Fundação Astrojildo Pereira

RPD || Reportagem especial: Pandemia expõe alerta sobre saúde mental dos brasileiros

Estudos mostram aumento de casos de depressão e ansiedade. Especialistas apontam saídas em meio à crise sanitária global

Cleomar Almeida

A servidora pública Eliana Ramagem (50 anos) estava prestes a parar de tomar remédio para ansiedade, mas teve de continuar por causa da pandemia do coronavírus. “A preocupação era que eu tivesse colapso”, diz. De repente, o empresário Alexander Loureiro (47) viu sua renda zerar. A vida paralisou e ele também teve de procurar ajuda profissional para lidar com o período da crise sanitária global. “Tomo ansiolítico, senão a cabeça dá uma pirada, estava muito acelerada. Não dormia, ficava preocupado. Chegava às 5 ou 6 horas da manhã, eu ainda estava acordado”, conta ele.

Moradores de Brasília, Eliana e Loureiro não se conhecem, mas têm em comum o alerta lançado pela pandemia: a necessidade de cuidado com a saúde mental. Na dimensão da crise sanitária global, o traumático se traduz em prejuízos imediatos à mente das pessoas. Seus efeitos podem surgir em médios e longos prazos, em um aumento significativo de transtornos como estresse agudo e estresse pós-traumático, ansiedade, pânico, depressão, distúrbios do sono e até suicídio. No Brasil, a cada 45 minutos, uma pessoa se mata.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima aumento de até três vezes no número de pessoas com depressão e ansiedade em países mais atingidos pela pandemia. Estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), divulgado em maio, mostra que o número desses casos mais que dobrou durante a pandemia no país, ao passo que o número de casos de depressão teve aumento de 90%.

O levantamento aponta que as mulheres são mais propensas a sofrer com esses transtornos por causa da sobrecarga de tarefas. Outra pesquisa, realizada pela americana Kaiser Family Foundation, revela que 53% delas declararam ter sofrido muito abalo emocional com a pandemia, ao passo que 37% dos homens apresentaram a mesma queixa.

Assim como a maioria das mulheres, Eliana, que é graduada em Psicologia, assume multitarefas. Separada, ela vive com os dois filhos – um rapaz de 18 anos e uma moça de 23 anos – e a mãe, uma idosa de 87 anos que passou por uma cirurgia de retirada de tumor no cérebro no ano passado e de quem cuida com auxílio de enfermeira em casa. “Tomo conta dos meus filhos, sozinha, há anos. Nesse momento da pandemia, boa parte das mulheres tem sobrecarga, com trabalho home office, cuidado com filhos e tarefas domésticas”, conta.

Já no caso de Loureiro, o maior reflexo da pandemia surgiu ao ver zerado o caixa de seus dois estabelecimentos de self-service dentro de shoppings da cidade, que tiveram de ser fechados por causa do isolamento social. Até agora, a metade dos funcionários foi demitida, o que, segundo ele, aprofundou a tristeza. “Não consegui estar à frente nesse momento de demissão de funcionários e jogá-los no mercado, que não tem condições de absorver ninguém”, afirma. A dispensa foi feita pelo sócio. “No primeiro momento, tive todos os sentimentos: desespero, ansiedade, angústia. Não vejo ainda luz no fim do túnel diante da generalização de desgoverno”, lamenta.

Os impactos da pandemia sobre a saúde mental são ainda maiores e mais catastróficos entre as pessoas de baixa renda. Sem atendimento de saúde adequado, muitas ficaram desempregadas e não têm o básico para comer em casa. Para outra parte, a saída que resta é romper o isolamento social e se misturar a outras pessoas para ir trabalhar em ônibus lotados. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, no final do mês de junho, que a pandemia destruiu 7,8 milhões de postos de trabalho no Brasil até maio. Menos da metade das pessoas em idade para trabalhar está empregada, o que nunca havia sido registrado desde 2012.

O levantamento aponta que as mulheres são mais propensas a sofrer com esses transtornos por causa da sobrecarga de tarefas. Outra pesquisa, realizada pela americana Kaiser Family Foundation, revela que 53% delas declararam ter sofrido muito abalo emocional com a pandemia, ao passo que 37% dos homens apresentaram a mesma queixa.

Membro da Sociedade de Psicanálise de Brasília e da Federação Brasileira de Psicanálise, a psicanalista Cláudia Aparecida Carneiro explica que a pandemia lançou uma realidade sem referências na vida das pessoas. “O medo é comum em momentos de crise em saúde pública, mas a velocidade de propagação desse novo vírus, a necessidade de isolamento social, as milhares de mortes no Brasil e no mundo, os enterros sem velórios e sem abraços, as valas comuns, tudo isso representa vivências traumáticas que levam ao adoecimento da alma”, afirma. “O trauma se instala quando a intensidade e a violência de um acontecimento vivido invadem o psiquismo e sobrepõem-se à nossa capacidade de pensar e de elaborar essa experiência”, explica.

Cláudia, que também é mestre em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília (UnB), entende que “os ataques à vida estimulados por um presidente identificado com a necropolítica geram clima de insegurança e angústias traumáticas”. “A morte paira no ar”, afirma, ressaltando que, diante da angústia de morte e das incertezas quanto ao futuro, a ansiedade e o pânico assumem também a forma de pandemia. Segundo ela, a exacerbação da violência no país, associada à crise política e econômica, traz maiores prejuízos à saúde mental das pessoas.

O cuidado com a saúde da mente deve ser contínuo, não só durante a pandemia. O alerta é de um estudo sobre os efeitos da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), provocada pelo coronavírus em 2002 e 2003, na Ásia, realizado pela revista especializada East Asian Arch Psychiatry. A pesquisa mostrou que, depois de 4 anos, 42% das pessoas que sobreviveram à doença haviam desenvolvido algum transtorno mental. A maioria apresentou transtorno de estresse pós-traumático e, em segundo lugar, depressão.

Em casos mais graves, os quadros também podem evoluir para o suicídio. Diversos estudos, como o publicado no Journal of the American Medical Association – Psychiatry, em abril, mostram que os efeitos colaterais das medidas necessárias de isolamento social em razão da Covid-19 podem aumentar o risco de suicídio. Fatores como o estresse causado por desemprego e as incertezas sobre a própria subsistência, o isolamento e a solidão, assim como o aumento da ansiedade podem agravar a saúde mental de pessoas mais vulneráveis e o risco de tirar a própria vida.

O psiquiatra André de Mattos Salles diz que, em 90% dos casos, o suicídio pode estar relacionado a transtornos mentais. “A ajuda profissional é fundamental. Quando a pessoa perceber que não está se sentindo bem e achar que o médico precisa ser consultado, não precisa pensar duas vezes”, diz. “Ainda existe um tabu muito grande, mas a Psiquiatria está cada vez mais inserida na sociedade atual”, afirma.

Apesar de não ter depressão, a servidora pública Eliana sabe que, até 2030, a doença passará a ser a primeira a atingir pessoas e afastá-las do trabalho, conforme previsão da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ela toma pequena dosagem de ansiolítico, mas, para passar o período da pandemia, valoriza ainda mais o contato com a família. “Assumi os cuidados com minha mãe bastante consciente, o que tem seus ganhos. A convivência com meus filhos é ótima. Em casa, ficamos mais próximos”, diz.

Loureiro, por sua vez, diz encontrar muito apoio em seu companheiro, que é de outro ramo no mercado, tem socorrido a renda da casa e com quem tem 22 anos de história – três deles casados no civil. Neste mês, ele vai lançar um novo negócio, focado em comida latina e serviço de entrega no endereço dos clientes. Ele reconhece que nem todas as pessoas têm apoio familiar, conjugal ou psicológico, mas, apesar de dizer que ainda está “tudo nebuloso”, sugere a elas muita força e resiliência para superar esse período. “Vale a pena a gente virar e viver o dia seguinte. É o dia seguinte que pode surpreender a gente”, diz.


Lidar com luto e esperança é o grande desafio para equilíbrio

A atenção cada vez maior ao próprio comportamento e ao comportamento das pessoas próximas é fundamental para o cuidado com a saúde mental. No período de agravamento da pandemia, com um ciclo de vidas perdidas constantemente, a morte torna mais presente e profundo o sentimento de luto, mas especialistas entendem que é preciso aproveitar o momento também para acreditar na esperança.

Com a pandemia, ampla rede de psicólogos, psicanalistas e psiquiatras passou a oferecer atendimento online em todo o país. Redes de atendimento solidário foram criadas para possibilitar que pessoas mais vulneráveis possam ser beneficiadas. Sociedades e grupos psicanalíticos filiados à Federação Brasileira de Psicanálise (Febrapsi) lançaram, em quase todas as capitais do país, serviços de atendimento online gratuito.

O médico psiquiatra André Russowsky Brunoni, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), explica que episódios de aumento de transtornos mentais já haviam ficado evidentes na população em epidemias passadas como as do ebola, na África, em 2014; a Sars, na China, em 2002; e a Mers, em 2012, no Oriente Médio.

“As amostras de estudos dessas doenças foram relativamente pequenas, restritas a indivíduos de risco e com medidas parciais de quarentena, situação diferente da que ocorre na pandemia de Covid-19”, diz. Recentemente, um artigo publicado na revista científica The Lancet, a partir de uma pesquisa realizada em 164 cidades chinesas observou que de 8% a 29% das pessoas que viveram a pandemia de Covid-19 descreveram sintomas moderados a graves de depressão, ansiedade e estresse.
Brunoni coordena uma pesquisa da USP que, desde maio, recebe respostas de pessoas a questionários para identificar mudanças que tiveram que fazer em seu estilo de vida durante a pandemia. O Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa) pretende avaliar repercussões psiquiátricas e psicológicas decorrentes da pandemia do coronavírus. A pesquisa alcança 15 mil funcionários de seis instituições públicas de Ensino Superior e pesquisa das regiões Nordeste, Sul e Sudeste do Brasil.

Risco de suicídio - O contexto de crise sanitária global também pode deixar as pessoas mais suscetíveis a dar fim à própria vida, mas, conforme ressaltam os profissionais, é possível acreditar em uma luz no final do túnel. No Brasil, o número de suicídios ultrapassa 13,4 mil casos por ano, o que equivale a 37 casos por dia. Os dados são de 2018, os mais atuais disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Para cada morte por suicídio, 135 pessoas em média são impactadas diretamente. Em 2017, foram 13,1 mil casos e, em 2016, 12 mil.

A psicanalista Cláudia Aparecida Carneiro explica que ainda há muito tabu sobre o assunto. “Sabe-se que os dados são subnotificados, pois há muito preconceito sobre o tema. O que ocorre, em situações de pandemias e também de isolamento e quarentena é um aumento na ideia e no comportamento de suicídio entre as populações de risco”, acentua.
Em todo o mundo, estudos mostram que o aumento do desemprego, uma realidade na pandemia do coronavírus, está associado ao aumento do número de suicídios. Recentemente, a revista The Lancet revelou que o risco de suicídio aumentou em até 30% quando associado ao desemprego, entre 2000 e 2011, incluindo o período da crise financeira de 2008. Os pesquisadores utilizaram dados de 63 países.

Somado à previsão da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de um aumento no número global de desempregados de quase 25 milhões em consequência da crise econômica e trabalhista gerada pela pandemia, o prognóstico é preocupante, conforme avalia a Dra. Cláudia.

Cada suicídio é acompanhado de mais de 20 tentativas de suicídio, segundo a OMS, o que leva a prever aumento no número de pessoas com transtornos mentais que procurem os serviços de saúde mental. “Falar das próprias angústias em contextos adequados e debater sobre o suicídio são iniciativas importantes para preveni-lo”, destaca a Dra. Cláudia. “Precisamos falar do medo e da morte, fazer o luto de nossas perdas e também falar da esperança”, ressalta.


O comportamento diferente de criança exige atenção redobrada

Comportamentos com tendência ao suicídio podem mudar conforme a idade das pessoas. Enquanto a maioria dos adultos consegue elaborar seus pensamentos e expressar suas atitudes de alguma maneira, inclusive pelo silêncio excessivo e pela mudança de hábitos, as crianças podem ficar confusas. Por isso, muitas vezes, mostram seu sofrimento e desconforto de forma diferenciada.

“Normalmente, as crianças podem ficar mais irritadas, mais agressivas, mais intolerantes. Ter comportamentos externalizantes, brigar, bater, morder. Algumas voltam a usar chupeta ou fralda, ou a ter diurese”, afirma o psiquiatra André de Mattos Salles, especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência, que também atende no Hospital Universitário de Brasília (HUB) da Universidade de Brasília (UnB) e no Centro de Orientação Médico-Psicopedagógica (COMPP), vinculado à Secretaria de Saúde do Governo do Distrito Federal.

Somente em 2019, o Brasil instituiu a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, por meio da Lei 13.819, de 26 de abril de 2019. A lei foi regulamentada em fevereiro deste ano, pelo Decreto 10.225, que institui o Comitê Gestor dessa política. A lei, que recebeu o nome de Vovó Rose – em homenagem a uma senhora que perdeu uma neta e se tornou militante pela aprovação – estabelece também treinamento para educadores e conselheiros tutelares, campanhas de prevenção de suicídio e a implantação de um número de telefone especializado.

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse que as estimativas de automutilações chegam a 14 milhões de jovens no Brasil. A declaração ocorreu durante evento público em Goiânia, no mês passado. Conselheiros tutelares afirmam que falta estrutura para que a lei se torne eficaz, já que, conforme reclamam, os municípios não oferecem estrutura necessária para o atendimento. Em todo o mundo, estudos apontam que cerca de 20% dos adolescentes já se automutilaram pelo menos uma vez na vida.

A ajuda de profissionais, como médicos e terapeutas, é um caminho capaz de salvar vidas nesses casos, que podem se agravar em períodos de isolamento social. O conselho é não ter vergonha e buscar por socorro antes que a situação se agrave, saia do controle e chegue a um final trágico.


RPD || Martin Cezar Feijó: O mundo pós-pandemia. O novo normal cultural

Efeitos nefastos da pandemia abalaram o mundo cultural por completo. O quadro ainda continua indefinido; a situação caótica; o medo imperando. Mas, apesar de o futuro se demonstrar sombrio, a cultura pode, e deve, oferecer respostas, avalia Martin Cezar Feijó em seu artigo

A imaginação mais sarcástica, irônica e cruel não poderia criar cenário tão absurdo como o que estamos vivendo. O pior dos mundos. Historicamente compreensível, mas humanamente inacreditável. O motivo principal deste texto é pensar como será o mundo pós-pandemia, principalmente na cultura.

Claro que me refiro à pandemia do novo coronavírus, que causa a Covid-19. Uma infecção que já contaminou milhões no mundo todo, levando a milhares de óbitos, que no Brasil já ultrapassou a marca de 75 mil pessoas no momento em que este texto é concluído. E não há previsão segura para seu encerramento. Se não há previsão para o fim deste ciclo, como se aventurar a prever o que será depois que tudo passar?

Mas a questão aqui não se resume ao quadro sanitário, que cientistas competentes estão cuidando em várias partes do mundo sob a supervisão da Organização Mundial de Saúde (OMS), que já é dramático por si só. A questão se amplia nas consequências econômicas, sociais, políticas e culturais, objetivo desta reflexão.

O mundo da cultura foi totalmente abalado pelos efeitos da pandemia: cinemas, teatros e museus foram fechados; artistas, músicos e bailarinos estão desempregados. Com as quarentenas, cidades ficaram vazias (Living in a ghost town, Rolling Stones), tudo parecendo formar cenário das maiores e mais tenebrosas distopias. Enquanto equipes médicas travavam batalhas contra um vírus invisível em unidades de terapias intensivas, sendo contaminados e, muitos deles, mortos; jornalistas buscavam informar enfrentando não só os vírus que se espalhavam, mas também a grande quantidade de fake news que tumultuava o ambiente de guerra.

Passado mais de meio ano do ano que parece não ter fim, muita coisa se esclareceu, muita coisa se disse, muito se tentou encontrar respostas e saídas. Artistas buscaram nos meios eletrônicos formas de se comunicar com seu público; professores, em todos os níveis, tiveram que se adequar aos meios remotos para passar suas mensagens. Mas nem toda criatividade superou a angústia das distâncias, os temores dos fracassos e as certezas de que algo muito importante se perdia.

Alguns autores passaram a se debruçar sobre os cenários possíveis após a passagem destes fatos; alguns esperançosos, até delirantes, como o utópico filósofo esloveno Slavoj Žižek com seu Pandemia – Covid-19 e a reinvenção do comunismo (Boitempo), ou até em múltiplas vozes, como o livro organizado pelo advogado José Roberto de Castro Neves, O mundo pós-pandemia. Reflexões sobre uma nova vida (Nova Fronteira).

Pode-se ainda destacar aqui dois articulistas, uma médica e um cineasta. A primeira, Margareth Pretti Dalcolmo, em Humanismo médico – humanismo na medicina, cita o polímata Avicena (980-1037): “A imaginação é a metade da doença. A tranquilidade é a metade do remédio. E a paciência é o primeiro passo para a cura” (pág. 29). Mas é em A realidade é mais estranha que a ficção que o cineasta Bruno Barreto, que já dirigiu uma distopia baseada na obra de José Saramago, Ensaio sobre a cegueira, define com precisão o quadro desta crônica: “Indecifrável é o nosso futuro. Inverossímil, o nosso presente” (pág. 144).

Presente este que já tem uma palavra que pode definir o ano: “Covid-19”, mas que também já tem o seu clichê mais repetido: o “novo normal”, na perspectiva que tudo se acabe um dia, se é que vai acabar, como já foi apontado pela revista britânica The Economist no final de junho: “A covid veio para ficar e temos que nos adaptar”.

Portanto, o quadro ainda continua indefinido, a situação caótica, o medo imperando. O futuro se demonstra sombrio, mas a cultura pode, e deve, oferecer respostas. Entendendo a cultura aqui como a expressão sensível, por meio das artes, aos impasses da humanidade, pois é claro que respostas sempre foram encontradas em quadros até mais sombrios do que o atual. Não será diferente agora, apesar de todos os percalços que já existiam no plano oficial para o desmantelamento do antigo Ministério da Cultura, mas também do Ministério da Educação. Que período insano!

E neste sentido, como será o “novo normal” do qual se fala tanto? Bem, se for “normal” não será “novo”; mas se for “novo”, com certeza não será “normal”. Até porque, como lembrou o cineasta Jean-Luc Godard, “cultura é regra, arte é exceção”.

E cultura, no sentido que Freud a entendeu, é o conjunto de regras criadas para proteger a humanidade da natureza – incluindo dos próprios humanos entre si –, mas que causa um mal-estar que se enfrenta de duas formas: grosseiras ou sublimes.

Em suma, quem (sobre) viver, verá. Seja em um mundo digital (5G), eletronicamente conectado, seja na retomada dos drive-ins para se assistir um filme em tela grande; ou mesmo nos museus agendados e teatros vazios (mas cheios de emoções e novas ideias); a cultura sobreviverá, renascerá, surpreenderá.

Como sempre foi, ainda é, sempre será. Desde que o Homo Sapiens passou a contar histórias em torno das fogueiras para atiçar a imaginação de todos para uma vida além da mesmice do dia-a-dia, confinados ou não. Histórias foram escritas. Publicadas. E não há nada como abrir-se um livro impresso em papel e viajar através do tempo, dos mistérios e dos espaços para descobrir mundos diversos e alegrias sem fim.

Em suma, só para lembrar o que todos sabem: a pandemia vai passar. Sabe-se lá quando ou como. Como no rio de Heráclito, não seremos os mesmos, nem o rio, mas histórias para contar não irão faltar, dando origem a um Decameron ou a um Rei Lear, mas “normal” nada será. Que sejamos melhores, então!

*Martin Feijó é historiador, doutor em comunicação pela USP e professor de comunicação comparada na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).


RPD || Entrevista especial: País precisa de uma estratégia articulada contra a pandemia, diz Luiz Santini

Ex-diretor do Instituto Nacional do Câncer (Inca) por 10 anos, o médico e pesquisador Luiz Santini avalia que o governo federal erra na luta contra o novo coronavírus por subutilizar o Sistema Único de Saúde (SUS) e pela ausência de uma liderança nacional, o que implica a falta de confiança no que está sendo implementado, entre outros fatores

Por Caetano Araujo e Paulo Santa Rosa

“A comunidade dos índios Yanomamis não está, digamos, preparada imunologicamente para responder a medidas destinadas a controlar ou reduzir os danos possíveis de uma epidemia. Em segundo lugar, a distribuição de medicamentos que até hoje não contam com a devida comprovação de sua eficácia concreta, do ponto de vista médico-sanitário, para conter um surto epidêmico constitui, a meu ver, uma atitude irresponsável, de parte do Ministério da Saúde, do Ministério da Defesa, do governo de um modo geral", alerta o médico Luiz Antonio Santini, pesquisador do CEE-Fiocruz, que, por dez anos (2005-2015), dirigiu o Instituto Nacional do Câncer (Inca).

O pesquisador do CEE-Fiocruz, que vem estudando há algum tempo a questão da metáfora da guerra aplicada à área da saúde, como atualmente muitos governos – inclusive o brasileiro – tratam o combate à pandemia do novo coronavírus, critica tal forma de enfrentamento. “Imaginar que se possa recorrer a um enfrentamento, tipo belicoso, contra uma pandemia, é totalmente inadequado”, avalia. No caso brasileiro, fica ainda pior, pondera. “Agora, para o nosso caso aqui, para o Brasil, o mais importante seria haver uma estratégia articulada. Poderemos evitar mortes, como poderíamos ter feito no passado, ao invés de seguir vivendo esse processo caótico que ainda nos levará a um número maior de mortes evitáveis. Isso é trágico, merecíamos uma situação diferente dessa, sem dúvida alguma”, completa.

O envolvimento das Forças Armadas na gestão da saúde pública do país e a tentativa do governo federal de tentar se eximir de responsabilidade na pandemia estão no centro da mais nova polêmica envolvendo o Governo Bolsonaro, após críticas feitas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que citou o genocídio de índios por conta das ações do Ministério da Saúde, além de ter criticado o excesso de militares na Pasta. “De qualquer forma, concordo com que, caso se confirme a notícia de distribuição da cloroquina aos índios de Roraima, poderá haver risco de dano irreparável àquelas populações”, alerta Santini.

Santini é o entrevistado especial desta 21ª edição da Revista Política Democrática Online. Na entrevista, o pesquisador do CEE-Fiocruz acredita ser possível imaginar que, até o final do ano, mesmo antes do surgimento de uma vacina, essa doença possa estar controlada no Brasil. “Temos uma grande vantagem sobre vários outros países, que é um sistema de saúde robusto, o SUS, mesmo não tendo sido até o momento adequadamente aproveitado”, afirma Santini.


“Na minha condição de diretor do Instituto Nacional de Câncer por dez anos, aprofundei estudos sobre o tema, aproveitando um período de grande impulso no campo do conhecimento a respeito da doença. Pude, então, verificar com toda clareza que a referida metáfora (guerra) era inadequada, para explicar a origem ou propor estratégia eficaz para se enfrentar o problema”

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Revista Política Democrática Online (RPD): Foto divulgada por matéria de jornal de Roraima registra a chegada de carregamento de cloroquina para ser distribuído aos índios Yanomamis. A notícia, posteriormente reproduzida por outros órgãos de imprensa no país, pode ter embasado a recriminação do Ministro Gilmar Mendes de ausência de uma política sanitária responsável de parte do governo, de combate à pandemia do coronavírus, com menção inclusive a eventual genocídio?

Luiz Santini (LS): Eu creio que sim. À margem da polêmica criada em torno da expressão usada pelo ministro, destaco, em primeiro lugar, que a comunidade dos índios Yanomamis não está, digamos, preparada imunologicamente para responder a medidas destinadas a controlar ou reduzir os danos possíveis de uma epidemia. Em segundo lugar, a distribuição de medicamentos que até hoje não contam com a devida comprovação de sua eficácia concreta, do ponto de vista médico-sanitário, para conter um surto epidêmico constitui, a meu ver, atitude irresponsável, de parte do Ministério da Saúde, do Ministério da Defesa, do governo de um modo geral. Se isso vier a se configurar como um genocídio ou não, caberá aos órgãos da Justiça, até aos tribunais internacionais, avaliarem. De qualquer forma, concordo com que, caso se confirme a notícia de distribuição da cloroquina aos índios de Roraima, poderá haver risco de dano irreparável àquelas populações.

RPD: Em artigo recentemente veiculado pela Fundação Oswaldo Cruz, o senhor recorreu à metáfora de uma guerra para descrever o combate à epidemia. Considerando o efeito colateral de mortes no caso da guerra, poderia ampliar esse seu comentário?

LS: Há algum tempo, venho estudando essa questão da metáfora da guerra aplicada à área da saúde. Desde quando se identificou, lá no final do século passado, um micro-organismo que produzia doença, uma consequência natural e até compreensível, dentro do paradigma pasteuriano, foi gerar a ideia do combate, como metáfora principal e organizadora do pensamento médico. Ao longo dos anos, porém, a ciência tem demonstrado que, na verdade, o agente causal de uma doença é composto por múltiplos fatores, entre os sociais, ambientais e, até, os relacionados à capacidade de reação do próprio indivíduo. A metáfora da guerra foi, assim, totalmente desautorizada do ponto de vista da ciência, ainda que, no imaginário coletivo, continue popular. Na minha condição de diretor do Instituto Nacional de Câncer por dez anos, aprofundei estudos sobre o tema, aproveitando um período de grande impulso no campo do conhecimento a respeito da doença. Pude, então, verificar com toda clareza que a referida metáfora era inadequada, para explicar a origem ou propor estratégia eficaz para se enfrentar o problema. Por exemplo, o Presidente Richard Nixon lançou, ainda nos anos 1960, o que chamou literalmente de “guerra” contra o câncer. Destinou recursos expressivos para alcançar o objetivo no espaço de cinco anos, inversão que fez história na luta contra o câncer, permitindo, inclusive, a criação do Instituto Nacional de Câncer americano, um dos maiores centros financiadores de pesquisa, de pesquisa básica, no setor. Mas, se de guerra se tratava, ela foi perdida. A doença continua grassando. Imaginar que se possa recorrer a um enfrentamento, de tipo belicoso, contra uma pandemia, é totalmente inadequado.

“Além de transferir a culpa pelos óbitos, a estratégia da guerra implica a normalização do dano colateral. Torna-se aceitável a morte de várias pessoas, a começar pelos profissionais de saúde. Isso precisa ser revisto. A conclusão de ‘vamos todos morrer um dia’ não edifica”

Restringindo-me à pandemia em curso e simplificando a questão, aponto duas características principais. A primeira, comum na origem das pandemias, é a humanização de um vírus animal, como foram os casos da gripe aviária, da febre suína, da síndrome da vaca louca E por que acontece isso? Porque ocorre, frequentemente, certo desequilíbrio ambiental, em que as situações que excluíam o contato entre os animais e as pessoas têm lugar, devido a uma possível maior exposição. A febre amarela é um bom exemplo disso no Brasil. A reurbanização da febre amarela foi consequência da expansão da fronteira agrícola, da expansão da utilização de florestas e das áreas de florestas, o que reforça a tese da inadequação da metáfora bélica no controle de pandemias.

Há, ainda, outros ângulos a serem considerados nessa discussão. Além de transferir a culpa pelos óbitos, a estratégia da guerra implica a normalização do dano colateral. Torna-se aceitável a morte de várias pessoas, a começar pelos profissionais de saúde, expostos, em grande escala no país, à doença, muitas vezes sem a devida proteção. Isso precisa ser revisto. A conclusão de “vamos todos morrer um dia” não edifica. É verdade que há mais registros de morte por câncer e doenças cardiovasculares do que por Covid-19, mas em um intervalo temporal completamente diferente da atual pandemia.

RPD: Não obstante o fato de que são insuficientes as informações de que dispomos sobre a pandemia, para a angústia dos pesquisadores, pode-se, com seriedade, arriscar alguma previsão quanto ao seu desenvolvimento, no Brasil, nos próximos meses? E que implicações políticas, extraídas dessa conjuntura, afetará a popularidade dos governantes?

LS: Esclareço, de início, que não sou um especialista em epidemiologia, mas tenho conversado com epidemiologistas e lido bastante sobre a doença. De fato, estamos ainda aprendendo com essa doença. Tudo se dificulta ante a desorganização de uma possível estratégia nacional de enfrentamento, bem como o tempo perdido com discussões adjetivas, em claro prejuízo para todos. A falta de conhecimento estruturado sobre a doença; a ausência de organização; a falta de liderança; e uma disposição permanente de questionar a própria ciência são fatores muito graves para a implementação de uma política pública eficaz. Fica, assim, muito difícil ensaiar previsão do que possa acontecer em função da história natural da pandemia.

De qualquer forma, tem-se observado, em experiências ainda recentes, certa redução dos indicadores clássicos da pandemia, como a utilização de leitos de UTI, cifras da mortalidade diária ou semanal e o número de novos casos. Talvez esse cenário, a se manter firme, possa indicar um eventual achatamento da curva de contaminação e óbitos, desde que se intensifique a testagem, para, entre outros, evitar maiores consequências em caso de uma temida segunda onda de contágios.

Em resumo, acho possível imaginar que, até o final do ano, mesmo antes do surgimento de uma vacina, essa doença possa estar controlada no Brasil. Ainda mais porque temos grande vantagem sobre vários outros países, que é um sistema de saúde robusto, o SUS, mesmo não tendo sido até o momento adequadamente aproveitado. Por exemplo, toda a estrutura de atenção básica, de atenção primária, do SUS, que é de vital importância, não foi utilizada, ou foi mal utilizada. Os agentes comunitários de saúde, o Programa Saúde da Família, nada disso foi mobilizado de forma adequada, para enfrentar o problema, o que também dificulta eventual previsão.

Quanto à questão política, mantida essa atitude governamental de ausência de uma liderança, e, portanto, de falta de confiança no que está sendo implementado, acredito que a tendência é não se conseguir equacionar esse problema até o fim do ano, vale dizer, o aparecimento de uma vacina, e, quando aparecer, isso só será significativo para o próximo episódio da pandemia. Para esse cenário, a vacina que existe é a estratégia do isolamento, da lavagem de mãos, ou seja, é a mesma estratégia que foi seguida há mais de 100 anos no combate à Gripe Espanhola.

“Acho possível imaginar que, até o final do ano, mesmo antes do surgimento de uma vacina, essa doença possa estar controlada no Brasil. Ainda mais porque temos tem grande vantagem sobre vários outros países, que é um sistema de saúde robusto, o SUS, mesmo não tendo sido até o momento adequadamente aproveitado”

RPD: Considerando que vírus preocupantes, como o HPV, por exemplo, até hoje são tratados com algum êxito via remédios e não, ainda, com vacinas, pergunto se, nessa linha, é possível algum otimismo interino para se combater a Covid-9 com o apoio preliminar de medicamentos?

LS: Eu acredito nas vacinas que estão sendo pesquisadas no Brasil, tanto a que se desenvolve com o Butantã, como a da parceria com a Fiocruz, que é da Universidade Oxford e outras instituições internacionais. As duas instituições brasileiras têm não só experiência reconhecida na produção de vacinas – uma questão tecnológica necessária para etapa seguinte, a produção em escala –, mas também capacidade de avaliar o potencial das vacinas e dos medicamentos. São instituições que têm larga tradição nesse tipo de ciências, de conhecimento científico e produção tecnológica, produção até industrial. Por isso, acho que são projetos promissores.

Acrescento outro dado positivo. O Brasil tem larga experiência no setor da vacinação, mais um traço reconhecido do Sistema Único de Saúde. Desde os anos 1980, desenvolvemos programa nacional de imunização, que é considerado exemplar, pela eficiência e amplitude com que foi implementado.

Temos de reconhecer um problema recente, ligado a um movimento antivacina, por enquanto basicamente circunscrito aos Estados Unido, vale dizer, a grupos religiosos extremados, que defendem a tese de que há vacinas destinadas a imunizar meninas contra um vírus transmissível pela relação sexual, mensagem inequívoca, segundo eles, de incentivo à liberação sexual das jovens. Uma maluquice total, compreensível, entretanto, dentro daquela cultura de setores negacionistas da sociedade americana. Mas de minha parte, considero a vacina algo promissor.

Quanto aos medicamentos, recordemos que já existem linhas de produção muito ativas, desde o surgimento do HIV e da AIDS, com avanços significativos no campo de medicamentos antivirais, que podem nos trazer boas notícias em curto prazo. Acredito que isso vá acontecer.

Agora, para o nosso caso aqui, para o Brasil, o mais importante seria haver uma estratégia articulada. Poderemos evitar mortes, como poderíamos ter feito no passado, ao invés de seguir vivendo esse processo caótico que ainda nos poderá levar a um número maior de mortes evitáveis. Isso é trágico, merecíamos uma situação diferente dessa, sem dúvida alguma.


“Quanto à questão política, mantida essa atitude governamental de ausência de uma liderança, e, portanto, da falta de confiança no que está sendo implementado, acredito que a tendência é não se conseguir equacionar esse problema até o fim do ano, vale dizer o aparecimento de uma vacina”


RPD || Editorial: Guerra de posição

Mudaram os tempos da política. Depois da ofensiva desencadeada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) contra os focos de notícias falsas e as manifestações de rua em favor da ditadura e depois da prisão de Fabrício Queiroz, de efeitos potencialmente devastadores para o governo, aconteceu a metamorfose súbita do Presidente da República.

Da incitação cotidiana ao confronto, Bolsonaro passou para o silêncio e a costura paciente, nos bastidores, de sua base parlamentar. Foi o bastante para provocar o congelamento, e até a reversão, dos movimentos iniciais de convergência das oposições em torno da bandeira do impeachment.

Há uma premissa implícita no movimento da oposição: o afastamento, pelo menos temporário, da ameaça à democracia.

Neste caso, não seria absurdo responder à imobilidade aparente do governo com a paralisia real da oposição, especialmente no que toca aos seus movimentos de convergência e articulação. Afinal, podemos todos esperar por 2022 sem a necessidade de enfrentar o peso da cooperação com adversários históricos de embates recentes.
Infelizmente, as hipóteses de conversão ou capitulação do Presidente não são plausíveis. O governo não foi derrotado pelas instituições, nem domesticado por seus novos aliados. Sequer é possível pensar uma situação de trégua implícita entre as partes. Houve recuo, mas recuo tático; na metáfora militar, o governo passou, de forma repentina, da guerra de movimento para a guerra de posição.

Na nova situação, os objetivos do governo são claros. Blindagem no Congresso Nacional; influência na mudança no comando das duas Casas; eleição de prefeitos e vereadores aliados; e construção de um ambiente mais favorável no STF, também por meio da nomeação de novos Ministros. A regra é o fortalecimento contínuo da própria posição.
A oposição, em contraste, desarvorada com a redução brusca da tensão política, parece disposta até a renunciar, por comodidade, à única arma disponível no seu arsenal: a construção, lenta e difícil, de uma ampla frente em defesa da democracia, como se a serventia dessa frente se resumisse ao ataque final do processo de impeachment.

Claro está que não se trata da construção de uma frente eleitoral ou programática. Trata-se, sim, da urgência da cooperação em torno de uma estratégia comum para o segundo turno das eleições, a renovação das Mesas da Câmara e do Senado, o exame das indicações do Presidente para o Supremo e a construção de uma primeira linha de defesa da democracia, até no seio da base governista.

A alternativa é a oposição retórica. Na prática, a espera da marcha calendário, com todos os riscos associados à inação.


RPD || Paulo Baía: O silêncio agônico de Jair Bolsonaro

Mudez de Jair Bolsonaro nos últimos dias é apenas um recuo tático para conter um possível processo de impeachment e a ofensiva do STF no inquérito das fake news contra seus apoiadores, avalia Paulo Baía

A marca de Jair Bolsonaro, de seu governo e seus ciberapoiadores nos últimos trinta dias foi o silêncio indigesto. Uma mudez que não significa comedimento ou arrependimento dos constantes ataques à democracia. Trata-se de um recuo tático, agônico, num momento em que os múltiplos movimentos Fora Bolsonaro ganharam rosto e ecos com manifestos, abaixo-assinados e manifestações de rua em cidades significativas como São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e Rio de Janeiro.

Desde o início do governo, em janeiro de 2019, as ruas, monopolizadas por bolsonaristas em rituais de enfrentamento ao Estado Democrático de Direito, ganharam novos protagonistas reverberando o Fora Bolsonaro, aliados aos panelaços quase diários em centenas de cidades espalhadas pelo país.

O impacto das investigações do STF, conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes, sobre as ameaças à Corte e a seus amigos integrantes foi sentido. As buscas e apreensões nos gabinetes de parlamentares bolsonaristas, de empresários financiadores das manifestações contra o Congresso Nacional e o STF, a prisão de agitadores bolsonaristas contumazes nas agressões e violências em Brasília, como Sara Winter e Renan Sena, chegaram muito perto dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro. As investigações sobre a prática de fraudes na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) avançaram com a prisão, em Atibaia/SP, de Fabrício Queiroz, no sítio de Frederick Wassef, advogado do senador Flávio Bolsonaro e que se apresenta também como advogado de Jair Bolsonaro.

Os efeitos destruidores da crise sanitária da Covid-19 sobre o sistema produtivo e gerador de renda no Brasil somaram-se à ineficiência de uma política econômica essencialmente rentista conduzida por Paulo Guedes e toda a sua equipe. Os tempos do coronavírus descortinaram uma realidade para a qual Paulo Guedes não é afeito, desconhece o que tem de ser feito, mostrando-se inapto. Dessa forma, o governo já mantém plano de intervenções socioeconômicas nas gavetas da Casa Civil com o ministro Braga Neto. Jair Bolsonaro conta com a boa vontade de Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, ACM Neto, Baleia Rossi e Michel Temer, ao mesmo tempo em que constrói com os partidos fisiológicos uma minoria de 172 votos na Câmara dos Deputados. O mínimo suficiente para barrar um processo de impeachment ou de autorização para ser investigado pela PGR, se o apoio do DEM e do MDB não for diluído.

Bolsonaro foi simpático com os ministros do STF na posse de Luiz Roberto Barroso como presidente do TSE, em 25 de maio. Saudou os presidentes das casas legislativas, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, em solenidade no dia 30 de junho. Fez nomeações para cargos importantes de segundo e terceiro escalões de filiados de partidos fisiológicos, esteios do mensalão, em 2005, e da Lava-jato, de 2013 em diante. Além de comparecer à inauguração da transposição do Rio São Francisco, no eixo do Ceará, no dia 26 de junho, como apoio à sua base política visando ao processo eleitoral municipal deste ano.

É nesse contexto de recuo tático e agônico que ocorre a escolha do novo ministro da Educação, em que os partidos oportunistas aderentes terão o protagonismo. Além da condução da política para a Amazônia através do Conselho Nacional da Amazônia Legal, capitaneado pelo vice-presidente da República Hamilton Mourão, pressionado por grandes empresários para fazer um combate inflexível e abrangente ao desmatamento ilegal na Amazônia, coincidindo com as ações do Ministério Público Federal contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Não pensem que Jair Bolsonaro está contido em sua saga contra a democracia e os valores iluministas, como demonstra em sua fala mansa ao comunicar ter sido contaminado com o coronavírus e estar se tratando com cloroquina e hidroxicloroquina. É apenas tático, um movimento para conter o processo de impeachment e a ofensiva do STF no inquérito das fake news contra seus apoiadores. Mas sua atitude ambígua permanece ao insistir que a pandemia é uma chuva inofensiva, sem mencionar os mais de 72 mil brasileiros mortos (números em 13/07/2020), que a lógica da imunidade de rebanho trata como cadáveres baratos.

  • Sociólogo e cientista político.

RPD || Sérgio C. Buarque: Passivos e ativos sociais

O conhecimento, especialmente a educação, é o ativo social que muda a vida das pessoas e transforma a sociedade e a economia – eleva a renda, reduz as desigualdades sociais e contribui para o aumento da produtividade, aponta Sergio C. Buarque em seu artigo

A crise econômica e social provocada pelo coronavírus, escancarando o enorme contingente da população vivendo à margem da economia formal, reacendeu o debate em torno de alguma forma de renda mínima permanente, para proteger a população vulnerável. Este é um passivo social de grandes proporções, acumulado por décadas de baixo crescimento econômico, reduzida produtividade e descaso e incompetência das políticas sociais. Diante deste passivo social, cabe ao Estado aliviar as carências, proteger a vida e impedir a degradação humana dos brasileiros miseráveis.

A distribuição de uma renda mínima é a forma mais rápida e eficaz para atender às necessidades da população vulnerável. Constitui um instrumento de assistência social que, no entanto, não promove mudanças capazes de superar a pobreza e diminuir a desigualdade. Mesmo quando exige uma contrapartida, como a frequência à escola dos filhos dos beneficiários, na medida em que as escolas públicas são, no geral, de péssima qualidade. Indiscutivelmente importante no âmbito das necessidades, a transferência de renda não constrói a liberdade.

Além disso, a renda é um fluxo e, como tal, se esgota no momento em que é utilizada, exigindo, portanto, permanente realimentação pela fonte original, vale dizer, a receita pública. O uso da renda mínima pelos beneficiários não agrega valor e terá apenas pequeno retorno para a fonte (o governo) na forma de impostos sobre o consumo de bens e serviços.

Ao contrário da distribuição de renda, os ativos econômicos e sociais contribuem para a formação da renda e a construção da liberdade do cidadão, particularmente quando se trata do ativo conhecimento. Os ativos econômicos geram renda (salários, lucros, juros e impostos) no processo produtivo, mas têm apropriação muito desigual e, na forma de máquinas e equipamentos, também se depreciam com o uso e ficam obsoletos com o tempo.

A mudança estrutural da sociedade passa pela distribuição dos ativos sociais, principalmente o ativo conhecimento, que inclui educação, qualificação profissional e ciência. O saneamento também é um ativo social importante, oferecendo bem-estar e gerando impacto positivo na saúde da população (para cada real investido em saneamento, a sociedade economiza quatro em saúde), no aumento da produtividade do trabalho e na melhora do rendimento escolar. Mas o saneamento também se desgasta com o uso, exigindo reposição das redes e dos sistemas de distribuição. A pandemia mostrou claramente a grave desigualdade social na carência de água e esgoto nos domicílios da população pobre que, perplexa, ouvia o conselho insistente de lavar as mãos.

O ativo social que muda a vida das pessoas e transforma a sociedade e a economia – eleva a renda, reduz as desigualdades sociais e contribui para o aumento da produtividade – é o conhecimento, especialmente a educação. O conhecimento se multiplica com a utilização, tem flexibilidade de uso e não se deteriora com o tempo. Ao contrário, o conhecimento cresce e se amplia tanto mais quanto seja usado, se expandindo com a troca e a interação entre as pessoas e os saberes, porque esta é a essência do processo de aprendizagem. Estudos mostram que o aumento da escolaridade dos trabalhadores promove a elevação da sua renda por conta da melhoria de sua produtividade e de sua posição no mercado de trabalho.

Se a distribuição de renda é um fluxo que lida com as necessidades, a educação é um ativo social que constrói a liberdade. A primeira aprisiona, a segunda liberta. Por isso, é o investimento na distribuição social do ativo conhecimento (educação e qualificação) que gera a mudança estrutural promovendo o desenvolvimento e a equidade social sustentável, preparando o cidadão para a vida e para o trabalho. E, portanto, para a geração de renda. O ativo conhecimento está distribuído também de forma muito desigual no Brasil, o que constitui a causa central da desigualdade de renda. O Estado deve atuar nas duas pontas. Mas não se pode esquecer que distribuição social do ativo conhecimento (melhoria do ensino público em larga escala) é condição para superar, no longo prazo, as necessidades que demandam parcela elevada (talvez crescente) da receita pública.

Não são políticas concorrentes, mas o volume dos gastos necessários para atuar nas duas frentes exige redefinição dos padrões de financiamento público, especialmente diante da grave crise fiscal do Estado brasileiro. Para se aproximar do gasto médio da OCDE por aluno e, ao mesmo tempo, conceder renda mínima de R$ 300,00 por mês para um terço da população, seria necessário algo próximo de 13% do PIB. Não cabe no Estado brasileiro. Teriam que ser inventadas fontes adicionais, incluindo a elevação da carga tributária que já anda nas alturas, e apertados outros gastos correntes. Este é o grande nó político do Brasil.

*Sérgio C Buarque é economista, com mestrado em sociologia, professor aposentado da FCAP/UPE, consultor em planejamento estratégico com base em cenários e desenvolvimento regional e local.


RPD || Marco Aurélio Nogueira: “Democracia iliberal” e intolerância

O problema relativo à carta “Sobre a justiça e o debate aberto”, na verdade, aparece quando os progressistas brigam com quem está em seu próprio campo e aceita os mesmos valores de justiça, igualdade e direitos, avalia Marco Aurélio Nogueira, em seu artigo

A carta “Sobre a justiça e o debate aberto” [https://harpers.org/a-letter-on-justice-and-open-debate/], divulgada em 7/7/2020, teve compreensível repercussão. Numa época de pessoas, movimentos e governos dedicados a questionar, prática e teoricamente, os princípios básicos da democracia política, a defesa da prevalência do diálogo soou como provocação.

Ao que tudo indica, foi esse mesmo o objetivo da carta assinada por Salman Rushdie, Noam Chomsky, Winton Marsalis, Francis Fukuyama, Gloria Steinem, Fareed Zakaria, Mark Lilla e Margareth Atwood , entre outros 150 acadêmicos, jornalistas e artistas. Eles acharam por bem marcar posição contra a desigualdade racial e a brutalidade policial, apoiar os protestos antirracistas que explodiram nos EUA e, ao mesmo tempo, lamentar o “clima de intolerância que se instalou por todos os lados”. Quiseram criticar o surgimento de um “novo conjunto de atitudes morais e compromissos políticos em detrimento do debate aberto”, o que teria terminado por fazer com que a conformidade ideológica “diminuísse a tolerância às diferenças”.

Com isso, o manifesto provocou reações negativas generalizadas. Foi visto por alguns como tolerante demais com as condições pouco democráticas vigentes em diversos países, a começar nos EUA, onde há ameaças explícitas recorrentes aos direitos humanos e à dignidade dos cidadãos. Apoiadores da Black Lives Matter não gostaram da carta, que questiona as vertentes identitárias exacerbadas. “É um amontoado de declarações vagas que parecem defender a liberdade de expressão. Mas quem não é favorável à liberdade de expressão? Na realidade, o que defendem é uma expressão sem consequências para aqueles que sempre usufruíram dessa liberdade”, fuzilou a escritora Rebecca Solnit.

Talvez tenha havido, entre os signatários, ingenuidade e erro de cálculo, pois esse progressismo está em ascensão e a situação que predomina em diversas sociedades o beneficia. Como ser “tolerante” com um racista discriminador, como instituir o diálogo com um fanático negacionista ou um machista violento? Reivindicar o direito de discordar quando todos discordam de todos o tempo todo pareceu ser algo supérfluo.

O problema, na verdade, aparece quando os progressistas brigam com quem está em seu próprio campo e aceita os mesmos valores de justiça, igualdade e direitos. O debate, nesse caso, tem-se mostrado bastante improdutivo. Não só porque a livre troca de informações está travada, mas também porque a má vontade com o argumento dos outros se ampliou demais e a agressividade prevalece nas conversas, sobretudo nas redes. Sobra, portanto, intolerância.

Formas de “democracia iliberal” estão espalhadas hoje pelo mundo. Estão vivas no Brasil de Bolsonaro. Em todas as situações o quadro se repete: governantes eleitos pelo voto, com seus partidos e movimentos fanatizados, usam expedientes democráticos para minar a democracia, corroê-la por dentro, por meios insidiosos, seja como valor, seja como ideia de representação política, governança e organização institucional do Estado.

Os “iliberais” atacam os fundamentos do liberalismo político, no qual a democracia representativa e os direitos políticos ocupam lugar de destaque. Pretendem ser liberais na economia, mediante incentivos desenfreados à desregulação, à privatização e ao mercado livre. Costumam, também, defender a liberdade de expressão de maneira tortuosa, sem concebê-la de modo irrestrito, ou seja, negando-a aos adversários e restringindo-a ao direito de dizer tudo o que for contra o “politicamente correto” e a democracia substantiva. Fabricam inimigos por todo lado, falseiam informações e organizam campanhas de difamação.

O clima criado pelos “iliberais” não é sem consequências. Tem favorecido a expansão de uma zona contaminada no próprio campo democrático, dificultando sua autoconsciência e sua organização. Paralisados pelas dificuldades criadas pelos adversários momentaneamente “empoderados”, os democratas giram em torno de si próprios, muitas vezes brigando com suas sombras e autoimagens. Com isso, deixam de fechar o cerco ao autoritarismo e a tudo o que há de indesejável na vida atual. Dispersam-se, quando deveriam se unir.

No Brasil, em particular, o atual governo é um misto de autoritarismo explícito e “iliberalismo” inconsistente. É uma plataforma doutrinária de ocasião, rasa e desprovida de teoria. O “gabinete do ódio” fornece sua melhor expressão. Em nome de uma ideia torta de liberdade, ele promove um ataque incansável aos princípios constitucionais básicos, aos direitos humanos e aos institutos voltados para a separação dos poderes e o controle social. Em vez de governo, tem-se na verdade um front ideológico, uma brigada dedicada à guerra cultural, ao combate à ciência, à cultura e à intelectualidade.

Faz-se assim a degradação nominalmente democrática da democracia.

O resultado é trágico, até por se combinar com a pandemia e com uma sociedade cortada pela desigualdade. “Democracia iliberal” é um nome pomposo para o autoritarismo dissimulado, que está agravando os diferentes problemas nacionais e paralisando os democratas. Há uma marcação cerrada do Poder Judiciário sobre o governo e suas práticas, o que representa uma importante redução de danos. O Congresso Nacional tem-se movimentado também e ajuda a moderar a virulência governamental. Mas falta alguém para colocar o guizo no gato.

O efeito negativo é múltiplo. O país está perdendo confiança em si próprio. Sua imagem externa é deplorável, perdem-se espaços estratégicos na economia mundial. Internamente, a solidariedade e a liderança (política, intelectual) estão-se evaporando, com uma dificuldade brutal para fixar uma perspectiva de crescimento, recomposição da infraestrutura, de reforma do Estado e combate à desigualdade. Estamos carentes de políticas sociais de inclusão e proteção.

A intolerância e o tratamento autoritário das diferenças políticas empurram o país para trás. Não há como evitar que postulações identitárias se espalhem pela sociedade, à esquerda e à direita. Elas não podem, porém, congestionar o espaço democrático ou bloquear uma coesão política que possibilite a construção do futuro. A saída passa, estrategicamente, por uma articulação política que unifique os democratas e garanta a pluralidade inerente à complexidade social em que vivemos.

*Marco Aurélio Nogueira é Professor Titular de Teoria Política da Unesp (Universidade Estadual Paulista).


RPD || Lilia Lustosa: Cine Drive-in. O retorno?

A pandemia do coronavírus Covid-19 tem ressuscitado o cinema drive-in em várias regiões do Brasil e do mundo. Na Capital Federal, o único em funcionamento contínuo foi declarado patrimônio cultural e material do Distrito Federal em 2017

Em 2016, o site de viagens Tripadvisor anunciava o Cine Drive-in de Brasília como o último sobrevivente da categoria na América Latina, convertido assim em atração turística da capital brasileira. Seguiu sendo realidade até a inauguração do CineCar em Interlagos, São Paulo, no ano passado, que passa atualmente por verdadeira revolução desde a chegada da pandemia, quando o bom e velho Drive-in foi “ressuscitado” em quase todo o mundo. Mas será que essa modalidade de cinema, tão popular nos anos 50, 60 e 70 voltou mesmo para ficar ou estamos aqui diante de um paliativo para tempos pandêmicos? Será que depois que a vacina chegar os baby boomers estarão dispostos a trocar o conforto do sofá de casa ou de uma poltrona de Multiplex por um banco de carro com o único propósito de reviver a experiência de sua juventude? E as gerações X, Y e Z estarão prontas para embarcar nessa “nova” modalidade de cinema em que a imagem é vista através do para-brisa e o som, escutado pelas ondas do rádio?

Durante a pandemia, o sucesso do Drive-in já é fato. Desde que as cidades começaram a entrar em quarentena, essa modalidade de cinema tornou-se uma das poucas opções para os que desejavam assistir a um filme em tela grande e/ou de forma coletiva. Nos Estados Unidos, onde surgiu, mesmo durante a fase de isolamento, dos cerca de 300 Drive-ins ainda em funcionamento, 25 continuaram abertos, segundo a Drive-in Theatre Owners Association. E agora, com a retomada gradual das atividades em vários Estados, outros tantos se somaram à lista, como em vários países do mundo. No Brasil, os Drive-ins vêm ganhando cada vez mais espaço, a maioria em caráter provisório, implementados por empresas de organização de eventos, muitas vezes em parceria com os próprios exibidores, que veem nesta velha fórmula uma solução temporária para sua sobrevivência.

No Rio de Janeiro, o Jeunesse Arena e a Cidade das Artes criaram seus Drive-ins aproveitando os espaços de seus estacionamentos vazios. Em São Paulo, o Allianz Parque inaugurou o Arena Sessions, com uma super tela LED de alta definição; o Memorial da América Latina foi transformado em Drive-in por meio de uma parceria com o cinema Petra Belas Artes; e a rede Centerplex montou seu cinema no Centro de Tradições Nordestinas. Ainda na capital paulista, a Dream Factory anunciou a criação da rede Dream Parks, com atuação prevista em 8 Estados brasileiros por um período de 3 meses. E até mesmo Brasília, que já conta com seu Drive-in permanente desde 1973, viu parte do estacionamento do Aeroporto Juscelino Kubistchek ser transformado em palco para o Festival Drive-in, oferecendo de julho a agosto programação cultural que, além de filmes, inclui apresentação de orquestra sinfônica e shows stand-up.

Mas será que os grandes produtores e distribuidores de blockbusters estarão dispostos a lançar suas superproduções em cinemas desse tipo? Ou será que as telas a céu aberto continuarão sendo destinadas a filmes tipo B ou aos vintages, como nos últimos tempos? E qual será o destino dos dois únicos Drive-ins permanentes de nosso país? Continuarão a ser “atrações turísticas”? A tendência é que, depois de passada a pandemia, tudo volte a ser como antes e que os Drive-ins sigam sendo um programa exótico e pitoresco, atividade a ser realizada a cada tanto. O consolo para os proprietários desse tipo de estabelecimento é que este período está servindo, ao menos, para colocá-los de volta no mapa das opções de entretenimento, apresentando-o às novas gerações que, quiçá, se sintam interessadas e responsáveis por sua perpetuidade.

O Cine Drive-in de Brasília goza de uma situação privilegiada, tendo – pelo menos, por enquanto – sua existência assegurada. Depois de quase ter sido fechado em 2014, foi declarado patrimônio cultural e material do Distrito Federal em 2017, de acordo com a lei n° 6.055, proposta pela deputada distrital Luzia de Paula. O espaço, que conta com uma tela de 312m² (a maior do Brasil), ficou fechado por 40 dias no início da pandemia, mas retomou às atividades no fim de abril, com um público cada vez maior. Segundo a proprietária, Marta Fagundes, o público triplicou depois da reabertura, apesar das adaptações feitas para se adequar aos protocolos de segurança que a época exige: redução de 50% da capacidade (de 400 para 200 carros), distanciamento de 1,5m entre os veículos, compras dos ingressos apenas online, uso dos banheiros por uma pessoa a cada vez, uso obrigatório de máscara e fechamento da lanchonete.
Segundo Marta, que está à frente do empreendimento há mais de 40 anos e é uma apaixonada defensora dos Drive-ins, a vantagem desse tipo de cinema é a liberdade oferecida ao espectador. Pode levar lanche, falar ao celular, discutir o filme, levar cachorro… quase tudo é permitido, menos acender os faróis do carro, para não atrapalhar a qualidade da projeção.

Para quem nunca viveu a experiência e quer ter uma ideia de como funciona um Drive-in, uma excelente dica é o longa O Último Cine Drive-in (2015), de Iberê Carvalho. Um filme extremamente sensível que mostra uma relação complicada entre pai e filho, tendo como “tela de fundo” a história da decadência de um Drive-in em tempos de Multiplex. Ou seria o contrário? O protagonismo desse cinema é tão grande que mais correto seria dizer que o conflito familiar é que é a “tela de fundo” da história. O filme presta também linda homenagem aos amantes da sétima arte e aos demais guerreiros donos de Drive-ins ou de salas de cinema de rua, que sofrem com a invasão dos grandes conglomerados de exibidores. Com um cenário repleto de cartazes envelhecidos de filmes, projetores antigos (35mm) e um certo Marlonbrando (Breno Nina), filho do Seu Almeida (Othon Bastos), dono do Drive-in, o filme funciona ainda como um grito de alerta para o estado complicado pelo qual passa a sétima arte no nosso Brasil. A mãe de Marlonbrando, Fátima (Rita Assemy), agonizando no hospital público da capital, bem pode ser a metáfora perfeita para nossa arte tão necessitada de cuidados intensivos.

Com uma fotografia belíssima que explora o vasto horizonte da capital brasileira, retratada por uma paleta de cores em que predominam os tons amarronzados e alaranjados, o filme reflete a terra batida, a grama seca e o concreto que dão corpo e asas a essa cidade-uma-vez-sonho. O céu-mar e a luz forte e intensa, tão característicos da jovem senhora Brasília, tampouco são deixados de lado, ocupando boa parte do campo e dando ainda mais força e personalidade ao também jovem cinema brasiliense. Iberê Carvalho orgulha sua terra e faz jus aos versos do mestre Vladimir Carvalho, cineasta paraibano que adotou Brasília como sua cidade-musa, já tendo feito vários filmes sobre a história e a cultura de nossa capital: “Brasília, Claro Enigma, luz incandescente batendo na lente!”[1].

[1] Verso incrustado no jardim do Cinememória, museu do cinema localizado em Brasília, criado por Vladimir Carvalho.

* Lilia Lustosa é crítica de cinema.


RPD || José Vicente Pimentel: A reeleição contaminada

Pesquisas eleitorais detectam certo cansaço da opinião pública com Trump e dão ao democrata Joe Biden folgada vantagem na corrida presidencial. Pandemia e o assassínio de George Floyd por policiais em Minneapolis estão entre os fatores principais

Donald Trump elegeu-se presidente dos Estados Unidos sem nenhuma experiência em administração pública, algumas convicções e ego enorme. Entende que o papel do governo é providenciar estímulos fiscais e financeiros às empresas, com um mínimo de regulamentação ambiental, científica, educacional e social. Por isso, impôs-se a missão de destruir o legado de Barack Obama. Desse ponto em diante, o mercado se encarregaria de recolocar a América em primeiro lugar.

Vale notar que o mote “America first” já foi usado por políticos democratas e republicanos. Philip Roth, no livro-cult “Complô contra a América”, imagina como Charles Lindbergh teria conduzido o país ao fascismo, se tivesse vencido a eleição contra Franklin D. Roosevelt, em 1940. Na vida real, Lindbergh era, além de aviador, o porta-voz do America First Committee, grupo de pressão com caráter francamente protofascista.

Sem muitas ideias, mas com a autoconferida aura de negociador emérito, Trump interferiu fundo no Departamento de Estado. Reincorporou o personagem do programa “O Aprendiz”, que viveu na TV, e despediu funcionários até do terceiro escalão. Censurado por enfrentar negociações difíceis com a OTAN com reduzidíssima assessoria diplomática, deu de ombros: “o único que importa sou eu”.

Voluntarista, embora sem objetivos claros, investiu contra a ONU e o arcabouço multilateral criado em 1945, sem propor nada capaz de aperfeiçoá-lo ou substituí-lo. Radicalizou a diplomacia presidencial, permitindo que sua antipatia por Emmanuel Macron, Angela Merkel e Justin Trudeau interferisse nos negócios de Estado. Por outro lado, cortejou Kim Jong-um, não se sabe bem para que, pois o norte-coreano não desistiu do programa nuclear nem diminuiu as arestas com a Coréia do Sul.

A Rússia é um capítulo à parte. Trump nutre admiração explícita por Vladimir Putin e está sempre pronto a relevar as transgressões do russo, mesmo quando as denúncias são de que estaria concedendo incentivos pecuniários para que militantes talibãs assassinassem soldados americanos no Afeganistão. Sua atitude não contribui para diminuir a desconfiança de que dinheiro russo teria financiado os negócios imobiliários da família Trump em Dubai e no SoHo. Os rumores talvez desparecessem se Trump tornasse público seu imposto de renda, o que ele se recusa a fazer.

Com a China se dá o embate maior. Não está claro quem está ganhando o jogo. O que se verifica são os prejuízos que todos os países sofrem, em decorrência da guerra comercial. A incerteza nas relações entre Washington e Pequim deixa o mundo sem meios de planejar o futuro. Para agravar a incerteza, as revelações de John Bolton, ex-diretor de Segurança Nacional, em livro recém-publicado, segundo as quais o presidente seria, nas negociações com Xi Jinping, mais “suave” do que diz de público, são constrangedoras e geram mais dúvidas sobre os objetivos americanos.

A atual Casa Branca não abre as portas a intelectuais e cientistas, como já foi de praxe. Trump se declara cético quanto a vacinas. Diz que o aquecimento global é uma invenção dos chineses para brecar o crescimento das empresas americanas. Marginalizou cientistas e pesquisadores. O historiador Douglas Brinkley declarou em audiência na Câmara Federal que “Donald Trump é o presidente mais anticiência e antiecologia que jamais tivemos”.

Enquanto a economia apresentou bons resultados, Trump surfou na onda. Mesmo o processo de impeachment na Câmara não teve consequências mais danosas, pois a maioria republicana no Senado o blindou. Então, surgiu o Covid-19.

Desde então, Trump parece desnorteado. Primeiro, negou a gravidade da pandemia; depois, fez-se curandeiro e receitou tratamentos, que os médicos logo desaprovaram; previu que a doença iria magicamente embora e o coronavírus, três meses depois, continua ali, firme. Delegou o comando das ações aos governadores e o de Nova York, Andrew Cuomo, dá lições diárias de como um líder deve se comportar numa crise; conclamou os estados a flexibilizarem a quarentena e os que o seguiram têm agora que fechar outra vez. Trump não visita hospitais, não tem gestos de empatia para com os doentes. Parece mesmo convencido de que o vírus é chinês e foi criado para avacalhar-lhe a economia.

É quando advém o assassínio de George Floyd por policiais, em Minneapolis. O vídeo da barbárie repercute e motiva manifestações antirracistas em todo o território americano. Trump não condena os policiais e, sim, os manifestantes, que estariam a serviço de uma organização terrorista, o que não se comprova, porém reacende a polêmica sobre a insensibilidade, o racismo e até o protofascismo do presidente.

Recentes pesquisas detectam certo cansaço da opinião pública com Trump e dão ao candidato democrata Joe Biden folgada vantagem na corrida presidencial. Faltam 4 meses para as eleições, e o poder do presidente em exercício é imenso, sem dúvida. Mas, se Biden mantiver os democratas unidos, controlando os radicais, pode ganhar também o eleitorado do centro. Nesse caso, a vitória será consagradora. Ou seja, quem colocou todas as fichas na reeleição do republicano se prepare para uma provável desilusão.

*José Vicente Pimentel é embaixador.


RPD || Benito Salomão: PEC do Teto e Investimento Público

Sufocar os investimentos públicos e, portanto, a capacidade de crescimento da economia, é uma das falácias que ameaça a Emenda Constitucional 95, avalia o economista Benito Salomão em seu artigo

Em meio à proliferação dos casos confirmados de coronavírus ao longo do território nacional, o país tem de lidar com uma segunda pandemia, a de ideias erradas. Dentre as muitas propostas estapafúrdias que vêm a baila, surge a ideia oportunista e ideológica de revogar o Novo Regime Fiscal (NRF). Como toda falácia, ideias erradas portam maquiagem e alguns argumentos acerca dos efeitos da Emenda Constitucional 95 que, embora pareçam verdadeiros, não resistem a uma simples consulta aos dados.

A primeira acusação falaciosa acerca da PEC do Teto é de sufocar os investimentos públicos e, portanto, a capacidade de crescimento da economia. Ambos os argumentos são falsos. Os limites para crescimento do gasto público do NRF entraram em vigor apenas em 2017; os investimentos públicos do Governo Federal vinham em queda desde meados de 2013. Além disso, grande parte dos investimentos públicos anteriores até então eram financiados via pedaladas fiscais, ou seja, o Tesouro utilizava temporariamente os bancos públicos para pagar obras do PAC e do Minha Casa Minha Vida. É falso que o limite imposto ao crescimento do gasto público tenha prejudicado as despesas com investimentos.

Na verdade, o grande fator inibidor do investimento no Brasil é o crescimento inercial do componente permanente do gasto público (Previdência e salários). Sobre isto, a supracitada PEC tem exercido papel interessante. Primeiro, porque, após a incorporação do NRF, se contava com a aprovação de uma reforma da Previdência que atenuasse a tendência de crescimento do gasto previdenciário. Tal reforma estava prevista para ocorrer em 2017. Em razão, porém, do conjunto de choques políticos que se sucederam, ela foi aprovada apenas em finais de 2019. Segundo, porque a PEC impõe uma dinâmica ao gasto com pessoal da União, distinta do verificado ao longo das últimas décadas. Sob os limites do NRF, a elite da burocracia passa a competir com as demais rubricas do orçamento, de forma que reajustes salariais devem necessariamente ser compensados por quedas em outras áreas, o que aumenta o custo político dos reajustes concedidos.

Para além do crescimento inercial de despesas permanentes, outros fatores limitam a capacidade de investimento do setor público no Brasil. O primeiro é a dificuldade em classificar investimento. A Lei 4.320/64 estabelece investimento apenas como dispêndios ligados ao capital físico, tais como obras, equipamentos e materiais permanentes. A legislação atual não contempla capital humano como um tipo de investimento. Como efeito sobre o crescimento econômico, uma obra que demore 4 anos para ser concluída, por exemplo, afeta o PIB ao longo desse período, pela contratação de trabalhadores e de insumos para executá-la. Um investimento em educação, por sua vez, que mitigue o analfabetismo e aumente as habilidades básicas e específicas da população, tem potencial de elevar o crescimento do PIB de forma perene, ainda que na contabilidade pública não seja apresentado como um investimento.

Por outro lado, em se tratando exclusivamente dos investimentos em capital físico, a Lei 8.666/93, que regulamenta a forma como são feitas as licitações e, portanto, contratados os serviços e obras públicas no Brasil, precisa de reformas. O processo de licitação tem de ser mais ágil, transparente e mais aberto à ampla concorrência, aí incluídas empresas estrangeiras. A forma como essas obras são fiscalizadas e pagas também deve ser ajustada. Novos processos carecem de reflexão por parte das instituições de controle, no tocante ao encurtamento dos prazos para certidões, medições e demais exigências, de forma a que os cronogramas das obras não sejam atrasados (e, por conseguinte, tenham os preços ajustados). Urge, ainda, ainda pensar-se um sistema de garantias de obras públicas, evitando-se, assim, que uma obra construída reclame tão cedo reparos, com oneração ao Tesouro.

São várias as razões porque o investimento público se tem comportado no curso desta década da maneira como conhecemos. Isto pouco tem a ver com o Novo Regime Fiscal, vigente há poucos anos. Solucionar isto envolve um conjunto de micro reformas a ser considerado após a pandemia. O que não se pode é, a pretexto de fomentar o crescimento e o desenvolvimento social via gasto público, revogar uma regra fiscal conquistada graças ao grande esforço legislativo que legou ao Brasil taxas de juros e inflação historicamente baixas, segundo os padrões nacionais. A PEC do Teto dos Gastos precisa ser preservada.

  • Doutorando em Economia UFU, Visiting Researcher at UBC.

RPD || Andrei Meireles: Queiroz e outros fantasmas do passado que assombram Bolsonaro

Decisão do presidente do STJ, que concedeu prisão domiciliar ao faz-tudo Queiroz, dá um alívio temporário ao presidente Jair Bolsonaro. A investigação é a mais avançada sobre o passado que atormenta o governo Bolsonaro desde a divulgação, antes até mesmo da sua posse

Como habitual nos últimos recessos do Judiciário, o clã Bolsonaro voltou a ganhar algum fôlego com decisão controvertida de um ministro plantonista que não é o juiz natural da causa. Dessa vez, a canetada na quinta-feira (9) foi do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, que acatou pedido da defesa e transferiu Fabrício de Queiroz do presídio em Bangu 8 para prisão domiciliar. Decisão extensiva a Márcia de Aguiar, mulher de Queiroz, que estava foragida, a pretexto de que, fora da cadeia, ela não poderia cuidar do marido, em casa.

O que dizem seus colegas no STJ é que o ministro João Noronha concedeu os benefícios ao casal Queiroz na expectativa de melhorar suas chances na disputa por uma das duas vagas a ser indicada pelo presidente Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal. Com certeza, ele ganhou pontos.

Fabrício Queiroz virou fantasma que assombra os Bolsonaros. Ele sempre foi uma espécie de faz tudo para a família presidencial, cuidava desde a arrecadação à segurança do clã. Montou e operou o esquema das rachadinhas – devolução de parte dos salários por funcionários remunerados com dinheiro público – nos gabinetes parlamentares dos Bolsonaros. O de maior escala foi no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro em seus mandatos como deputado estadual, no Rio de Janeiro.

Essa é a investigação mais avançada sobre o passado que atormenta o governo Bolsonaro desde a divulgação, antes até mesmo da sua posse. Motivo principal das seguidas pinimbas do presidente da República com a Polícia Federal, que foi a matriz de todas as crises com o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.

Em julho do ano passado, em outro recesso do Judiciário, o ministro Dias Toffoli, presidente do STF, também com canetada polêmica, gerou pandemônio na Justiça ao suspender, a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, centenas e centenas de investigações, inquéritos e processos baseados nos relatórios do Coaf. Seis meses depois, a medida foi revogada em uma decisão quase unânime do Supremo, inclusive com o surpreendente voto favorável do próprio Toffoli. Assim, voltou a andar o inquérito das rachadinhas no Rio de Janeiro.

Serviu apenas para atrasar as investigações e trazer para a ribalta Frederick Wassef, um desses advogados que opera mais nos bastidores do que nos tribunais. A decisão do STF foi a senha para Wassef esconder Queiroz em sua casa em Atibaia, passar a monitorar os passos de sua família e tentar controlar outras pistas soltas no passado dos Bolsonaros.

Com sua disciplina militar, e medo real de represálias, Fabrício Queiroz parece não ter perfil para delação premiada. Os investigadores sabem disso. A expectativa deles era conseguir a colaboração da mulher dele, Márcia de Aguiar, ou de sua filha mais velha, Nathalia Queiroz. Márcia escapou de uma prisão preventiva se escondendo durante semanas. A canetada do ministro João Noronha, que também a colocou em prisão domiciliar com o inacreditável argumento de que, assim, ela poderia "cuidar do marido", pelo menos adia qualquer tentativa dos investigadores, de obterem sua confissão.

As provas já de posse do Ministério Público são suficientes para denúncia consistente contra Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz, e todos os demais envolvidos no escândalo da rachadinha. Portanto, a colaboração de Queiroz nesse caso não é decisiva. Ele pode ser problema bem maior para a família Bolsonaro do que nesse esquema de corrupção, que, infelizmente, é generalizado nos parlamentos, em todo o país. Queiroz é o elo exposto de uma ligação ainda não esclarecida com as criminosas milícias policiais no Rio de Janeiro. Essa é uma sombra que também assusta os aliados, principalmente os militares.

A preocupação no entorno dos Bolsonaros, após a decisão do ministro Noronha, é o advogado Frederick Wassef. Ele se sente credor da família e recusa todos os conselhos para submergir. Vaidoso, adora holofotes. Em suas seguidas entrevistas, vem apresentando teses delirantes sobre a morte do capitão miliciano Adriano Nóbrega e as ameaças a Fabrício Queiroz "por forças ocultas". O que mais incomoda o governo é sua dificuldade em dar uma versão crível sobre a sua atuação, em seu papel de "anjo" para os Bolsonaros. Ele não consegue explicar, por exemplo, quem lhe autorizou a comandar a operação clandestina para esconder Queiroz em suas casas em São Paulo.

Outra sombra do passado que acua Bolsonaro é o avanço em diversas frentes sobre o exército de robôs que ajudou a elegê-lo e faz guerra permanente contra todos os seus adversários. Nos inquéritos e na CPI sobre fake news em Brasília, e nas medidas profiláticas tomadas pelas redes sociais Facebook e Instagram, a tropa montada pelo filho Carlos Bolsonaro, o 02, está sob intenso tiroteio.

Todos esses imbróglios, somados à demissão de Sérgio Moro, que entrou no governo como avalista do combate à corrupção e saiu atirando em Jair Bolsonaro, estão causando rombo no apoio popular ao presidente. Nos números absolutos nas pesquisas de opinião pública, a queda nem foi tão expressiva. Mas, se lidas com atenção, elas mostram que o tombo só não foi maior porque os desiludidos com Bolsonaro foram em parte momentaneamente substituídos por um contingente de pessoas satisfeitas com o pagamento do auxílio emergencial durante a pandemia. Só que é uma ajuda transitória.

*Andrei Meireles é jornalista.


Webinar discute mulher, território e desenvolvimento humano

Participam do evento online Maria Amélia Enríquez, Jane Monteiro Neves e Maria Ivonete Coutinho da Silva; mediação é do jornalista e analista político Luiz Carlos Azedo

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A mulher, o território municipal e as novas relações de desenvolvimento humano é tema de webinar que será realizado, nesta sexta-feira (17), das 10h às 11h30, pela Associação de Mulheres Eneida de Moraes, com apoio da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. O evento terá transmissão ao vivo e aberta ao público em geral no site e na página da FAP no Facebook.

Assista ao vivo!

https://www.facebook.com/facefap/videos/885693215264248

Veja, abaixo, a lista de palestrantes:

Maria Amélia Enríquez, economista, Phd em Desenvolvimento Sustentável e professora da UFPA (Universidade Federal do Pará);

Jane Monteiro Neves, mestre em Saúde Coletiva, militante do SUS e professora da Uepa (Universidade do Estado do Pará);

Maria Ivonete Coutinho da Silva, doutora em Ciências Sociais e professora adjunta da UFPA;

Luiz Carlos Azedo, jornalista, analista político, diretor-geral da FAP e mediador.

De acordo com o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o conceito de desenvolvimento humano nasceu como um processo de ampliação das escolhas das pessoas para que elas tenham capacidades e oportunidades para serem aquilo que desejam ser. Diferentemente da perspectiva do crescimento econômico, que vê o bem-estar de uma sociedade apenas pelos recursos ou pela renda que ela pode gerar, a abordagem de desenvolvimento humano procura olhar diretamente para as pessoas, suas oportunidades e capacidades.

Especialistas avaliam que a renda é importante, mas como um dos meios do desenvolvimento e não como seu fim. “É uma mudança de perspectiva: com o desenvolvimento humano, o foco é transferido do crescimento econômico, ou da renda, para o ser humano”, explica o Pnud.

O conceito de desenvolvimento humano, conforme divulgado pelo programa, também parte do pressuposto de que para aferir o avanço na qualidade de vida de uma população é preciso ir além do viés puramente econômico e considerar outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana.

Esse conceito é a base do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e do RHD (Relatório de Desenvolvimento Humano), publicados anualmente pelo PNUD.

Veja também:

Webinar do Igualdade 23 e FAP analisa desafios da cultura afro-brasileira