de participantes.
Sob o comando de Havelange, a Fifa inaugurou uma nova maneira de atuar, que perdura até hoje, marcada pela aproximação com o poder político institucional e práticas questionáveis para a manutenção do status quo interno. Desde então, nenhum outro presidente foi eleito como candidato de oposição, como foi o caso do brasileiro.
Bom de negócios, Havelange elevou a Fifa a outro patamar financeiro. Em 1974, a entidade obteve receitas de US$11 milhões. Na Copa de 1994, a última em que esteve na presidência, a arrecadação foi de US$230 milhões. Daí em diante, o volume de dinheiro só aumentou.
Estava estabelecido o “padrão Fifa de qualidade”. Quando decidiu deixar o cargo, em 1998, Havelange indicou Josef Blatter como sucessor. Blatter, que exercia o cargo de secretário-geral desde 1981, ficou na presidência por mais 17 anos. Tanta longevidade tem explicação: era ele quem negociava todos os contratos comerciais da entidade e organizava as Copas do Mundo.
Em 2015, às vésperas de mais um Congresso para sua reeleição, Blatter foi surpreendido pela prisão, na Suíça, de sete cartolas ligados à Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) e à Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf). Diante de pressões, quatro dias depois, mesmo reconduzido, convocou novas eleições, marcadas para fevereiro de 2016. Sete candidatos se apresentaram. Gianni Infantino, secretário-geral da Uefa, foi eleito.
A Copa do Catar é a primeira sob o comando de Infantino. Seu modus operandi não difere muito do de seus sucessores. Quando divulgou os resultados financeiros do Mundial 2022, fez um discurso que Blatter assinaria embaixo: “Arrecadamos mais em patrocínios do que na última Copa, mais em direitos de transmissão e mais em camarotes. Tantas e tantas empresas acreditam nesta Fifa. Acreditamos que limpamos a entidade. Então, quem diz que esta Copa será um fracasso está errado”, disse, exultante.
Confira, a seguir, galeria:
Observando o estilo de governança da Fifa, fica a impressão de que a frase dita por Tancredi, um dos personagens de O Leopardo, romance do italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1897-1957), adaptado para o cinema (1963) pelo genial Luchino Visconti (1906-1976), é mais atual do que nunca: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”.
Ainda bem que temos, para quem gosta de futebol, jogos que ainda nos dão imensa satisfação, pelo talento exibido em campo pelos jogadores, que, afinal, são os verdadeiros protagonistas do espetáculo.
Viva o futebol!
Sobre o autor
*Henrique Brandão é jornalista e escritor.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de novembro/2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Como as cabeçadas se tornaram uma das maiores preocupações do futebol
André Biernath*, BBC News Brasil
A primeira delas foi em 1958, quando era o capitão da Seleção Brasileira e ergueu pela primeira vez a taça da Copa do Mundo para o país.
A segunda ocorreu em 2014, quando a família decidiu doar o cérebro do ex-atleta para estudos científicos, logo após a morte dele.
No final da vida, Bellini desenvolveu sintomas típicos de demência, como esquecimentos frequentes e dificuldades de raciocínio.
A análise do órgão mostrou que, na verdade, ele foi acometido pela encefalopatia traumática crônica.
Essa condição afeta pessoas que sofreram pancadas repetidas na cabeça ao longo da vida — como é o caso de jogadores de futebol e boxeadores.
Ao lado de outros ex-esportistas, a história do capitão do primeiro título mundial brasileiro jogou luz e revelou o impacto que os esportes de contato podem ter na saúde do cérebro pelo resto da vida.
Mas, afinal, o que é a encefalopatia traumática crônica? E quais são os meios de evitar esse problema?
A questão está na frequência
A médica Roberta Diehl Rodriguez, do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), explica que essa doença passou a ser estudada mais a fundo recentemente, nos últimos 15 anos.
"E nós só conseguimos fazer o diagnóstico definitivo da encefalopatia traumática crônica depois que o indivíduo morre, por meio da análise do cérebro", diz.
Pelo que se sabe até o momento, o quadro pode se manifestar de diferentes maneiras.
Alguns apresentam sintomas parecidos ao do Alzheimer, como perda de memória e dificuldades para completar o raciocínio.
Em outros, porém, os incômodos se aproximam mais de quadros psiquiátricos, como o transtorno bipolar, em que ocorrem alterações de humor.
Há também casos descritos em que o paciente desenvolveu vícios fortes em apostas, álcool ou outras drogas.
"Os estudos mais recentes também nos mostram que, mais importante do que a quantidade ou a força das pancadas, um aspecto fundamental da doença é o intervalo entre os traumas", informa Rodriguez.
Ou seja: se o indivíduo tem um choque de cabeça e, poucos dias depois, passa por um acidente parecido, isso representaria um sinal de alerta maior.
Possivelmente, pancadas tão próximas não dão tempo de o cérebro se recuperar bem daquele primeiro impacto, o que piora ainda mais os efeitos que isso tem ao longo da vida.
É por isso, aliás, que atletas de algumas modalidades são mais propensos a sofrer com a tal da encefalopatia traumática crônica: a própria natureza da profissão os predispõe a levar pancadas no crânio.
Os primeiros dessa lista são os lutadores, já que a meta desse esporte está justamente em acertar a cabeça do adversário com socos e chutes — no passado, inclusive, a doença era conhecida como "demência pugilística", nome que caiu em desuso recentemente.
Grandes nomes do boxe, como Muhammad Ali e Éder Jofre, por exemplo, apresentaram problemas neurológicos no final da vida.
Jogadores de rúgbi e futebol americano também são mais propensos a desenvolver o problema, já que esses esportes são marcados por muitos choques e encontrões.
Por fim, os profissionais do futebol completam o grupo. Como cruzamentos e bolas aéreas são um recurso importante do esporte, as batidas de crânio são frequentes — e, como você vai entender mais adiante, têm se tornado mais comuns nas últimas décadas.
Cérebro em desalinho
Mas o que acontece na cabeça logo após a pancada?
Para entender esse mecanismo, é preciso conhecer antes uma proteína chamada TAU.
"Ela ajuda a manter a estrutura dos neurônios e auxilia no transporte de nutrientes entre uma célula e outra", resume Rodriguez.
Só que as pancadas repetidas parecem alterar um pouco desse balanço neuronal.
Quando ocorre o choque de cabeça, essa proteína se rompe e ocorre uma inflamação.
E aí entra o aspecto crônico das batidas. "Se outra pancada acontece logo depois, o cérebro não consegue se recuperar da primeira e aquela proteína começa a se depositar ali", diz a neurologista.
"Com o passar do tempo, esses agregados anormais de proteína TAU começam a prejudicar a passagem de informações e nutrientes nos neurônios", complementa.
E isso, ao longo de várias décadas, pode culminar em grandes dificuldades para o funcionamento adequado do cérebro.
Vale mencionar que esses mesmos emaranhados de proteína TAU são observados em outras enfermidades neurológicas, como o próprio Alzheimer.
Na encefalopatia traumática crônica, porém, é possível identificar um fator que está por trás do acúmulo dessa substância: as pancadas repetidas na cabeça.
Rodriguez conta que a USP possui um grande banco de cérebros, que são conservados para pesquisas científicas.
"Num estudo, eu avaliei 1.157 desses órgãos que pertenceram a pessoas que não tinham um histórico de atleta profissional."
"Desses, só encontramos a encefalopatia traumática crônica em sete homens", continua.
"Depois, consegui conversar com a família de um deles e descobri que o indivíduo era goleiro de um time amador, pelo qual disputava jogos no final de semana", revela.
O futebol mudou
O médico Jorge Pagura, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), avalia que o atual estilo de jogo de equipes e seleções faz com que os choques de cabeça se tornem cada vez mais comuns e perigosos.
"Antigamente, o futebol era mais disputado com os pés. Se você pegar qualquer vídeo de uma partida dos anos 1970, poderá conferir que os jogadores tinham espaço para trabalhar a jogada, com o adversário marcando a uma distância de um a três metrôs", descreve.
"Atualmente, você vê três ou quatro atletas disputando o mesmo pedaço do gramado", compara.
Segundo Pagura, o futebol "saiu da era dos grandes craques para entrar na época dos grandes atletas".
"Falamos de profissionais que são mais altos, mais fortes e que correm distâncias maiores", diz.
"Além disso, a bola aérea virou um artifício valioso. Hoje, muitos gols saem de cabeceios após cruzamentos na lateral ou na linha de escanteio", complementa.
Estamos diante, portanto, de um cenário que facilita ainda mais os encontrões de cabeça entre atletas adversários (ou até mesmo entre companheiros do mesmo time).
Prova disso são estudos realizados pela própria CBF, que monitoram as lesões mais comuns que ocorrem nas edições recentes do Campeonato Brasileiro.
Em 2019, a cabeça foi o segundo local do corpo com o maior número de machucados diagnosticados (em primeiro lugar, ficaram os músculos das coxas).
Para ter ideia, 14% de todas as lesões que ocorreram na competição afetaram o crânio dos atletas.
O que fazer?
Pagura entende que a conscientização sobre a encefalopatia traumática crônica no futebol tem aumentado.
"Hoje temos um protocolo bem definido e o atleta tem que ser substituído se o médico achar necessário após um trauma", aponta.
"Essas pancadas podem ser um verdadeiro inimigo oculto, porque em 80% das vezes não há alteração de consciência e o atleta acha que pode continuar no jogo", calcula.
Com o avanço do conhecimento sobre o quadro degenerativo, a tendência é que as próprias regras do jogo passem por mudanças.
Uma das primeiras alterações foi recentemente promovida pelo Conselho da Associação Internacional do Futebol (Ifab, na sigla em inglês).
Os representantes da entidade recomendaram que as cabeçadas intencionais na bola devem ser proibidas nas partidas que envolvam crianças com menos de 12 anos.
Nessa faixa etária, as jogadas aéreas serão paralisadas pelo juiz, que marcará uma falta para o time adversário.
Para Rodriguez, a medida faz sentido, até porque o cérebro ainda está numa fase de desenvolvimento nessa idade.
"Não se trata, claro, de demonizar o esporte ou proibir a prática do futebol, mas encontrar um meio termo para uma competição mais saudável e com menos riscos", pondera.
E, embora as cabeçadas sejam menos comuns entre atletas de final de semana e nos jogos amadores, Pagura recomenda que todos tomem os cuidados necessários para evitar traumas no crânio.
"Ao contrário das lesões que acometem os joelhos ou os tornozelos, em que muitas vezes é fácil notar o inchaço pela pele, o cérebro pode não dar muitos sinais imediatos de algum problema", compara.
"Se porventura você sofrer alguma pancada e ficar com dor de cabeça ou no pescoço, é importante procurar o pronto-socorro para ver se está tudo bem", conclui.
*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil
Qatar proíbe a venda de cerveja em estádios da Copa a dois dias da abertura
Alex Sabino e Luciano Trindade*, Folha de S. Paulo
A Fifa confirmou no início da tarde desta sexta-feira (18), horário do Qatar, que não será mais permitida a venda de cerveja dentro e nos arredores do estádio da Copa do Mundo. A decisão foi tomada pelo Comitê da Entrega e Legado, que organiza o Mundial. O torneio terá início neste domingo (20).
"Após discussões entre o país anfitrião e a Fifa, uma decisão foi tomada para focar a venda de bebidas alcoólicas na fan fest, outros destinos turísticos e pontos autorizados, removendo pontos de venda de cerveja dos perímetros da Copa do Mundo de 2022", disse a entidade.
Consultados sobre o impacto da medida no contrato de patrocínio e na receita da competição, Fifa e Budweiser não se pronunciaram até o momento.
A principal patrocinadora do Mundial é justamente a Budweiser, que venderia cerveja alcoólica dentro do perímetro das oito arenas, três horas antes e uma hora depois de cada jogo.
A fabricante de cerveja pagou US$ 75 milhões (R$ 405 milhões em valores atuais) para ser patrocinadora oficial do evento. A proibição da venda da bebida nos estádios representará um agravamento das tensões entre a entidade máxima do futebol e o país-sede.
Só a versão zero (sem álcool) da cerveja continuará disponível em todos os estádios
"As autoridades do país anfitrião e a FIFA continuarão a garantir que os estádios e áreas adjacentes proporcionem uma experiência agradável, respeitosa e agradável para todos os torcedores", afirmou a entidade máxima do futebol.
Ao final da nota, a Fifa fez um aceno à patrocinadora: "os organizadores do torneio agradecem a compreensão e apoio contínuo da AB InBev ao nosso compromisso conjunto de atender a todos durante a Copa do Mundo".
Desde o anúncio do Qatar como anfitrião da Copa, o tema bebida alcoólica era um problema. O contrato pelo direito de vender cervejas nos estádios é peça importante na engrenagem de milhões do Mundial. No Qatar negociar álcool não é crime, mas ser encontrado bêbado ou bebendo é, e o governo faz o possível para dificultar o consumo.
Durante a Copa, as bebidas podem ser encontradas em poucos bares, quase sempre dentro de hotéis. A reportagem da Folha encontrou um desses lugares.
Segundo o jornal The New York Times, a Budweiser recebeu ordem para posicionar suas tendas nos estádios em locais menos visíveis. A determinação teria vindo do xeque Jassim bin Hamad bin Khalifa al-Thani, irmão do emir do país.
De acordo com o site Expensivity, que calcula o valor das cervejas em diferentes nações, no Qatar está a mais cara do mundo. O governo aplica imposto de 100% na importação do produto. A medida foi apelidada de "taxa do pecado".
O único ponto de distribuição no país é controlado pela Qatar Distribution Company (QDC), uma companhia estatal que concentra todo o álcool importado no país (que não produz nada).
*Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo
Nas entrelinhas: A transição de Lula parece a Democracia Corinthiana
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Uma das páginas mais interessantes da história do futebol brasileiro foi o surgimento da Democracia Corinthiana na década de 1980, um movimento que marcou a história do Timão paulista e representou, àquela época, o engajamento de um clube de futebol na luta pela redemocratização do país, com a participação dos craques do time, principalmente Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon, na campanha das Diretas, Já.
Internamente, o futebol do Corinthians passou a ser administrado de forma revolucionária, num modelo de autogestão no qual todas as decisões importantes do dia a dia, inclusive contratações e escalações, eram tomadas por toda a equipe, na base do “cada cabeça um voto”, do roupeiro do time ao técnico Mário Travaglini. O sociólogo Adilson Monteiro Alves, diretor de futebol do clube na época, foi o pai dessa criança. O filho dele, Duílio Monteiro Alves, ocupa o mesmo cargo atualmente e pode ser candidato à Presidência do clube.
Em sintonia com a conjuntura política, com um time muito competitivo, a Democracia Corinthiana conquistou as simpatias dos torcedores em todo o país e empolgou a “Fiel”, sua grande torcida, principalmente por ter conquistado o Paulistão, em 1982 e 1983. Entretanto, quando Sócrates se transferiu para o Fiorentina, na Itália, começou a se esvaziar. O craque cumprira a promessa de que deixaria o país se a Emenda Dante de Oliveira, que restabeleceria as eleições diretas para presidente da República, não fosse aprovada.
O nome “Democracia Corinthiana” foi cunhado pelo publicitário Washington Olivetto, que também criou uma marca inspirada na tipologia da Coca-Cola. Ela foi estampada na camisa alvinegra em algumas partidas, assim como as frases “Diretas, Já” e “Eu quero votar para presidente”. Com a perda de seu principal líder dentro e fora do campo, os fracassos em campo e a derrota de Adilson Monteiro nas eleições para a Presidência do clube em 1985, a Democracia Corinthiana deixou de existir.
A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, coordenada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, parece a Democracia Corinthiana. A impressão é de que ainda não existe um estado-maior do futuro governo Lula, que deveria ser o núcleo central da transição. Tem muita gente falando e agindo de forma descoordenada, o que passa a má impressão de a equipe estar mergulhada numa disputa interna pelos ministérios, o que gera insegurança no mercado e frustra expectativas dos agentes econômicos.
Bumba meu boi
A bagunça maior é na equipe de transição na área econômica, na qual já está evidente uma disputa entre seus integrantes. Ontem, houve uma manifestação pública dos economistas Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, que advertiram Lula de que a responsabilidade fiscal será avalista do sucesso de seu terceiro mandato. A síntese da carta aberta dos três economistas é essa. Na sequência, no final da tarde de ontem, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega renunciou à participação na equipe.
Legalmente, a equipe de transição coordenada por Geraldo Alckmin tem 14 pessoas nomeadas, de um total de 50 cargos previstos em lei, com remuneração. Entretanto, a equipe já conta com 31 grupos temáticos, cada um empenhado em ter o seu o próprio ministério, e mais de 300 pessoas indicadas para esses grupos de trabalho, a maioria por representação política dos partidos que apoiaram Lula no primeiro e no segundo turnos da eleição, e não necessariamente pela qualificação e experiência técnica de cada um. O critério para formação desse time não parece ser construir a passagem segura de comando na administração, sem interrupção de seu funcionamento, principalmente nas atividades-fim. Tem muita gente falando e jogando para a arquibancada, e não para a equipe.
É preciso um freio de arrumação na transição, não somente na área econômica, na qual o próprio presidente Lula vem dando declarações que miram seus eleitores, mas confronta os agentes econômicos, o que provoca alta do dólar, queda do valor de ações na Bovespa e expectativas negativas de investidores. É quase uma autossabotagem. Ao mesmo tempo em que manda sinais positivos para os parceiros internacionais na questão ambiental, anula seu próprio desempenho com declarações desastrosas sobre a economia.
Não tem para onde correr. Se não quer tumultuar o começo de seu mandato, fazendo o jogo que o presidente Jair Bolsonaro gostaria que fizesse, para melar a transição, Lula precisa anunciar o nome do seu ministro da Fazenda e começar a tratar da montagem de seu ministério, porque a administração pública é uma estrutura complexa e hierarquizada, que não funciona na base do bumba meu boi, com todo respeito pelas nossas tradições populares.
Lula diz que vai usar a amarelinha para torcer na Copa: "A camiseta não é de partido político"
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), declarou nesta quinta (10) que vai torcer pela seleção brasileira na Copa do Catar usando a camisa verde e amarela.
É sempre bom lembrar que o símbolo máximo do nosso futebol vem sendo usado há quase uma década por grupos políticos alinhados à direita, incluindo simpatizantes do presidente Bolsonaro e grupelhos golpistas inconformados com a eleição do petista.
"A Copa do Mundo começa daqui a pouco e a gente não tem que ter vergonha de vestir a camiseta verde e amarela. A camiseta não é de partido político, é do povo brasileiro. Vocês vão me ver usando a camiseta amarela, só que a minha terá o número 13", escreveu Lula em seu Twitter.
O "sequestro" da amarelinha já havia afastado torcedores de esquerda desde a última Copa, na Rússia, em 2018. Na época a designer mineira Luísa dos Anjos Cardoso chegou a criar uma versão alternativa, vermelha, para atender quem não queria ser confundido com os manifestantes que haviam apoiado o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.
:: Quem são os (poucos) jogadores progressistas na lista de convocados de Tite para a Copa? ::
Mas a camisa foi comercializada por pouco tempo, já que a CBF, dona dos direito sobre a camisa, não gostou.
A versão vermelhinha, proibida pela CBF, tem até foice e martelo / Reprodução Facebook
Atualmente, a própria CBF está procupada com o amor perdido de muita gente que criou ranço das cores. No início da semana, quando o técnico Tite anunciou os 26 convocados, foi lançada uma peça publicitária da entidade conclamando toda a torcida a esquecer da política e abraçar o símbolo, que até há pouco parecia ser do bolsonarismo.
:: Política em Copa do Mundo? Na Seleção Brasileira só é ok se for de direita ::
Ao UOL, o atual presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, disse que o objetivo da campanha - veiculada em rede nacional - "é para mostrar que todos podem se sentir bem com a camisa da seleção". Veja abaixo:
Mas será que vai dar certo? O fato de nosso maior craque, Neymar, ter dito que celebraria seu primeiro gol na Copa fazendo o sinal do "22", para homenagear o candidato derrotado na eleição presidencial (vocês sabem quem) não ajudou muito a sarar as feridas.
No entanto, sabemos que, uma vez que a bola comece a rolar - daqui a só dez dias -, a paixão pelo esporte pode falar mais alto até mesmo que a paixão - ou o rancor - pela política.
Selecionamos algumas reações sobre o tema:
Quem são os (poucos) jogadores progressistas na lista de convocados de Tite para a Copa?
Felipe Mendes*, Brasil de Fato
Passadas as eleições, o noticiário começa, aos poucos, a dar espaço a outros assuntos de maior ou menor relevância. Entre eles, a Copa do Mundo do Catar, que começa em menos de duas semanas. Nesta segunda-feira (7) o treinador Tite anunciou a lista de convocados da Seleção Brasileira. E, como política e futebol se discutem, o Brasil de Fato buscou juntar as duas coisas: quem são os jogadores progressistas chamados para a Copa?
Uma certeza: são poucos. A minoria entre os 26 convocados.
Entre eles, o mais engajado provavelmente é o atacante Richarlison, atacante do Tottenham, clube da Inglaterra. Campeão olímpico, ele chega à Copa com moral. E quando o assunto é política, ele marca posição.
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Capixaba de Nova Venécia, Richarlison tem história de vida comum a muitos jogadores: infância pobre, ascensão social rápida por causa da bola. Sem esquecer do passado, ele procura colaborar em diversas causas sociais e políticas.
"Cara, eu já passei muito perrengue na minha vida. Eu acho que é só uma questão de se colocar no lugar de quem tá passando por uma situação difícil, ter empatia. E quem sou eu pra medir a dor dos outros? Mas acredito que, no momento, o que mais tem me chocado são os casos de racismo, além da causa ambiental", disse, em entrevista recente ao portal UOL.
No auge da pandemia de covid-19, por exemplo, o jogador se aliou à Universidade de São Paulo (USP) e ajudou a arrecadar recursos para desenvolvimento de pesquisas científicas.
"Quando a pandemia começou a gente tinha pouca informação e não sabia muito bem o que estava acontecendo. Eu fiquei muito inquieto preso dentro de casa sem saber direito o que fazer. Aí junto com meu staff resolvi concentrar as ações em um só lugar e na divulgação de informação correta e útil para o povo, usando minhas redes sociais e as minhas aparições na imprensa também", contou ao UOL.
Na mesma entrevista, Richarlison deixou claras algumas de suas referências. Atletas como o piloto de fórmula 1 britânico Lewis Hamilton e o jogador de basquete estadounidense LeBron James, que também se dedicam a causas sociais e políticas.
Hora certa para votar
A entrevista que Richarlison deu ao UOL, citada neste texto, tem o título "Fora da curva". Nada mais justo. Posicionamentos progressistas entre jogadores brasileiros são minoria.
Entre os 26 convocados por Tite, são raros os que ao menos deixam escapar alguma tendência à esquerda.
O meia Everton Ribeiro, jogador do Flamengo, é discreto de maneira geral. Na família, quem costuma se expressar bastante nas redes sociais é a esposa, a publicitária Marília Nery, com quem é casado há 15 anos.
Em vários momentos, Nery já deixou claro o posicionamento contra o presidente Jair Bolsonaro (PL): "Gente, eu nunca escondi que sou contra esse governo desde que vi a primeira entrevista do atual presidente no extinto CQC", postou no Twitter em 2020. Se não confirma o apoio às posições políticas da esposa, o jogador ao menos não foge de estar ao lado dela em algumas manifestações.
No último dia 30, dia da votação em segundo turno que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o terceiro mandato à presidência, o casal apareceu junto em imagem no Instagram comemorando o terceiro título flamenguista na Taça Libertadores. Ela fez questão de dizer que precisavam "correr para votar", e deixou registrado o horário: "10:03". Os torcedores progressistas mais atentos identificaram (ou desejaram ver) uma referência ao 13 de Lula.
No mesmo dia, Ribeiro foi um dos poucos jogadores do Flamengo que não posou ao lado de Bolsonaro, que foi à base aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, recepcionar o time após a conquista da Libertadores. O jogo decisivo, contra o Athletico-PR, foi realizado no Equador.
Esposa de Everton Ribeiro, Marília Nery posa com o jogador e diz que quer "correr para votar" / Reprodução/Instagram
Se os (possíveis) votos em Lula entre os jogadores foram envergonhados, muitos atletas bolsonaristas não tiveram o mesmo pudor. Basta falar de Neymar, que se engajou na campanha à reeleição do hoje candidato derrotado, tendo feito postagens com dancinhas e participado de lives com o ainda presidente.
Outros jogadores da seleção, como o zagueiro Thiago Silva, também declararam voto no candidato que viria a ser derrotado. Companheiro de time de Everton Ribeiro, o atacante Pedro, também chamado à Copa, foi um dos jogadores do Flamengo que embarcaram com Bolsonaro em um passeio de helicóptero pelos céus do Rio de Janeiro após a chegada ao Brasil do elenco campeão da Libertadores no dia do segundo turno da eleição.
E Tite?
O treinador da Seleção, que vai para sua segunda Copa, já falou mais de uma vez que não pretende se encontrar com Bolsonaro "nem se ganhar, nem se perder" o Mundial. O treinador afirma que não gosta de misturar futebol e política, e procura postrar postura isenta.
Uma imagem gravada após a final da Copa América de 2019, porém, deixou alguns indícios. O presidente tentou dar um abraço efusivo no treinador, que recebia premiação pela conquista no estádio do Maracanã. Tite permitiu apenas um cumprimento protocolar, que contrastou com o caloroso abraço que teve na sequência com o então presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo.
Pode não dizer nada, mas também pode dizer alguma coisa.
Confira abaixo a lista completa de jogadores brasileiros convocados para a Copa do Mundo do Catar:
GOLEIROS
Alisson - Liverpool (ING)
Ederson - Manchester City (ING)
Weverton – Palmeiras (BRA)
LATERAIS
Alex Sandro - Juventus (ITA)
Alex Telles - Sevilla (ESP)
Dani Alves – Pumas (MEX)
Danilo - Juventus (ITA)
ZAGUEIROS
Bremer - Juventus (ITA)
Éder Militão - Real Madrid (ESP)
Marquinhos - Paris Saint Germain (FRA)
Thiago Silva - Chelsea (ING)
MEIAS
Bruno Guimarães - Newcastle (ING)
Casemiro - Manchester United (ING)
Everton Ribeiro - Flamengo (BRA)
Fabinho - Liverpool (ING)
Fred - Manchester United (ING)
Lucas Paquetá - West Ham United (ING)
ATACANTES
Antony - Manchester United (ING)
Gabriel Jesus – Arsenal (ING)
Gabriel Martinelli – Arsenal (ING)
Neymar Jr. - Paris Saint Germain (FRA)
Pedro – Flamengo (BRA)
Raphinha - Barcelona (ESP)
Richarlison - Tottenham (ING)
Rodrygo - Real Madrid (ESP)
Vinicius Jr. - Real Madrid (ESP)
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato