Fundação Astrojildo Pereira
O que é o marco temporal e como ele atinge os indígenas do Brasil
Entenda por que a tese, que deve ir a votação no STF, pode significar um retrocesso na demarcação de terras dos povos originários
Edison Veiga / DW Brasil
"São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens." O texto é do artigo 231 da Constituição do Brasil, e não determina nenhuma data.
Mas um conflito entre indígenas e agricultores em Roraima, quando chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009, acabou desencadeando na tese do marco temporal. Isto porque, para resolver a questão sobre a quem pertenceria de direito a Terra Indígena Raposo Serra do Sol, os ministros argumentaram em favor do povo indígena — alegando que eles lá estavam quando foi promulgada a Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Se naquele caso a tese era favorável aos povos originários, o precedente ficou aberto para a argumentação em contrário: ou seja, que indígenas não pudessem reivindicar como suas as terras que não estivessem ocupando em 1988.
"É uma ironia dos juristas, um deboche muito grande, essa teoria do marco temporal. Alguns povos não estavam em suas terras em 1988 porque a forma histórica de colonização do Brasil deixou muitas marcas, com indígenas sendo expulsos de seus territórios”, argumenta o pedagogo Alberto Terena, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Leia mais:
Xokleng: povo indígena quase dizimado protagoniza caso histórico no STF
Indígenas Xokleng: caso simbólico
No epicentro dessa discussão, a Advocacia Geral da União (AGU) entendeu, em 2017, que seria pertinente a tese do marco temporal. Como resultado, há cerca de 30 processos de demarcação de terra emperrados no Ministério Público Federal, à espera de uma definição do STF. Entre eles, um caso concreto bastante simbólico: o dos indígenas Xokleng, da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, em Santa Catarina.
Historicamente perseguidos pelos colonizadores, os remanescentes da etnia acabaram afastados de suas terras originais na primeira metade do século 20. Em 1996, contudo, conseguiram a demarcação de 15 mil hectares — que depois se expandiria, em 2003, para 37 mil hectares.
Com o argumento do marco temporal, a área é reivindicada pela Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente. O caso foi parar no STF — com o entendimento de que a decisão final deve servir para balizar todos as disputas do tipo.
Em paralelo, tramita na Câmara o projeto de lei 490, de 2007, que pretende tornar mais difícil a demarcação de terras indígenas — inclusive utilizando o argumento do marco temporal.
"Objetivamente, o projeto significa um enorme retrocesso para o reconhecimento do direito dos povos nativos à terra e à manutenção de sua cultura”, avalia o sociólogo Rogério Baptistini Mendes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Qual seria o impacto para os indígenas?
Pesquisadora na Universidade de Brasília, a antropóloga Luísa Molina afirma, por sua vez, que a tese do marco temporal "reduz o acesso ao direito originário da terra" por parte dos povos indígenas.
"Uma terra indígena não é substituível por outra área, porque é um lugar sagrado, que tem história, onde se cultiva um modo de ser de cada povo”, explica Molina. "Ela é fundamental para a existência de um povo como coletivo diferenciado. É o que faz dele um povo. Se essa terra se perder, as condições da produção da diferença são atacadas e inviabilizadas."
A pesquisadora ressalta que, no caso, "cultura e vida estão na terra, no modo de viver na terra". E é esse o ponto que estaria em risco.
"De certa forma e incorrendo no exagero, é possível inferir a tentativa de aniquilação desses povos, pois a nova lei permite o avanço sobre terras demarcadas com a instalação de postos militares, expansão de malha viária e exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico, por exemplo”, afirma, por sua vez, Terena. "E, considerando o exemplo da história, particularmente neste período de governo Bolsonaro, não somente os nativos estão ameaçados, mas também o ambiente que ocupam e preservam.”
Terena argumenta que, se aprovada, a tese do marco temporal trará insegurança para os territórios ocupados pelos povos nativos — atualmente são 434 terras ocupadas tradicionalmente e demarcadas no país. "O nosso direito originário sobre a terra é constitucional. Negar isso vai trazer grande conflito, porque nosso povo nunca vai deixar de lutar pelo território”, diz ele.
A antropóloga Molina também vê riscos de disputas. "Coloca gasolina no incêndio, porque a realidade brasileira é de guerra fundiária”, comenta. "Essa tese intensifica muito esses conflitos, na medida em que viram arma de contestação.”
"Nossa terra é nossa mãe. Ela vai além do espaço geográfico. Ali está nossa história, nosso modo de vida, nosso sonho para as novas gerações. Ela significa a manutenção de tradições”, ressalta Terena. "A sociedade, conforme vem pregando esse governo, está tentando tirar nossa organização social.”
Para o sociólogo Mendes, a possibilidade de aprovação dessa tese — e do projeto em tramitação no Congresso — significa que os povos indígenas podem sofrer "ameaças ainda maiores do que as que enfrentam nestes dias de fiscalização precária e incentivo à invasão de suas terras”.
O sociólogo recorre aos registros da Câmara para comprovar a indisposição do atual presidente do país com a questão. Em 1998, o então deputado federal Jair Bolsonaro reclamou que o Brasil vivia "o governo da entregação”. E alardeou: "Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e, hoje em dia, não tem esse problema em seu país — se bem que não prego que façam a mesma coisa com o índio brasileiro; recomendo apenas o que foi idealizado há alguns anos, que seja demarcar reservas indígenas em tamanho compatível com a população."
Texto original: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/o-que-%C3%A9-o-marco-temporal-e-como-ele-atinge-os-ind%C3%ADgenas-do-brasil/a-58965557
Política Democrática online: senadora participa de live sobre CPI da Covid
Evento será realizado nesta terça-feira (24) a partir das 19h. Mudança de data ocorreu em função de compromissos da agenda da senadora Eliziane Gama
Cleomar Almeida, da equipe da FAP
Internautas poderão assistir a bate-papo virtual com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), entrevistada da revista Política Democrática online de agosto (34ª edição), crítica ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e que tem se destacado na comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Covid-19. O evento foi remarcado para esta terça-feira (24/8), com transmissão a partir das 19h pelo perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, além do perfil do Youtube da fundação. A mudança de data ocorreu em função de compromissos da agenda da senadora.
O diretor da revista mensal, embaixador aposentado André Amado, e o diretor-geral da FAP, o sociólogo e consultor do Senado Caetano Araújo, também confirmaram participação no bate-papo virtual. O evento será uma oportunidade para discutir desdobramentos da investigação no Senado. A publicação é produzida e editada pela FAP, que disponibiliza todo o conteúdo, gratuitamente, na versão flip, em seu portal.
Clique, aqui, e confira a Política Democrática online de agosto (34ª edição)
Na avaliação do diretor da revista, a entrevista com a senadora contribuiu para reforçar a proposta da publicação, que é estimular o debate sobre os principais temas de interesse para a sociedade brasileira. Segundo ele, a entrevista possibilita ao público, de uma só vez, três aspectos relevantes da conjuntura nacional.
De início, de acordo com o diretor, valeu para revelar o esforço dos senadores de reunir elementos objetivos de avaliação da conduta dos entes públicos no combate à Covid-19, que já enlutou mais de 560 mil famílias por todo o Brasil.
PARTICIPAÇÃO FEMININA NO CONGRESSO
“Avançou, também, análises sobre procedimentos suspeitos de gerência de recursos do Estado, em uma campanha, cuja prioridade – salvar vidas – não se poderia comprometer com ganâncias individuais. E coroou com a ilustração do desempenho dedicado e ilustre de uma mulher nas altas tarefas de uma comissão parlamentar”, ressaltou Amado.
A entrevista, segundo o diretor, viabilizou, ainda, a proposta antiga de dar continuidade, em outros meios de comunicação da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ao teor das conversas transcritas na revista.
“O texto da entrevista servirá de base para a exploração de muitos outros temas que a presença, a trajetória política e o sentido de missão da senadora haverão de suscitar, para que possamos melhor compreender, pelo menos em parte, o momento político nacional, hoje tão afetado por imensa turbulência e preocupantes enfrentamentos”, destacou o embaixador aposentado.
Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição
Na edição de agosto, além da entrevista com a senadora, os internautas podem conferir reportagem sobre o escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
Revista Política Democrática online | Live com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA)
Data: 24/8/2021
Transmissão: a partir das 19h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e portal da Fundação Astrojildo Pereira, além do Youtube da FAP.
Doutora em meio ambiente defende superação de passivo de desmatamento
‘Bolsonaro está focado em fraudes eleitorais inexistentes’, diz pesquisador
Escândalo das vacinas mostra país fragilizado, diz reportagem da FAP
Política Democrática online: popularidade do governo segue declinante
‘Bolsonaro não vai conseguir reeleição”, diz Eliziane Gama
Clique aqui e veja todas as edições da revista Política Democrática online!
'Mulher veio ao mundo para ser o que desejar', diz escritora
Autora do livro Incrível Lenda da Inferioridade aborda vazio feminino nas sociedades, em artigo na Política Democrática online de agosto
Cleomar Almeida, da equipe FAP
O livro “Incrível Lenda da Inferioridade” (Chiado), da jornalista e escritora Vânia Coelho e que foi lançado neste ano, reflete sobre o que foi ocultado acerca do poder feminino na sociedade. De acordo com a autora, não se pode aceitar mais o vazio do feminino nas sociedades, como ela mesma diz em artigo que escreveu para a Política Democrática online de agosto (34ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), em Brasília.
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)
“A mulher não nasceu para ser esposa, filha cativa, mãe ou freira, necessariamente; ela veio ao mundo, assim como o homem, para ser o que desejar. A ausência dos feitos e das produções femininas, nas páginas oficiais da história, anula seu conhecimento”, destaca a escritora do livro.
O livro reúne fragmentos da vida e obra de 33 mulheres que foram silenciadas, de uma forma ou de outra, pelo sistema patriarcal. “Esse silenciamento deu-se e, infelizmente, ainda se dá de modo físico, emocional e psicológico”, afirma Vânia, na revista.
“Os paradigmas da inferioridade feminina estão alinhavados à incapacidade e à fragilidade da mulher, são modelos pré-estabelecidos que brotaram de raízes tão profundas, um sentimento de insignificância que até hoje permeia o universo feminino, sempre preenchido de culpa, pecado e certo aspecto profano”, assinala ela.
De acordo com a autora, há um peso extra na existência da mulher, cujos degraus “autorizados” pelo masculino para uma resumida e controlada ascensão vêm acompanhados de intolerância, recriminação, restrição e um fardo difícil de suportar. “E, assim, as mulheres ficaram sem registro, sem notoriedade, sem condição de ser e de existir por elas mesmas”, diz.
A importância das sufragistas, segundo a jornalista, por exemplo, deve ser divulgada, comemorada e cultuada com imensa gratidão, porque, hoje, a mulher pode votar e envolver-se politicamente graças a elas, que lutaram e morreram por esse direito. “A história das sufragistas deve ser mencionada de modo extensivo, e deve, também, fazer parte da grade escolar, seja do ensino médio, seja da graduação”, acentua.
Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição
A íntegra do artigo de Vânia pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade.
Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), reportagem sobre escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
Padre Antônio Vieira era atualíssimo, afirma historiador e jornalista
Oscilação do STF gera danos a processo político eleitoral, diz advogado
Refundação do Estado chileno pode ter complicações, diz historiador
‘Temperatura política deve se elevar durante este mês’, diz sociólogo
Ameaças de Bolsonaro podem inibir reanimação da economia
Política Democrática online: senadora participa de live sobre CPI da Covid-19
Doutora em meio ambiente defende superação de passivo de desmatamento
‘Bolsonaro está focado em fraudes eleitorais inexistentes’, diz pesquisador
Escândalo das vacinas mostra país fragilizado, diz reportagem da FAP
Política Democrática online: popularidade do governo segue declinante
‘Bolsonaro não vai conseguir reeleição”, diz Eliziane Gama
Clique aqui e veja todas as edições da revista Política Democrática online!
Padre Antônio Vieira era atualíssimo, afirma historiador e jornalista
Em artigo publicado na Política Democrática online de agosto, Ivan Alves Filho analisa autor dos célebres Sermões
Cleomar Almeida, da equipe FAP
Maior personalidade da cultura luso-brasileira de seu tempo, padre Antônio Vieira também era surpreendente e atualíssimo, diz o historiador e jornalista Ivan Alves Filho, em artigo publicado na revista Política Democrática online de agosto (34ª edição). A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)
“Durante as minhas andanças por Lisboa, Alges e Coimbra, quando recolhia material para escrever o livro Memorial dos Palmares, relativo à saga dos quilombolas refugiados na serra da Barriga ao longo do século XVII e primeiras décadas do século seguinte, não tive dificuldades em constatar ser quase uma obrigação pesquisar os escritos do Padre Antônio Vieira”, diz o historiador. O conteúdo da revista pode ser acessado, de graça, na versão flip, no portal da FAP.
Segundo o historiador, foi “um dever de ofício”. “E por uma razão simples: o autor dos célebres Sermões era o ideólogo por excelência do colonialismo português, conforme definiu certa feita José Honório Rodrigues. Ou seja, Vieira era o principal conselheiro do Rei, aquele que enxergava melhor os problemas - e detinha, por vezes, a fórmula de resolvê-los”, escreve ele.
Estrategista político de primeira linha, como define o historiador, Antônio Vieira era ainda um catequista e um educador extraordinário. “E, de quebra, escrevia admiravelmente bem. Foi, provavelmente, a maior personalidade da cultura luso-brasileira de seu tempo”, escreve.
“Tive a felicidade, inclusive, de poder identificar um texto de Vieira, que dormitava como documento anônimo na Biblioteca da Ajuda (apesar do nome, um rico arquivo de manuscritos alojado no suntuoso Palácio da Ajuda, nas cercanias de Lisboa)”, diz o texto.
Versando sobre o Quilombo dos Palmares e a chamada Guerra dos Bárbaros, no sertão nordestino, o documento fora visivelmente redigido por um eclesiástico. “Tendo feito uma cópia, levei o texto para um especialista do Arquivo Histórico Ultramarino e, juntos, nós o comparamos a um outro documento original de Vieira existente na instituição. Uma comparação letra a letra, quase. Resultado: estávamos mesmo frente a um inédito do Padre Antônio Vieira. Sorte minha”, afirma o autor.
Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição
A íntegra do artigo de Ivan pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), reportagem sobre escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
Oscilação do STF gera danos a processo político eleitoral, diz advogado
Refundação do Estado chileno pode ter complicações, diz historiador
‘Temperatura política deve se elevar durante este mês’, diz sociólogo
Ameaças de Bolsonaro podem inibir reanimação da economia
Política Democrática online: senadora participa de live sobre CPI da Covid-19
Doutora em meio ambiente defende superação de passivo de desmatamento
‘Bolsonaro está focado em fraudes eleitorais inexistentes’, diz pesquisador
Escândalo das vacinas mostra país fragilizado, diz reportagem da FAP
Política Democrática online: popularidade do governo segue declinante
‘Bolsonaro não vai conseguir reeleição”, diz Eliziane Gama
Clique aqui e veja todas as edições da revista Política Democrática online!
Podcast analisa a volta do Talibã ao poder no Afeganistão
Jornalista Florência Costa, especialista política internacional, comenta a geopolítica na região e as lições que devem ficar para o Brasil com o colapso no país do Oriente Médio
João Rodrigues, da equipe da FAP
Depois de duas décadas, o Talibã retomou o comando do Afeganistão. Foram poucas semanas de uma ofensiva militar em todo o território nacional. O grupo radical islâmico foi expulso do governo em 2001 por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos, como resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro. A chegada dos insurgentes à capital, Cabul, causou pânico em parte da população afegã e grande apreensão o da comunidade internacional.
Como fica a geopolítica na conflituosa região do Oriente Médio? Por que parte da população afegã ainda apoia os extremistas do Talibã? O que o Brasil pode aprender com o colapso no Afeganistão? Essas e outras perguntas são respondidas no podcast Rádio FAP, que conversa nesta semana com Florência Costa, jornalista especializada em cobertura internacional e política. Ela foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC.
Confira o podcast
Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. O episódio conta com áudios do Jornal da Globo, Fantástico, Jornal Nacional, Canal DVP - De Volta Para o Passado (com reportagem veiculada em outubro de 2001 pela TV Globo), Jovem Pan News (entrevista com o professor Marcus Freitas, docente visitante na Universidade da China) e OCP News.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz.
Refundação do Estado chileno pode ter complicações, diz historiador
Alberto Aggio lembra, em artigo na Política Democrática online de agosto, que a Constituinte nasceu de protestos cívicos
Cleomar Almeida, da equipe FAP
O processo político e institucional no Chile pode ser considerado como o mais democrático e participativo de reconhecimento da soberania cidadã em toda a história da América Latina, mas a refundação do Estado chileno pode ter complicações irreparáveis. A análise é do historiador e professor titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Alberto Aggio, em artigo publicado na revista Política Democrática online de agosto (34ª edição).
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)
Com o título “Os desafios e os riscos da Constituinte chilena”, o texto de Aggio está publicado na revista produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. Todo o conteúdo da publicado por ser acessado, pelos internautas, na versão flip, gratuitamente, no portal da entidade.
Em sua análise, Aggio observa que se instalou, no início de julho, a “Convención Constituyente”, que deverá elaborar a nova Constituição do Chile no prazo de nove meses, prorrogáveis por mais três, para, em seguida, ser levada a plebiscito. “São expectativas compartilhadas dentro e fora do Chile, mas há sérios riscos de uma derrapagem que pode causar complicações irreparáveis”, ressalta ele.
O historiador lembra que a Constituinte nasceu de protestos cívicos cujo ápice foi a manifestação multitudinária de 18 de outubro de 2019 e ganhou vida mediante um acordo firmado entre as principais forças políticas do país que reconheceram a legitimidade do que se passava nas ruas.
“Estabeleceu-se a realização de um plebiscito (realizado em 25 de outubro de 2020) que sancionou, tanto a vontade majoritária por uma nova Constituição, como a eleição específica e paritária de 155 constituintes, dentre eles 17 representantes dos ‘povos originários’, o que se concretizou nas eleições de 16 de maio deste ano”, afirma Aggio.
Desde novembro de 2019, de acordo com o professor da Unesp, ficou definido que 2/3 seria o critério para aprovação de todas as matérias constitucionais. “Talvez não se conheça o processo político e institucional mais democrático e participativo de reconhecimento da soberania cidadã em toda a história da América Latina”, escreve ele.
Com a aprovação de 80% no plebiscito, segundo o historiador, “feriu-se de morte a ordem institucional da Constituição de 1980, imposta pela ditadura de Augusto Pinochet e, ao mesmo tempo, abriu-se a senda da refundação do Estado chileno, expressa na instalação da Constituinte”.
“Está em curso, portanto, a ultrapassagem da Constituição de 1980 que amordaçou a sociedade chilena e, também, a estratégia de ‘reformas’ desta mesma Constituição implementada pelos diversos governos da Concertación desde 1990 que, embora tenha feito avançar a democratização, não conseguiu adequar-se aos novos tempos, ampliando direitos ou reelaborando aqueles que foram perdidos desde o golpe militar de 1973’”, assinala.
Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição
A íntegra do artigo de Aggio pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), reportagem sobre escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
‘Temperatura política deve se elevar durante este mês’, diz sociólogo
Ameaças de Bolsonaro podem inibir reanimação da economia
Política Democrática online: senadora participa de live sobre CPI da Covid-19
Doutora em meio ambiente defende superação de passivo de desmatamento
‘Bolsonaro está focado em fraudes eleitorais inexistentes’, diz pesquisador
Escândalo das vacinas mostra país fragilizado, diz reportagem da FAP
Política Democrática online: popularidade do governo segue declinante
‘Bolsonaro não vai conseguir reeleição”, diz Eliziane Gama
Clique aqui e veja todas as edições da revista Política Democrática online!
Com inspiração modernista, filme explora tipologia da classe média
Mar de Rosas será discutido em webinar na quinta-feira (19/8), a partir das 17h
Cleomar Almeida, da equipe da FAP
Pontapé da trilogia da cineasta Ana Carolina Teixeira Soares sobre personagens femininas em desacordo com seu contexto social e o primeiro longa-metragem de ficção dirigido por ela, o filme Mar de Rosas (1977) explora a célula familiar e a tipologia da classe média brasileira. A obra, segundo a crítica, atribui ao patriarcado uma situação de completa falência.
O filme será discutido, na quinta-feira (19/8), em mais um evento online do ciclo de debates da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Biblioteca Salomão Malina, na programação de pré-celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna, com participação do crítico de cinema Sérgio Moriconi.
Assista!
A transmissão será realizada pelo portal e redes sociais da entidade (Facebook e Youtube), assim como pela página da biblioteca no Facebook. Todos os internautas interessados podem participar diretamente do evento, por meio da sala virtual do Zoom. Para isso, basta solicitar o acesso por meio do WhatsApp oficial da biblioteca (61) 98401-5561. (Clique no número para abrir o WhatsApp Web).
Enredo
O começo do filme mostra um casal em viagem, interpretado por Hugo Carvana (1937-2014) e Norma Bengell (1935-2013), acompanhado da filha, Cristina Pereira, em sua estreia no cinema. A personagem de Bengell, que ironicamente se chama Felicidade, discute com o marido sobre a insatisfação de ambos em relação ao casamento enquanto ele dirige pela Dutra, estrada que liga São Paulo e Rio de Janeiro.
Betinha (Pereira) vai no banco de trás, fazendo caretas e expressões debochadas. Ao chegar ao Rio, eles se hospedam num hotel. Felicidade e Sérgio (Carvana) têm uma violenta briga, e ela o fere com uma gilete. Acreditando ter matado o marido, ela foge do hotel com Betinha e pega a estrada novamente.
Um homem as persegue. Ele é Orlando (Otávio Augusto, 1945), que se aproveita de uma parada num posto de gasolina, momento em que Betinha tenta atear fogo à mãe, para se aproximar e oferecer ajuda e companhia. Ânimos um pouco mais calmos, os três passam a viajar no carro de Orlando. Fazem uma pausa numa cidadezinha, e enquanto Orlando vai dar um telefonema, Felicidade encontra um revólver debaixo do banco do carro.
Narrativa teatral
Ela esboça uma fuga, mas é atropelada por um ônibus. Um casal que mora perto, formado por Dirceu (Ary Fontoura) e a esposa Niobi (Myriam Muniz, 1931-2004), os acolhe (Betinha, Felicidade e Orlando). O consultório de Dirceu, dentista e poeta fracassado, funciona em um dos cômodos da casa, onde ocorre a parte mais teatral da narrativa. Enquanto Felicidade se recupera do susto provocado pelo atropelamento, Dirceu e Niobi começam a trocar insultos.
O clima de discórdia se instala e todos os personagens entram num jogo de revelações e agressões mútuas. Sem explicação aparente, Betinha faz com que um caminhão de terra despeje o conteúdo de sua caçamba dentro do consultório de Dirceu, quase soterrando Felicidade. O dia vai passando e Felicidade, Betinha e Orlando continuam na casa de Dirceu e Niobi. Betinha vai ao banheiro e esconde giletes num sabonete.
Dirceu cai na armadilha e usa o sabonete, cortando as mãos. Felicidade e Betinha fogem e vão para a estação ferroviária, mas são alcançadas por Orlando quando já estão dentro do trem para São Paulo. Orlando resolve revelar sua identidade: afirma que é uma autoridade e que tem ordens de levá-las para o Rio de Janeiro. Eles discutem e, inesperadamente, Betinha empurra a mãe e Orlando, que estão algemados um ao outro, para fora do trem em movimento, seguindo viagem sozinha.
Trilogia
Mar de Rosas deu início à trilogia de Ana Carolina sobre personagens femininas em desacordo com seu contexto social, que foi continuada em Das Tripas Coração (1982) e completada por Sonho de Valsa (1987).
O título do filme, decalcado de um dito popular, antecipa a ambiguidade que permeia a narrativa: a vida das personagens é tudo menos um mar de rosas, mas o relato passa pelo humor.
Além da sobrecarga quase exaustiva de provérbios e expressões populares (um verdadeiro inventário de frases feitas), os diálogos mobilizam rimas e repetições fonéticas, permitindo que as falas constituam um elemento estético em si.
Numa das frases rimadas, Myriam Muniz aproxima os termos "histórico" e "histérico", evocando um dos temas centrais do filme, a histeria. Praticamente todas as cenas em Mar de Rosas têm como ápice a confluência histérica das personagens (Das Tripas Coração se estruturará de maneira semelhante), trazendo a histeria como performance e jogo. (Com informações da Enciclopédia Itaú Cultural).
Ciclo de Debates sobre Centenário da Semana de Arte Moderna
14º online da série | Modernismo, cinema, literatura e arquitetura.
Webinário sobre filme Mar de Rosas
Dia: 19/8/2021
Transmissão: a partir das 17h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira
Webinário destaca “A hora da estrela”, baseado em obra de Clarice Lispector
Obra de Oswald de Andrade foi ‘sopro de inovação’, diz Margarida Patriota
O homem de Sputnik se mantém como comédia histórica há 62 anos
‘Desenvolvimento urbano no Brasil foi para o espaço’, diz Vicente Del Rio
‘Mário de Andrade deu guinada na cultura brasileira’, diz escritora
Influenciado pelo Cinema Novo, filme relaciona conceito de antropofagia
Mesmo caindo aos pedaços, ‘quitinete é alternativa de moradia em Brasília’
‘Semana de Arte Moderna descontraiu linguagem literária’, diz escritora
‘Modernismo influenciou ethos brasileiro’, analisa Ciro Inácio Marcondes
Um dos marcos do Cinema Novo, filme Macunaíma se mantém como clássico
Filme premiado de Arnaldo Jabor retrata modernismo no cinema brasileiro
Ameaças de Bolsonaro podem inibir reanimação da economia
Sérgio Buarque avalia, na revista Política Democrática online de agosto, reflexos das posturas do presidente no cenário econômico
Cleomar Almeida, da equipe da FAP
As agressões de Jair Bolsonaro às instituições democráticas e suas ameaças de ruptura institucional, bem como a delicada crise hídrica que o país atravessa, podem inibir a reanimação da economia brasileira. A avaliação é do economista, mestre em sociologia e professor da Universidade de Pernambuco (UPE) Sérgio Buarque, em artigo que publicou na revista Política Democrática online de agosto (34ª edição).
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)
A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e que disponibiliza todo o conteúdo, gratuitamente, na versão flip, em seu portal. De acordo com o autor, “algumas grandes pedras no caminho podem atrapalhar a esperada reanimação econômica, mesmo que se confirmem a aceleração da vacinação e o controle da pandemia”.
Segundo o economista, o presidente age com descontrole verbal e faz movimentações golpistas, que, conforme o texto, crescem na medida em que aumenta a rejeição de Bolsonaro nas pesquisas e surgem acusações sérias de prevaricação, crime de responsabilidade e denúncias de corrupção, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19.
“Como resposta, Bolsonaro conspira nos quartéis e se agarra com o Centrão, retirando a fantasia de inimigo da ‘velha política’ para vestir um salva-vidas político que evitaria um processo de impeachment”, afirma Buarque.
Além disso, segundo o autor, não bastasse a instabilidade política, o Brasil está atravessando delicada crise hídrica que ameaça a reanimação da economia pela incerteza da oferta de energia elétrica e pela elevação das tarifas (provocada pela ativação das usinas termelétricas), com novo impulso inflacionário.
O Boletim Focus, conforme lembra o autor, sinaliza para uma taxa de inflação de 6,31%, em 2021, superando em muito o centro da meta (3,75%) e mesmo o teto de 5,25%. “O risco de apagão e racionamento tem sido descartado, mas o próprio Operador Nacional do Sistema Elétrico anunciou a possibilidade real de esgotamento de praticamente todos os recursos energéticos até novembro”, analisa Buarque.
Na avaliação do economista, tudo indica que, mesmo submergindo da pandemia e da retração econômica no segundo semestre, não faltarão conflitos políticos e incertezas econômicas para inibir o crescimento da economia brasileira no restante deste ano.
Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição
A íntegra do artigo de Buarque pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), reportagem sobre escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
Doutora em meio ambiente defende superação de passivo de desmatamento
‘Bolsonaro está focado em fraudes eleitorais inexistentes’, diz pesquisador
Escândalo das vacinas mostra país fragilizado, diz reportagem da FAP
Política Democrática online: popularidade do governo segue declinante
‘Bolsonaro não vai conseguir reeleição”, diz Eliziane Gama
Clique aqui e veja todas as edições da revista Política Democrática online!
Judeus progressistas em São Paulo e a Casa do Povo
Fluxo migratório para o Brasil dos judeus progressistas (comunistas e socialistas) se intensificou após a ascensão do Nazismo ao poder na Alemanha, em 1933, e por razões econômicas pós crise de 1929, além da fuga das ditaduras fascistas e antissemitas da Polônia e Romênia
Dina Lida Kinoshita / Militante e dirigente do PCB, PPS e Cidadania
Com o estabelecimento das “quotas” por nacionalidade para emigração aos Estados Unidos, nos anos 1920, o Brasil passa a ser uma das possibilidades para os judeus do Leste Europeu. É uma emigração pós pogroms ocorridos durante a Guerra Civil, nas regiões do Império Czarista onde a Revolução de Outubro fracassou, sobretudo na Polônia e na Lituânia. Com a ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha em 1933 e, a política britânica de conter a ida de judeus para a Palestina a partir de 1936, esse fluxo migratório para outros países, entre eles o Brasil, se intensificou. Essa emigração ocorre não só devido ao perigo nazista, mas principalmente por razões econômicas pós crise de 1929 e pela fuga de judeus progressistas (comunistas e socialistas) das ditaduras fascistas e antissemitas da Polônia e Romênia.
Esses judeus progressistas foram forjados nas lutas contra a opressão da autocracia czarista e posteriormente nos países do “cordão sanitário”, criados para que a “praga bolchevique” não se alastrasse. Vinculados aos círculos socialistas surge um novo tipo de intelectual dentro “...da tradição marxista que levou o movimento político fundado nos trabalhadores a dar ênfase particular ao desenvolvimento da teoria, considerado indispensável para orientar uma prática transformadora da realidade...”[1]. Apesar da pouca ou nenhuma educação formal uma vez que vigia ora o “numerus clausus” ora o “numerus nulus”, formavam-se verdadeiros intelectuais autodidatas para quem a questão cultural era central para esse fim. Havia nos estratos populares uma fome de cultura e esses autodidatas tinham uma militância ativa e nada do que é humano lhes escapava. Além do que, antes do surgimento da indústria cultural, os círculos comunistas e socialistas eram os grandes difusores da cultura laica nas classes populares.
Desde os primórdios da imigração judaica do Leste Europeu, os progressistas de São Paulo criaram várias entidades. Nos anos 1920, inicialmente o Tsukunft (O Porvir) e, depois o Yugnt Club (O Clube da Juventude), que privilegiava o aprimoramento cultural, do ponto de vista marxista, dos poucos operários e uma maioria de mascates, muitos deles militantes de bairro.
Esses imigrantes tentaram se integrar ao novo país onde viviam, porém nunca deixaram de lançar seu olhar ao que ocorria no “Velho Lar” onde houve uma Revolução que prometia “pão, paz e terra”[2].
As décadas de 1930-40 talvez tenham sido o auge do que Eric Hobsbawm denominou “A Era dos Extremos”[3]. Embora nos anos 1920 já houvesse ditaduras fascistas na Itália e em Portugal, a ascensão do nazismo ao poder agravou deveras o contexto político europeu. Essa última vitória decorre em grande parte devido à política de “classe contra classe” definida no VI Congresso da Internacional Comunista (IC), em 1928.
Para barrar o avanço do nazi fascismo a IC convoca para julho de 1935, o VII Congresso, onde são aprovadas as teses do búlgaro Gyorgy Dimitrov, de construção das “frentes populares”. Neste congresso houve uma sessão de grandes escritores e intelectuais de todo o mundo, “Em Defesa da Cultura”[4]. A fração judaica que acorreu a essa reunião convocou um congresso para julho de 1936, a ser realizado em Paris. Houve um boicote de alguns no mundo Ocidental, mas no cômputo geral, o Congresso “Em Defesa da Cultura Judaica” obteve grande êxito e ao final, foi criado o “Ídicher Cultur Farband” (ICUF)[5]. O representante do Brasil foi Menachem Kopelman.
A organização do ICUF tinha uma estrutura que consistia de um comitê internacional inicialmente sediado em Paris, posteriormente transferido para os EUA, devido à invasão nazista; os comitês nacionais, nos países onde havia comunidades que se expressavam na língua iídiche, e uma vasta rede de entidades locais. A cada três anos eram previstos os congressos nacionais. Essa estrutura seguia muito de perto, a das Internacionais Socialista e Comunista, bastante hierarquizada e verticalizada. Certamente não corresponde às redes modernas, onde as novas tecnologias propiciam muito mais horizontalidade. Mas com certeza, havia um grande intercâmbio entre estes setores progressistas das diversas comunidades. A II Guerra Mundial e o extermínio dos judeus europeus haviam diminuído a importância do Comitê Internacional e os comitês regionais e nacionais adquiriram mais força.[6]
De toda maneira a frente formada em torno do ICUF, é a que se havia constituído nas organizações clandestinas de resistência nos guetos e nos destacamentos partisans durante a II Guerra Mundial e que perdurou no imediato pós-guerra, onde atuavam comunistas, bundistas e sionistas de esquerda. Basta verificar os nomes e filiações partidárias dos mais destacados comandantes, militares ou intelectuais, da resistência antifascista judaica na Europa Oriental: Mordechai Aniliewicz, Josef Kaplan e Arie Wilner do Hashomer Hatzair (Jovem Guarda), Josef Lewartowski e Itzik Vitenberg do Partido Comunista Polonês, Marek Edelman e Michal Klepfisz do BUND e Dr. Emanuel Ringelblum do Linke Poale Tzion (Esquerda dos Operários de Sion).
Cabe lembrar que enquanto ocorria este Congresso, judeus provenientes do Brasil estavam lutando nas Brigadas Internacionais ao lado da República Espanhola, durante a Guerra Civil. [7].
A grande ausência notável no Congresso, foi de uma delegação soviética de escritores que se expressavam no idioma iídiche.
No plano nacional, a década de 1930 se inicia com a ditadura de Getulio Vargas que simpatiza por muitos anos com o nazi fascismo. Foi um período de muita intolerância do governo e resistência judaica com numerosas prisões e deportações. A espada de Dâmocles pendia sobre a cabeça desses imigrantes, uma ameaça real numa Europa fascista[8]. A construção do aparelho repressivo no Brasil, a partir do começo do século XX até os anos 1930, com a instituição do Estado Novo através da Constituição de 1937, mais conhecida como a “polaca”, a repressão se agrava. Especialmente a política varguista com relação aos imigrantes judeus vindos das regiões do antigo Império czarista e de suas possíveis simpatias com a Revolução de Outubro[9]. Não se pode esquecer que nos fins dos anos 1920 e até meados dos anos 1930 a IC havia dedicado uma atenção especial ao Brasil, na medida em que Luis Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, líder máximo da Coluna Prestes, havia ingressado no PCB e vinha-se preparando o Levante de 1935. Um número expressivo de judeus estava envolvido nisso.
O Uruguai, país com estabilidade democrática, prestou solidariedade e refúgio a perseguidos políticos. Pode-se citar como exemplo, os casos de Hersch Schechter que em sua segunda deportação, ocorrida em 1941, e até sua volta após a democratização de 1945, e em seu exílio entre 1964-68 esteve no Uruguai trabalhando no jornal Unzer Fraint (Nosso Companheiro), ou no caso de Alter Kowalski e de Volf Feldman que se fixaram definitivamente no país vizinho e realizaram um trabalho de enlace político-partidário entre as comunidades desses países vizinhos da região. Srul Fajbus Roclaw também passou vários anos no Uruguai, enquanto Josef Lipski esteve no Uruguai e Argentina.
Casa do Povo Monumento Vivo
Havia também decretos secretos proibindo a entrada de judeus no país[10].
Se a difícil situação econômica e a perseguição são condições gerais para os judeus do Leste Europeu, os judeus de esquerda em todas as suas vertentes, são duplamente perseguidos. Embora a história dos judeus de esquerda hoje seja escamoteada e pertença à história dos silenciados e vencidos, sua importância pode ser conferida pelo papel desempenhado pelo BUND na formação do Partido Operário Social Democrata da Rússia, bem como em obras literárias como “A Família Muskat”[11] de Isaac Bashevis Singer, nas memórias de velhos militantes como Hersz Smoliar[12] ou em livros como Le Yiddishland Revolutionaire[13], ou ainda “Le Pain de la Misére” de Weinstok[14]
Enquanto alguns preferiram inserir-se nas lutas gerais do povo brasileiro, a maioria, ao chegar a terras de língua, hábitos e costumes estranhos, reproduz os seus modos de organização dos países de origem.
Parte dos comunistas judeus nascidos no Brasil ou que chegaram aqui bem jovens, entre os quais poder-se-ia citar Leôncio Basbaum, Hersch Schechter, Sara Becker (mais tarde Sara de Mello), Felícia Itkis (mais tarde Schechter), Noé Gertel, Jacob Wolfenson e José Gutman, abraçavam em primeiro lugar, as lutas gerais do povo brasileiro, já que a comunidade era e continua relativamente pequena e nunca se respirou o “idishkeit” (atmosfera judaica) da Europa Central e Oriental com muita intensidade. Porém, vários imigrantes que já vinham dos círculos socialistas europeus, como Jacob Frydman, tentaram inserir-se inicialmente nessas lutas do povo brasileiro, e só após muitas perseguições e deportações, os que permaneceram no país, muitas vezes se organizaram no meio judaico. Talvez, o Levante de 1935 organizado pelo PC em consonância com a IC, tenha propiciado um acerto de contas internacional, uma vez que os integralistas, que tinham forte simpatia pelas forças do Eixo, participavam do governo Vargas[15]. De toda maneira, a violenta repressão que se abate a partir dos anos 1935, praticamente liquidam essa primeira onda de entidades da esquerda judaica.
Em 1942 Vargas muda de posição após uma negociação com o Presidente Franklin D. Roosevelt, em que os Estados Unidos construiriam a Companhia Siderúrgica Nacional, em troca de permissão para construção de uma base militar em Natal, no Rio Grande do Norte, ponto estratégico para a travessia do Atlântico rumo à África. Esse acordo dá margem a fissuras no regime brasileiro. As forças que lutam pela democracia começam a se reorganizar.
Os judeus progressistas também buscam os caminhos para satisfazer as melhores aspirações populares. Num caminho de vai e vem, abraçavam todas as causas condutoras ao enraizamento na nova terra e ao mesmo tempo preservavam os valores político-sociais, humanistas e literários adquiridos em suas terras natais da Europa Oriental. Foi nesta época que surge o Centro Cultura e Progresso. É um momento de muita efervescência política bem como cultural.
Merece uma menção especial o papel desempenhado pelo teatro nessa entidade. Unindo o ensinamento de I. L. Peretz, “O teatro é escola para adultos”, e o de Romain Rolland, “O teatro deve compartilhar o pão do povo, de suas inquietudes, de suas esperanças e de suas lutas”, o Dramkraiz (Círculo Dramaático) de São Paulo fez “...do trabalho teatral uma prática deliberada não só de arte, como de educação e política, sem renunciar contudo, nos vários momentos de sua trajetória e de suas preferências ideológico-estilísticas, à busca da artisticidade, senão da forma, na linguagem dramático cênica.”[16] Há indícios de que ainda em 1938, no tempo do Yugnt Club, Riven Hochberg encenou uma peça teatral. O espetáculo ocorreu no teatro do Clube Luso-Brasileiro. Mas no período do Estado Novo e da II Guerra foram proibidas todas as atividades de estrangeiros.
Porém por volta de 1942, com a “abertura” surge o Centro Cultura e Progresso e as atividades teatrais são retomadas a todo vapor.
Outra atividade essencial era a biblioteca. Havia uma quantidade grande de livros, a maioria em iídiche e português mas também em russo e polonês. Quem cuidava da biblioteca como voluntário era Avrum Rajnsztajn e posteriormente, também Felícia Itkis Schechter.
Com a mudança de rumo da política internacional do governo Vargas, navios alemães atacam as costas brasileiras e a população começa a se manifestar pela entrada na guerra ao lado dos Aliados. O governo brasileiro vê-se obrigado a organizar a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Muitos judeus se alistam para lutar na Itália, contra o nazifascismo. Entre eles, Boris Shnaiderman, professor de literatura russa da USP; o artista plástico Carlos Scliar; Salomão Malina, o último Secretário Geral do PCB e Samuel Safker, ativista e dirigente da Associaçao Scholem Aleichem do Rio de Janeiro.
Com a derrota do nazi fascismo cai a ditadura de Vargas. Não obstante a pouca atividade das entidades vinculadas ao ICUF durante a guerra, por razões já mencionadas, no imediato pós-guerra, tiveram um grande florescimento e se associaram às congêneres argentinas e uruguaias. Como primeira atividade, trabalharam no auxílio imediato aos sobreviventes do Holocausto que se encontravam, sobretudo na Polônia e, pouco depois nos diversos DP Camps na Alemanha.
A criação do ICIB e outras atividades afins
Em 1942, enquanto se desenrolava na URSS a sangrenta e decisiva Batalha de Stalingrado, turning point da II Guerra, Manoel Casoy prometeu doar uma soma de dinheiro, caso os nazistas fossem derrotados, para erigir um monumento em homenagem aos heróis e mártires tombados. Terminada a guerra, Casoy cumpriu a promessa. Ao tomar conhecimento da barbárie do extermínio das comunidades judaicas no Leste Europeu, formou-se uma comissão que decidiu construir o Instituto Cultural Israelita Brasileiro (ICIB), mais conhecido como o Folks Hois ou a Casa do Povo.
O espaço também abrigaria a Escola Scholem Aleichem e um Clube Infanto-Juvenil. I. L. Peretz, ambos em homenagem a dois patriarcas da literatura iídiche. Outras atividades que não poderiam faltar eram o Clube de Xadrez, o Leinkraiz (Círculo de Leitura) e o Coral que cantava belas canções populares do repertório iídiche bem como músicas revolucionárias e de combate. Os três grupos teatrais, o Dramkraiz e outros dois em língua portuguesa se apresentavam em outros teatros da cidade, inclusive no Teatro Municipal. Esses grupos amadores de alto nível foram premiados por diversas vezes. O Teatro de Arte Israelita Brasileiro (TAIB) só foi inaugurado em 1960.
O edifício é uma espécie de Palácio da Cultura, para preservar pelo menos uma pequena parte do que foi destruído. A comunidade judaica de São Paulo engrossou sua simpatia pela esquerda pois os soviéticos libertaram a maioria dos grandes campos de concentração e de extermínio. Quase toda a comunidade contribuiu ainda que fosse com um tijolo. Foi uma demonstração do apreço pelos progressistas. O ICIB foi fundado em 1948 mas o edifício só foi inaugurado em 1953. A biblioteca já existente nas entidades anteriores foi incorporada à nova sede.
Os arquivos da Casa do Povo têm muitas lacunas, não por incompetência dos que o organizaram. Os longos períodos de autoritarismo no Brasil, durante o século XX, e a tradição revolucionára do Leste Europeu é rica em silêncios. Muitos eventos não constam nos arquivos, outros não têm data ou são anunciados de uma maneira hermética que só quem estava presente pode recordar do que se trata. Um exemplo disso é um convite para ouvir um camarada que viajou para a Europa. Se visitou em Paris o Moulin Rouge ou a redação do Sovietish Heimland em Moscou é impossível saber.
Porém houve muitas conferências e debates. Escritores e intelectuais importantes, militantes da cultura iídiche como Aron Kurtz (presidente do ICUF nos EUA), os poetas H. Lêivik e SZmerke Kaczerginski, bem como da cultura universal, como, Pablo Neruda (Prêmio Nobel de literatura, Chile), Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, o cantor Paul Robson, Ida Kaminska (atriz do Teatro Estatal Judeu da Polônia e intérprete principal do filme, A Pequena Loja da Rua Principal, Mario Schenberg (intelectual e eminente físico teórico), entre muitos outros proferiram conferências ou participaram de atividades artísticas na entidade. Marcos Ana, poeta libertado das masmorras franquistas nos anos 1960 também foi ouvido na Casa do Povo. Foram homenageados em seus natalícios ou em datas fúnebres, Scholem Aleichem, I. L. Peretz, Moishe Olguin, M. Gebirtig, Avrum Reisn, bem como W. Shakespeare, Rubén Dario, Euclides da Cunha, Albert Einstein, Julio Cortázar, Machado de Assis, Rafael Alberti, entre outros.
A Escola Israelita Brasileira “Scholem Aleichem” de São Paulo foi a primeira escola de pedagogia moderna, durante muitos anos considerada como escola avançada, servindo de modelo às escolas de aplicação e experimentais implantadas na rede de ensino público mais tarde. Do ponto de vista da educação judaica, o enfoque era laico, sendo a única escola judaica que ensinava no pós-guerra a língua iídiche e não o hebraico. Enquanto os sionistas consideravam o iídiche como a língua dos judeus dos guetos que foram aos crematórios como carneiros, os progressistas afirmavam que em memória aos combatentes e heróis da resistência dos guetos e dos destacamentos de partisans, em memória a toda uma cultura progressista criada em íidiche e destruída durante o Holocausto, e com a esperança de um renascimento sócio-cultural das comunidades judaicas nas Democracias Populares, decidiram manter o iídiche e não ensinar o hebraico. Mas mais importante talvez seja o sentimento transmitido aos alunos de “...serem lutadores invencíveis pelas causas da humanidade.
Além dessas atividades havia outras de caráter nacional:
- O jornal Unzer Shtime (Nossa Voz), cujo redator-chefe nem constava do expediente por ser estrangeiro e havia sido deportado nos anos 1920 e 1940. Quem respondia pelo jornal era o estudante de medicina, Israel Nussenzweig. Mas todos sabiam que Hersch Schechter era a cabeça e a alma do jornal e escrevia todos os editoriais. O jornal se referia às questões da paz e quanto à questão judaica, sempre enfatizava, diferentemente dos jornais sionistas, propostas plurais de experiências das comunidades judaicas, e também demonstrava grande esperança na reconstrução de uma vida sócio-cultural judaica nas Repúblicas Populares e na URSS pós-holocausto. A redação do jornal foi invadida e empastelada logo após o golpe militar perpetrado em 1º de abril de 1964 quando o jornal deixou de ser editado – é difícil prever como esta proposta evoluiria, se houvesse continuidade. Além disso, havia um esforço muito grande, no sentido de encorajar os setores progressistas da comunidade judaica, a se integrarem ao povo brasileiro e às suas lutas mais gerais. O jornal jamais teve uma linha isolacionista. Apesar da década de 1970 ter sido a época de ouro dos jornais alternativos no Brasil, que se colocavam claramente contra o regime ditatorial, como o Pasquim, sucedido pelo Opinião e pelo Movimento, não havia condições de relançar o Unzer Shtime, porque quase ninguém mais lia em íidiche e a Casa do Povo vivia permanentemente vigiada, alguns de seus ativistas e diretores estavam presos no Doi-Codi[17], não permitindo grandes atividades. Quanto à orientação, o Unzer Fraint segue a mesma tônica e também não resistiu ao regime ditatorial uruguaio dos anos 1970;
- A juventude publicava a revista O Reflexo entre 1946 e 1951 sob a direção de Luiz Israel Febrot. Também organizavam bailes e comemorações festivas.
A simpatia da comunidade judaica pela esquerda no imediato pós-guerra, teve reflexos de algum modo no número e destaque intelectual de quadros de origem judaica da geração de 1945, na direção do PCB. Pode-se citar Salomão Malina, Jacob Gorender, Mário Schenberg, Marcos Chaimovitch, Isaac Scheinvar, Maurício Grabois, Moisés Vinhas e Carlos Frydman entre outros. Num determinado momento, o setor judaico do PCB em São Paulo foi a base mais importante e Eliza Kaufman Abramovich, diretora da Escola Scholem Aleichem, foi a vereadora mais votada e a bancada de comunistas majoritária na Câmara dos Vereadores da cidade. Já em 1946, na eleição para a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, foi eleita uma bancada expressiva de deputados comunistas, entre eles, Mário Schenberg. É difícil fazer comparações com eleições anteriores uma vez que de 1930 a 1945 só houve uma eleição direta para a Assembléia Nacional Constituinte de 1934, quando poucos judeus no Brasil puderam votar, por sua condição de estrangeiros ou porque muitos chegaram após esta data;
- A Colônia de Férias Kinderland funcionava como um prolongamento da escola em época de férias. Além das atividades recreativas, havia uma vasta programação cultural e um aprofundamento da noção de vida coletiva em detrimento do individualismo.
A Associação Feminina Israelita Brasileira (AFIB) se espelhava na tradição de Clara Zetkin e Rosa Luxemburg, das mulheres combatentes de todos os tempos pela liberdade e pelos direitos humanos, desde as operárias de Manhattan em greve pela redução da jornada de trabalho, até pelas combatentes Niuta Teitelboim do Gueto de Varsóvia e Vita Kempner do Gueto de Vilna. As voluntárias da AFIB administravam[18] a Colônia.
Passeio sonoro pelo Bom Retiro
Assim, esta frente, paralelamente à atividade política, realizava um trabalho nas áreas de educação e cultura.
Ao analisar as atividades da Casa do Povo, vem à lembrança o texto de T. Grol a respeito do Bund na Polônia: “Paralelamente à atividade política e sindical, o BUND realizava um trabalho ramificado e multicolorido nas áreas de educação e cultura. Quem de nossa geração não se lembra da maravilhosa rede de escolas populares judaicas, bibliotecas, associações culturais, clubes esportivos, sanatórios infantis, jornais, boletins e revistas na Polônia do pré II Guerra Mundial, organizadas pelo BUND?”[19] Se o movimento não adquiriu a mesma pujança é preciso guardar as devidas proporções quanto ao tamanho das respectivas comunidades e ao tempo de enraizamento nos vários lugares.
A questão da paz é recorrente ao longo de todas as décadas, com ênfase especial na obtenção de uma paz negociada, justa e duradoura no Oriente Médio, que contemple todos os povos da região. Mas nunca deixaram de lutar por um mundo mais igualitário e pacífico e pelo banimento dos artefatos bélicos nucleares. Transcrevo abaixo um trecho de uma convocatória do XXV aniversário do Levante do Gueto de Varsóvia:
“... Hoje, quando comemoramos o XXV Aniversário do Levante do Gueto de Varsóvia, que tão tragicamente nos lembra a II Guerra Mundial, sentimo-nos inquietos com os conflitos que surgem e se desenvolvem no mundo. Inquieta e nos revolta a tragédia do Vietnã, onde diariamente milhares de preciosas vidas de homens, mulheres e crianças são impiedosamente ceifadas e que poderá culminar com o emprego de armas atômicas, e como conseqüência, provocar uma III Guerra Mundial, com o perigo de aniquilamento de grande parte da humanidade. Portanto, é nosso dever unirmo-nos a todos os povos amantes da Paz, para clamar contra os conflitos que surgem e se desenvolvem no mundo. .”
“...A Israel cabe criar condições de vida e segurança para o País e aos seus cidadãos, como também achar soluções pacíficas para os problemas de fronteiras ou outros, com seus vizinhos Árabes.
No interesse do Estado de Israel e do povo judeu espalhado pelo mundo, no interesse, felicidade e bem estar de toda a humanidade, é necessário que juntos, todos os povos, empreguem os meios e esforços para que a paz e a liberdade sejam preservadas.” (1968)
A política soviética com relação aos judeus durante
a II Guerra Mundial e no imediato pós guerra
É inegável que, durante os anos do Grande Terror stalinista foram liquidados muitos judeus, Mas, ninguém atribuía este fato ao antissemitismo. Era considerado como um acerto de contas genérico do stalinismo com todos que não rezavam nesta cartilha: trotskistas, bukhrinistas e outros “istas” menos conhecidos por quem não é íntimo da história do PCUS e do regime soviético.
E nos anos da Grande Guerra Patriótica, como os soviéticos denominavam a II Guerra Mundial, os judeus se destacaram não só por seu heroísmo e bravura em combate contra o invasor nazista, mas também, pela proximidade entre os idiomas iídiche e alemão que lhes rendeu missões militares especiais.
Durante o período de guerra, abriram-se certas brechas no regime stalinista uma vez que Stalin estava empenhado em demonstrar que não estava interessado em exportar a Revolução, mas, tão somente, na aliança com os Aliados do Ocidente para derrotar os nazistas. Foi neste contexto que a comunidade judaica soviética havia logrado criar o Comitê Judaico Antifascista. Por outro lado, até 1944 os Aliados do Ocidente ainda não haviam aberto a II Frente na Europa e o peso do conflito nesta região era suportado pelos soviéticos. Stalin constituiu em 1943 uma Comissão Antifascista Judaica para visitar os EUA visando angariar fundos para o esforço de guerra soviético e, conclamar a grande comunidade judaica norte-americana oriunda da antiga “Zona de Residência” para se manifestar pela abertura da II Frente.
Esta comissão era composta pelos próceres da intelectualidade judaica soviética que se expressavam em iídiche: Solomon Mikhoels, grande ator e diretor do Teatro de Arte Judaico de Moscou, e os poetas Itzik Feffer e Peretz Markish. Esta Comissão acabou tendo contatos com intelectuais e artistas como o ator e cantor negro Paul Robeson que participou do maior evento pró-soviético promovido nos EUA pela comunidade judaica de Nova Iorque, com o apoio de Albert Einstein. O evento em favor da abertura da II Frente na Europa, ocorreu no dia 8 de julho de 1943. Logo após a II Guerra, a URSS era vista como a grande vitoriosa da guerra na Europa e gozava de muito prestígio.
No imediato pós guerra a URSS estava interessada em meter uma cunha no Oriente Médio contra os países colonialistas, a saber, Grã-Bretanha e França. Quem presidiu a Assembleia Geral da recém criada ONU, em novembro de 1947, foi o diplomata brasileiro Oswaldo Aranha, mas quem encaminhou e defendeu a proposta da partilha da Palestina, que deu ensejo à criação de um Estado judeu — e de um Estado árabe-palestino — , foi Andrey Gromyko, embaixador soviético neste organismo. Os Estados Unidos votaram a favor da proposta com muitas reticências, a Grã-Bretanha se absteve. Todos os países árabes rejeitaram a partilha e declararam guerra ao Estado recém-criado, com o apoio tácito dos britânicos. A República Popular da Checoslováquia fornecera, em grande medida, as armas utilizadas pela Haganá, embrião do Exército israelense, na Guerra da Independência (1948). Note-se que o processo de descolonização na Ásia e África estava em marcha com o apoio decisivo da URSS. No entanto o Estado Palestino não existe até os dias de hoje.
TVFAP: Entrevista de Dina Lida Kinoshita
Foi um momento de grande unidade do povo judeu. Sionistas e progressistas apoiam a criação do Estado de Israel – se para os primeiros essa criação simboliza a realização de um sonho milenar de volta à “Terra Prometida”, para os segundos, trata-se de um movimento de libertação nacional em que o apoio soviético para um Estado judeu, afetaria os interesses imperialistas numa região altamente estratégica como tem sido ao longo de séculos, o Oriente Médio. Por outra parte, não se pode ignorar que embora houvesse um apoio firme da URSS e das Repúblicas Populares na ONU à criação do Estado de Israel, a atitude dos comunistas sempre foi matizada por um outro sentimento: havia a esperança de um reflorescimento das comunidades judaicas no Leste Europeu, que seria a experiência socialista, e não sionista, de solução da “questão judaica”.
Esse momento durou pouco: a frente constituída nos anos da guerra que perdurou no imediato pós-guerra sofreu uma fratura. Retiraram-se das organizações progressistas, primeiro os sionistas de esquerda e mais tarde outros grupos socialistas. Os sionistas de esquerda, em nível mundial, se alienam das políticas locais e passam a privilegiar uma política de fortalecimento e consolidação do Estado de Israel que pretendiam democrático e socialista. Esta política se expressa na prática por um apoio financeiro, cultural e uma emigração expressiva para o Estado de Israel, entre 1948 e 1965, principalmente de jovens que se dirigem para Bror Khail, Guivat Oz e Gash, conhecidos como os kibutzim de brasileiros.
Contudo, para entender as mudanças, não se pode deixar de fazer uma reflexão a respeito da política brasileira no que diz respeito ao antissemitismo. Durante o Estado Novo, o governo brasileiro foi muito influenciado pelo integralismo, com grandes simpatias pelo Eixo, e praticou uma política cujo conteúdo tem fortes matizes antissemitas. Nesta conjuntura, um grupo de imigrantes que se sente marginal, acaba ingressando num partido de propostas internacionalistas que também é marginal, clandestino e ilegal como o PCB, embora houvesse um número reduzido de anarquistas e trotskistas. Segundo Hobsbawm[20]. talvez, por falta de opções. Outro fator que deve ser levado em conta, é a “política de substituição de importações” implantada no Brasil que propicia às novas gerações de judeus nascidos na região uma ascensão social e cultural. Estas comunidades deixam de sentir-se marginais, e nos momentos de democratização tem maior leque partidário para escolha.
Mas a lua-de-mel dos Aliados dura pouco. Este quadro começou a mudar de rumo, por várias razões:
Menos de um ano após a vitótia Aliada, Winston Churchill profere em 5 de Março de 1946, na cidade de Fulton, EUA, o famoso discurso sobre a Cortina de Ferro, dando início à Guerra Fria.
O Estado de Israel era economicamente inviável. Embora a URSS tenha se empenhado na criação deste país, não tinha condições de prestar ajuda econômico-financeira, dado que necessitava reconstruir o seu próprio país que sofrera perdas humanas e materiais incalculáveis durante a Grande Guerra. O Plano Marshall possibilitou uma recuperação mais rápida à Europa Ocidental. Ao ser criada a República Federal da Alemanha, seu primeiro chanceler, Konrad Adenauer, firmou um tratado com o Estado de Israel (1951) pelo qual os sobreviventes do Holocausto teriam indenizações vitalícias, e a soma referente aos 6 milhões de assassinados destinar-se-ia ao novo Estado, o que deu um certo alento econômico.
Com o surgimento do macartismo nos Estados Unidos, houve um certo temor de que ocorressem perseguições aos judeus norte-americanos, uma vez que havia manifestações antissemitas e racistas em vastos setores do país. Portanto, não interessava o confronto com esta superpotência.
Em 1951, se reorganiza a Internacional Socialista (IS), totalmente destroçada com a ascensão do nazismo, uma vez que o Partido Social-Democrata Alemão havia sido o grande sustentáculo desse campo político. Os partidos trabalhista (Mapai) e socialista (Mapam), majoritários na fundação do Estado de Israel, ingressaram na IS.
Mais adiante, num contexto absolutamente polarizado da Guerra Fria, os países europeus, dirigidos por partidos pertencentes à IS, alinharam-se com os Estados Unidos, bem como Israel, A URSS passa a investir nos países árabes para fincar uma posição estratégica no Oriente Médio. Os países da OTAN já haviam cercado os países do bloco soviético e, a URSS buscava manter bases militares nos países do Terceiro Mundo.
A comemoração realizou-se com pleno êxito com a presença de um grande número de delegações estrangeiras, sem, no entanto, nenhum delegado soviético. Todos se indagavam onde estava a antiga Comissão Antifascista. E os rumores começaram a se espalhar pelo mundo.
Mas as manifestações antijudaicas já aparecem no início de 1948. A primeira envolve URSS e Polônia ainda no início de 1948. Hersz Smoliar recorda em suas memórias: o Comitê Central dos Judeus Poloneses, hegemonizado por velhos quadros do PC polonês, decidiu realizar um grande evento internacional, por ocasião do quinto aniversário do Levante do Gueto de Varsóvia com a inauguração do Monumento em homenagem aos Heróis e Mártires do Gueto. Organizações judaicas de quase todos os países, não só aprovaram a ideia, como a apoiaram financeiramente. O Comitê polonês considerava de suma importância que uma delegação soviética de grande representatividade comparecesse ao evento apesar das dificuldades havidas naquela época para cidadãos soviéticos saírem do país, ainda que para as Repúblicas Populares. Smoliar, em nome do comitê polonês, havia contatado Itzik Feffer para dar andamento ao projeto além dos trâmites legais requeridos.
Combinaram de se falar por telefone semanalmente, sendo que a chamada era feita alternadamente por um deles. Num determinado dia agendado, Smoliar esperou por um longo tempo ser chamado de Moscou, mas foi em vão. Decidiu então ligar e, a secretária de Itzik Feffer, com voz embargada e muito alterada comunicou-lhe que Itzik Feffer não se encontrava e que Solomon Mikhoels já não está de todo... o primeiro reflexo de Smoliar era, que haviam levado Shlomo Mikhoels, detido... talvez também a Feffer. Voltou a ligar em seguida ao redator do Einikeit (Unidade), que lhe transmitira tudo que sabia então, a respeito da morte de Shlomo Mikhoels. Smoliar transmitiu imediatamente tudo que soubera à fração comunista do Comitê Central dos Judeus Poloneses e ninguém teve qualquer desconfiança de que esta morte tivesse sido planejada.
A comemoração realizou-se com pleno êxito com a presença de um grande número de delegações estrangeiras, sem, no entanto, nenhum delegado soviético. Todos se indagavam onde estava a antiga Comissão Antifascista. E os rumores começaram a se espalhar pelo mundo.
Mas os camaradas poloneses tinham um outro desgosto. Wladislaw Gomulka, secretário-geral do Partido Comunista Polonês e chefe do governo daquele país, se jactava em afirmar em seus discursos que a Polônia pós-guerra era um Estado uni nacional, negando a existência de minorias ucranianas e alemãs e jamais se referindo aos 10% de judeus desaparecidos como vítimas do Holocausto nazista[21].
Entrementes, nos EUA grassava o macartismo e ninguém escapava às investigações extremamente agressivas da Comissão de Investigação de Atividades Antiamericanas. Funcionários públicos, cientistas, intelectuais e artistas eram os mais visados. Carreiras eram destruídas, muitos perdiam seus empregos e alguns eram presos. Um dos investigados foi Paul Robeson que saiu do país.
De acordo com várias versões biográficas de Feffer e Robeson na Wilkipedia, seis anos depois, Robeson havia chegado a Moscou por ocasião das comemorações do 150º aniversário do poeta Alexander Pushkin. Ao chegar a Moscou, preocupado com a situação dos artistas judeus soviéticos, Robeson solicitara às autoridades soviéticas um encontro com Feffer, que havia conhecido e se tornaram amigos, durante a guerra, nos EUA. Foi-lhe dito que Feffer estava passando férias na Criméia e se demoraria naquela região. Diante da insistência de Robeson, as autoridades soviéticas tiveram que retirar Feffer, muito debilitado, da prisão, mantê-lo sob cuidados médicos por um tempo para que se restabelecesse, e então, o levaram ao encontro com Robeson. Um encontro estranho onde ambos se abraçaram, sem que Feffer pudesse emitir mais que uma palavra, pois, a sala havia sido grampeada pela NKVD (antecessora da KGB). Feffer conseguira transmitir a Robeson por meio de gestos que Mikhoels havia sido assassinado pela polícia secreta bem como a real situação dele e de muitos outros intelectuais e artistas. Desafiando as autoridades soviéticas, em sua apresentação na sala Tchaikovsky, no dia 14 de junho de 1949, homenageou seus amigos Feffer e Mikhoels e cantou o Hino dos Partisans de Vilna, em iídiche e russo.
Os sionistas já denunciavam esses fatos mas a esquerda judaica não sionista, não acreditava no que ocorria, dizendo que eram invencionices dos imperialistas. Um emissário soviético chegou a circular entre as comunidades judaicas da América Latina desmentindo os fatos.[i]
Outro acontecimento inusitado ocorreu poucos meses antes. Golda Meir tornou-se a primeira embaixadora do recém criado Estado de Israel na URSS. Pouco depois de sua chegada a Moscou ela foi à Grande Sinagoga por ocasião de Rosh Hashaná. Costumeiramente, apenas uns dois mil judeus moscovitas participavam destas cerimônias e, nesta ocasião compareceram cerca de cinquenta mil pessoas, obviamente para prestigiá-la e não por razões religiosas. As autoridades soviéticas interpretaram este gesto como um renascimento do nacionalismo judaico o que deu ensejo a novo expurgo. Desta vez os julgados foram acusados de “cosmopolitismo”. Poucas semanas depois os embaixadores foram convidados para uma recepção, em homenagem ao 31º aniversário da Revolução Russa. O Ministro de Relações Exteriores da URSS era Vyascheslav Molotov. Durante a festividade, a esposa do Ministro, Polina Molotov, havia se dirigido a Golda Meir em iídiche, exortando-a a frequentar mais vezes a sinagoga.
Poucos dias depois, Polina Molotov foi detida, obrigaram-na a se divorciar e, em seguida, enviaram-na para um campo de trabalhos forçados na Sibéria. Foi julgada por alta traição por desconfiarem que houvesse transmitido segredos do Estado Soviético à líder sionista[22].
Nesta conjuntura mundial ocorreu outro fato, desta vez, um expurgo na Checoslováquia. Rudolf Slansky, secretário geral do PC Checoslovaco e outros 13 altos dirigentes do partido foram presos sob a acusação de alta traição à Pátria. Todos, velhos quadros experimentados, dos quais dez eram judeus, foram acusados como, burgueses, sionistas e titoístas. Foram condenados à morte. Arthur Londor, apesar das violentas torturas sofridas sobreviveu, condenado à prisão perpétua e, mais tarde, confirmou que os outros foram liquidados[23]. Este processo espetáculo ocorrera mais ou menos na mesma época que o de Julius e Ethel Rosenberg, vítimas do macartimo nos EUA, também condenados à morte por alta traição porque teriam fornecido à URSS, segredos referentes à bomba atômica.
Em 1953, pouco antes de morrer, Stalin havia determinado que os seus médicos judeus fossem assassinados porque estariam metidos num complô para assassiná-lo ministrando-lhe substâncias venenosas.
Há quem atribua todos esses fatos à mente doentia e conspiratória de Stalin. Contudo, ao analisar os fatos em seu conjunto, é crível que o alinhamento do Estado de Israel com as democracias ocidentais havia provocado uma “limpeza” de judeus nos altos postos da URSS e das Democracias Populares.
No fim de fevereiro de 1956 ocorreu o XX Congresso do PCUS quando Nikita Khruschev denunciara os crimes stalinistas e afloraram vários dos episódios aqui relatados entre muitos outros[24]. Esse Relatório Secreto provocou um verdadeiro terremoto em todos os partidos e organizações de esquerda do mundo. Não foi diferente em São Paulo. Em particular, houve debates muito acirrados na Casa do Povo entte os que continuaram apoiando o bloco socialista ainda que criticamente e os que pretendiam uma postura de rompimento total. Em 1957 formaram-se duas chapas para eleger a Diretoria. Tentando um consenso pela unidade em três assembleias. Mas na primeiras não houve consenso. Na segunda, Manoel Casoy, presidente de honra, assumiu a Presidência pro tempore. E na terceira, decidiram que as duas chapas formadas teriam direito de ter um número proporcional de diretores e conselheiros de acordp com a quantidade de votos obtidos. Mas a chapa capitaneada por Godl Kon, apesar de obter 40% dos votos, não indicou ninguém para os cargos que lhe cabiam e se retirou da Casa do Povo. Foi impossível o consenso. Num mundo onde só havia branco e preto, sem tons e semitons, muitos quadros e ativistas da chapa derrotada se retiraram; alguns passaram a trabalhar em organizações sionistas, outros simplesmente se afastaram de qualquer atividade sócio-cultural. Alguns poucos ficaran nuito deprimindos e houve até um caso de suicídio.
História Oral Wexler do Yiddish Book Center
Enquanto a aproximação do Estado de Israel com os EUA atingira seu ápice logo após a Guerra dos Seis Dias (1967), quando os israelenses ocupam a Cisjordânia, Gaza, o Golan, o Sinai e a parte oriental de Jerusalém, a URSS e grande parte da comunidade internacional condenaram veementemente essa decisão. A URSS e as Democracias Populares do bloco soviético romperam relações diplomáticas com este país. Num processo binário de “bandido e mocinho”, se deu apoio integral aos palestinos e a clivagem se tornou absoluta.
Após o golpe militar ocorrido no Brasil em 1964, há um esvaziamento do movimento popular de um modo geral. A despeito disso, a Casa do Povo ainda exerceu alguma influência na comunidade até 1967. Muitos dos que não se deixaram abater, mesmo em momentos críticos para os judeus progressistas, tiveram uma atitude diferente em 1967. Poucos dos judeus progressistas mantiveram sua serenidade, o emocional falou mais alto, e a maioria apoiou Israel posteriormente. Foram pouquíssimos os que condenaram a ocupação desde o início, previram as dificuldades que os israelenses teriam se não desocupassem logo a região e continuaram apoiando a URSS e o Leste Europeu, por seu papel na descolonização da África e Ásia, por se contrapor à política agressiva do imperialismo americano e por entender que era justo criar um Estado Palestino, do mesmo modo que havia sido justo criar o Estado de Israel.
Muito poucos tiveram uma visão profundamente internacionalista, tendo clareza de que embora os interesses do Estado Soviético e os do Movimento Comunista Internacional, nem sempre caminhassem juntos, mas disciplinadamente jamais criticaram a URSS, para não dar munição ao inimigo imperialista. Neste período, no contexto da lógica binária da Guerra Fria, Israel tornou-se o principal aliado estratégico dos EUA no Oriente Médio enquanto a URSS e todo o bloco do “socialismo real” rompeu relações com o Estado de Israel e apoiou decididamente a OLP e alguns países árabes. A situação política e sócio-cultural das comunidades judaicas do Leste Europeu deteriorou-se culminando com um verdadeiro êxodo de velhos quadros comunistas na Polônia, todos cassados e aposentados compulsoriamente.
Os soviéticos nem podiam emigrar para não fornecer dados sigilosos aos países capitalistas. Esse quadro desloca o voto da maioria da comunidade judaica para a direita. Entretanto, perante parte da juventude de esquerda sionista o modelo de um Estado de Israel democrático e socialista sofrera forte abalo com a ocupação dos territórios. Muitos abandonaram a militância sionista e abraçaram uma militância socialista no Brasil. Entretanto não engrossaram as fileiras dos progressistas. Estes grupos ingressaram preferencialmente em organizações trotskistas ou nas dissidências armadas. Muitos pagaram com a própria vida por esta opção. Alguns entendiam que o PCB era muito moderados; outros declararam que Israel ainda estava nos seus horizontes apesar do abalo, e não poderiam ingressar em um partido profundamente vinculado à URSS e às Democracias Populares que haviam rompido relações com o Estado de Israel, apoiando irrestritamente os países árabes e a OLP.
Durante o governo do general Garrastazu Médici, ocorreu uma inflexão no Brasil. O país teve uma acelerada acumulação capitalista no período, passando a ser um exportador de manufaturados. Dentro da perspectiva do “Brasil, Grande Potência”, a questão energética necessária para o desenvolvimento dos grandes projetos mínero-metalúrgicos, petro e cloro-químicos foi considerada prioritária. Como corolário o Estado brasileiro decide implementar também o projeto de desenvolvimento da tecnologia nuclear, para satisfação daqueles que desde os anos 1940 defendiam essa alternativa energética. Além de aumentar a energia hidroelétrica com a construção de Itaipu. Ambos os projetos criaram contenciosos com os americanos e com a Argentina.
O afastamento do Brasil dos EUA levou à política do “pragmatismo responsável” caracterizada pelo reconhecimento imediato, junto com Cuba, da República Popular de Angola e por uma abertura para o mundo árabe, que acabou culminando com a assinatura de uma moção na ONU, denunciando o “caráter racista do sionismo”. Pouco a pouco, o “establishment” da comunidade judaica foi então se afastando do regime militar brasileiro. Por outro lado, a direita passa a governar o Estado de Israel, e apesar dos acordos de Camp David com o Egito (1981), houve uma escalada de atrocidades nos territórios ocupados que culminam com o massacre nos acampamentos de Sabra e Chatila em 1982.
Várias lideranças que anteriormente fizeram parte do arco da esquerda passaram a dar-se conta que o apoio irrestrito a Israel foi um erro. Mas em Israel também surgem vozes influentes discordantes. O Movimento Paz Agora adquiriu força e grande visibilidade, acabando, anos depois, por levar à queda o governo de direita israelense de Shamir. Entretanto a política de Brezhnev com relação aos chamados "dissidentes", muitos deles judeus, e com relação à comunidade judaica soviética como um todo, dificultou a aproximação entre comunistas e os outros grupos que reivindicavam a paz no Oriente Médio. Levando em consideração que o comportamento político da comunidade judaica era balizado em grande medida pela guerra fria e seus desdobramentos no Oriente Médio, é importante lembrar que M. Gorbachev, enquanto secretário-geral, tenha declarado anos mais tarde, que a política soviética para o Oriente Médio foi excessivamente unilateral.
Embora os protestos contra o massacre de Sabra e Chatila tenham chocado setores muito mais amplos e expressivos da comunidade judaica, o único espaço disponível para abrigá-los em São Paulo, foi a Casa do Povo, bastante esvaziada.
Mas este processo de retomada de consciência não implica um reflorescimento da Casa do Povo ou pela esquerda. No plano mais geral, é notório que a "transição democrática" no Brasil ocorre num momento em que o declínio do "socialismo real" já é evidente para muitos. No que concerne a comunidade judaica, é o momento de desaparecimento da geração de imigrantes, de mudanças do perfil sócio-econômico, responsáveis pelo deslocamento das atividades sócio-culturais para regiões urbanas distintas da original. O mais importante e o menos debatido, talvez, se refira ao fato da cultura não isolacionista da esquerda judaica e o encorajamento de integração às lutas do povo brasileiro trazer em si o germe da destruição de uma cultura trazida da Europa oriental que por sua vez não foi substituída por vínculos mais significativos com setores progressistas israelenses. Essa ruptura se dá por duas razões: por um lado os israelenses menosprezam a cultura do judeu do Leste Europeu, chegando em alguns momentos à proibição da língua iídiche e de todas as suas manifestações culturais e por outro, no clima exacerbado da Guerra Fria, os judeus comunistas ignoram que o Estado de Israel é um fato concreto, com sua pluralidade cultural e política e simplesmente o condenam por completo.
Anos de autoritarismo na América Latina e governos de direita em Israel, são fatores que fortalecem os setores democráticos das comunidades judaicas. O esgotamento do modelo do socialismo real e o fim da Guerra Fria caracterizada pelo enfrentamento dos blocos político-militares, pela corrida armamentista e o equilíbrio fundado na ameaça do terror nuclear são fatores determinantes na dinâmica estratégica no Oriente Médio e do papel exercido pelo Estado de Israel de aliado preferencial dos EUA. Os setores da esquerda mais ortodoxa que não atentaram para a crise de civilização que estava se prenunciando, e continuaram a sonhar com o “Birobidjan”[25] acabaram se marginalizando completamente e ficarão na história mas temo que sejam fontes de pensamentos retrógrados e conservadores no futuro. Por outro lado, os setores mais realistas e construtivos vem buscando um novo humanismo, engajando-se nas lutas ambientais, pela cidadania e pela paz e novos meios de superar o sistema capitalista injusto e excludente pela via da democracia e da liberdade. Essa posição implica um aprofundamento dessas questões – a democracia e a liberdade – em condições sociais e políticas novas. É uma posição que pode abarcar as variadas vias contemporâneas de expressão desse humanismo que se redefine, permitindo identificar e criar formas de luta adequadas às também novas formas de fascismo e autoritarismo que afloram hoje. A Casa do Povo não se exime desse debate e tem conseguido trazer mais gente jovem para atividades relacionadas a esse novo judaísmo contemporâneo.
Notas
[1] FREIRE, R., Carta convite enviada a intelectuais brasileiros por ocasoão da criação da Fundação Astrojildo Pereira
[2] LÊNIN, V. I., Discurso proferido por Lênin logo após a tomada do poder pelos Bolcheviques, 1917
[3] HOBSBAWM, E., ”A Era dos Extrtemos”, Companhia das Letras, São Paulo, 1995,
[4]EHRENBURG, I., “Memórias!”, vol. 4, A Europa sob o nazismo, Civilizaão Brasileira, RIO de Janeiro, 1966.
[5] Atas tssaquigráficas do Congresso, Paris, 1937,
[6] KINOSHITA, D. L. “O ICUF como uma rede de intelectuais”, Universum n. 15, Talca, 2000
[7] ”In Gang” (Em Marcha), Editado por Pinie Katz, Abril de 1937 e entrevista oral com Rivka Gutnik.
[8] IOKOI, Z. M. G., “Intolerância e Resistência: a Saga dos Judeus Comunistas”, Associação Humanitas- Univale, São Paulo, 2004
[9] PINHEIRO, P. S,, “Estratégias da Ilusão”, Companhia das Letras, São Paulo, 1995
[10] KOIFMAN, F., “ O Imigrante Ideal”, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2012 2,
[11] Singer, I.B., A Família Moskat, Livraria Francisco Alves Ed., Rio de Janeiro, 1982
[12] Smoliar, H., Oif der Letzter Pozitzie, mit di Letzter Hofnung, Ed. I. L. Peretz, Tel Aviv, 1982
[13] Brossat, Alain e Klingberg, Sylvia, Le Yiddishland Revolutionnaire, Balland, 1983
[14] WEINSTOCK Le Pain de Misère, La Découverte, Paris, 1984
[15] VIAZOVSKI, T. O mito do complô judaico comunista no Brasil, Humanitas, São Paulo, 2008,
[16] Ginsburg, J. Aventuras Língua Errante, Ed. Perspectiva, São Paulo, 1996
[17] Departamento de Ordem Interna, departamento especial formado pelo Serviço Nacional de Informações, Exército e Polícia Militar, encarregado da repressão e tortura de presos políticos nos anos 70
[18] Faziam parte da coordenação Carlota Lachtermacher, Dobe Zonenchein, Ienta Lerner, Ferga Zylbersztajn, Mania Akcelrad, Ita Akcelrad, Tuba Schor, Chaike Lustik, Gitl Rotstein, Clara Steinberg, Regina Landman e Lola Kaufman entre outras
[19] Grol, T., Gueshtaltn un perzenlekhkeitn in der iidicher un velt gueshikhte, Paris, 1976
[20] Hobsbawm, E., Trabalhadores, Ed. Paz e Terra, Petrópolis
[21] SMOLIAR, H., Oif der letzter pozitzie mit der letzter hofnung, Tel Aviv: Ed. I.L. Peretz, 1982. ,
[22] GREEN, D. B., This Day ln Jewish History: Golda’s Soviet welcome, Haaretz, 4/10/2012
[23] Executedtoday.com 1952: Rudolf Slansky and 10 “conspirators”. Acesso em
3/12/2007.
[24] VOLKOGONOV, D., STALIN:triunfo e tragédia, Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2004
[25] Região Autônoma Judaica na URSS
[i][i] Entrevista com Mina Fridman, militante do Partido Comunista Argentino e ativista social no meio judaico, realizada em Buenos Aires, em outubro de 2000
Crescimento da economia requer incentivo a investimento
Sérgio Cavalcanti Buarque vai mediar debate da FAP na sexta-feira, com transmissão ao vivo pelo portal e pelas redes sociais
Cleomar Almeida, da equipe FAP
A reforma tributária deve considerar que o crescimento da economia requer mais incentivo a investimento e desestímulo ao consumo, diz o economista e consultor de planejamento estratégico Sérgio Cavalcanti Buarque. Ele vai mediar evento on-line sobre desenvolvimento e equidade na tributação dos dividendos, a ser realizado, pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Folha da Manhã, sexta-feira (13/8), das 16h às 19h.
Com a presença de outros especialistas no assunto e transmissão pelo portal e pelas redes sociais (Facebook e Youtube) da FAP, o debate deve abordar, sobretudo, duas questões relacionadas às propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional: justiça tributária e redução do imposto sobre o lucro direto de empresas com criação de imposto sobre dividendos.
Assista!
“O consumo é importante porque vai gerar demanda e estimula o investimento, mas, se invisto diretamente, também vou gerar aumento da capacidade produtiva e gerar demanda da cadeia produtiva. Então, é preferível incentivar investimento do que consumo”, explica o mediador.
Ele lembra que o governo federal apresentou “um projeto de reforma tributária muito tímido” e que vai na direção contrária à de duas propostas que já estão no Congresso, mais abrangentes, porque sugere simplificação de impostos, concentrando cinco impostos em apenas um.
Na avaliação do mediador, a proposta do governo tem aspecto interessante que trata de imposto de renda, o que, conforme observa, não está contido nas que foram apresentadas pelo Congresso. “Na proposta de imposto de renda, produz-se um item inovador, muito controverso, que é a cobrança de impostos sobre dividendos”, afirma.
Na prática, este último significa que a empresa paga o imposto de renda sobre o lucro dela e o que sobra é distribuído para os acionistas. “Então, o que está sendo discutido é que esse imposto sobre dividendos faz com que seja imputado, também, com tributos, aos acionistas de empresas, ou, digamos, a renda do capital”, diz o economista.
A pergunta que se coloca, de acordo com o mediador, é a seguinte: na medida em que se cobra imposto sobre a renda do trabalho, que é o salário, por que não cobrar imposto da renda do capital? “É exatamente o que os acionistas recebem de distribuição do lucro que ficou retido na empresa”, explica ele.
Outro ponto importante, na opinião de Buarque, é que o segundo projeto reduz o imposto sobre o lucro direto da empresa e cria imposto sobre dividendos. “Queremos refletir se essa equação não significa um estímulo ao investimento e um desincentivo ao consumo”, ressalta o consultor.
De acordo com o analista, o recurso que fica na empresa só tem uma forma de ser utilizado por ela: investimento. “Então, reduzindo imposto sobre lucro direto da empresa, deixa mais recurso para ela investir ou distribuir para os acionistas. Em tese, ela poderia distribuir mais”, diz.
No entanto, neste caso, segundo Buarque, como imputa-se imposto sobre dividendos, desincentiva mais recursos para os acionistas, que, em geral, os transformam em consumo. “Claro que uma parte pode ser poupança que volta a ser investimento, mas é um incentivo ao consumo”, observa.
“Quando se reduz imposto direito na empresa e se cria imposto sobre dividendo ou imposto distribuído, a pergunta é se isso não tem o lado extremamente positivo, que, ao mesmo tempo, incentiva o investimento e desestimula o consumo, que, em geral, é de luxo”, pondera.
Webinar | Desenvolvimento e equidade na tributação de dividendos
Data: 13/8/2021
Transmissão: das 16h às 19h
Onde: Portal e redes sociais da FAP (Facebook e Youtube)
Cristovam Buarque lista lacunas que entravam desenvolvimento do Brasil
Ex-presidente do IBGE avalia os prejuízos da suspensão do Censo 2021
FAP cria grupos de trabalho para discutir temas relevantes para sociedade
Escândalo das vacinas mostra país fragilizado, diz reportagem da FAP
Política Democrática online de agosto mostra situação do país com avanço das investigações da CPI da Covid-19 no Senado
Cleomar Almeida, da equipe FAP
Dezenas de depoimentos à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 confirmam denúncias de corrupção com pagamento de propina em paraíso fiscal e mais de 100 tentativas de negociação de vacinas da Pfizer ignoradas pelo governo brasileiro, além de escancarar um país fragilizado por uma série de escândalos em torno da imunização contra a Covid-19. É o que mostra reportagem da revista mensal Política Democrática online de agosto (34ª edição).
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)
“A pressão para que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) seja julgado por tribunais internacionais aumenta a crise política”, diz o texto. A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e que disponibiliza o acesso gratuito a todos os conteúdos, na versão flip, em seu portal.
De acordo com a reportagem, na iminência de uma terceira onda da pandemia do coronavírus, o Brasil ainda vive os duros reflexos da falta de política pública nacional de saúde voltada ao enfrentamento da Covid e das iniciativas tardias para o início da vacinação. Com pouco mais de 20% de toda a sua população imunizada, o país caminha para superar a marca de 600 mil mortos pela doença.
“A investigação da CPI da Covid revela ao país dados de um cenário de horror”, mostra a reportagem. O texto cita que, ao todo, até o início deste mês, no Brasil, o número de vítimas da pandemia ainda era ao menos 12 vezes maior que o de vacinados, o que exemplifica as consequências de um país tomado por denúncias relacionadas às imunizações e governado por um presidente declaradamente negacionista.
O avanço das investigações da CPI segue rumo à confirmação da tese já levantada por alguns senadores: o governo federal abriu espaço para pessoas que não tinham vínculos com fabricantes das vacinas, enquanto dificultou o acesso ao Instituto Butantan, em São Paulo, e à multinacional Pfizer, sediada em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
Profissionais de saúde atuam na pandemia do novo coronavírus
Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição
A íntegra da reportagem especial pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
Política Democrática online: popularidade do governo segue declinante
‘Bolsonaro não vai conseguir reeleição”, diz Eliziane Gama
Clique aqui e veja todas as edições da revista Política Democrática online!
Laurentino Gomes fala sobre a Semana de Arte Moderna
Em entrevista ao podcast nº 22 da Fundação Astrojildo Pereira, o escritor e jornalista Laurentino Gomes, sete vezes ganhador do Prêmio Jabuti de Literatura, comenta sobre a Semana de 22.
Confira a entrevista!