funeral

Bolsonaro visita caixão da rainha ao lado de Michelle e Silas Malafaia | Foto: Chip Somodevilla/AP Photo/picture alliance

O Brasil na imprensa alemã (21/09)

Made for minds*

Neues Deutschland – Bolsonaro modera o tom (20/09)

Em meados de setembro, vários podcasters evangélicos tiveram um convidado especial em seu estúdio: Jair Bolsonaro. Ao ser questionado, o presidente do Brasil disse se arrepender de algumas declarações sobre a pandemia. Mas um trecho particular da entrevista, que durou mais de quatro horas, circulou nas redes sociais: nele, Bolsonaro contou que passaria a faixa presidencial se não fosse reeleito.

Foram tons incomuns para o radical de direita. Há meses, Bolsonaro vem atacando instituições democráticas e disseminando mentiras sobre o sistema de votação eletrônica. Ele afirmou várias vezes que aceitaria os resultados somente se fosse eleito. "Somente Deus" poderia tirá-lo da Presidência. É claro que Bolsonaro não teve uma mudança repentina de opinião. Os tons mais moderados provavelmente fazem parte de uma estratégia de campanha.

Em todas as pesquisas, Bolsonaro está claramente atrás de seu principal adversário, Lula. Se Bolsonaro ainda quiser vencer as eleições, dependerá dos eleitores do centro e deve tentar superar sua rejeição. E isso não funciona com aparições exageradamente estridentes e visões radicais.

Na verdade, Bolsonaro esperava que os protestos em massa [de 7 de Setembro] lhe pudessem dar um impulso nas pesquisas. [...] Mas o desejado "efeito das ruas" não aconteceu, pelo contrário: em pesquisas recentes, Bolsonaro caiu ainda mais. Os benefícios sociais concedidos pelo governo também tiveram pouco efeito. 

Süddeutsche Zeitung – Campanha eleitoral no funeral da rainha (20/09)

Apenas 2 quilômetros em linha reta separam a residência do embaixador brasileiro em Londres do Westminster Hall, no Parlamento britânico. No domingo, o caixão da rainha Elizabeth 2ª ainda estava no local quando Jair Bolsonaro apareceu na sacada da residência do embaixador. Logo embaixo, na rua, apoiadores estavam reunidos e gritavam "mito, mito". [...]

Bolsonaro disse ter profundo respeito pela família real e pelo povo do Reino Unido, mas que estava ali também por outro motivo. "Teremos que decidir o futuro da nossa nação." O presidente afirmou que o Brasil está no caminho certo, e que o país é um exemplo brilhante para o mundo. "Nosso lema é Deus, pátria, família e liberdade", disse Bolsonaro. "Não tem como a gente não ganhar no primeiro turno." [...]

Todas as pesquisas preveem uma vitória clara do adversário: no primeiro turno, Lula está mais de 10 pontos percentuais à frente de Bolsonaro e, de acordo com as projeções, mais da metade dos eleitores quer votar no candidato da esquerda num segundo turno. [...]

Nas últimas semanas, Bolsonaro percorreu incansavelmente o país. Participou de rodeios e cultos evangélicos. O fato de ele ter agora viajado para o funeral da rainha no meio da campanha eleitoral é visto por observadores como uma tentativa de mostrar aos eleitores de seu país que seu governo desfruta de apoio no exterior.

Der Tagesspiegel – Com balas e pistolas (16/09)

Em um comício em Fortaleza, Delegado Cavalcante – deputado estadual pelo Ceará e membro do PL, o partido do presidente Jair Bolsonaro – pegou o microfone. Algumas centenas de pessoas foram ao local para ouvi-lo, a maioria vestindo camisas amarelas que se tornaram a marca registrada do bolsonarismo. [...] Com voz rouca, Cavalcante gritou à multidão: "Se a gente não ganhar nas urnas, se eles roubarem nas urnas, nós vamos ganhar na bala. Na bala!" A multidão aplaudiu. [...] A retórica agressiva de Cavalcante foi extrema, mas nenhuma exceção. E ela tem consequências. [...]

Na corrida pela Presidência, Bolsonaro está claramente atrás de seu adversário, o ex-presidente Lula, em todas as pesquisas. O mais tardar no segundo turno, no final de outubro, Lula pode ser eleito o próximo presidente do Brasil. Seria um retorno surpreendente para Lula – e um pesadelo para Bolsonaro e seus apoiadores.

Por isso, eles reagem de forma agressiva. Bolsonaro chama Lula de "bandido de nove dedos". [...] Repetidamente, Bolsonaro classifica a eleição como um voto "entre o bem e o mal". Ele mesmo é um patriota, diz, e Deus o escolheu para liderar o Brasil. Por outro lado, Lula levaria o país ao socialismo, fecharia igrejas, ensinaria ideologia de gênero nas escolas e legalizaria o aborto e as drogas. [...]

Dois assassinatos de apoiadores de Lula já foram registrados nessa campanha. [...] Os casos são os exemplos mais extremos do clima eleitoral agressivo, mas não são os únicos. Em uma igreja evangélica em Goiânia, uma briga começou porque o pastor disse aos fiéis para não votarem "nos vermelhinhos". Logo depois, um policial bolsonarista atirou na perna de um apoaidor de Lula.

A polarização da sociedade brasileira é frequentemente apontada como a culpada por essa violência. Mas a polarização tem um nome: Bolsonaro. O presidente normalizou a linguagem da violência na política nos últimos quatro anos. [...] Bolsonaro nunca tentou reconciliar o país ou dialogar com seus adversários. Em vez disso, tem criado constantemente novos conflitos. E diante da derrota, Bolsonaro semeia dúvidas sobre a confiabilidade das urnas.


*Texto publicado originalmente no portal
 dMade for minds.


Nas entrelinhas: O custo-benefício do funeral de Elizabeth II para Bolsonaro

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

As pesquisas irão dizer se valeu a pena a participação do presidente Jair Bolsonaro (PL) e da primeira-dama Michele no funeral da rainha Elizabeth II, que ganhou conotação de ação eleitoral oportunista. A rigor, seria um gesto de grande cortesia, ainda mais porque é um rito de passagem no qual o rei Charles III, simultaneamente, foi consagrado como seu sucessor.

Mas haveria a desculpa da campanha eleitoral para não ir, que seria perfeitamente aceitável. O brasileiro não é uma estrela ascendente da política internacional, principalmente no Ocidente, nem foi um convidado de honra da família.

A morte de Elizabeth II era uma notícia previsível, mas foi inesperada. Ela parecia eterna, principalmente depois de milhares de memes nas redes sociais exaltando sua longevidade. Entretanto, a morte sempre é um fato com grande poder de irradiação e repercussão, apesar da sua previsibilidade, porque só se morre uma vez.

O falecimento concentra e realça todos os acontecimentos de uma vida, emoldurado ainda mais pela longa duração dos funerais, acompanhado em tempo real pela mídia internacional durante 10 dias. Elizabeth II reinou por 70 anos, encabeçando uma monarquia que soube administrar a decadência do Império Britânico e, aliada aos Estados Unidos, manteve sua influência internacional após a descolonização.

A vida de Elizabeth II serve de paradigma para as cortes europeias, com as quais mantinha fortes laços familiares, e atravessou todas as crises internacionais do pós-II Guerra Mundial. Não havia a menor dúvida de que seu funeral seria um grande evento midiático, quando nada porque resgatou um ritual fúnebre sofisticado, que não se via desde a morte de seu pai, o rei George VI, em 1952, reiterando o fascínio exercido pela aristocracia junto ao povo britânico.

Entretanto, Bolsonaro pisou na bola ao se manifestar a apoiadores da sacada da embaixada do Brasil em Londres. Seria apenas mais um chefe de Estado a prestigiar o funeral, cujo cerimonial deu muito mais importância à família real britânica e à realeza europeia do que aos políticos representantes dos regimes republicanos, fantasmas que rondam o rei Charles III e seus descendentes.

A repercussão negativa do encontro de Bolsonaro com seus apoiadores junto à mídia internacional reverberou no Brasil. O efeito é exatamente o contrário do que o presidente esperava ao viajar para o Reino Unido.

Questionado pela imprensa, como de hábito Bolsonaro reagiu irritado: “Você acha que eu vim aqui fazer política? Pelo amor de Deus, não vou te responder. Não tem uma pergunta decente? Compara o Brasil com o resto do mundo”, disse.

Mas misturou a morte de Elizabeth II com a política e as eleições no Brasil: “Todo mundo vai ter um julgamento final. O julgamento vai ser pelas suas ações e omissões. Todo aquele que trabalhou contra o próximo ou que se omitiu, na hora em que poderia ajudar, segundo as escrituras, para quem acredita, vai ter o seu veredito. E lá não tem gente — como alguns do Supremo, já vão falar que eu estou criticando o Supremo — para ‘descondenar’ uma pessoa e torná-la elegível”, acrescentou.

Espírito da coisa

Antes, ao conversar com apoiadores, Bolsonaro também havia atacado o petista Luiz Inácio Lula da Silva, seu principal adversário, que lidera as pesquisas de intenções de voto: “Como está a Europa perto do Brasil? Existe ameaça de fome aqui? Prateleira vazia, aumento de preço… Por que a insistência em querer botar um ladrão de volta na Presidência? Alguém acha que é uma maravilha ser presidente? Botar um ladrão, com aquela quadrilha toda, na Presidência”.

Numa crônica intitulada Semiótica dos Ritos Fúnebres, publicada no livro Banalogias (Objetiva), o filósofo carioca Francisco Bosco tece considerações muito interessantes sobre a morte e os velórios. Segundo ele, qualquer cadáver encerra em si toda a dinâmica do sublime: não é “ser” nem “ente”, nem “sujeito” nem “objeto”. Bosco explica: “O cadáver já não é vida, mas tampouco é a morte em sua condição de certeza encoberta ou fatalidade abstrata. O cadáver é a morte viva. Ora, a morte viva, diante de nós vivos, é precisamente a experiência do sublime”.

O velório seria uma experiência do sublime. A fila dos pêsames, uma espécie de rito de compensação coletiva pela perda. “Oferece-se, em primeiro lugar, a própria dor, como para fazer surgir uma fraternidade, a comunidade dos irmanados pela perda. Chorar a perda do morto é também homenageá-lo: elogio que se dirige aos imediatamente próximos do morto como uma compensação”, explica Bosco. Parece que Bolsonaro não entendeu o espírito da coisa no funeral de Elizabeth II.

Politicamente, o pior não é isso. Bolsonaro tem uma relação esquisita com a morte. Já deu inúmeras provas disso. Durante a pandemia de covid-19, que ontem registrou 685 mil mortos, não demonstrou a menor empatia com os familiares das vítimas, nem mesmo durante a crise nos hospitais de Manaus, quando dezenas de pessoas morreram por falta de oxigênio e foram enterradas em cova rasa. Daí a dúvida sobre o custo-benefício eleitoral de sua ida aos funerais de Elizabeth II..

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-custo-beneficio-do-funeral-de-elizabeth-ii-para-bolsonaro/