Fundação Astrojildo Pereira

Biblioteca Salomão Malina e Espaço Arildo Dória são reinaugurados em Brasília

Arildo Dória, antigo militante do PCB, destacou o trabalho coletivo encabeçado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) para que o projeto saísse do papel

Por Germano Martiniano

A Biblioteca Salomão Malina foi reinaugurada nesta sexta-feira (8/12) em evento promovido pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), que contou com a participação de dirigentes históricos do Partido Comunista Brasileiro (PCB), legenda que antecedeu o Partido Popular Socialista (PPS). Na ocasião, também foram entregues, completamente revitalizados, o Cineclube Vladimir de Carvalho e o Espaço Arildo Dória.

Arildo, militante histórico do PCB, e o único dos três homenageados com a colocação de seus nomes nos respectivos espaços que foram revitalizados (a Biblioteca Salomão Malina, Cineclube Vladimir de Carvalho e o Espaço Arildo Dória) que esteve presente na celebração (Malina já falecido e Vladimir não pôde comparecer), destacou o trabalho coletivo para que esse projeto saísse do papel: “A revitalização deste espaço é resultado de um trabalho coletivo, que leva meu nome."

Antes que todos convidados conhecessem os novos espaços, Luiz Carlos Azedo, diretor-geral da FAP, discursou na parte externa da Biblioteca, em frente a “Praça Vermelha” do Conic, o edifício Venâncio III, em Brasília, onde ocorreram diversos encontros, comícios e reuniões durante a existência do PCB. Azedo destacou a importância simbólica da localização da Biblioteca Salomão Malina, “palco de resistência política”, assim como o trabalho árduo de todos os envolvidos no projeto de revitalização.

Após o discurso do diretor-geral da FAP, o presidente do Conselho Curador da Fundação, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) e o deputado e presidente do PPS nacional, Roberto Freire (SP), abriram em conjunto a porta de acesso do local. Entre as mudanças ocorridas na revitalização, o público pôde  conferir a Biblioteca Salomão Malina ampliada e atualizada e o novo auditório, que foi completamente modernizado, com instalações adequadas para o acesso de pessoas com deficiência de locomoção, inclusive com um elevador, e que será um espaço multiuso, de sessões de cinema a dinâmicas de grupo.

Em seguida, Cristovam Buarque, Roberto Freire, Chico Andrade, presidente do PPS do Distrito Federal; Lenise Loureiro, dirigente do PPS, Luiz Carlos Azedo e Arildo Dória compuseram a mesa do auditório, onde puderam discorrer sobre a importância do espaço multiuso revitalizado pela FAP. “Fiquei encantado com cada detalhe que foi modernizado, ficou tudo muito bonito. Porém, o maior desafio, a partir de agora, será fazer este espaço estar sempre movimentado”, ressaltou Cristovam Buarque.

No auditório revitalizado, o público também assistiu à exibição do curta “A última visita”, de Zelito Viana, que conta a preocupação que teve Astrojildo Pereira em promover as obras de Machado de Assis.

Biblioteca Salomão Malina
Inaugurada em 28 de fevereiro de 2008 e localizada no Conic (Setor de Diversões Sul – Bloco P – Edifício Venâncio III, Loja 52), em Brasília (DF), a Biblioteca Salomão Malina dispõe de todo o acervo da FAP – mais de cinco mil títulos – além de obras diversas, principalmente sobre história, sociologia, filosofia, economia e política. Também conta com um vasto acervo digitalizado, totalmente disponível para consulta e com muitas das obras disponíveis para download gratuito. É aberta diariamente ao público e oferece acesso gratuito à internet, imprime currículos e disponibiliza também revistas e os jornais do dia para leitura e pesquisa.

Salomão Malina
O patrono da Biblioteca Salomão Malina foi o último secretário geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), entre 1987 e 1991. Ingressou no PCB no inicio dos anos 1940 e, durante sua vida, passou alguns anos presos e cerca de 30 anos na clandestinidade. Combateu, como oficial da força Expedicionária Brasileira (FEB), nos campos da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. Foi agraciado, por sua bravura, com a cruz de combate de Primeira Classe, a maior condecoração do Exército Brasileiro. Foi diretor do Jornal Imprensa Popular, do PCB, nos anos de 1950. A biblioteca que leva o seu nome tem, como missão, “servir como instrumento para análise e discussão das complexas questões da atualidade, aberta a todo cidadão, independentemente de ser filiado ou não a agremiação partidária e de suas concepções políticas e filosóficas.”

Saiba mais:
O Espaço Arildo Dória e a Biblioteca Salomão Malina estarão abertos ao público a partir desta segunda-feira (11/12).
Local: Setor de Diversões Sul – Bloco P – Edifício Venâncio III, Loja 52 – Conic

 

Galeria de fotos\ Fotos: Germano Martiniano

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Modernizada, Biblioteca Salomão Malina será reinaugurada nesta sexta-feira (8/12)

Cineclube Vladimir de Carvalho e o Espaço Arildo Doria também foram revitalizados. Acervo físico e virtual da biblioteca foram ampliados para melhor atender ao público

Criada a partir de doações de livros que pertenciam ao próprio Salomão Malina, dirigente histórico do PCB/PPS falecido em 2002, a Biblioteca Salomão Malina, da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), será reinaugurada nesta sexta-feira (8/12), a partir das 19h. Especializada em literatura brasileira, história, politica e economia, ela foi ampliada e atualizada, graças a novas doações e aquisição de obras de pensadores contemporâneos. O Cineclube Vladimir de Carvalho e o Espaço Arildo Doria também foram revitalizados e serão entregues em conjunto com a biblioteca.

Entre as mudanças ocorridas com a revitalização do espaço, destaca-se o novo auditório, que foi completamente modernizado, com instalações adequadas para o acesso de pessoas com deficiência de locomoção; estando apto, ainda, para utilização multiuso, de sessões de cinema à dinâmicas de grupo. O novo Quiosque/Tribuna possibilitará a aproximação com o público leitor e servirá de apoio para a realização de saraus, pequenos espetáculos de arena, assembleias e plenárias.

Inaugurada em 28 de fevereiro de 2008 e localizada no Conic (Setor de Diversões Sul - Bloco P - Edifício Venâncio III, Loja 52), em Brasília (DF), a Biblioteca Salomão Malina dispõe de todo o acervo da FAP - mais de cinco mil títulos - além de obras diversas, principalmente sobre história, sociologia, filosofia, economia e política. Também conta com um vasto acervo digitalizado, totalmente disponível para consulta e com muitas das obras disponíveis para download gratuito. É aberta diariamente ao público e oferece acesso gratuito à internet, imprime currículos e disponibiliza também revistas e os jornais do dia para leitura e pesquisa.

A cerimônia de reinauguração da Biblioteca Salomão Marina contará com a presença do presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira, senador Cristovam Buarque (PPS-DF), demais conselheiros e diretores, e o presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), além de convidados da Fundação.


Salomão Malina
O patrono da Biblioteca Salomão Malina foi o último secretário geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), entre 1987 e 1991. Ingressou no PCB no inicio dos anos 1940 e, durante sua vida, passou alguns anos presos e cerca de 30 anos na clandestinidade. Combateu, como oficial da força Expedicionária Brasileira (FEB), nos campos da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. Foi agraciado, por sua bravura, com a cruz de combate de Primeira Classe, a maior condecoração do Exército Brasileiro. Foi diretor do Jornal Imprensa Popular, do PCB, nos anos de 1950. A biblioteca que leva o seu nome tem, como missão, "servir como instrumento para análise e discussão das complexas questões da atualidade, aberta a todo cidadão, independentemente de ser filiado ou não a agremiação partidária e de suas concepções políticas e filosóficas."

SERVIÇO
Reinauguração da Biblioteca Salomão Malina, do Cineclube Vladimir de Carvalho e do Espaço Arildo Doria
Horário: 19h
Local: Setor de Diversões Sul - Bloco P - Edifício Venâncio III, Loja 52 - Conic

Confira a programação

- Reabertura da Biblioteca

- Descerramento do painel em homenagem a Salomão Malina

- Ativação do elevador para pessoas com deficiência

- Descerramento da linha do tempo de Astrojildo Pereira

- Apresentação da proposta de atuação do novo espaço cultural

- Novo projetor do Cineclube Vladimir de Carvalho, com exibição do curta A última visita, de Zelito Viana

- Abertura do Quiosque/Tribuna

- Sessão de autógrafos

Confira como chegar à Biblioteca Salomão Malina, no Conic, clicando nos links abaixo:


Waze

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Google Maps
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José Aníbal: Para que servem as elites?

No seminário que o Instituto Teotônio Vilela e a Fundação Astrojildo Pereira promoveram no mês passado, o jornalista britânico Adrian Wooldridge encerrou sua palestra sugerindo uma volta ao debate filosófico do qual pensadores ingleses como Thomas Hobbes e John Stuart Mill foram pioneiros: para que serve o Estado, qual o limite de seu poder e como ele pode funcionar melhor em nosso modelo de democracia ocidental?

São perguntas cuja pertinência atravessou quatro séculos e que se mantêm tão relevantes hoje quanto na transição dos regimes absolutistas para as repúblicas ou monarquias parlamentaristas.

São questões que preocupam as nações mais desenvolvidas do mundo no século 21 e que também demandam atenção no Brasil, às voltas com a recuperação de sua economia e com um longo período de instabilidade política e, por vezes, até institucional.

Nesse sentido, cabe acrescentar ao argumento de Wooldridge, colunista da revista The Economist e coautor do instigante livro A Quarta Revolução, qual o papel e o dever das elites política, econômica, intelectual e cultural dos países na disseminação de princípios democráticos, no respeito às instituições republicanas e na defesa do pleno exercício da cidadania.

A história mostrou que o melhor caminho para uma nação próspera, com justiça social, respeito ao direito de ir e vir com segurança e acesso igualitário a serviços de educação e saúde básicos não são as revoluções que, invariavelmente, culminaram em execráveis regimes totalitários.

Tampouco vingou o modelo de laissez-faire em que se pregava a dispensa da ação do Estado, mas foi ao Estado que muitos correram quando foram à falência quando atingidos por crises profundas.

Parece clara, ainda que seja tarefa complexa, a urgência de se rediscutir um melhor equilíbrio do papel do Estado na promoção do bem-estar social e da oferta mais equitativa de oportunidades, assim como no estímulo à eficiência, ao aumento da produtividade e de um mercado competitivo e globalizado.

Num país ainda marcado pelas desigualdades como o Brasil, esse debate torna-se ainda mais fundamental, não só para a construção de perspectivas mais promissoras do ponto de vista econômico e social, mas para a própria sustentação do regime democrático.

Digo isso diante de pesquisas recentes que mostram alta desconfiança dos brasileiros em relação ao funcionamento da democracia e eventual apoio significativo a um governo militar ou não democrático.

Reverter esse quadro é dever dos que ocupam posições de relevo nos três poderes, nas grandes empresas e instituições financeiras, nos veículos de comunicação e nas redes sociais, nos grandes centros de formulação e produção de conhecimento científico, intelectual e cultural.

São esses os formadores da elite no sentido mais seminal da palavra: não como referência a privilegiados, mas como definição de eleitos, de escolhidos em um grupo social por serem os mais valorosos e bem qualificados.

Quando tais ocupantes esquecem esse significado e atuam movidos por interesses próprios, escusos ou alheios ao bem coletivo, fazem mais do que uma mera distorção do conceito original da palavra: condenam o país e a sociedade à desordem e à falta de perspectivas.

A defesa da democracia, do debate público racional, e a superação da demagogia e do populismo não é desafio exclusivo da elite brasileira nem está livre de percalços, como reconheceu ninguém menos do que Barack Obama em sua passagem pelo país. Estão aí Donald Trump e Brexit como exemplos mais eloquentes, e de certa forma a recente crise catalã na Espanha.

Há em comum nesses casos a incapacidade de fazer vencedora a visão economicamente racional, politicamente equilibrada e socialmente sensível às demandas do cidadão comum. Diante de crises e insatisfações, o apelo ao discurso fácil e às promessas que não podem ser cumpridas ou que, se cumpridas, terão graves consequências, é o combustível para a radicalização e para o surgimento de efêmeras bonanças a antecipar longas tempestades.

Assim, é preciso semear confiança nos que querem garantir o sustento de suas famílias e seguem em busca de oportunidades e emprego. Compreender e oferecer soluções reais para o medo da violência que assola a população de grandes, médias e até pequenas cidades.

Defender uma profunda reforma do Estado para que não faltem verbas para saúde, educação, cultura, infraestrutura, nem sejam desperdiçados recursos com privilégios, favores, aposentadorias especiais ou precoces.

Essa é, definitivamente, uma tarefa das elites que deveriam fazer jus à palavra.

 

 


Revista PD#48: Reforma Política e Governo Representativo

A reforma política é um tema que recusa ser esquecido, apesar da má vontade da classe política e de muitos intelectuais. De chofre, reaparece como uma artimanha das cúpulas partidárias emaranhadas nas teias da Lava-Jato. Seja como for, precisa ser enfrentada com seriedade e não sutilmente escanteada por meio do abuso ao senso-comum antipartidário dominante no país – atavismo da inadaptação nacional à democracia, como bem observara Sérgio Buarque de Holanda na primeira metade do século passado.

Por Hamilton Garcia de Lima
Revista Política Democrática #48

Um dos focos principais desse senso-comum se dirige contra a adoção da lista fechada no sistema proporcional, sob o argumento de que ela enfraqueceria o vínculo entre eleitores e candidatos, levando "à ditadura das cúpulas partidárias" em detrimento do direito de escolha do eleitor.

A crítica é fraca e falsa sob variados aspectos; vejamos alguns. Uma das razões para que a reforma política não saia da agenda do país é precisamente o fato de que o modelo vigente (lista aberta) levou, ao longo das últimas três décadas, o vínculo entre representantes e eleitores aos piores patamares da história republicana – não obstante o juízo de muitas autoridades acadêmicas que, nos anos 1990-2000, prognosticavam o amadurecimento do modelo.

Os motivos para essa deterioração crescente são muitos, mas deve-se destacar, em particular, a opacidade do método de distribuição das cadeiras legislativas pelo coeficiente partidário-coligacional, que faz a "mágica", aos olhos da sociedade, de eleger candidatos com os votos dos não eleitos, de tal modo que nem os políticos, em sua esmagadora maioria, sabem exatamente de onde vem os votos que efetivamente os elegem, nem os eleitores a quem seus votos efetivamente consagram, pois a grande maioria votou em candidatos que não se elegeram.

Não bastasse isso – em si, suficiente para explicar o estranhamento do eleitor em face de "seu" representante e o descompromisso desse em relação àquele –, a ideologia liberal reforça a alienação recíproca ao propalar uma abstrata primazia do eleitor que, supostamente, como vimos, escolhe o candidato usando para tal do discernimento natural. A fábula de uma razão descolada de contextos (interesses), estruturas (instituições) e tradições (cultura), só serve aqui para encobrir a farsa do sistema atual de escolha do eleitor.

Na verdade, ao contrário do que propõe essa ideologia, nosso eleitor encontra-se perdido num cipoal de siglas e nomes que pouco explicam/significam e que o impede de ter a visibilidade mínima para qualquer escolha razoável em termos, mesmo que apenas, de seu interesse individual. Sendo obrigado a votar em condições tão nebulosas, o cidadão acaba sendo naturalmente atraído pelos elementos mais visíveis no jogo: os candidatos-singulares, que se destacam pela capacidade ou acúmulo comunicativo, em meio ao mar de nulidades políticas individuais, ou pela oferta de alguma materialidade imediata, individualmente significativa, como vantagens pecuniárias ou acesso ao poder, tudo isso sem maiores considerações acerca dos efeitos colaterais de tais opções sobre a administração e o interesse público.

Na cabeça de significativos segmentos do nosso eleitorado – e até mesmo para alguns de nossos intelectuais ingurgitados de Lattes –, a oferta de serviços públicos por canais privados de clientela eleitoral, que oferecem privilégios em troca de voto, em nada se relaciona com a má qualidade do serviço público, em geral, sendo apenas uma forma supostamente inofensiva de remediá-la.

Descaminho
Mas, esse descaminho do Estado pelo sistema democrático de votação – sintetizada por uma liderança comunitária do Farol, em Campos dos Goytacazes/RJ, em 2007, nos seguintes termos: "o voto no Brasil corrompe" –, não produz efeitos apenas sobre as políticas públicas por ele impactadas, mas igualmente sobre o âmago do processo democrático, atingindo mortalmente a soberania do eleitor, sem que a abordagem liberal disso tenha a menor ideia.

Para muitos em nosso país – e isso não se limita aos pobres –,a soberania do voto se transformou numa relação fetichizada que, à semelhança do fetiche da mercadoria discutido por Marx em O Capital, transforma, em nosso caso por meio da gratidão ou ambição, o eleitor de portador da soberania do voto em tutelado por um patrono que lhe concede, sob a forma de favor, aquilo que formalmente está estabelecido como direito, distorção esta que, ao contrário daquela ensejada pelo poder econômico privado e seus enlaces de privilégios e superfaturamentos com a administração pública, não pode ser combatida por nenhuma Operação Lava-Jato.

Toda esta realidade, que fere de morte o direito de escolha do eleitor nas eleições proporcionais e subverte a essência do sistema democrático, transcorre sob a chancela da fetichista lista aberta, que, apesar de todas as evidências em contrário, continua sendo defendida pelos liberais programáticos como "garantia da liberdade de escolha do eleitor".

Não é por outro motivo que os antídotos às doenças da alienação eleitoral e da perversão democrática , insistem em voltar ao centro do tabuleiro político quando o tema da reforma política emerge, mesmo em meio à grossa neblina lançada ao vento pelos apóstolos da liberdade abstratamente concebida; me refiro ao sistema de lista fechada e ao voto distrital, que podem ser aplicados isoladamente ou combinadamente, com ou sem financiamento público de campanha.

Ambos têm uma qualidade cuja falta corrói nosso sistema político: a de responsabilizar os partidos pelos mandatos conquistados em seu nome, ao mesmo tempo que reforça os vínculos dos candidatos com seus partidos, já que ambas as fórmulas ensejam disputas internas reais pelas vagas de candidato ou sua ordenação na lista, com impactos importantes sobre a vida das agremiações políticas. De outro lado, elas também tornam transparentes ao eleitor/representante o destino/fonte de seu poder, criando condições efetivas para a sinergia político-programática entre o eleitor e o eleito. Em síntese, eleitores, eleitos e elites partidárias se tornam corresponsáveis pelo resultado dos mandatos conquistados e ninguém pode fugir às suas responsabilidades em caso de fracasso das apostas – o que, no caso do eleitor, implica seu deslocamento na direção de outra opção partidária.

Oligarquias
O efeito colateral criticado nesses remédios é o fortalecimento das oligarquias partidárias, embora ele já se manifeste patologicamente na ausência de sua administração, no sistema hoje vigente. Ao contrário de oligarquias, o que os medicamentos em tela poderão propiciar é o aparecimento de novas elites com base no pressuposto da transparência que deverá surgir no processo de construção de candidaturas, que hoje se instituem (fetichistamente) órfãs de pai e mãe, fruto de interesses escusos articulados em convenções anômalas, marcadas por um anonimato que apenas se rompe, pontualmente, com as escolhas de candidaturas no âmbito majoritário, sobretudo para o Executivo. Nas novas condições criadas pela reforma aqui discutida, os partidos oligarquizados terão que se abrir em alguma medida à sociedade, sob pena de ficarem exclusivamente dependentes dos velhos métodos de compra de votos e cooptação, mais fáceis de serem penalizados em face da brutal simplificação eleitoral propiciada pela lista fechada e o voto distrital.

Por fim, a manutenção da proporcionalidade, na modalidade lista fechada, trará uma vantagem importante em relação ao sistema distrital: o sistema de responsabilização/simplificação das eleições poderá ocorrer sem a perda da pluralidade política-ideológica duramente conquistada nas lutas pela redemocratização dos anos 1970-80. Ademais, a lista fechada tem um aspecto pedagógico não desprezível ao promover o fortalecimento da disputa programática entre os partidos em detrimento das personalidades.

Infelizmente, estamos forçados em nossa reforma política a realizar uma pauta novecentista: criar laços mais efetivos e duradouros dos partidos com a sociedade, por meio da formação de elites políticas genuinamente ligadas aos interesses sociais, que pudessem lastrear, como indicava Weber no início do século passado, os governos e as disputas que constituem a alma da democracia parlamentar.

O desafio não é pequeno. Em nosso caso, trata-se não apenas de um programa de reforma institucional (legal), mas de recuperarmos aquilo que se perdeu no naufrágio da democracia de 1946: uma cultura de poder que restaure a sociedade como a base do governo representativo.

* Hamilton Garcia de Lima é cientista político e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF

** Texto originalmente publicado na Revista Política Democrática #48

 


Jornal da ABI destaca mesa redonda sobre Gramsci em parceria com a Fundação Astrojildo Pereira

Evento tem o objetivo de discutir a importância do legado intelectual de Gramsci, 80 anos depois da sua morte, e a contribuição de sua obra como instrumento de percepção e análise da atual crise brasileira

A mesa redonda, que será realizada nesta segunda-feira (21/8), às 18h, será aberta pelo presidente da ABI, Domingos Meirelles, e terá como mediador o Conselheiro da entidade e colunista político Luís Carlos Azêdo. O encontro contará com a presença de Luíz Sérgio Henriques (tradutor e ensaísta ), Alberto Aggio (representante da Fundação Astrogildo Pereira), e Andrea Lanzi, do Partido Democrático Italiano. O objetivo do debate é discutir a importância do legado intelectual de Gramsci, 80 anos depois da sua morte, e a contribuição de sua obra como instrumento de percepção e análise da atual crise brasileira. Ao contrário do pensamento marxista tradicional, que se dedicava ao estudo das relações entre política e economia, ele chamava a atenção para o papel da cultura e dos intelectuais nos processos históricos de transformação social.

“A mesa redonda foi proposta para lembrarmos os 80 anos da morte de Gramsci. Isso é importante especialmente para nós, que somos os maiores divulgadores das interpretações e debates sobre o pensamento de Gramsci no Brasil por meio da coleção de livros (Brasil & Itália)”, aalia Alberto Aggio, historiador e professor titular da UNESP.

Gramsci foi também um dos fundadores do Partido Comunista Italiano e tornou-se mundialmente conhecido pela teoria da hegemonia cultural, onde sustentava que o Estado utilizava o arcabouço das instituições culturais para proteger os interesses de classe das elites e se perpetuar no poder. Pensador agudo das contradições do seu tempo, formulou questionamentos que parecem atuais. Uma de suas reflexões encontra ressonância nos dias de hoje : ” A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem “.

Gramsci foi uma das principais referências do pensamento de esquerda no século XX. Foi também uma das poucas vozes, na época, a denunciar a tirania política de Stálin, e as consequências inerentes a esse processo degenerativo que não foram percebidos, no começo dos anos 30. Suas construções teóricas estão reunidas em um dos clássicos da literatura socialista,” Cadernos do Cárcere “, onde desenvolveu inclusive uma revisão crítica dos postulados de Marx com o objetivo de adaptá-los às condições da Itália durante o Governo Fascista de Benito Mussolini.

Apesar de ser um ativista apaixonado, era fisicamente frágil, seu aspecto franzino e a forma de caminhar lembravam mais um padre que um revolucionário. Preso em 1926, inicialmente condenado a cinco anos, teve logo depois sua pena ampliada para 20 anos. Deixou a prisão, extremamente debilitado, em abril de 1937, em busca de tratamento médico para os pulmões arruinados pela tuberculose, mas morreria três dias depois.

Suas ideias foram condensadas em textos produzidos durante o período em que esteve preso. Sua obra não é fácil de se ler. Escrevia quase sempre em código para evitar a censura dos seus carcereiros. Os textos deixavam a cadeia pelas mãos de sua cunhada, funcionária da Embaixada Soviética, em Roma, para sem encaminhadas ao líder comunista italiano Palmiro Togliatti, que vivia exilado em Moscou.

A lucidez com que Gramci refletiu sobre os problemas e as contradições do seu tempo fizeram com que seu pensamento sobrevivesse não apenas a ele, mas ao próprio socialismo real que desmoronou em bloco, entre 1980 e 1990, com o esfacelamento dos países comunistas do Leste Europeu.

Sua obra foi editada no Brasil em quatro volumes pela Editora Civilização Brasileira, na década de 1970. ” Cadernos do Cárcere ” foi relançado pelo mesmo selo, em 1999, sob a coordenação de Luiz Sérgio Henriques, que será um dos debatedores da mesa-redonda que será realizada na sede da ABI, no Rio de Janeiro.

A mesa redonda terá transmissão ao vivo pelo canal no Facebook da FAP: https://www.facebook.com/facefap

 

 


PD #48: Interrogações sobre o fator Janot e o desfecho do governo Temer

Por Paulo Fábio Dantas Neto

O balanço dos 44 anos durante os quais a política tem sido o centro das minhas atenções, antes de militante e político, depois de estudioso e professor, permite-me o recurso luxuoso à nostalgia. Por outro lado, recusa-me o direito à ingenuidade. Por essa razão não compartilho celebrações (nem as de boa-fé) que se fazem diante dos fatos e factoides que vieram a público no a meu ver factualmente obscuro e politicamente obscurantista dia 17 de maio de 2017, data de uma operação de ataque cujo alvo foi o presidente Michel Temer e os protagonistas (os visíveis a olho nu), o comando do MPF, a PF e um empresário que vinha sendo investigado pelos dois primeiros.

Pessoas e grupos crentes no advento de uma nova era, isenta de corrupção política, que já se deixavam somar (por apoliticismo mais do que por afinidade), num mesmo polo político, a outras pessoas e grupos nostálgicos da ditadura, em protestos de rua e nas redes sociais desde 2014/2015, hoje já concordam, pontualmente, na rejeição ao governo Temer, com o polo político ao qual se opunham, quer dizer, aquelas pessoas e grupos esperançosos de um retorno ao status quo político superado pelo impeachment de Dilma Roussef. Formou-se, por acidente – ou não tanto assim –, curiosa coalizão de veto ao esforço pacificador do governo de transição. Na hora em que este governo parece balançar e, a princípio, migra, de súbito, de um momento de consolidação para uma crise que pode até ser terminal, afinidades eletivas entre os dois polos da escalada de radicalização política que persiste há três anos no país fazem ecoar o “Fora Temer” como se fosse um clamor nacional.

Clamam estridentemente os que na esquerda gostariam de revogar a Lava-Jato, mesmo sabendo que a queda do governo, se ocorrer, será obra, não da oposição de esquerda ou de movimentos sociais, mas da força daquela operação. Alimentam o mesmo bordão, embora com menos alarido e convicção, antipetistas e antilulistas seguidores exaltados da Lava-Jato, mesmo vendo que a queda do governo abre brecha para os “inimigos” voltarem ao jogo do poder que lhes parecia inalcançável após as últimas eleições municipais e delações das primeiras semanas de maio último meio agosto.

Na contramão desse coro excêntrico, persuade-me a ideia de que o virtual fim do governo parlamentar, se realizado, expressará uma derrota da política. Como tal representará, para além da queda de um governo impopular, um obstáculo à reconstrução do centro político democrático, obra complexa que seguia curso sinuoso desde o ano passado, após sua destruição durante a guerra pelo controle do Estado, travada a partir da eleição presidencial de 2014.

Tornou-se lugar comum dizer que a sociedade brasileira está dividida de modo radical entre duas posições políticas, como numa disputa entre torcidas fanáticas. Para alguns mais ligados em jargões teórico-políticos, é direita x esquerda, elite x povo ou neoliberalismo x política social. Em redes sociais há traduções ainda mais simplórias dessa narrativa, como confronto indigesto entre “coxinhas” e “mortadelas”, ou duelo pessoal entre Moro e Lula. Estes modos de exprimir a mesma coisa refletem um “modo de pensar” de claques mais ou menos organizadas e de pessoas fidelizadas por algum tipo de dogma, carisma, ou tabu. Identifi- car isso com a percepção do povo, ou mesmo do eleitorado é, no mínimo, um exagero e, no fundo, uma mistificação. Quem usa de boa vontade para olhar e escutar além do seu redor, de prudência para avaliar o que vê e ouve e de autonomia para pensar com a própria cabeça repara que enquanto as brigas de torcida se acir- ram, mais pessoas “comuns” delas tomam distância e anseiam por uma solução conciliadora da crise política. Este tipo de saída permite tratar de problemas públicos sem comprometer, como se tem feito, relações profissionais, de vizinhança e amizade e até o convívio em ambientes familiares. A recusa ao espírito de claque não é uma atitude política “alienada”. Compartilham-na pessoas que possuem variados níveis de instrução formal, informação e compromisso político. Penso que é o terreno social sobre o qual se pode reconstruir um centro democrático no Brasil.

Pensamento Político
Ocorre que há uma representação do modo maniqueísta de pensar o momento político que, ao contrário das que listei acima, parece ter mais conexão com a percepção das pessoas comuns: a luta do “Santo Guerreiro” (a Lava-Jato) contra o “Dragão da Maldade”, o sistema político. Ela sugere que estaríamos no limiar de uma vitória do bem, com a submissão da imperfeita democracia mundana e dos seus malditos corpos representativos a desígnios e ritos sumários de uma suposta “vontade geral”. Esta, por sua vez, seria guiada, além de pela fé, pela economia política ligeira de formadores de opinião para os quais violência urbana, caos na saúde e educação, inflação, recessão e desemprego seriam meros efeitos colaterais da corrupção. Daí que, como pontificam os arautos da faxina, uma assepsia radical no sistema político teria efeitos demiúrgicos. A antevisão de um quase paraíso moral e social, alcançado pela vitória do combate sem tréguas à corrupção, “doa a quem doer”, legitima meios excepcionais de investigação e punição, assim como justifica sacrifícios para pagamento à vista de todos os preços sociais, inclusive o de estancar uma incipiente recuperação econômica ao implodir o “malévolo” sistema político que, bem ou mal, pode viabilizá-la, numa democracia.

O eco (momentâneo, espero) desta perversa fantasia no imaginário de ampla parte da sociedade esconde, sob aparências de novidade, a reiteração extremada de um velho modo de pensar que está na base de aventuras jacobinas, autoritárias, ou fundamentalistas que, na história política brasileira, afirmaram querer revogar o pragmatismo conciliador de nossas elites políticas. Quando, por vezes, conquistaram o poder do Estado ou de governo agiram para exercer tutela e/ou para angariar clientela onde reinava a conciliação.

O pragmatismo conservador e liberal (não fundamentalismos doutrinários, como o neoliberal) deu-nos à luz como Estado e nação, conciliando o Estado e a representação política – que civilizaram a sociedade – com o ethos comunitário a um só tempo rude e cordial desta última, vindo da experiência de nossa formação social. Tal elitismo civil, que se conservava moderadamente atento aos temas de reforma social sem contrapô-los às instituições liberais, quando exposto ao contexto virtuoso que ligou a luta democrática dos anos 70 e 80 à Carta de 1988 achou, na nova feição do Ministério Público, um de seus modos de conversão à condição de uma força democrática. Decerto não foi o MPF a única instituição desenhada na Carta para controlar as variadas modalidades empíricas de exercício arbitrário ou criminoso do poder político. Mas nenhuma melhor do que ela exibe a inédita possibilidade de fazê-lo em proveito, não de outros particularismos, de corporações ou grupos políticos que se achem em eventual colisão com os governos, mas em proveito dos cidadãos de uma República definida como um Estado Democrático de Direito, definição que já registra a ultrapassagem das concepções elitistas da política e do direito e projeta esta ultrapassagem como processo aberto ao que vier no futuro.

Esta nobre instituição ameaça desviar-se de seu mister republicano e democrático – que vem honrando com zelo e eficácia, durante as últimas décadas – pelo modo corporativista e obscuro de sua ação ao conduzir a delação prodigamente premiada de proprietários de uma corporação empresarial que se fez gigante em tempo recorde, graças, além de agressividade nas relações de mercado, também ao auxílio de irresponsabilidade e corrupção estatais.

O inusitado modo de agir do MPF nesse episódio surpreende e suscita perguntas que não querem calar. Por que o uso, nesse caso específico que envolvia o presidente da República, de um rito mais sumário para viabilizar a delação, quando o senso de responsabilidade institucional recomendava justamente que se usasse o mais cauteloso? Por que uma operação que se autodenomina “controlada” foi tão meticulosa e certeira para viabilizar flagrantes e tão descuidada na checagem posterior da gravação suposta- mente mais comprometedora, conforme a própria PGR admitiu depois de já feito o estrago político e institucional? Como aceitar a explicação de que a incúria se deveu ao intento de preservar o sigilo da operação se, na prática, o sigilo já não havia mais quando o ministro Fachin recebeu o pacote? Nova incúria seguiu-se à primeira e deu lugar ao vazamento? Vazamento, aliás, desta vez duplamente seletivo, do conteúdo e do receptor privilegiado, um jornalista de O Globo que deu o furo não se sabe se por dever do emprego, se por escolha de quem vazou ou se por ter sido gentil ou formalmente aconselhado por quem sabe o caminho das pedras a seguir a máxima futebolística de Gentil Cardoso: “Quem pede, recebe; quem se desloca, tem preferência”.

Nuvens
Estas nuvens já carregam bastante o ambiente, mas ainda têm a companhia de outra, que suscita pergunta adicional, agora sobre o fato de ter a dupla de empresários safos lucrado ao especular no mercado cambial e na bolsa a partir de informações privilegiadas derivadas da condição de delatores que colaboravam com os investigadores em tempo real. Quer dizer, a metodologia adotada implicava em prévio conhecimento dos delatores sobre o momento de deflagração da operação da qual eram participantes e não só informantes. Este privilégio adicional, somado à prodigalidade dos prêmios formais da delação, torna excepcional o caso dos sortudos irmãos Batista e deixa no ar a pergunta arrematadora: vale a ideia de punir corruptos, doa a quem doer, mesmo que para isso se deixe porta aberta também à de que, em certos casos – especialmente naqueles em que todas as partes são mais relevantes – o crime compensa?

Pouco altera, para o que vai ser adiante analisado, o ultimatum do MPF à JBS fixando condições pecuniárias duras para que se celebre um acordo de leniência. Mesmo veraz, ela não remediará o estrago político causado pelo tratamento voluntarista e heterodoxo, para dizer o mínimo, que o comando da instituição deu à delação premiada dos seus proprietários. Assim como não anula o tratamento privilegiado e comparativamente injusto, em termos econômicos e de abstenção penal, concedido a tais delato- res. Bois gordos foram postos à frente do carro da política, de modo a levá-lo a parar e ter sua rota a seguir desviada, rumo a um pasto ignorado. À parte as controvérsias habituais sobre intenções e motivações, bem como sobre a validade ética e a eficácia prática de tais ou quais técnicas de investigação policial, o timming e a metodologia da operação levaram a ação da Procuradoria-Geral da República a assumir, objetivamente, o risco de provocar uma virtual queda de um governo de transição constitucional que naquele momento atuava, a duras penas, nos limites permitidos por circunstâncias herdadas e novas e nos da precária qualidade dos valores morais da elite política que acessou o poder dentro, também, dos marcos constitucionais. Tal governo, de manifesto caráter parlamentar, impôs-se as missões de restabelecer a governabilidade política em interlocução com o Congresso e de reverter a recessão econômica e o desemprego que se radicalizaram quando essa overnabilidade faltou, a partir de 2015. O cumpri- mento até então exitoso da primeira missão e os ainda tímidos e ambíguos sinais de encaminhamento da segunda foram suspensos, quem sabe revertidos, pelo uso inédito de um bisturi mais cortante, cujo manejo deve estar, constitucionalmente, condicionado ao escrutínio do Poder Judiciário.

Em vez de acolher a hipótese de inflexão também na conduta até aqui sóbria do ministro Fachin, prefiro pensar que o STF foi, mais uma vez, colocado diante do fato incontornável de que não poderia deliberar livremente sobre a homologação da delação relâmpago, dado o mais que provável e, afinal, consumado vaza- mento do conteúdo das informações para veiculação por medias ávidos por acessá-las para antecipadamente julgar, mais do que para informar. Mas ainda não se sabe ao certo se e como o STF deu consentimento prévio ao até então inédito script procedimental adotado pelo MPF para a obtenção de provas nesse caso. Mais intrigante ainda é que, no cumprimento da agenda do ministro-relator, o levantamento do sigilo de um processo que continha fatos que já haviam virado notícia levou mais tempo do que a grave decisão de autorizar a investigação formal da pessoa do presidente da República. É intuitiva a conclusão de que a parte da opinião pública que pede assepsia para já, além de pautar, via mídia, os movimentos do Ministério Público, também exerce influência sobre decisões toma- das no âmbito do STF, mesmo quando estão em jogo delicadas relações institucionais. O STF não transpareceu na cena com o protagonismo supremo que dele se espera em situações nas quais uma deliberação sua repercute fortemente na grande política.

O lastro social para tão espaçosa e perigosa incursão do MPF e da Polícia Federal no âmago da grande política provém da recente legitimação social da vocação de órgãos policiais para ocupar o lugar de justiceiros e da também recente adesão do comando do MPF à imagem do santo guerreiro, que já era aberta- mente assumida pelos mais conspícuos membros da corporação no âmbito da Lava-Jato. À diferença do juiz Sergio Moro, cuja moderação judicial aprimora-se à medida em que a operação entra num momento que exige também maiores sensibilidade e responsabilidade políticas, os procuradores de Curitiba seguem pregando, obstinadamente, com retórica plebiscitária, o reconhecimento da Lava-Jato como guardiã plenipotenciária da ética republicana e, como tal, ocupante do lugar de mais relevante e virtuosa instituição nacional. A este figurino e a este programa adapta-se, paulatinamente, a conduta prática do procurador-geral da República, por decisão própria ou por livre e espontânea pres- são exercida por setores de um quadro corporativo que ele parece não liderar a contento.

Bateu, levou
O chefe do MPF agiu à base do bateu/levou, método que já vinha testando, sem que outras autoridades da República se expusessem ao risco de serem censuradas pelo senso comum por apontarem em público e interpelarem, republicanamente, a ousada esgrima praticada em final de mandato pelo mais alto prócer de uma instituição relevante. Houve, é claro, a conspícua exceção do ministro Gilmar Mendes. Porém, suspeito de parcialidade pelos imparciais e odiado por ambas as turmas que se digladiam em redes sociais, não pôde se fazer ouvir o bastante na República emparedada pelo maniqueísmo. Parece estar perdendo a parada, no STF e fora dele.

O dr. Janot moveu-se como um Deodoro sem farda. Que ordem política se espera ver brotar dos escombros da atual, se a queda do governo Temer for mesmo o desfecho deste grave momento crítico? Se assim for, o presumido drible no Poder Judiciário (ou a insólita cooptação de quadros seus), bem como o desmonte de um Executivo que agia construtivamente em consórcio com o Legislativo imobilizariam, na prática, os poderes moderadores reais de que se dispõe para levar o país a um porto mais seguro até as eleições de 2018. Nada é certo, pois é missão da política desmanchar pratos feitos e achar soluções quando parece sofrer xeque-mate. Mas, no mínimo, fomos mergulhados, de novo, na incerteza e, se a pinguela cair, a disputa do poder tornado mais provisório queimará nas mãos de um Legislativo solteiro e alvo de contestação pública. Entendimentos de bastidores que, logicamente, seriam necessários para cumprir a tarefa levariam a uma solução melhor, em termos de confiabilidade social e eficácia política, do que a do arranjo montado para o governo Temer? Suspeito que não.

Ou será que a solução passaria por apagar as luzes dos basti- dores congressuais e transferir a disputa para urnas também carentes de luzes e premidas pelas urgências da crise? Ela tem chance de se resolver numa eleição direta travada sob desordem econômica refundada e sabe-se lá que casuísmos políticos de urgência? Será como montar arenas para claques movidas a ódio e para raposas e/ou outsiders movidos a demagogia, quando o encontro da solução requer uma racionalidade política e econômica que só medra quando conflitos são mediados, condição que há três anos não temos plenamente, mas da qual voltamos agora a nos distanciar mais.

Fora dessas hipóteses, há a do aumento do protagonismo judiciário, não à toa a preferida das organizações Globo, mas também até mais benigna, do ponto de vista de evitar, a curtíssimo prazo, um esgarçamento ainda maior das instituições democráticas para o qual a campanha de desestabilização da mesma Globo já contribui bastante. Mas o que esta solução supostamente moderada nos apontaria, como ponte para 2018? No mínimo a perda mais acentuada, pelo Judiciário, do seu já arranhado papel como instância arbitral, em face do envolvimento direto de alguém seu na gestão do governo em período de crise e pré-eleitoral. O prejuízo institucional só não seria maior que o desastroso uso simbólico da Justiça por um quadro dela migrado para o âmago de uma política demagógica que não ousa dizer seu nome.

Opção menos insólita e menos radical – embora se constitua também em precedente perigoso – seria o protagonismo judiciário ater-se a assegurar uma curtíssima interinidade para convocar o processo de busca de solução para o mandato tampão, em caso do Congresso a ela renunciar por se ver impedido de exercer esta sua prerrogativa constitucional pela força dos argumentos e dos veículos de pressão da suposta “vontade geral”. Mas se essa vontade geral/global tivesse o poder de vetar os políticos até como articuladores da solução, por que motivo aceitaria que fossem, eles próprios, a solução?

Mesmo que totalitários sejam muito poucos entre os adeptos da faxina, não é provável que estes últimos, sendo vencedores na operação contra Temer, permitam, depois dele, uma solução que revigore a Weimar tropical que denunciam e desestabilizam. É mais provável que o processo político, se se render ao monitoramento pela lógica investigativa e midiática, permita o assassinato serial de toda e qualquer alternativa política que surgir, desde que, entre mortos e feridos, garanta-se a continuidade da política econômica e promova- se, talvez, uma reformatação da reforma previdenciária, para não pô-la em colisão com interesses de algumas (poucas, é claro) corpo- rações do Estado. Em compensação, no quadro de um novo governo tampão com tais características, as corporações menos afortunadas do setor público terão saudade do deputado Artur Maia e até do quase unanimemente rechaçado PMDB.

Hipóteses
Como visto, há várias hipóteses para o desfecho A (queda de Temer). Mas qual cenário emergirá se porventura se der o desfecho B, a manutenção do presidente? Nem precisaremos da ajuda da TV Globo para admitir que se temos vivido tempos bicudos, os que viriam o seriam ainda mais. A começar pela hipótese de mais gente comum migrar da rejeição massiva e passiva ao governo, registrada em pesquisas de opinião, para uma participação em eventos organizados pela oposição política e por seus braços sindicais e nos movimentos sociais. O adensamento desse tipo de manifestação poderia ser suportado sem abalos graves, mas não a sua conversão em manifestações de massa, como as enfrenta- das pelo governo Dilma. Para evitar essa conversão, um Temer firme, enfático e agressivo, mas sem perder a elegância, como o que se mostra em declarações nesses dias de acuamento, teria que voltar às telas mais vezes para conversas mais diretas com a massa do eleitorado. Teria pendor e meios para isso se permanecesse sem um acordo ainda que provisório, com os canais de expressão da vontade geral/global?

Outro jeito não haveria senão tentar, pois a olímpica versão de que não se importa com impopularidade, se já não cabia bem em qualquer situação vivida por um presidente de um país democrático, em caso de um governo Temer II teria que ser abandonada completamente. O governo provavelmente não seria mais tão forte no Congresso, pois algumas das defecções, como a do PSB, não parecem reversíveis, a curto prazo. Tenderiam a aumentar os problemas internos em cada bancada partidária, o que forçaria o governo a fazer uso mais pródigo da caneta administrativa para abrir mais espaços a velhos e novos aliados e da tesoura política para abrandar ainda mais a reforma de Previdência. Surgiria aí uma nuvem: até que ponto o ministro Meireles sustentaria o apoio de agentes econômicos a um recuo relevante nessa área? Mais um fator que aconselharia a tentar um armistício com a suposta vontade geral. Por outro lado, um maior abrandamento da reforma previdenciária poderia desarmar parte do petardo armado contra o governo no último dia 17 de maio. Mesmo se a PF seguisse inflexível, talvez o bateu/levou perdesse adeptos no interior do MP. Ainda mais se incluída na pauta de negociações a troca do seu comando.

Concluída a digressão sobre cenários tateados na penumbra atual, voltemos ao MP e ao fator Janot. A mesma penumbra não permite que já se saiba agora se a instituição sairá desgastada ou fortalecida, após a arriscada operação em que a meteram. Se aparentemente faltam ao procurador-geral da República (como de resto aos seus até aqui explícitos parceiros de operação) pretensões jacobinas, o que então o animou a tanto? Talvez não caiba, por inútil, essa especulação, típica de redes sociais e que nos levaria aos limites do insondável, ou do insólito, como a de supor que ele tivesse a veleidade de oferecer, no curso ainda do seu mandato, ocasião para um bombástico grand finale da Lava-Jato: a entrega da cabeça de Temer e seu governo para o regozijo de madalenas que desejem ver inerte a geni apedrejada e com isso se contentem. E também para o sossego de agentes econômicos que receiam o tipo de impacto que vinha sendo previsto a respeito da delação do ex-ministro Palocci. Mas ainda que quisesse, a cúpula da PGR poderia dar essa pirueta só em acerto com os veículos da vontade geral/global e sem combinar isso em sua casa e também com Moro, Fachin e o STF? Não se negue a esses interlocutores institucionais um derradeiro voto de confiança.

Uma vacina contra teorias conspiratórias agiria no sentido de considerar que, tanto ou mais que a vontade dos atores, mesmo dos mais poderosos e influentes, estão envolvidas nessa operação, por mais heterodoxa que ela tenha sido, razões de legítima natu- reza institucional. Mas o exercício especulativo sobre o que moveu a ousadia e a agressividade do procurador-geral (ou a de quem ele chancelou) pode se deter também em hipóteses mais prosaicas, ligadas à luta interna da própria corporação.

Diz quem conhece o MPF (não é meu caso) que a comunidade de procuradores não se perfila, sem nuances e mesmo objeções, à cartilha dos missionários do MP em Curitiba. As razões estariam em diferentes conceitos e concepções normativas sobre a práxis da instituição e também em contendas por posições de poder, sensíveis, por exemplo, à prisão de um procurador na esteira da operação que ora comentamos. Esta cena colateral ao escândalo, nas palavras do dr. Janot, colocou gosto amargo na vitória que para ele a instituição ali obteve. O doce e o amargo propiciados pela ocupação do mais alto posto de comando da instituição decerto não são irrelevantes e podem fazer pensar que a instalação de um novo governo possibilitaria, ao atual chefe do MPF, influir no rumo de sua sucessão em grau maior do que aquele possível no atual governo. Esta miragem pode tanto se remeter a um governo sem Temer como a eventual governo Temer II, saldo do enfrentamento seguido por negociação com quem for preciso.

Conduta
Se inútil ou afoito for especular em qualquer dessas direções, é relevante registrar a relação da conduta da PGR com sua condição de ser, entre as instituições mais relevantes da República (incluindo seus Poderes), a única que não teve mudança de comando do fim da era petista para cá. Observando alterações de conduta derivadas da sucessão de Dilma Rousseff por Michel Temer; de Ricardo Lewandowski por Carmem Lúcia; de Renan Calheiros por Eunício de Oliveira e de Eduardo Cunha por Rodrigo Maia, o impulso corporativo ou personalista cedeu claramente lugar ao da concertação. Por isso tivemos (vínhamos tendo), o fim da paralisia dos poderes governativos e a consequente moderação da escalada de protagonismo político do Judiciário, sem prejuízo do seu pleno funcionamento e das demais instituições de controle nas esferas que privativamente lhe competem. Entre vantagens democráticas dessa convergência republicana há a maior proteção comum dos Poderes do Estado face à exposição de cada um, isoladamente, a pressões de corporações privadas e às relações perigosas sempre possíveis nesse circuito.

Há (ou havia) razões para supor, pelo andar da carruagem, que a sucessão na PGR, em setembro, dar-se-ia (mesóclise acidental) em sintonia com essa lógica política que retoma tradições cultivadas nos melhores dias dos nossos poderes civis, geralmente esquecidas em tempos de normalidade e retomadas quando nas crises se aguça o seu instinto de sobrevivência. Como ficará este jogo agora, se Temer cair? O Ministério Público emprestará sua colaboração de instituição republicana a uma concertação que preserve o Estado Democrático de Direito e fortaleça a Constituição para que a justiça republicana possa trabalhar em terreno político simpático a um permanente e sustentável combate à corrupção? Ou manterá performance sollo, surfando na fantasia faxineira? Caso consiga, com ajuda de veículos eficazes de formação de opinião, persuadir imediatamente a sociedade, essa promessa vã faria do Estado Democrático de Direito e da Carta de 1988 vítimas, a médio e longo prazos, de capturas corporativas por interesses privados ocultos em embalagens demiúrgicas difundidas por uma instituição de vocação democrática instrumentalizada em troca de tolerância ao seu corporativismo.

Se a pinguela realmente cair, torçamos para que quem torceu ou contribuiu para a sua queda – seja por vingança política ou por achar que valia a pena para denunciar a corrupção – saiba chegar a um bom porto nadando em águas turbulentas, pois estão de volta as que quase nos afogam no ano passado. E torçamos, principalmente, para que às águas turbulentas não sucedam águas turvas, como as de um passado autoritário e também corrupto que nós e nossos filhos não merecemos que volte para nos afogar de verdade e não só nas narrativas dos que chamam de golpe, ou de crime continuado, o ensaio de transição desse último ano. Ele deu lugar a que espíritos politicamente informa- dos e animados, mas não contaminados pela lógica binária que nos afundou na crise, vislumbrassem, nas idas e vindas do ensaio, o possível retorno da política por vocação, a que cultua valores mas, realista, também se dirige ao público como nas palavras de Max Weber: “eis-me aqui, não posso fazer de outro modo.”

* Artigo publicado originalmente na Revista Política Democrática #48


Mesa redonda: Um pouco de Gramsci nessa crise não faz mal a ninguém

Evento busca explorar o pensamento gramsciano em paralelo com a crise política que assola o país atualmente

Germano Martiniano

Neste ano em que se completa 80 anos da morte de Gramsci, a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) realizará, no próximo 21 de agosto, às 18h, no Rio de Janeiro, o Seminário: Um pouco de Gramsci nessa crise não faz mal a ninguém. O evento, que conta com especialistas das obras do filósofo italiano, Alberto Aggio, Luiz Sergio Henriques e Andrea Lanzi, busca explorar o pensamento gramsciano em um paralelo com a crise política pela qual o país passa atualmente.

“A mesa redonda foi proposta para lembrarmos os 80 anos da morte de Gramsci. Isso é importante especialmente para nós, que somos os maiores divulgadores das interpretações e debates sobre o pensamento de Gramsci no Brasil por meio da coleção de livros (Brasil & Itália)”, disse Aggio, historiador e professor titular da UNESP.

Contexto
As conjunturas políticas atuais no Brasil têm despertado o interesse no debate em grande parcela da população, assim como tem feito que opiniões extremas, tanto a direita, quanto à esquerda, se fortaleçam. As redes sociais, por sua vez, têm sido “porta-voz” dessas manifestações, como também têm sido o palco de grandes dissidências.

Dentro deste contexto, no qual se vê Bolsonaro, na extrema direita, ganhar mais simpatizantes e, paralelo a isso, parte da esquerda, como PT, PCdoB e PSOL apoiar Maduro na Venezuela, é que o debate sobre a obra de Gramsci se faz mais importante. “Existem muitas interpretações a respeito do pensamento gramsciano, mas seguramente as mais aceitas e difundidas dão conta de que nele há uma perspectiva democrática importante e perspectivas culturais novíssimas que o marxismo do século XIX não comportava. Mais do que isso, Gramsci também foi um crítico aos caminhos que tomava a URSS e suas reflexões buscam uma saída em relação a esses descaminhos que, mais tarde, ficaram mais evidentes. Por tudo isso, vale a pena refletir sobre o pensamento do filósofo italiano”, acentuou Aggio.

Para dar início às reflexões que vão ser tratadas durante o Seminário, a FAP realizou uma entrevista com Luiz Sérgio Henriques, tradutor e ensaísta de Gramsci no Brasil, e que estará como um dos expositores no evento. Leia trechos a seguir:

FAP - A esquerda, atualmente, vive uma crise de identidade. Gramsci, que foi um vanguardista em sua época, já dava indícios em suas obras de que essa dicotomia clara entre capitalismo e socialismo, que ficou ainda mais evidente na Guerra Fria, acabaria?

Luiz Sérgio Henriques - Gramsci descobriu ou redescobriu o continente da política. Estabeleceu um conjunto notável de conceitos (hegemonia, revolução passiva, guerra de posição e de movimento, reforma intelectual e moral, a distinção entre o plano corporativo e o ético-político, etc.), que nem sempre estavam disponíveis no marxismo ou no que se entendia como marxismo. Foi atrás de outros autores e de outras tradições, inclusive liberais. Sabe-se que suas relações com Croce, um liberal clássico notavelmente importante em sua época, foram complexas, feitas de assimilação, recusa e reelaboração. Quantos marxistas agem assim, hoje, em face de Habermas ou Rawls, para dar dois exemplos bem conhecidos? Mesmo tendo se educado no universo socialista (PSI) e tendo se firmado depois como um político comunista, no âmbito da III Internacional, aquele conjunto de conceitos, aplicados à história de seu país, à evolução do socialismo soviético e ao desenvolvimento global do capitalismo, permitiu análises bastante originais que o colocam além do universo bolchevique e o destacam como um clássico da política do século XX. Percebeu, precocemente, o enrijecimento stalinista sob a forma da “estatolatria”: assim caracterizado, o comunismo soviético não teria condições de desafiar um capitalismo que se renovava com o fordismo e o americanismo. Mais cedo do que se pensa, a contraposição entre o mundo comunista e o mundo capitalista ocidental estava resolvida em favor deste último. A partir daí podemos inferir que contraposições frontais entre “campos” antagônicos não são produtivas, porque acabam, mais cedo ou mais tarde, induzindo fanatismos unilaterais e soluções de força.

Podemos ver no pensamento gramsciano uma saída para essa crise de identidade?
A política gramsciana, que recorre à hegemonia (isto é, à persuasão permanente entre sujeitos autônomos e ao deslocamento da relação de forças num contexto de liberdades), aponta numa outra direção. O momento da força fica inteiramente subordinado ao do consenso. Sublinhar isso pode nos ajudar a evitar até mesmo as catástrofes civilizatórias que, infelizmente, estão à espreita. Mas, evidentemente, tudo isto já é por nossa conta. Vemo-nos obrigados a ir muito além de Gramsci. Mesmo sendo muito menores do que ele, ao subirmos em seus ombros veremos coisas que ele não viu nem podia ver. Estamos condenados a “trair” Gramsci. Se o repetirmos, teremos o mesmo triste fim de todos os sectários.

Como interpretar a realidade brasileira, perante toda crise política que vivenciamos, sob a perspectiva gramsciana? Quais partidos políticos mais se aproximam dos seus ideais?
Não devemos adotar a posição de “apóstolos gramscianos” diante do Brasil. Nosso país tem uma densa história própria – uma história intelectual, inclusive. As categorias gramscianas ou quaisquer outras devem ser postas a serviço da compreensão desta realidade, senão não nos servem em absoluto. Vivemos um momento de crise nacional. Um momento, aliás, que se prolonga mais do que esperávamos. Por sua vez, Gramsci não foi um político particularmente bem sucedido, tanto que morreu prisioneiro. Mas, no cárcere, soube se valer da “paciência do conceito”. O fascismo não era um episódio, um parêntese na história do seu país. Vinha de longe, derivava de questões não resolvidas, entre elas a própria forma como se fizera a “unidade” italiana, subordinando o sul da península (que, grosseiramente, poderíamos aproximar do Nordeste brasileiro). Os males brasileiros decorrem igualmente de questões que tratamos mal ao longo do tempo. Nossos períodos de democracia foram curtos, logo interrompidos por surtos duradouros de autoritarismo. Ainda pensamos muitas vezes nos quadros mentais da “estatolatria”. Os sindicatos dependem do imposto sindical getulista, quando deveriam expressar, sobretudo, a vida associativa dos trabalhadores. Os partidos, mesmo os de esquerda, estão pouco presentes na vida social e se transformam facilmente em máquinas eleitorais ou em lugares de reprodução automática de mandatos. O nexo entre partidos, políticos e cultura é frágil, quando sabemos que, hoje, sem reflexão e estudo sério a política não consegue formular boas saídas para a sociedade. Mesmo a cultura, que deve se aproximar da vida das pessoas e dos problemas da política, não pode ser de modo algum ser instrumentalizada por esta última (a política). Devemos cultivar um “cosmopolitismo moderno”, abrindo nossos horizontes e arejando nossa agenda. Ao discutirmos sobre drogas, temos de estudar a experiência de outros países, como, por exemplo, o Uruguai ou Portugal. Muitas vezes, como no filme de Fernando Grostein Andrade e Cosmo Feilding-Mellen, teremos pacientemente de ir “quebrando tabus”. Ao discutirmos sobre violência, teremos de considerar o que acontece em sociedades, como a americana, que permitem a difusão abusiva de armas. Nesta nossa longa viagem no interior da sociedade civil, marxistas de inspiração gramsciana poderão dizer alguma coisa em proveito da convivência democrática e civilizada entre pessoas de múltiplas e variadas inspirações.

Existe uma relação entre a socialdemocracia e o pensamento de Gramsci? O modelo social democrata, dos moldes dos países nórdicos, poderia ser uma solução para o Brasil?
O Brasil tem uma particularidade, uma especificidade densa, como disse acima. Não caberia reproduzir aqui o modelo clássico das socialdemocracias, que também está posto em questão neste nosso admirável novo mundo da globalização. Aliás, temos de ter o mundo como horizonte. Nossa economia deve se integrar competitivamente no cenário global, não se fechar como uma autarquia. Hoje, os reacionários são nacionalistas e até provincianos. Da socialdemocracia clássica devemos reter a preocupação central e mesmo obsessiva com saúde e educação universal. Há variados meios de obter isso, combinando ação pública e iniciativa privada, regulação estatal e mercado. E estamos muito atrasados nessas áreas, infelizmente. É inteiramente lícito que forças economicamente mais ou menos liberais, mais ou menos estatistas, disputem o comando do estado, respeitadas as regras da democracia política. Mas todas estas forças, além de cuidar do funcionamento da máquina econômica, garantindo que funcione bem e se reproduzam de modo sustentável, deveriam - por assim dizer - ter o conhecido índice Gini como referência. Ao cabo de um determinado ciclo, conseguimos nos tornar menos desiguais? O consumo coletivo - nos transportes, na saúde, na educação - ganhou fôlego e se estendeu seus benefícios ao conjunto da população, especialmente aos mais desfavorecidos? Como dizia uma faixa nas jornadas de junho de 2013, povo desenvolvido não é aquele em que o mais pobre anda de carro (ou nem sequer anda, a depender do engarrafamento...), mas sim aquele em que muitos cidadãos, das mais variadas origens sociais, trafegam lado a lado no metrô e em outros bons transportes de massa, em ambientes urbanos saudáveis para todos. Esta é uma lição da social-democracia nos seus melhores anos, que certamente temos de consultar no espírito daquele cosmopolitismo de novo tipo, atento de modo inteligente às mais variadas experiências.

A mesa redonda terá transmissão ao vivo pelo canal no Facebook da FAP: https://www.facebook.com/facefap

Convite

 

 

 


Giuseppe Vacca: O século XX de Antonio Gramsci

Dossiê Gramsci, oitenta anos depois

Dois mil e dezessete é um “ano gramsciano”, por marcar o octogésimo aniversário da morte do pensador sardo, em 1937. Não é de hoje sua presença no debate político e na produção acadêmica brasileira. Uma presença que não é unívoca nem tem a mesma valoração por parte de todos os que se inspiram em maior ou menor medida nos textos daquele pensador. Nossa perspectiva — democrática e reformista — é uma das formas de acolher seu complexo legado. Sem a menor pretensão de qualquer monopólio ou ortodoxia, temos um objetivo “simples” e direto: pôr Gramsci a serviço da democracia brasileira.

Acolhemos a ideia de historicizar radicalmente os escritos do pensador, relacionando-os às diferentes circunstâncias em que foram produzidos — circunstâncias que inauguram nosso tempo, mas não são nem podem ser exatamente as mesmas aqui e agora. E tudo sem censuras, cortes ou embelezamentos. Certamente, este é um pressuposto da apropriação crítica, e não doutrinária, do autor, tornando-o apto a ajudar na compreensão de nossos problemas. Frases soltas ou conceitos descontextualizados têm assim validade muito restrita, ainda que possam ressaltar o brilho do escritor. Mas, como dissemos, nosso objetivo é de outra natureza.

Aqui reunimos três referências internacionais na área. Na abertura, Silvio Pons, atual presidente da Fundação Gramsci, em Roma, e sucessivamente Francesco Giasi e Giuseppe Vacca, diretores da mesma Fundação. Um tema recorrente nestas entrevistas é a monumental Edição Nacional dos Escritos, em curso de publicação. Mas não faltam alusões a questões substantivas da atualidade: a globalização e sua crise, para não falar dos imensos dilemas da própria esquerda.

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e a Fundação Gramsci atuam conjuntamente no plano editorial, especialmente na coleção Brasil & Itália, acolhida e apresentada por Armênio Guedes, dirigente histórico do PCB associado entre nós às “ideias italianas”. De Giuseppe Vacca, já publicamos Por um novo reformismo; Gramsci no seu tempo (com Alberto Aggio e Luiz Sérgio Henriques); Vida e pensamento de Antonio Gramsci, 1926-1937; e Modernidades alternativas. O século XX de Antonio Gramsci. De Silvio Pons, publicamos A revolução global. História do comunismo internacional, 1917-1991, densa narrativa do impacto do comunismo no século passado.

(Entrevista dada a Leonardo Cazes, publicada parcialmente em O Globo, 26 abr. 2017)

O senhor defende que, ao contrário do que foi feito no passado por alguns estudiosos, não é possível separar a biografia política da biografia intelectual de Gramsci. Por quê?

Gramsci é universalmente considerado um clássico do pensamento político do século XX, mas jamais escreveu um livro. É um autor póstumo que foi, antes de mais nada, um combatente político e um jornalista. Deixou-nos cerca de dois mil textos jornalísticos e políticos, cerca de 80% deles anônimos, publicados entre 1914 e 1926; uma copiosa correspondência, cuja parte mais ampla são as Cartas do cárcere, escritas entre 1926 e 1937; 33 cadernos manuscritos, os Cadernos do cárcere, escritos entre 1929 e 1935, reunidos em volume pela primeira vez dez anos depois de sua morte [a partir de 1947-1948]. Como se pode pensar em estudar seu pensamento, que nos Cadernos passa por uma contínua evolução, articulando-se gradualmente em “sistema”, se prescindirmos de sua biografia? E como interpretar seus conceitos fundamentais sem ligá-los às vicissitudes mundiais que, a partir da Grande Guerra, constituíram o campo de investigação de Gramsci e a fonte de suas reflexões mais audaciosas?

Em vários momentos, o senhor destaca a importância da leitura diacrônica da obra de Gramsci, sob o risco de se praticar reduções significativas do seu pensamento (caso de Bobbio e sua leitura de Gramsci como teórico da sociedade civil). Quais os principais pontos revelados por essa leitura diacrônica?

Recorrendo necessariamente a juízos sumários, creio poder dizer que o conhecimento da vida e do pensamento de Gramsci, acessível nos volumes publicados pela Ed. Contraponto e pela Fundação Astrojildo Pereira, dele nos oferece uma imagem global substancialmente nova e diversa daquelas elaboradas antes da Edição Nacional dos Escritos, que começou publicando, em 2007, os inéditos Cadernos de tradução. Mas, não podendo fazer uma descrição articulada destas novidades, remeto ao ensaio introdutório de meu livro Modernidades alternativas. O século XX de Antonio Gramsci. O ensaio, intitulado “Os estudos gramscianos hoje na Itália”, contém uma comparação sintética das diferenças entre os modos pelos quais era interpretado Gramsci entre os anos 60 e 80 do século passado, e os desenvolvimentos de uma nova leitura. A descontinuidade é fruto de um grande trabalho de recuperação das fontes — antes de tudo, as cartas — e do aperfeiçoamento do método diacrônico no estudo de seu pensamento, realizados por estudiosos que colaboram com a Fundação Gramsci e com a IGS [International Gramsci Society] há cerca de trinta anos.

Nos últimos dez anos, os estudos gramscianos ganharam novo fôlego, após um recuo na década de 1990, com a publicação da Edição Nacional dos Escritos de Antonio Gramsci. Qual a importância desta publicação?

A Edição Nacional, encaminhada no início dos anos 90, favoreceu a formação de uma nova geração de estudiosos que compartilham o método diacrônico na leitura dos Cadernos e interpretam o pensamento de Gramsci reconstruindo seus nexos com a história europeia e mundial do século XX. Os Cadernos do cárcere são publicados segundos novos agrupamentos — Cadernos de tradução, Cadernos miscelâneos, Cadernos especiais —, oferecendo ao leitor a temporalidade mais fiel àquela em que foram escritos. As cartas são publicadas com as dos correspondentes e, ao lado do Epistolário gramsciano, reunimos em dois volumes a correspondência entre Tatiana Schucht [a cunhada russa que lhe prestou assistência nos anos de cárcere] e Piero Sraffa [o economista que servia de elo com o PCI], bem como entre as famílias Schucht (em Moscou) e Gramsci (na Sardenha). Os escritos são republicados em ordem cronológica depois de um acurado exame das atribuições precedentes que nos permitiu inúmeras atribuições e “desatribuições”. Acrescenta-se uma seção de Documentos, em que já foi publicada a apostila que contém os apontamentos do Curso de Glotologia, de Matteo Giulio Bartoli, feitos por Gramsci no ano acadêmico de 1912-1913, fundamental para o estudo de sua formação. Portanto, a Edição Nacional é a primeira edição crítica integral dos escritos de Gramsci tratados com critérios exclusivamente filológicos e segundo o método histórico, sem sugerir nenhuma interpretação e restituindo textos e contextos de sua obra a seu tempo, como é obrigatório para um clássico do pensamento.

No seu livro Modernidades alternativas, o senhor centra sua análise em três conceitos de Gramsci: hegemonia, revolução passiva e filosofia da práxis. Especialmente o conceito de hegemonia já foi interpretado das maneiras mais diversas. De que Gramsci fala quando ele fala de hegemonia? De que maneira esse conceito permanece atual?

Vou tentar dar um exemplo. Se aplicarmos à história mundial contemporânea as lentes de Gramsci, o mundo do século XXI aparece marcado — mais do que pela globalização e por sua crise — por um conflito econômico que ameaça precipitar-se numa guerra de verdade. À luz do pensamento de Gramsci, esta situação teve origem na crise do sistema mundial do segundo pós-guerra — começada nos anos 70 do século passado e culminada com a implosão da URSS — que havia permitido décadas de estabilidade, e no surgimento de um conflito econômico mundial que se caracteriza pelo crescente conflito entre o “cosmopolitismo” da economia e o “nacionalismo” da política. Em outras palavras, as classes dirigentes não foram capazes de negociar novos equilíbrios mundiais baseados na simetria entre soberania política e soberania econômica, precipitando o mundo numa proliferação de guerras voltadas para destruir velhas soberanias políticas e abrir espaço à mercantilização, e favoreceram o desenvolvimento de neomercantilismos continentais nas “regiões” economicamente mais fortes, em crescente conflito entre si. Superado o velho sistema hegemônico mundial, não se formou nenhum outro novo e, portanto, volta à cena a equação entre a política e a guerra.

Gramsci é um intelectual profundamente marcado pelo tempo histórico em que viveu. Sua prisão talvez seja o melhor exemplo disso. Em 2017 completam-se 100 anos da Revolução de Outubro, na Rússia. Qual foi o impacto deste acontecimento na vida e na obra de Gramsci?

A vida e o pensamento de Gramsci foram marcados profundamente pela Revolução de Outubro e a luta pelo comunismo. Mas o que caracteriza aquele pensamento foi a capacidade de historicizar as novidades de seu tempo — grande guerra, comunismo, fascismo, americanismo, desmoronamento dos impérios coloniais, nova subjetividade dos povos, etc. —, elaborando um novo pensamento e uma nova capacidade política de elaborar projetos que hoje nos parecem, ao mesmo tempo, uma revisão radical do marxismo e uma refundação deste mesmo marxismo, projetada num novo tempo histórico que, acredito, ainda é o nosso.

 


Doação de livros para modernizar o acervo da Biblioteca Salomão Malina

Objetivo da campanha lançada pela FAP é obter exemplares para enriquecer o acervo originalmente constituído pela biblioteca do falecido Salomão Malina, último secretário-geral do PCB

Germano Martiniano

A Fundação Astrojildo Pereira está lançando uma campanha de doações de livros para ampliar o acervo da Biblioteca Salomão Malina, originalmente constituído por obras pertencentes à biblioteca pessoal do falecido Salomão Malina, o último secretário-geral do PCB. A iniciativa integra um dos objetivos da nova diretoria da FAP para o biênio 2017/18, que era a modernização do local e foi alcançado após muito trabalho, com a interveniência do Ministério Público das Fundações Partidárias:  a situação do imóvel no Conic (Setor de Diversões Sul), onde funciona a Biblioteca Salomão Malina, está regularizada. Agora, espera-se que, dentro 60 dias, a modernização do local esteja concluída.

De acordo com o diretor-geral da Fundação, o jornalista Luiz Carlos Azedo, “o objetivo é somar ao acervo já existente, obras mais contemporâneas, representativas do novo reformismo, de maneira que possam servir como fonte de pesquisas para estudantes e pesquisadores do assunto”.

Doações
Espera-se, por meio das doações, reunir obras dos chamados intérpretes do Brasil: Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Caio Prado Junior, Sérgio Buarque, José Honório Rodrigues, Victor Nunes Leal, Celso Furtado, Ignácio Rangel e outros que compõem essa linha de intelectuais. “Também pretendemos melhorar o acervo de Literatura, com as obras completas de Machado Assis, Lima Barreto, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade e Ferreira Gullar, entre outros autores”, completou Azedo.

O primeiro passo para a doação é passar para a FAP, nos contatos abaixo, os livros que se tem interesse em doar e ver se as obras encaixam-se no perfil requerido pela FAP. Posteriormente, se aprovados, o doador deverá enviar por Sedex ou PAC os exemplares a serem doados à Fundação.

Modernização
A reforma da Biblioteca Salomão Malina tem como meta renovar o local com a instalação de novas estantes, computadores, mesas, poltronas e iluminação concebidas para proporcionar melhores condições de acesso ao acervo bibliográfico físico e virtual. Na área externa, será instalada uma estante-quiosque de livre acesso ao público, além de disponibilizar acesso ilimitado à internet em toda a área da chamada Praça Vermelha. O espaço ainda contará com auditório multiuso (Espaço Arildo Doria), para 65 pessoas, que poderá ser utilizado para palestras, conferências, cursos, reuniões, e pelo Cineclube Vladimir de Carvalho.

Contato: Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
SEPN 509, Bloco D, Lojas 27/28, Edifício Isis – 70750-504
Fone: (61) 3011-9300 Fax: (61) 3226-9756
Email: fundacaoastrojildo@gmail.com

 


Política Democrática: Batalha diária da cidadania

A revista Política Democrática tem 17 anos de edições quadrimestrais ininterruptas, sempre na busca de constituir-se em instrumento de discussão e difusão de conhecimento junto à sociedade brasileira, na perspectiva dos valores democráticos e republicanos, capaz de contribuir, teórica e politicamente, para o melhor entendimento de nossa realidade nacional, local e internacional, nos seus mais diversos ângulos. Na tradição de outras publicações semelhantes, temos procurado colocar à disposição do público leitor múltiplos enfoques de análise sobre os temas mais importantes da agenda do pais e do mundo.

Contam-se, entre nossos colaboradores, intelectuais polêmicos e dedicados, com presença assinalada nos debates públicos; acadêmicos de renome, estudiosos das questões políticas, sociais, econômicas e culturais que compõem as agendas brasileira e internacional; agentes políticos e sociais, independentemente de concepção política e ideológica, assim como de filiação partidária, que expõem suas opiniões, suas ideias e propostas, com o objetivo de servir à cidadania e de colaborar para que se conheça em profundidade a complexa e delicada situação em que vivemos neste início do século 21.

Trata-se de uma ousada tentativa de envolver-se com representantes da esquerda democrática, oriundos de partidos políticos, movimentos sociais, organizações não governamentais ou mesmo da academia, procurando dar voz aos diferentes argumentos, promover seu confronto e construir, no processo, consensos que sirvam de fundamento à reconstrução da esquerda brasileira, de uma esquerda com viabilidade e eficiência, capaz de promover, no curto prazo, a ampliação e o aprofundamento da democracia, o desenvolvimento da equidade no país, tendo como uma diretriz central a oportunidade igual para todos, homens e mulheres; a superação da pobreza e da exclusão social; e o combate a toda discriminação em razão de classe, gênero, etnia, cor da pele, opção religiosa e/ou ideológica.

Além da edição impressa, Política Democrática é lançada sob a forma de e-book, há mais de cinco anos, e já possui sua edição eletrônica. É um orgulho sermos bem considerados pela Qualis, um dos mais importantes sistemas brasileiros de avaliação de periódicos, mantido pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que relaciona e classifica os veículos utilizados para a divulgação da produção intelectual dos programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), quanto ao âmbito da circulação e à qualidade. Sem falar que nossa revista está inserida no SciELO (Scientific Electronic Library Online), coleção de revistas e artigos científicos de amplitude mundial.

Abertos a colaborações, sob a forma de elaboração de artigos e ensaios, ou de criticas ao nosso trabalho, estamos orgulhosos do que já alcançamos e pretendemos ir adiante, sempre procurando produzir o melhor para fazer cabeças e estimular ações na batalha diária da cidadania por uma sociedade democrática, justa e fraterna.

Vamos em frente!

Francisco Inácio de Almeida, editor da Revista Política Democrática

 


FAP fecha parceria com projeto Cultura no Ônibus

Projeto Cultura no Ônibus consiste na distribuição de livros dentro dos coletivos da companhia para que os usuários possam ler enquanto se locomovem até seus destinos

Germano Martiniano

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) fechou, nesta semana, parceria com a empresa de ônibus Piracicabana, que apoia o projeto Cultura no Ônibus, projeto que consiste na distribuição de livros dentro dos ônibus da companhia para que os usuários do transporte coletivo possam ler enquanto se locomovem até seus destinos. O objetivo central é incentivar a leitura, a escrita, o entendimento, ampliar os lastros culturais e proporcionar acesso a livros dentro dos coletivos.

Nesta parceria a FAP doou mais de três mil exemplares produzidos pela própria fundação e de diversos autores, que já estão sendo distribuídos. De acordo com Gustavo Loiola, gerente-administrativo da Fundação, “além de contribuir para um projeto sociocultural, a FAP também poderá divulgar, ainda mais, seus exemplares e trabalho no Distrito Federal.’’ Outro aspecto positivo é que a parceria também fortalece a FAP, que tem entre os seus objetivos difundir os ideais democráticos para a população.

Projeto Cultura no Ônibus
O projeto nasceu em 2003 com Antônio da Conceição Ferreira, que na época era cobrador da Piracicabana e, atualmente, atua como coordenador do projeto. Antônio do Livro, como é conhecido, disse que a ideia surgiu por ver que as pessoas ficavam de quarenta e cinco minutos a uma hora dentro do ônibus sem opção alguma de lazer ou entretenimento. A partir disso, o então cobrador começou a incentivar que livros fossem doados para os usuários do transporte público. “Acredito muito na leitura como forma de mudança social e busco cada vez mais difundir esse maravilhoso hábito”, disse Antônio para o site do projeto.

Em 2015 a empresa Piracicabana começou a apoiar o projeto, que hoje conta com mais de 20 mil livros disponibilizados para a população e mais de 500 voluntários. O projeto também está presente em 159 linhas da empresa, num total de 525 ônibus. Além da ação dentro dos ônibus, o projeto também participa de Feiras do Livro, Bienais e realiza diversos eventos, como contação de histórias para crianças.

Doação
Para quem deseja doar algum livro para o projeto, pode-se doar entregando o livro ao cobrador do ônibus, agendando a entrega pelo site, culturanoonibus.com.br, ou também entregando na Rodoviária do Plano Piloto, próximo da plataforma E-Box 1.

Para informações você pode acessar ao site do projeto e também o Facebook:
http://www.culturanoonibus.com.br/
https://www.facebook.com/culturanoonibus/

 


CMS: Pronunciamento de Astrojildo Pereira sobre o impacto da Revolução Russa no movimento operário brasileiro

Os impactos da Revolução Russa no Brasil

Astrojildo Pereira

É uma honra falar nesta casa paulista da cultura, e isto sobe de ponto quando me vejo patrocinado por tão ilustres personalidades das letras, das artes, da ciência e da política. Acredito, no entanto, que meus amigos da comissão organizadora deste ato carregaram um pouco a mão na ênfase com que anunciaram como possível conferência de caráter histórico ou sociológico o que pretendo expor. Minha intenção é muito mais modesta e até mais própria da minha condição em relação ao tema proposto: falar apenas como testemunha que acompanhou, com apaixonado interesse, o processo da Revolução Russa de 1917, seus antecedentes e suas repercussões entre nós, especialmente no movimento operário.

Durante a guerra imperialista de 1914-1918, mesmo depois que o Brasil se viu envolvido no conflito, às vésperas da Revolução de Outubro, os trabalhadores brasileiros e o melhor da nossa intelectualidade sustentaram – pelos meios que lhes eram próprios e possíveis – a mesma posição de repúdio à guerra, da luta contra suas implicações políticas e econômicas e pelo restabelecimento da paz. Os jornais operários e populares então publicados no Distrito Federal e nos Estados refletiam esse estado de espírito de revolta contra a guerra imperialista e o regime que a gerara. Mas foi a partir do primeiro trimestre de 1915 que a luta contra a guerra, pela paz, se ampliou e tomou um impulso do movimento nacional organizado.

Coube ao Centro de Estudos Sociais do Rio de Janeiro a iniciativa desse movimento, o qual agrupava operários e intelectuais avançados, e se achava estreitamente ligado à vida e à atividade dos sindicatos locais, funcionando na mesma sede da Federação Operária do Distrito Federal. Ali se reuniram várias assembleias preparatórias e, por fim, a 26 de março de 1915, uma grande assembleia de delegados de organizações sindicais e outras, bem como de representantes dos jornais operários e libertários que então se publicavam no Rio de Janeiro. Deliberou-se criar uma Comissão Popular de Agitação contra a Guerra, composta pelos representantes das entidades presentes e de outras que lhe dessem posteriormente a sua adesão. Esta Comissão assumiu o comando do movimento, traçando para o Distrito Federal o plano de uma série de conferências, palestras, assembleias sindicais, comícios populares etc., em preparação de um Primeiro de Maio de luta pela paz. Deliberou-se, igualmente, publicar um manifesto sobre o problema da guerra e da paz, dirigido a todo o povo brasileiro.

Em São Paulo, o movimento foi imediatamente secundado, constituindo-se uma Comissão Internacional: Centro Libertário, União dos Gráficos Alemães no Brasil, Associação Universidade Popular de Cultura Racionalista, União dos Operários Alemães Livres, Círculo de Estudos Sociais Francisco Ferrer, União dos Operários Cantórios, Federação Espanhola, os periódicos populares A Lanterna, o Avanti! (italiano), La Propaganda Libertária (espanhol) e o Volksfreund (alemão). A designação dessas entidades e desses jornais, em línguas diferentes, serve para mostrar a feição internacional da massa operária de São Paulo, cidade de intensa imigração, mas serve também para mostrar – o que é mais importante – o caráter internacionalista da luta sustentada pelos trabalhadores contra a guerra imperialista. Preparando-se para demonstrações do Primeiro do Maio, a Comissão de São Paulo publicou um comunicado, datado de 8 de abril de 1915, que terminava com as seguintes palavras:

“(…) Em Primeiro de Maio, aproveitando a comemoração com que o proletariado afirma, em internacional manifestação, o seu direito a uma vida melhor, realizaremos nesta cidade, onde a guerra teve tão ruidosa repercussão no povo, lançando-o na miséria, a nossa primeira reunião pública pró-paz. “Abaixo a guerra! Viva a Internacional dos Trabalhadores!”.

No Rio, o comício de Primeiro de Maio constituiu, como se esperava, uma verdadeira demonstração da massa contra a guerra. Ao largo São Francisco, onde se realizou, acorreram milhares de trabalhadores, homens e mulheres do povo, que ali proclamavam seu horror à guerra e sua disposição de lutar pela causa da paz. Foi então lido um documento em que se fazia análise das causas e dos efeitos da guerra, e se expunham os fins do movimento em favor da Europa em guerra e nas três Américas.

Em seguida ao comício, a massa popular desfilou pelas ruas do centro da cidade, terminando em frente à sede da Federação Operária.

Nesse mesmo ano a Confederação Operária no Brasil tomou a si o encargo da convocação e preparação de um Congresso da Paz, o qual veio a reunir-se, efetivamente, na Capital da República, em 14, 15 e 16 de outubro de 1915 (entre parênteses notarei aqui uma interessante coincidência: nessa mesma época reunira-se na Suíça um congresso de delegados socialistas de vários países europeus, entre os quais figurava Lênin).

Além da declaração de Distrito Federal, São Paulo, Pernambuco, Alagoas, Estado do Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul participaram do Congresso representantes da Argentina, de Portugal e da Espanha. Vistos com os nossos olhos de hoje, podemos facilmente assimilar as enormes insuficiências da organização de orientação do Congresso da Paz do Rio de Janeiro, em 1915, onde predominaram as declarações grandiloquentes sem alcance prático; mas ao mesmo tempo devemos reconhecer que ele marcou, com incontestável relevo, uma posição franca de luta contra a guerra imperialista e em defesa da paz e da liberdade.

O ano de 1916 transcorreu sem grandes atos, sem que o movimento assumisse relevos oficiais especiais. Observa-se vivo e ardente por meio dos jornais operários e populares. Mas os primeiros meses de 1917 assinalam, no Rio de Janeiro, o recrudescimento da campanha contra a guerra e pela vida, que era, aliás, uma consequência imediata da guerra. Durante os meses de março e abril daquele ano, a Federação Operária promoveu a realização de inúmeros comícios pelos diversos bairros da cidade, e a 18 de abril, numa grande assembleia em sua sede, foi aprovada uma mensagem, que se enviaria ao presidente da República, na qual se protestava contra a eventual entrada do Brasil na guerra (já se falava muito nisto) e que surgissem medidas tendentes a aliviar a crise econômica e financeira, cujos efeitos recaíssem principalmente sobre as costas dos trabalhadores. A comemoração do Primeiro de Maio de 1917, no Rio de Janeiro, transcorreu igualmente sob o signo da luta contra a carestia, com impressionante desfile pelas ruas da capital.

E quando, finalmente, em outubro de 1917, o governo brasileiro, cedendo à pressão imperialista de um dos grupos em guerra, deliberou entrar no conflito, a classe operária e a intelectualidade progressista não se afastaram uma polegada da posição de luta pela paz, mantida sem desfalecimento desde o início das hostilidades entre os dois grupos imperialistas. Um período progressista que então se publicava na capital do país – e que mantinha ligações de simpatia no movimento operário – publicou o seu editorial com um título que equivalia a uma reafirmação inequívoca dos sentimentos de todo o povo brasileiro: “O Brasil não quer guerra”.

Esses detalhes nos ajudam a compreender melhor certos aspectos da repercussão da Revolução Russa de 1917 no Brasil. Pode-se imaginar como foi profunda entre nós a impressão sobre a política de paz inaugurada com extrema audácia pelo governo soviético desde o primeiro dia da tomada do poder.

Não é difícil compreender por que as notícias relativas à insurreição e à conquista do poder pelos operários e camponeses russos, guiados pelo Partido Bolchevique, eram acompanhadas com enorme interesse pelos trabalhadores brasileiros. A imprensa reacionária apresentava tais notícias de maneira caluniosa, deformando os fatos, torcendo o sentido dos acontecimentos e até mesmo inventando horrores para impressionar a opinião pública.

Mas os pequenos e pobres jornais brasileiros, publicados nas principais cidades, rebatiam infatigavelmente as mentiras e deformações veiculadas pela imprensa reacionária, a significação e a natureza dos fatos que se sucediam nos vastos domínios do Império Czarista. Deve-se recordar, neste sentido, um folheto de autor brasileiro, saído a lume, no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1918, sob o título A Revolução Russa e a Imprensa, no qual precisamente se defendia a Revolução de outubro e se refutavam as mais grosseiras e furiosas calúnias divulgadas pelos jornais da reação.

Havia, sem dúvida, nos comentários a favor da Revolução, não poucas suposições e conceitos errôneos – que resultavam principalmente de interpretações doutrinárias ainda obscuras e mesmo confusas; mas, pouco a pouco as coisas se esclareciam e, já em 1919, os nossos periódicos operários e populares publicavam importantes e autênticos documentos sobre a Revolução, colhidos na imprensa operária da Europa e da América. O semanário carioca Spartacus, por exemplo, estampou, em seu primeiro número, publicado em agosto de 1919, a “Carta aos Trabalhadores Americanos”, de Lênin, e algumas semanas depois o fundamental trabalho, também de Lênin, “A democracia burguesa e a ditadura do proletariado”. O órgão da Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco, a Hora Social, publicou, em novembro desse mesmo ano, o texto da primeira Constituição soviética.

Os intelectuais mais esclarecidos, com alguma compreensão da natureza do fenômeno revolucionário, manifestavam também suas simpatias pela Revolução Socialista de outubro. À frente deles, com mais decisão, colocou-se um grande nome, Lima Barreto, que publicou em 1919 um artigo que ficou conhecido como “Manifesto Maximalista”, que, como se pode imaginar, produziu enorme sensação. Devo também recordar, com muita especial consideração, o nome de Afonso Schmidt, que escreveu então numerosos artigos e alguns folhetos em defesa da Revolução de Outubro. O veterano Schmidt aí está, quarenta anos depois, em plena atividade de escritor de vanguarda, glória das nossas letras e orgulho da minha geração.

Mas ainda há dois ou três escritores e jornalistas brasileiros da época, amigos e simpatizantes da Revolução, que marcaram igualmente, inclusive por cara afeição, ao seu tento pitoresco das suas manifestações literárias e jornalísticas a favor dos bolcheviques.

Um deles, o paulista Nereu Rangel Pestana, que escrevia a pedidos do jornal O Estado de S.Paulo, sob o pseudônimo de Ivan Sibiroff, e chegou a publicar um periódico, por conta própria, que deu como título seu pseudônimo, “Ivan Sibiroff”. Nereu Rangel Pestana, pertencente à família de ilustres jornalistas de São Paulo, realizava, com seus artigos, uma dupla campanha jornalística: defendia a Revolução Russa e, ao mesmo tempo, vasculhava os bastidores políticos e financeiros das classes dominantes no estado, disso resultando um volume de ruidoso êxito, a que deu o título de A Oligarquia Paulista.

O outro jornalista a que quero me referir chamava-se Roberto Feijó. Ele residia no Rio de Janeiro e ali publicou uma série de Cartas em defesa dos bolcheviques, usando o pseudônimo de Dr. Kessler, e, com esse disfarce, fazia-se passar por um agente russo enviado ao Brasil. Aliás, Ivan Sibiroff utilizava também a mesma mistificação literária. Diga-se, porém, para desfazer dúvidas, que ambos utilizavam este processo com absoluta honestidade de meios e propósitos, e com uma boa e alegre dose de ironia. Eram ambos, com efeito, homens de espírito e de bom humor, e empregavam a sua malícia, muito desinteressadamente, em favor das melhores causas democráticas e patrióticas.

Sem dúvida, porém, foi nos sindicatos operários e nos movimentos de massa que as demonstrações de solidariedade à jovem República Operária e Camponesa atingiram mais extensão e possuíram mais importância. As assembleias sindicais eram bem movimentadas e sempre que nelas se mencionava os exemplos das lutas revolucionárias dos trabalhadores russos, os presentes manifestavam com unânime entusiasmo os sentimentos de fraternidade, admiração e apoio. Os sindicatos operários promoviam conferências, palestras e debates sobre assuntos relacionados com a Revolução Russa. Quando da intervenção das tropas imperialistas anglo-franco-japonesas, que sustentavam os generais contra-revolucionários – Denikin, Yudenitch, Wrangel, Kolttchak e outros –, moções de protesto recebiam aprovação igualmente unânime das assembleias e comícios onde eram apresentadas. Um sindicato, a União dos Metalúrgicos do Distrito Federal, chegou a proclamar uma greve geral de protesto dessa categoria profissional contra a intervenção imperialista e de solidariedade à República Operária e Camponesa.

Mas o principal da repercussão da Revolução de Outubro no movimento operário estava no tremendo impulso produzido no movimento – aqui e em todos os países – pela vitória da Revolução Socialista.

Todo o período de 1917 a 1920 caracterizou-se, entre nós, por uma onda irresistível de greves que, em muitos lugares, assumiram proporções grandiosas. Em primeiro lugar, a greve geral de São Paulo, em agosto de 1917: esta eclodiu antes de 7 de novembro, mas já sob o signo da revolução operária e camponesa que se processava na Rússia desde março e culminou com a tomada do poder naqueles dias que abalaram o mundo. A greve geral de 1917 em São Paulo abriu uma série de grandes greves de massa que se multiplicaram pelo país até 1920. Eram movimentos por aumento de salários e por melhores condições de trabalho, mas uma coisa se mostrava evidente: a influência da Revolução Russa para a combatividade e para as esperanças da classe operária. A maneira com a qual os trabalhadores da construção civil do Rio de Janeiro conquistaram a jornada de oito horas de trabalho merece especial registro. O horário em vigor, até então, era de 9 a 10 horas, até mais, por dia. Depois de numerosas assembleias o sindicato dos trabalhadores da construção civil resolveu “decretar”, por conta própria, as oito horas diárias de trabalho em todas as obras da construção civil em andamento no Rio de Janeiro, o que se efetivou realmente a partir de dois de maio de 1919.

Não há dúvida de que outras muitas reivindicações pelas quais lutavam as massas trabalhadoras, naquela época, foram alcançadas total ou parcialmente. Mas é fato que a natureza e o volume das vitórias alcançadas não estavam em proporção com o vulto e a extensão do movimento geral.

As reivindicações formuladas por aumento de salários, por melhores condições de vida e de trabalho etc, constituíram como que um fim em si mesmo, e não um ponto de partida para reivindicações crescentes do nível superior. É que, na realidade, se tratava de lutas mais ou menos espontâneas, isoladas umas das outras, sucedendo-se por força de um estado de espírito extremamente combativo que se generalizava entre as massas. Admiráveis exemplos de firmeza, de bravura, de abnegação se verificavam pouco por toda parte, durante as greves e demonstrações de massa que se multiplicavam de maneira contagiosa naqueles anos. Faltava, porém, um centro coordenador, um comando geral à altura das circunstâncias. Em suma: uma direção política, que só um partido independente de classe poderia imprimir em todo o movimento.

A essa justa conclusão se chegava também por influência da Grande Revolução Socialista de Outubro – no nosso caso influência decisiva, e já com sua formulação teórica e prática acabada.
E assim nasceu o Partido Comunista do Brasil.

Estamos aqui há 40 anos de distância do sete de novembro de 1917. Cessa aqui o meu depoimento propriamente dito. Seja-me permitido acrescentar comentários que me parecem oportunos.
Evidentemente, uma revolução social da extensão da Revolução Socialista de Outubro – e tendo sobretudo em vista as condições históricas excepcionais em que ela se processou, num país como o antigo Império dos Czares e em conseqüência direta da Primeira Guerra Imperialista – teria de produzir repercussões mundiais de caráter múltiplo e cuja amplitude viria a abarcar todos os domínios da vida social – econômicos, políticos, culturais e morais.

O fato é que a Revolução Russa abriu o mundo para uma era de reconstrução social, em que as grandes massas populares representam o fator decisivo. Por outras palavras: depois de 1917 abriu-se para o mundo a era do socialismo, de democracia, da liberdade e da paz. E hoje, a bem dizer, nada se faz no mundo que não tenha o seu ponto de referência na União Soviética. A favor ou contra, mas sempre a União Soviética.

E como o Brasil faz parte deste planeta, também nós estamos historicamente enquadrados nesse plano de desenvolvimento. Claro, de acordo com as nossas peculiaridades nacionais.

Malgrado todas as evidências neste sentido, não faltam, entretanto, aqueles que não compreendem, ou não querem compreender, os novos rumos da história. São precisamente aquelas que se obstinam inclusive em negar, ou mesmo desconhecer, o que é a URSS 40 anos depois de 1917, e o que é o mundo socialista dos nossos dias.

Mas não adianta grande coisa. A história caminha para frente, embora não em linha reta.

Pronunciamento de Astrojildo Pereira, em conferência de 25 de setembro de 1957 sobre o impacto da Revolução Russa no movimento operário brasileiro.

Texto extraído do livro Viva, Astrojildo Pereira!, organizado por José R. Guedes de Oliveira, e editado pela Fundação Astrojildo Pereira e Abaré. A Princípios agradece ao organizador do livro pela gentil autorização para a publicação deste texto.

EDIÇÃO 92, OUT/NOV 2007, PÁGINAS 12, 13, 14, 15 e 16

POR MEMÓRIA SINDICAL. 10 JUL 2017