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Eliane Cantanhêde: Boiadas e boiadeiros

Onde corte no Fundeb, racismo, homofobia, queimadas e risco ao litoral vão cair? No STF

Quanto mais o presidente Jair Bolsonaro sobe nas pesquisas, mais as “boiadas” disparam e mais o Brasil anda para trás em princípios e em áreas estratégicas, sensíveis, que dizem respeito ao presente e ao futuro. O presidente e seus ministros parecem cada vez mais à vontade, desdenhando da opinião pública nacional e da perplexidade internacional.

O que dizer da Educação? Depois de tentar tirar de aposentados e pensionistas, o governo quer cortar dos precatórios e do Fundeb (que foi aprovado a duras penas, com o governo trabalhando contra) para pagar um novo Bolsa Família que Bolsonaro quer chamar de seu. Nada contra programas de distribuição de renda, mas à custa da Educação?

Bem, o Ministério da Economia descobriu que os ministros anteriores, Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub, estavam muito ocupados com ideologia, brigas internas e externas, e não sabiam o que fazer com as verbas, tanto que, apesar da pindaíba geral, sobrou dinheiro de um ano para outro. Como novo ministro, Milton Ribeiro nada mudou e o pobre MEC é um alvo apetitoso para Paulo Guedes agradar ao presidente.

Na entrevista ao Estadão, semana passada, Ribeiro admitiu sem constrangimento que o MEC continua não servindo para nada: nem para liderar a inclusão social via educação, nem para coordenar a volta às aulas com a aparente estabilidade da pandemia, nem para projetar um programa de internet e de computadores para mudar o destino de milhões de brasileirinhos das escolas públicas.

Então, para que serve? Para vigiar estudantes e professores de todos os níveis e implantar a ideologia de Bolsonaro e Ribeiro. Pastor presbiteriano, ele diz que “os jovens sem fé são zumbis existenciais” e que homossexuais são resultado de “famílias desajustadas”. Partindo de qualquer um já seria um horror, mas do ministro da Educação? Weintraub queria os ministros do Supremo na cadeia, Ribeiro quer catequizar os alunos. A Educação? Disso não se fala.

Após o questionamento na Justiça se há crime de homofobia na fala do ministro, já se emenda um outro, sobre crime de racismo num post da deputada Bia Kicis (PSL-DF), da tropa de choque bolsonarista no Congresso. Nele, ela sugere aos ex-ministros Sérgio Moro e Luiz Henrique Mandetta, com a cara pintada de preto e cabelo afro, procurarem emprego no Magazine Luiza. Mandetta reagiu com uma profusão de adjetivos: “racista, nauseabunda, chula, pequena, inútil, abjeta, RACISTA!!!!” (assim em maiúsculas).

E as porteiras de Inpe, Ibama, ICMBio e Conama já foram escancaradas e não há governo estrangeiro, fundos internacionais, banqueiros, economistas, entidades que segurem todas as boiadas. A Secom do Planalto e o ministério de Ricardo Salles já tinham comparado – por erro? má-fé? – as queimadas de oito meses de 2020 com as de 12 meses dos anos anteriores para confirmar que a terra é plana. Ops! Desculpem. Para negar a destruição criminosa de amplas áreas de Pantanal e Amazônia. Ontem, o ataque veio do Conama.

Não à toa Bolsonaro enxugou e mudou o Conselho Nacional do Meio Ambiente, que agora tem maioria do… próprio governo. Com a mudança, foram derrubadas ontem três resoluções para, em vez de proteger o ambiente, favorecer o agronegócio e o setor imobiliário. As vítimas foram restingas e manguezais que, destruídos, jamais serão reconstruídos.

Todas essas boiadas, que definem a alma do governo, vão parar na Justiça. Partidos, entidades e cidadãos questionam o corte no Fundeb com objetivos políticos, a homofobia do ministro da Educação, o racismo da deputada, a (i)rresponsabilidade diante das queimadas, o risco de destruição do nosso lindo litoral. E a “nova CPMF” vem aí! É outra que vai cair no Supremo.


Merval Pereira: Truques contábeis

O temor de todos se confirmou: o governo não tem de onde tirar dinheiro para o Renda Cidadã, a não ser que desrespeite o teto de gastos. As medidas anunciadas ontem nada mais são que truques contábeis que não enganam mais ninguém, ainda mais quando quem tem que explicar a trapalhada é um representante do Centrão, especialista em truques, mas jejuno em legalidade.

Aproveitar a verba do Fundo de Educação Básica (Fundeb), que está fora do teto de gastos, para dar um drible na legislação, revela a postura de fura-teto do governo e sua propensão a não dar prioridade para a educação. O presidente que não queria tirar dos pobres para dar aos paupérrimos não se incomoda de tirar dos cidadãos uma perspectiva de futuro melhor através da educação.

Já houve tentativa de usar os recursos do Fundeb, aprovado contra o desejo do governo, para financiar programas sociais, e o governo perdeu. Na negociação ficou acertado que 5% da verba do Fundeb iria para a educação infantil. O governo vale-se disso agora para alegar que os recursos serão usados para colocar as crianças nas escolas no novo programa social Renda Cidadã. Mais uma falácia da linguagem oficial.

A parte dos precatórios é mais difícil ainda de explicar, e quebra mais regras jurídicas. Já houve tentativas, por emenda constitucional, de ampliar o prazo para entes federativos - estados, municípios - que estavam inadimplentes, mas o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional.

O que assusta o mercado financeiro na anunciada redução do pagamento dos precatórios é que ela cheira a um calote na dívida do governo, sinalizando uma posição retrógrada, pois o governo vem pagando por ano cerca de R$ 50 bilhões em dívidas reconhecidas pela Justiça.

A maioria dessas dívidas é de pessoas físicas, geralmente disputas sobre salários de servidores públicos, benefícios previdenciários, pensões, os chamados precatórios de natureza alimentar, que têm prioridade para o recebimento. Quer dizer, o presidente tanto se preocupou em poupar os “paupérrimos” que vai pegar muitos deles pelo calote nos precatórios.

A grande dificuldade do governo sempre foi encontrar dinheiro dentro do orçamento sem mexer em privilégios chamados de “direito adquirido”. A desindexação geral da economia, que é muito engessada, seria uma medida importante, pois permitiria ao governo usar o dinheiro do orçamento com mais flexibilidade.

O governo sempre tentou fazer essas reformas sem provocar protestos e reações corporativas, e acabou mexendo num vespeiro com a redução do pagamento dos precatórios. Uma solução precária, pois a cada ano a dívida aumentará. Seria uma medida de pouco impacto, pensavam os políticos do Centrão, porque atinge pessoas variadas, e não pagar precatórios não é uma situação nova. Não criaria grandes problemas, que mexessem com a popularidade do presidente.

É verdade quanto à popularidade, mas não quanto ao impacto, pois haverá muita disputa na Justiça, e mais uma vez o Supremo terá que arbitrar. A troca do novo imposto digital pela desoneração geral da folha de pagamento das empresas é uma boa negociação, que acabou emperrada dentro da reforma tributária, que não tem consenso no Centrão.

A desoneração acabará surtindo efeito, porque vai permitir o aumento do emprego e a recuperação da economia, que não está crescendo como se esperava. Se o centrão apoiar, pode passar. E o presidente da Câmara Rodrigo Maia, que sempre foi contra a CPMF digital, poderia até reconsiderar, mas com a crise política que as fontes para o Renda Cidadã vai gerar, dificilmente esse assunto ganhara prioridade.

Maia já disse que é preciso regulamentar o teto de gastos, justamente para evitar tentativas de dribles. Quando o Centrão é que tem que explicar para o mercado financeiro a solução encontrada, é sinal de que o ministro Paulo Guedes perdeu o controle das propostas econômicas, e que dificilmente o líder do governo, Ricardo Barros, convencerá os investidores de que está tudo bem.

O tempo é curto, o governo precisa correr para aprovar o Renda Cidadã, pois em janeiro o dinheiro já tem que estar sendo distribuído. Em dezembro acaba o auxílio emergencial.


Marcus Pestana: Novo Fundeb e o futuro da educação

Desnecessário reafirmar a centralidade da educação de qualidade para a sociedade e a economia de um país, preparando crianças e jovens para o exercício da cidadania e a sua inserção no mercado de trabalho e na vida social e política. Como disse certa vez o ex-senador Cristovam Buarque: “o berço da desigualdade é a desigualdade do berço”. E só a educação pode democratizar as oportunidades.

O compromisso com a educação povoa todos os discursos políticos, mas muitas vezes não transborda o nível da simples retórica. Para a construção de um grande país temos que arregaçar as mangas e agir para superarmos o terrível passivo que temos na área educacional.

Em 1996, o Governo FHC criou o FUNDEF, que foi responsável por garantir uma fonte de financiamento estável para o ensino da 1ª. à 8ª. séries e pela universalização do ensino fundamental. Em 2007, o Governo Lula ampliou o financiamento para o ensino infantil e médio com o FUNDEB. A complementação do Governo Federal cresceu de 1% para 10%. Foram avanços, mas os resultados que temos hoje são claramente insuficientes.

O Senado Federal votará na próxima semana a Emenda Constitucional No. 26/2020, que já foi aprovada na Câmara relatado pela Deputada Professora Dorinha (DEM/GO), renovando o FUNDEB e promovendo mudanças.

O texto altera critérios de distribuição dos recursos; procura aprimorar a equidade social privilegiando municípios mais pobres; pretende aumentar a transparência, a avaliação de resultados e os controles; intenciona estimular o aumento da qualidade e amplia a complementação federal dos atuais 10% para progressivamente alcançar 23% em 2026. A extinção do FUNDEB, que se daria em 2021, seria um desastre e o aumento de investimento é importante, desde que os recursos sejam bem gastos. Mas há problemas.

Primeiro, a nossa desconfiança histórica em relação ao caráter perverso e excludente de nosso modelo de desenvolvimento e à qualidade da ação dos gestores locais, nos leva a constitucionalizar tudo e a criar vinculações detalhistas que resultam em um modelo rígido demais para uma realidade em constante mutação. A revisão é prevista para daqui a dez anos. Mudanças constitucionais são difíceis e complexas. Quais serão os impactos no sistema educacional e nas políticas públicas da transição demográfica com cada vez mais idosos e menos crianças, da reforma tributária, da crise fiscal, da revolução da tele-educação?

Segundo, a exclusão do pagamento de aposentados da educação dentro dos cálculos, conceito correto, mas sem uma transição, colocará muitos estados brasileiros em extrema dificuldade em cumprir o texto constitucional. Vamos criminalizar esses governadores?

E por último, há estudos e evidências que comprovam não haver associação obrigatória de aumento de recursos com a ampliação da qualidade e a obtenção de resultados.

Se não introduzirmos mais flexibilidade para os gestores locais e regionais, não superarmos o corporativismo, não estimularmos o empreendedorismo das diretoras de escola, não introduzirmos a remuneração variável premiando desempenho e resultados e não envolvermos profundamente a comunidade e as famílias no processo educacional das crianças e dos jovens, poderemos aplicar preciosos recursos escassos e não promover a tão necessária revolução educacional. Intenção e gesto nem sempre caminham juntos.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)