Forças Armadas

William Waack: As razões dos militares

Eles suportam um governo que embarcou numa perigosa aventura

Os militares que estão no governo aparentemente não comandam. Por motivo simples: uma coisa é a aptidão técnica e a formação intelectual para planejar e executar considerando meios e fins. Para isso os militares foram muito bem preparados em suas academias, que equivalem a escolas de business comparáveis às melhores lá de fora.

Outra coisa é o exercício da política, aprendizado que não está nos currículos dessas academias. Tem sido mais fácil para os militares no governo se apegar a seu padrão ético de “cumprir a missão”, “obedecer ao comando hierárquico” e “não abandonar o barco em dificuldades” do que enxergar que prestígio e respeito pacientemente recuperados pelas Forças Armadas após o regime que instauraram e conduziram por 21 anos estão naufragando pelo suporte que emprestam ao que hoje, sob Bolsonaro, deriva numa aventura rumo ao abismo.

O que os levou a pular para a carruagem do atual presidente, que estava longe de ser a primeira escolha deles, foi a noção de esgarçamento do tecido social e de desagregação institucional ilustrada por dois episódios significativos ainda no início da campanha eleitoral de 2018. O primeiro foi o fica ou sai de Lula da cadeia em Curitiba, devido a uma sequência de canetadas do Judiciário. Bagunça que por um triz não levou à desordem. O segundo foi a bagunça mesmo criada pela greve dos caminhoneiros.

A um candidato sem planos, além de frases de efeito, os militares levaram seriedade, confiabilidade e gente experiente em logística, gestão de recursos, planejamento, disciplina e hierarquia. Acharam que a onda disruptiva que destruiu a reputação de políticos, partidos, imprensa e várias instituições se traduziria num “momento” político capaz de fazer prosperar mesmo num Legislativo hostil a reformas, à transformação do Estado e por aí vai. Não estavam sozinhos nessa mescla de fé e esperança, combinadas a um pouco de cálculo.

Faltou o lado político, pelo qual Bolsonaro enveredou da pior forma possível. Preferiu renunciar ao exercício de seu maior poder, que é ditar a agenda. Preferiu concentrar-se no afago à suas parcelas de seguidores incondicionais, que estão diminuindo. Jogou fora várias oportunidades de se tornar uma voz pregando convergência, união, pacificação, concentração de esforços. Perdeu tempo e, com a pavorosa crise do coronavírus, perdeu também a moral.

Na mais recente grande crise do governo, a da saída de Sérgio Moro, os militares encontraram como conveniente justificativa para tolerar um governo no mínimo errático a postura do STF de limitar as prerrogativas do Executivo. Além de legislar, o Judiciário em alguns casos até governa, ou não deixa governar. Há um forte debate jurídico e acadêmico sobre o tema, mas militares e políticos, e não só os do Centrão, avaliam esse fato como usurpação de prerrogativas.

Portanto, sob essa ótica, é até “compreensível” o flerte nada discreto do presidente com a crise institucional que os militares não querem que aconteça. O problema político que eles não resolveram é traçar a linha entre o que é “suporte institucional” a um governo destrambelhado e o que é cumplicidade com o destrambelhamento. É o tipo de coisa, porém, que só fica bem clara depois.

Parece evidente neste momento que está além da formação técnica e doutrinária dos militares resolver um nó que é político na mais pura essência. O símbolo de tudo isso é um general, que não é médico, liberando no Ministério da Saúde um documento contendo protocolo de tratamento que médicos que o antecederam não quiseram assinar – e se recusaram a fazê-lo por razões técnicas, e o general o fez por razões políticas do presidente da República.

São razões que passaram a ser, por conivência, conveniência ou inércia, as razões também dos homens que vestiram ou vestem fardas.


Roberto Godoy: Forças Armadas rejeitam tese do golpe político

No domingo, presidente Jair Bolsonaro declarou que as Forças Armadas estão ao lado do seu governo

Na segunda-feira, 4, 24 horas depois da manifestação antidemocrática em Brasília, do apelo por uma intervenção militar no País e das declarações ameaçadoras do presidente Jair Bolsonaro, a tropa estava na rua: logo cedo, cerca de 30 mil homens e mulheres das Forças Armadas deixaram suas bases para montar hospitais de campanha, transportar suprimentos médicos, distribuir refeições de emergência, organizar serviços de atendimento, instruir equipes hospitalares e desinfetar instalações de uso público – estações de transporte coletivo do Rio, por exemplo. Para o efetivo de ação, a guerra real é contra o novo coronavírus.

A tese do golpe político, fortemente rejeitada pelo generalato do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, também não está na pauta da oficialidade média, de capitães a coronéis. São eles os que mantêm o controle direto dos quadros de combate; responsáveis pelo treinamento, preparo, equipamento, administração e prontidão das forças. Para esse pessoal, raramente ouvido na tomada de opinião do setor, a nota oficial de 11 linhas emitida no início da tarde pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, “podia ter uma linha só, a primeira”, disse ao Estado o comandante de um batalhão de infantaria do Sul do País. O texto citado limita-se a declarar que “as Forças Armadas cumprem sua missão constitucional”.

Outro oficial, da mesma patente, lembrou que, em uma organização regida pela disciplina e pela hierarquia, “não pode haver dúvida a respeito dos objetivos a serem alcançados e da meta a ser atingida – no momento, as etapas da campanha e a derrota da pandemia”. Para o coronel, as mais de 7 mil mortes registradas oficialmente “caracterizam baixas de zona de conflito”.

Militares não gostam da exceção. Trabalham com grande previsão e preferem estar adiante dos fatos. Um oficial da Força Aérea, crítico de certas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que considera “intromissões do Judiciário na competência exclusiva do Poder Executivo”, como a suspensão da expulsão de diplomatas venezuelanos, sustenta, entretanto, que “esse é um jogo que deve ser decidido na quadra da democracia”. Ele lembra que, no momento em que os manifestantes ocupavam a avenida diante do Palácio do Planalto, no domingo, a aviação militar completava uma série de voos para Manaus e Macapá levando toneladas de aventais, luvas, máscaras, gorros, medicamentos, ventiladores e respiradores mecânicos para aliviar o colapso no atendimento aos infectados pela covid-19 no Amazonas e no Amapá. “Agora, isso é o que conta”, afirmou. Para um capitão da força naval, “há um fator na teoria do golpe que é insuperável: quem paga a conta?”, analisou.


José Casado: Bolsonaro perde, de novo

Ele quer envolver as Forças Armadas na sua campanha

Foi um longo fim de semana para Jair Bolsonaro. Imerso na realidade paralela, à distância do país devastado por um vírus que já abateu mais de sete mil vidas, entreteve-se no seu jogo predileto: envolver as Forças Armadas na sua campanha para reeleição em 2022. É raro caso de governante empenhado num pandemônio político em plena pandemia.

No sábado, no Palácio da Alvorada, extravasou sua ira com a suposta conspiração para impedi-lo de governar. Citou Sergio Moro, João Doria, Congresso, STF e governadores. Lula e PT estão fora da sua agenda. Bolsonaro, agora, racha a centro direita. Briga com o governador paulista, a quem vê como adversário eleitoral.

No domingo ensolarado comandou nova manifestação, financiada por empresários amigos, em produção esmerada com faixas de apelo à “intervenção militar com Bolsonaro”. A claque, outra vez, pedia aos generais um golpe em favor do ex-capitão, afastado do Exército por indisciplina, há quase quatro décadas.

O cenário verde-amarelo ficou relevante porque pesquisas mostram supremacia da imprensa sobre as redes sociais em credibilidade — efeito da pandemia. “Acabou a paciência”, disse. “As Forças Armadas também estão ao nosso lado… Chegamos no limite.”

Varou a madrugada de ontem com o plano de declarar desobediência ao Supremo. Renomearia Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal. A indicação havia sido suspensa pelo STF, por conflito de interesses — é amigo de Bolsonaro, cujos filhos estão sob investigação federal. Aceitou deixar Ramagem indicar seu vice na Abin, Rolando de Souza.

Resignou-se, ainda, a manter o general Edson Pujol no comando do Exército. Queria trocá-lo por Luiz Eduardo Ramos, um general da ativa no Planalto. Provocaria uma cisão, alertaram, acelerando a erosão já perceptível no respaldo militar ao seu governo. Também se conformou com a nota da Defesa lembrando o papel constitucional das Forças Armadas. Foi a segunda em 15 dias.

Bolsonaro perdeu, de novo. Mas quem o viu nas últimas 72 horas acha que o presidente-candidato vai continuar apostando no arriscado jogo de atração dos quartéis à política.


Roberto Romano: Forças Armadas e soberania

Presidente deve ser advertido sobre as consequências de quebrar a hierarquia...

Os enunciados seguintes são dirigidos às Forças Armadas. Tempos atrás publiquei neste espaço o texto intitulado Presidência subversiva. Nele discuto os dilemas por nós vividos diante da imprudência – em assuntos graves – evidente no chefe de Estado. Lembrei os monopólios da força, norma jurídica, impostos.

Mencionei a hierarquia do poder público, sobretudo no setor militar. Sem ela desaparece a instituição estatal, da administração à justiça e à defesa armada. O enfraquecimento da ordem hierárquica preocupa as mentes democráticas. O pior desafio dessa anomia é que ela tem origem na pessoa que deve zelar pelo respeito às normas. A subversão do palácio é partilhada pelos que precisam garantir a segurança coletiva.

Para discutir aqueles itens retomo o polêmico conceito de soberania. Na ONU o enunciado fundamenta a tese consagrada por Tomas Hobbes de que o Estado possui suprema autoridade no território, plenitude da jurisdição interna, imunidade diante da jurisdição de outros Estados. Para todos o nível hierárquico é o mesmo. No plano interno a soberania define o único poder com direito legítimo de administrar corpos e mentes. Mas no campo interno existe hierarquia e sem ela desaparece o Estado. A soberania – segundo o termo filosófico antigo – é a alma do poder público. Sem ela resta um mecanismo fragmentado e caótico.

No Brasil a soberania sofreu atentados cujos frutos definem nossa História. O enorme território custou guerras em sua preservação. Violências foram cometidas contra os habitantes anteriores: no campo anímico, os sacerdotes católicos e na carne, os caçadores de riquezas. O trato entre colonos foi definido pela violência e falta de controle legal. Os sermões do padre Vieira denunciam, além da corrupção, o frágil respeito pela vida e pelas propriedades civis. No século 18 surgem os primeiros reclamos de soberania nas regiões coloniais.

Aquelas reivindicações iam contra a forma de controle exercida por Lisboa. Na Inconfidência, pontos estratégicos eram a fundação de uma universidade e de fábricas. A censura e o controle português tornavam inviável a vida fabril e intelectual. Além do veto aos livros não religiosos, jovens abastados seguiam para a Europa se desejassem educação superior.

A Corte no Rio definiu o Estado incipiente como oposto à democracia. Fugido de Napoleão, o regime português aqui instalou formas administrativas inimigas das conquistas democráticas instauradas na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França. Em vez de um aparelho estatal controlado pela soberania popular, aqui se mantiveram os defeitos do Antigo Regime, como a troca de favores nos cargos públicos. A burocracia à brasileira é teia anárquica, o provimento dos cargos dá-se em trocas do governo com poderosos líderes civis. Sem disciplina e hierarquia administrativa, foi afastada a “gente ordinária de veste” sem nobreza ou pistolões de pessoas ricas.

As Forças Armadas, para serem aceitas, sofreram oposição dos grandes proprietários, os chamados de coronéis. A eles não interessava uma força impessoal sem vínculos de favor com poderosos regionais. Ao resistirem ao monopólio da força entregue ao Estado federal, que usaria como instrumento privilegiado o Exército, os oligarcas se organizaram em federações paralelas, cujo poder, no entanto, era essencial para os que dirigiam o campo federativo.

Desde o século 19 insurreições surgiram em todo o território. Tal fato impulsiona a política de centralização sem atenuar o poder dos oligarcas. Resultado: o núcleo federativo se impôs sobre os governos estaduais, mas os presidentes da República dependem do apoio trazido pelos oligarcas no Congresso. Governadores são destituídos do poder decisório e dependem dos coronéis para serem ouvidos pela Presidência da República.

O atual mandatário acirra discórdias entre dirigentes estaduais e incentiva forças disruptivas que minam a autoridade daqueles dirigentes. O problema atinge pontos insuportáveis no trato com Polícias Militares, que devem obediência e disciplina aos governadores. No Ceará e outros Estados, policiais em pleno motim decretam o fechamento do comércio, o toque de recolher, com truculência inaudita.

Assim, eles quebram a hierarquia e ameaçam o monopólio da força, base da soberania. Ademais, impulsionam a desagregação das partes na estrutura do Estado nacional. A continuar tal prática, com o silêncio incentivador da Presidência, o papel das Forças Armadas será reduzido na ordem interna do País. O Exército, a Marinha, a Aeronáutica devem gerir a força do todo estatal para assegurar a soberania no território. Se policiais militares amotinados controlam cidades, eles agem em nome de soberanos anônimos e irresponsáveis, estraçalham o território, abolem a soberania legítima. Se tal coisa se agrava, breve não existirá um país, mas fragmentos soberanos. As Forças Armadas serão descartáveis.

O presidente da República deve ser advertido sobre tais consequências nos instantes em que ele mina a autoridade dos governadores e quebra a hierarquia de comando civil e militar.

✽ Professor da Unicamp, é autor de 'Razões de Estado e outros estados da razão' (Perspectiva)


Maria Cristina Fernandes: A guarda pretoriana do comediante

Se estava difícil de entender, o coronel Aginaldo desenhou com o estímulo à insubordinação policial

Como estivesse difícil entender, o coronel Aginaldo de Oliveira resolveu desenhar. Ao celebrar a coragem dos policiais militares na assembleia que deliberou pelo fim do motim policial no Ceará, o coronel, que é diretor da Força Nacional de Segurança, mostrou que o presidente Jair Bolsonaro hoje dispõe de meios para arregimentar uma guarda pretoriana. Não é um feito solitário. Tem a decisiva ajuda do ministro da Justiça, Sergio Moro, cuja autoridade se mostrou incapaz de repreender amotinados.

A guerra de facções do crime organizado no Ceará, Estado que se tornou corredor de exportação do narcotráfico andino, foi a primeira crise enfrentada pelo presidente da República. Na semana da sua posse, Bolsonaro optou pelo envio da Força Nacional de Segurança para o Estado que havia acabado de reeleger um governador do PT.

Um ano depois, nova crise eclodiria sob a forma de motim policial. Como a força especial composta por policiais militares já não desse conta de reprimir seus próprios colegas, o presidente foi pressionado a decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), conduzida por militares do Exército. Entre uma e outra crise, deterioraram-se as bases da hierarquia e da disciplina das tropas locais e a capacidade de operação da força nacional. O governador é o mesmo, Camilo Santana, reeleito pelo PT. Quem mudou foi o presidente, ocupado, desde a posse, em incutir, nas bases policiais, o vírus da insubordinação que marcou sua carreira militar.

É uma barafunda bolsonarista por excelência. Desde sua criação, em 2000, a Secretaria Nacional de Segurança Pública, chapéu, no MJ, para a Força Nacional de Segurança, foi ocupada por policiais e especialistas. No governo Michel Temer, assumiu o primeiro general, Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro do governo Bolsonaro e um dos poucos militares da reserva a expor publicamente sua crítica à insubordinação policial.

Com a posse de Bolsonaro, o cargo seria ocupado por um segundo general. Secretário de segurança do governo Tasso Jereissati nos anos 1990, o general Guilherme Theophilo viria a ser o candidato tucano ao governo do Estado em 2018. Seu programa de segurança foi elaborado pelo coronel Aginaldo Ribeiro. Derrotado pela reeleição de Camilo Santana, Theophilo assumiria a secretaria nacional de segurança e, em retribuição aos serviços prestados na campanha, colocaria o coronel para dirigir a força nacional.

O casamento, amplamente coberto pelas redes sociais, com a deputada Carla Zambelli, entusiasta de primeira hora dos protestos de 15 de março, já havia tirado Aginaldo Ribeiro da obscuridade. Mas foi o discurso na assembleia dos amotinados cearenses que o tornou um ícone da era bolsonarista.

Nota do ministério de Sergio Moro limitou-se a informar que o coronel fez um discurso interno para os policiais. Foi outro “discurso interno”, de 30 de março de 1964, no salão do Automóvel Clube do Brasil no Rio de Janeiro que precipitou o golpe contra João Goulart. Ao contrário do coronel, Jango se dirigiu aos sargentos presentes com um apelo pelos valores militares da hierarquia e da disciplina, mas sua presença na posse da Associação dos Sargentos foi capaz de dobrar o último general que resistia ao golpe, Castelo Branco.

O coronel não é presidente da República mas é por ele mantido no cargo a despeito de estimular a sublevação de policiais num Estado em que o governador resiste à anistia de PMs com apoio do general Freire Gomes, comandante militar do Nordeste.

Chefe de uma força de segurança formada por homens recrutados na elite das polícias militares de todo país, Aginaldo não deixou dúvidas de que é capaz de colocá-la a soldo de interesses da conjuntura. Os policiais militares obedecem a tantos poderes que não surpreende se deixarem de se curvar a algum deles. Em “Desmilitarizar: segurança pública e direitos humanos” (Boitempo, 2019), Luiz Eduardo Soares, secretário de segurança nacional no governo Luiz Inácio Lula da Silva, lista as cadeias de comando cruzadas.

A Constituição trata as PMs como forças auxiliares e reserva do Exército, que também aprova o nome indicado pelo governador para seu comando. Ou seja, se o presidente da República é o comandante-em-chefe das Forças Armadas, o governador não o é de suas polícias. Sua orientação está a cargo das secretarias estaduais de segurança, mas o controle é repartido entre o governador e o Exército ou, em última instância, seu comandante, Bolsonaro.

A consternação dos meios militares com a insubordinação consentida dos policiais é lastreada nessa baderna legal. Ao fraquejar na imposição de sua autoridade, o ministro Sergio Moro já perdeu o prestígio de que desfrutava no generalato. Não é entrando no presídio da Papuda, hoje sob GLO, num tanque de guerra, que o ministro o recuperará.

Nenhuma autoridade preocupa mais os generais hoje, no entanto, do que o presidente da República. A inquietação foi ampliada com a convocação para a manifestação do dia 15. O último artigo de Fernando Henrique Cardoso em “O Estado de S.Paulo” sugere que o ex-presidente foi porta-voz dessa preocupação: “Não é para ‘dar um golpe’ que os militares aceitam participar do atual governo. Sentem sinceramente que cumprem uma missão... O risco para a democracia e para as próprias Forças Armadas é que se borre a fronteira entre os quartéis e a polícia”.

Essa fronteira estará tanto mais em risco quanto maior for a dificuldade de a economia brasileira reagir. O comediante da porta do Alvorada não representa o desdém do presidente apenas pela pauta do crescimento. Se não for capaz de fazer o país crescer, como sugere o PIB de 2019, o presidente pode se valer da imprudência de sua guarda pretoriana para fazer graça com a Constituição.

Daí porque o ministro Paulo Guedes, que já havia perdido apoio no Congresso, no empresariado e nas finanças, está sem lastro no generalato palaciano. Seu preferido é o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, coringa de técnico com formação militar e trânsito legislativo. É uma tentativa de garantir que o governo Bolsonaro possa acabar como começou, pelo voto. Ou não.


El País: 'As Forças Armadas não caem em canto da sereia de WhatsApp', diz Santos Cruz

Ex-ministro de Bolsonaro, general da reserva alerta para a politização das polícias, mas diz que no Exército não há contaminação

Flávia Merreiro, do El País

“Quando sai o avião pra África?”. Foi assim, sem nenhum segundo de hesitação, que o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz reagiu quando recebeu, em 2013, um convite da ONU para comandar os milhares de capacetes azuis das forças de paz no Congo, então conflagrado. “Estava almoçando num boteco aqui da esquina quando um cara do Senegal me ligou. Saí de lá para comunicar à família”, contou, com meio sorriso, na sala de seu apartamento em Brasília, na manhã do último sábado.

A anedota emoldura a personalidade que o general de 67 anos, que também serviu no Haiti e até hoje é consultor das Nações Unidas para situações de conflito, gosta de cultivar. Ele é um dos únicos alto oficiais das Forças Armadas brasileiras a ter participado de um conflito aberto convencional. Na longa conversa com o EL PAÍS, mostrou-se de prontidão para falar de qualquer tema, – ainda que esquivando-se dos decibeis —, de cenários de alarme no Brasil (não vê risco institucional, apesar de apontar “loucuras” no discurso bolsonarista).

O gaúcho de Rio Grande só mudou de tom quando o assunto foi sua breve e turbulenta passagem pelo Governo Bolsonaro, na Secretaria Geral da Presidência da República, quando foi alvo de uma virulenta campanha na Internet movida pelas alas mais radicais do bolsonarismo. Uma mensagem falsa atribuída a ele atacando o presidente chegou a ser mostrada ao próprio Bolsonaro. “Meu interesse é saber quem foi o falsário que fez isso, coisa de bandidinho vagabundo de Internet.”

Desde sua saída do Governo, Santos Cruz nunca mais falou com Bolsonaro. Do Twitter, e do alto do seu prestígio no Exército, tem enviado recados, como nesta entrevista. “A instituição Forças Armadas não tem ligação nenhuma com resultados de Governo, com atitudes de governantes”, diz ele, que não descarta concorrer a algum cargo eleitoral no médio prazo. Já sobre as polícias militares adverte: há um processo forte de politização que precisa ser detido.

Pergunta. O senhor se manifestou contra o uso da imagem de generais na convocatória de uma manifestação a favor do presidente Bolsonaro e contra o Congresso. Disse também que “o extremismo só interessa aos extremistas”. Inclui o general Heleno entre os extremistas?

Resposta. Não... Isso eu falei em tese. Não me considero no direito de fazer a lista de quem é e quem não é [extremista]. Isso é o público que tem que analisar. Isso tem a ver com a disputa entre o Executivo e o Legislativo, uma questão orçamentária, aí a temperatura sobe e o pessoal fala mais alto. O artigo que escrevi atende a todos os setores, de direita e de esquerda. O extremismo sempre cria o oponente para poder se posicionar. Tem pessoas que são radicais e extremistas até pela personalidade, outras por ideologia, outras por interesse. Isso não ajuda o quadro geral.

General Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro do Governo Bolsonaro, em seu apartamento em Brasíia.
General Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro do Governo Bolsonaro, em seu apartamento em Brasíia.CADU GOMES

P. O senhor considera o presidente Bolsonaro um extremista?

R. Não. Ele é obrigado a negociar com o Congresso. Não tem como. Mas ele tem um estilo e esse estilo pode deixar o pessoal mais irresponsável. É como torcida organizada. Tem milhões de corintianos, mas a Gaviões da Fiel é um núcleo entusiasmado. Quando você xinga o juiz, tem corintiano que pensa “tudo bem”, mas na Gaviões da Fiel eles vibram. Esse estilo do Bolsonaro, essas tiradas dele, etc têm uma sequência muito forte porque ele é o presidente, e tem pessoas que se entusiasmam.

P. Bolsonaro compartilhou vídeos pela manifestação que falam abertamente em fechar o Congresso. O presidente cruzou uma linha vermelha?

R. Mesmo que fique em cima da linha, você tem os poderes funcionando. Agora o mais importante é que teve reação do Legislativo, do Judiciário, teve reação social.

P. O senhor falou, citando os generais, que “estão confundindo o povo”. Qual o risco da convocatória? Vê risco institucional?

R. Não tem risco nenhum. Tem confusão. Você pega quatro generais de destaque, coloca foto e uma convocação ―não vou entrar no mérito da convocação, que entra na questão da liberdade de expressão e de associação. Mas aquela imagem fica parecendo que você tem uma instituição que está patrocinando aquele convite, e não é. São quatro oficiais de destaque, que já estão na reserva, que sem dúvida nenhuma não autorizaram aquilo. É muito ruim. Não cria risco, mas cria confusão na população.

P. Cria confusão também dentro da caserna, especialmente nas patentes mais baixas?

R. Não, porque essas pessoas conhecem os envolvidos, a situação. É mais pelo público em geral. Aí confunde. Dentro das Forças Armadas não tem efeito nenhum, dentro do Governo não tem efeito nenhum. Porque as pessoas sabem o posicionamento institucional. Eu, como militar, trabalhei no Governo e minha responsabilidade era individual. Não estava representando uma instituição.

Bolsonaro tem um estilo e esse estilo pode deixar o pessoal mais irresponsável

P. Vou insistir na pergunta porque hoje há o maior número de militares do Governo desde a redemocratização. Há um general e um almirante na ativa, inclusive... Não confunde institucionalmente?

R. O pessoal da ativa está usando uma prerrogativa legal de que você poder ser cedido a outro poder. Eu, particularmente, acho que isso vai trazer um pouco de confusão. Continua não representando institucionalmente, mas pode criar confusão para um observador olhando de fora. Mesmo estando na ativa à disposição de outro poder, a responsabilidade é individual.

P. Muitos observadores apontam que o presidente está ancorando seu Governo no prestígio da instituição Forças Armadas. Esse vínculo tão forte não será prejudicial para as Forças Armadas a longo prazo?

R. Uma coisa precisa ficar bem esclarecida. Esse grande número de militares pode dar essa impressão para as pessoas, que não têm conhecimento institucional, de que tem um compromisso. E não tem nenhum. Eu não tenho status legal para falar pelas Forças Armadas nem pelo Exército, mas fiquei mais de 45 anos lá e eu posso dizer alguma coisa. Pode ter certeza: a instituição não tem ligação nenhuma com resultados de Governo, com atitudes de governantes. Não acredito que essa participação [de militares] tenha essa intenção. É uma opção do presidente porque ele vem desse meio, conhece muita gente, então facilita. Quando você convida um oficial, você não tem disputa partidária.

P. Há também uma preocupação com a contaminação do discurso bolsonarista nas patentes mais baixas. Tem ainda os chamados à intervenção militar, esse discurso de que os militares são a reserva moral da nação...

R. Não vejo nenhuma contaminação nas Forças Armadas, que eu conheço bem. [Sobre intervenção], você vê que isso não é coisa de militar, mas de civis, inclusive. A sociedade tem todos os tipos de preferência. E hoje, com a facilidade da mídia social, os grupos se expressam de maneira forte. A imprensa tradicional hoje compete com o WhatsApp...

P. Os soldados também leem redes sociais. Se ficam dizendo que vocês são a salvação, isso não pode ser um canto da sereia para algum grupo?

R. O importante é que a estrutura de liderança no Exército está muito em cima daqueles que têm poder de decisão. Essas pessoas têm cabeça no lugar, elas estão muito bem selecionadas e orientam a turma de baixo. Você pega hoje um tenente, um coronel, um sargento, e o pessoal é de alto nível. Sabe interpretar, o pessoal não cai no canto da sereia, é preparado. Tem uma missão constitucional. Mesmo um soldado que fica só um ano no Exército tem um plano de treinamento e percebe que aquela estrutura ali é sólida. Não é um canto [da sereia] de WhatsApp que vai desestabilizar as Forças Armadas. Não é assim, não.

“Você não pode ser militar quando interessa e não ser quando não interessa”

P. Vamos falar de outro corpo militarizado importante, as polícias militares. Como ex-secretário nacional de Segurança do Governo Temer, como o senhor vê o motim que aconteceu no Ceará?

R. Meu pai era da Polícia Militar, embora eu não o tenha conhecido, porque ele faleceu quando eu nasci. Tive um irmão, tenho muitos amigos na polícia. A Polícia Militar tem essa denominação porque tem as características militares: disciplina, hierarquia e dedicação, honestidade de propósito, respeito às autoridades. O comportamento que a gente está tendo não é de militar. Você teve um desvirtuamento em várias coisas. Você não pode ser militar quando interessa e não ser quando não interessa. Tem coisas como a greve, abandonar suas funções, deixar a população exposta sem segurança pública, colocar um capuz para fazer suas manifestações... Eu não posso vir aqui como militar e dar uma declaração para você de capuz. O que que é isso?

P. Não pode alvejar um senador...

R. Aí é briga. Você não pode jogar um trator em cima do pessoal. Eu não entro nessas brigas pessoais. A partir da hora em que você tem sensatez, há sensatez generalizada. Neste caso, chama a atenção a parte comportamental, fora da disciplina, estragar os veículos, sair encapuzado. Vai contra a hierarquia, a disciplina, contra tudo. Quem infringiu a lei que pague de acordo com a lei.

Escultura na sala de Santos Cruz, um presente dos EUA por seu trabalho no Haiti.
Escultura na sala de Santos Cruz, um presente dos EUA por seu trabalho no Haiti.CADU GOMES

P. Nos bastidores, os governadores se queixam porque nem Bolsonaro nem o ministro Sergio Moro condenaram o motim claramente, como o senhor acaba de fazer. Faltou essa condenação?

R. O que falo aqui não tem reflexo como autoridade. Em compensação, o que o presidente e ministro falam têm uma importância muito grande… As polícias têm vários problemas. Não têm uma lei orgânica nacional que regule o sistema de promoção da mesma forma, a formação. Tem que ter, e aí os Estados seguem. O profissionalismo foi afetado porque hoje você tem polícias onde se trabalha um dia e se descansa três. Isso daí não é descanso. Nesses três dias, uma pessoa normal, com força para trabalhar, vai fazer outra coisa, não vai ficar três dias esperando o próximo turno. Tem que resolver esse regime de trabalho. O pacote de assistência ao policial não é só salário. A parte social das polícias, de saúde, o emocional. Você tem polícias com cinco vezes mais taxa de suicídio do que a média social. Uma coisa é você ter esse pacote de soluções, outra coisa é aceitar esse tipo de conduta.

P. Perguntava sobre a falta de condenação porque analistas também apontam eco dos discursos governistas na radicalização de grupos de policiais. O senhor diz que as Forças Armadas não caem no canto da sereia do WhatsApp. As polícias também não?

R. As polícias militares estão sofrendo um processo mais forte de politização. Não é de hoje. Por causa de sindicalização, por causa da participação em política local. As Forças Armadas têm uma estrutura diferente. Nos Estados, às vezes você pode ser promovido muito rapidamente. No Governo Federal não é assim, é um sistema mais fixo e a influência é menor. Isso é uma coisa que tem que se tratar dentro das polícias para que elas não sofram de politização excessiva.

P. O senhor é a favor de ampliar o excludente de ilicitude, como o presidente fala, por meio de uma mudança legal?

R. Acho que não. Você tem quatro excludentes de ilicitude. Legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito. Isso já pega tudo. O problema está às vezes na interpretação da autoridade judiciária. É mais de interpretação da autoridade judiciária e do Ministério Público.

P. Quando o senhor fala da atuação no Haiti (2007-2009), faz ênfase na meta de evitar dano colateral. Quando o discurso é sobre o policial ou militar terem a certeza de que não vão ser punidos caso aconteça alguma coisa, não inverte essa lógica?

R. Eu sou a favor de aumentar o preparo. No Haiti porque o preparo do pessoal era muito forte. Para cada batalhão que ia, o Governo mandava alguns milhões para facilitar aquele treinamento. Eu participei de combate onde gastamos milhares de tiros e não teve nenhum dano colateral. De vez em quando ainda tinha mulheres saindo de casa no meio do tiroteio com criança e ninguém atirava, porque o cara está com reflexo treinado. Os policiais do Rio de Janeiro são uns herois. Os caras subindo naqueles lugares sem capacete... aquilo é uma guerra. Ele tem família também. Esse cara tem que ser super treinado, tem que receber o melhor equipamento do mundo. Ter Inteligência [por trás]. E não é só problema policial, você precisa ter medidas administrativas para melhorar a situação da população. A população só está na mão do bandido pela falta de Estado. Uma omissão histórica do Estado.

P. Essas operações aéreas nos morros do Rio de Janeiro... o que o senhor, que tem experiência nisso, acha?

R. Tem que ter muito cuidado. O tiro do helicóptero é um tiro muito problemático, porque a dificuldade de precisão é muito grande. Agora também você não pode achar que um sujeito com fuzil na mão não é uma ameaça. Esse cara é uma ameaça social para todo mundo. O problema do Rio de Janeiro não é policial. A corrupção começava no palácio de Governo. E isso vai dando o mau exemplo para baixo. Como ter uma polícia perfeita com a corrupção lá em cima? No Tribunal de Contas, na Assembleia Legislativa? Não é assim.

General Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro do Governo Bolsonaro, em seu apartamento em Brasíia.
General Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro do Governo Bolsonaro, em seu apartamento em Brasíia.CADU GOMES

“Bandidinho vagabundo da internet”

P. A PF recentemente fez um relatório apontando que a mensagem atribuída ao senhor com ofensas ao presidente Bolsonaro foi forjada. O sr. já disse que pretende ir “até o fim” nesta investigação. O que significa?

R. Meu interesse é saber quem foi o falsário que fez isso, coisa de bandidinho vagabundo de Internet. É uma coisa que tem que ser combatida, não por minha causa —eu não tive prejuízo nenhum pessoal—, mas você não pode disseminar esse tipo de coisa na sociedade.

P. Ainda mais dentro do Palácio do Planalto.

R. Em lugar nenhum. Mas o que eu vou fazer prefiro não falar. Fui eu que solicitei à Polícia Federal [a análise das mensagens]. Aquilo não é só falso. Aquilo é medíocre, amador.

P. Bom, parece ter funcionado...

R. Não, acho que não. Porque a minha saída do Governo não tem nada a ver com isso. É aí que as pessoas confundem.

P. Então por que o senhor saiu do Governo?

R. Aí você tem que perguntar para o presidente. Ele que tem essa prerrogativa de convidar e dispensar. Nenhum governo no mundo começa e termina com o mesmo time de ministros. Quando eu fui trabalhar, era por um projeto. Você vai trabalhar porque você acha que pode ajudar. Não fui nem por status de ministro, que isso nunca me encantou. Onde eu cheguei ao máximo foi na minha profissão [no Exército]. Ministro é uma situação temporária. Nem é por necessidade financeira. Mas isso aí tem um limite, que é exatamente a decisão presidencial.

P. O senhor falou com o presidente depois da saída do Governo?

R. Não.

P. Voltaria a servir ao presidente?

R. Não, de jeito nenhum. Porque já tive minha chance. Nesse Brasil tem milhares de pessoas boas.

P. Em outras entrevistas o senhor já falou da influência de Carlos Bolsonaro

R. Não falei especificamente dele. Eu evito falar de nomes, de pessoas. Tem gente que tem problema mental, tem gente que usa a Internet para terapia ocupacional, tem de tudo. Então hoje a gente tem que conviver com essa liberdade. Mas muita gente esqueceu que essa liberdade não elimina o Código Penal. Calúnia, injúria, difamação tudo isso continua valendo.

P. Se for comprovado que há pessoas do Palácio do Planalto envolvidas no caso contra o senhor, é um problema de Estado.

R. Aí é diferente. Se você tem pessoas em funções públicas, recebendo dinheiro público, é diferente. Mas tudo é coisa que precisa de comprovação. Estamos tratando de crime, não de política. Isso aí faz parte de um comportamento de milícia radical, de gangue de rua dentro do ambiente virtual. Satisfaz a um grupo de cães raivosos. Você percebe que é uma coisa montada, um comportamento de seita. Não significa nada.

P. O senhor falou em outra entrevista que via o Governo deixando de lado o combate à corrupção, que era uma bandeira de campanha. Por que o senhor acha isso?

R. Não falei que deixou de lado, falei que não pegou com a intensidade que poderia, já que era uma das grandes bandeiras.

P. O presidente deveria dar o exemplo no caso dos filhos dele, falando para abrir as portas para que eles sejam investigados? O Ministro do Turismo está denunciado, por exemplo. A denúncia já aconteceu, ele é réu.

R. Eu acho que a partir da hora que está sendo investigado, tem que esperar terminar a investigação. Seja contra quem for. (No caso do ministro), aí tem a promessa de campanha. Ele falou que se fosse denunciado, ele afastaria. Quando você não faz o que prometeu, tem que explicar por que não está fazendo. Mas aí é com o presidente, não vou entrar nessa..

“Não descarto concorrer”

Antes de trabalhar no Governo Bolsonaro, Santos Cruz já havia assumido a chefia de assuntos militares da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) no Governo Dilma. Foi também secretário nacional de Segurança Pública sob Temer. Nas últimas semanas, ele tem se movimentado para criar canais diretos de comunicação com a população. Além do Twitter, tem agora um canal no YouTube.

Pergunta. O senhor fala com desenvoltura de política. Li que tem convites de vários partidos. Vai disputar as eleições? Descarta concorrer em 2022?

Resposta. Não descarto, mas não pensei ainda em nenhuma vertente política.

P. Como se definiria ideologicamente? Direita? Centro-direita?

R. Ideologicamente eu sou um clássico elemento de direita. Sou contra filosofia comunista, conheço os efeitos do socialismo tupiniquim demagógico. Sou contra extremismo. Sou contra essa divisão social de direita e esquerda, ter que estar em um extremo ou outro. A população brasileira quer equilíbrio. Nossa característica principal é de levar a vida. Não de levar a vida brigando.

P. O senhor já criticou o alinhamento automático do Brasil com os Estados Unidos em política externa. Quais custos podemos ter em termos de defesa?

R. Qualquer alinhamento automático não é bom, por filosofia. Você não pode se alinhar automaticamente com outro país, seja China ou Estados Unidos. O Governo pegou uma vertente muito forte pro lado dos Estados Unidos e isso não é bom. Você tem que analisar e não pode ter um comportamento ideológico, porque ele direciona você de tal forma que perde a capacidade de análise.

P. Na discussão atual, o que se sabe por uma reportagem da Folha, é que os americanos dizem que se o Brasil aceitar a empresa chinesa no leilão do 5G, o compartilhamento de tecnologia em defesa ficará comprometido.

R. Sim, mas você tem outras tecnologias de defesa que não só a americana. Isso é um jogo comercial, de política internacional. Eles não querem porque os chineses estão em um estado bem avançado de 5G. E o Brasil é um dos grandes mercados. Existem mecanismos para você fazer um cálculo, ver o que vale a pena e interessa estrategicamente, comercial e politicamente.

General Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro do Governo Bolsonaro, em seu apartamento em Brasília.
General Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro do Governo Bolsonaro, em seu apartamento em Brasília.CADU GOMES

P. O Brasil historicamente mediou conflitos na região. O senhor acha que o Brasil perdeu, com o alinhamento automático aos Estados Unidos, uma capacidade de mediar, por exemplo, na Venezuela?

R. O Brasil não rompeu relações diplomáticas com a Venezuela. Teve um reconhecimento daquele [Juan] Guaidó... o Guaidó nem se confirmou como uma figura importante no cenário, né? Mas de qualquer jeito tem aqui uma embaixadora do Guaidó. Não se deve fechar portas e temos canais abertos.

P. Quais os maiores riscos para o Brasil no cenário internacional?

R. Não vejo o Brasil com grandes riscos internacionais. Vejo coisas internamente a que o Brasil precisa se dedicar muito, que é o combate à corrupção e à redução da desigualdade social. No preto no branco, a desigualdade social é uma dos fatores que mais agride o Brasil.

P. O senhor acha que falta essa menção à desigualdade no discurso do Governo?

R. Há algumas iniciativas, mas ainda é pouco. Você tem que ter um plano muito mais forte para reduzir a desigualdade. É um negócio muito sério. O Brasil tem supersalários inaceitáveis. Se você é centro-avante do Flamengo e ganha 500.000 o problema é teu. Paga imposto de renda e está tudo bem. O problema é quando é dinheiro público. Tem salários fantásticos, inimagináveis. Enquanto na base você tem discrepâncias muito grandes, que tem de ser reduzidas.

P. O senhor acha o PCC uma ameaça à soberania, já que agora eles dominam alguns pontos de fronteira no Paraguai?

R. Sem dúvida nenhuma. Tem que ser combatido. Começa a ter muito dinheiro e a querer financiar a política. Existiam boatos até deles financiarem os estudos de pessoas para serem juízes e promotores no futuro. Precisa investigar para ver se é verdade porque se não você daqui a pouco tem gente dentro do sistema, onde advogado, ao invés de ser advogado, é um membro da facção. Em São Paulo tiveram até que prender 25, 30 advogados porque não estavam fazendo um trabalho normal. O crime organizado pode entrar no financiamento de campanha em cidades pequenas na fronteira. O aparato policial precisa ser muito técnico para combater.

P. Para encerrar, quero falar da relação militares e civis na democracia. Hoje em dia existe uma preocupação de que essa exaltação do golpe de 64 ainda aconteça dentro dos quartéis...

R. O problema não é esse. O problema é tentar transferir para a realidade atual. Atualmente não tem sentido você imaginar. Naquela época teve. Era outro contexto.

P. O governo Temer quebrou a tradição, que vinha desde o governo de FHC, de nomear um civil para a Defesa. O senhor acha que precisa ser um militar ?

R. Civil ou militar, o importante é escolher bem. Não pode ter desconfiança [com civil no comando]. Isso se chama atraso. Você não pode criar desconfiança entre um e outro. Isso é mediocridade. Estimular briga, desconfiança entre civil e militar, falar que o Congresso não presta... Isso é loucura. Acho que os militares interferiram corretamente em 1964, mas isso é um posicionamento histórico. Não é porque eu acho isso que eu vou achar que agora tem cabimento. Não, não tem cabimento. Agora não tem conexão nenhuma com a realidade. Fica mais na paixão do que na realidade. Não tem esse negócio de que nós somos a salvação da pátria. A salvação da pátria é todo mundo.

Adere a

El País: “É impossível ir contra fatos estabelecidos”, diz Boris Fausto sobre o Golpe de 1964

Historiador diz que as Forças Armadas nunca reconheceram os aspectos mais negativos do regime militar e que não havia ameaça imediata de implantação de um regime comunista

Por Thiago Domenici, da Agência Pública

O historiador e cientista político Boris Fausto, 88 anos, é autor de estudos clássicos sobre a história do Brasil e foi professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo. Em entrevista à Pública, ele diz que não havia “ameaça imediata de implantação de um regime comunista” nas vésperas do golpe militar que completa 55 anos na próxima segunda-feira. Segundo ele, as afirmações mais recentes de Jair Bolsonaro sobre a ditadura não são uma “reinterpretação”, mas a “negação de fatos” comprovados na historiografia em documentos, testemunhos e reconhecimento do estado brasileiro dos crimes cometidos no período de exceção (1964 a 1985). Fausto, que também é membro da Academia Brasileira de Ciências, vê o cenário futuro com preocupação. “Andei falando antes das eleições que estávamos na corda bamba, na beira do abismo e não vejo muitas razões para mudar essa sensação. É triste”.

Pergunta. O presidente Jair Bolsonaro disse que as Forças Armadas podem comemorar 1964. O porta-voz da presidência justificou que o presidente não considera que houve um golpe militar, mas uma reação apoiada pela sociedade contra uma alegada ameaça comunista. Qual sua avaliação como historiador?
Resposta. Ele [Bolsonaro] vai contra as evidências. A história comporta sempre muitas interpretações na dependência da época em que se escreve e na dependência da opinião de quem escreve. Agora, é impossível negar os fatos. É impossível ir contra fatos estabelecidos. E, no caso de 1964, houve a interrupção de um mandato de um presidente legítimo, houve cassação de deputados, houve perseguições de toda ordem, houve violências. Então, não se trata de uma reinterpretação, se trata de negar fatos e isso não faz sentido.

P. Mas isso não é preocupante vindo de um presidente da República, negar fatos que, de várias maneiras, levaram pessoas a morrer sob tortura, desaparecimentos?
R. É preocupante embora não seja surpreendente. Conhecendo a carreira, o histórico do presidente eleito, não há nada de surpreendente que ele queira comemorar o golpe de 1964. Ele tem feito coisas nessa linha, tem se pronunciado nessa linha. Não há surpresa mas é uma pena que isso ocorra.

P. Muitos argumentos usam a ameaça do comunismo para o golpe naquele período. Até pra gente estabelecer questões históricas, afinal de contas, o Brasil estava à beira do comunismo em 1964?
R. Vamos tentar discriminar essa questão. É preciso considerar essa época de uma forma diferente dos dias de hoje. Nós estávamos em plena Guerra Fria, existia Cuba com a vitória de uma revolução que seguiu para um certo tipo, digamos, de socialismo autoritário. Então, é nesse contexto que a gente pode entender a preocupação de setores militares. Ameaça imediata de implantação de um regime comunista não havia. O que havia era uma situação de divisão do país, de uma radicalização, às vezes, era efetiva, às vezes, era mais verbal do que efetiva. Agora, evitar essa situação por um golpe que durou 20 e tantos anos, aí as coisas pesam de um modo diferente na balança. Se houvesse uma convicção de que era preciso enfrentar, sim, uma situação muito difícil mas preservar de qualquer forma as instituições democráticas a gente não teria chegado ao ponto que chegou, e, enfim, com o fechamento que foi grave em 64 e se tornou gravíssimo em 68 e resultando num período triste, difícil da nossa história.

P. Ainda desse ponto de vista da historiografia, não é incomum ver declarações que dizem que a história tem sido contada com matiz ideológico socialista. O presidente já falou a respeito, o próprio filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, publicou mensagens em que afirma que a ditadura militar é mal retratada pelos livros didáticos. Também o general da reserva Aléssio Ribeiro Souto já declarou que “os livros de história que não tragam a verdade sobre 64 precisam ser eliminados”. Estamos passando por uma tentativa de revisionismo? Em que medida o revisionismo se torna perigoso para o registro dos acontecimentos históricos?
R. Que há uma tentativa de revisionismo, não há dúvida. As Forças Armadas nunca reconheceram os aspectos mais negativos de 1964, nunca fizeram uma análise de um ponto de vista em que fosse ressaltada as violências, a quebra da ordem democrática, uma quebra até dos padrões de convivência dentro do país. Na medida em que isso ocorre e com a chegada desse governo de direita, sob certos aspectos, de extrema direita, entende-se que essa revisão que vinha forte no meio militar ocorra também, digamos, no setor da direita como um todo. Isso é muito ruim porque transforma um episódio de violência, de ruptura do regime democrático, num episódio que pareceria uma espécie de salvação nacional. Não existe dúvida que há um entendimento de revisão no governo de tudo que ocorreu em 1964 e nos anos seguintes.

P. Tem gente que chama de golpe, gente que chama de movimento, gente que chama de revolução. Com base na tua pesquisa como historiador como o senhor define o período?
R. Tendo a chamar mais de ditadura. O que não quer dizer que a minha interpretação dos fatos tenha se alterado. É evidente para qualquer pessoa que se disponha a estudar esse período que a ditadura de 1964 não é uma quartelada. Acho que ninguém diz mais isso. Saiu dos quartéis, surpreendeu os civis e eles se instalaram numa situação de absoluta força. O que quero dizer é que, nas condições de divisão da sociedade brasileira, tal como estava e nas condições de insatisfação de determinados setores, não estou falando só de setores da elite, mas também de uma ampla classe média, o golpe contou com uma mobilização importante. Isso legitima. E na medida que os anos se seguiram foram os anos do milagre etc, das altas taxas de crescimento, esse prestígio durou. É importante assinalar esse aspecto. Até para entender a durabilidade do regime que não se deve apenas à força. Agora, quando você vê a supressão das liberdades, a violência, a limpeza no Parlamento, as prisões de toda ordem, a perseguição de dirigentes sindicais, não há dúvida que se trata de um golpe. É um golpe com parte de mobilização popular mas a natureza de golpe predomina.

P. Em nota enviada sobre as “comemorações” do 31 de março, o general Azevedo, ministro da Defesa, e os comandantes das Forças Armadas, destacam que a intervenção militar ocorreu com o apoio da população e citam a Marcha por Deus e a Família. O senhor considera que de fato o golpe foi apoiado pela população? Até que ponto a Marcha pode ser vista como representativa do conjunto da sociedade?
R. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade mostrou que o golpe tinha um lastro social significativo no meio urbano, em setores da classe média e da classe alta. Mas daí a falar em “movimento representativo do conjunto da sociedade” vai uma enorme distância. A divisão social era evidente, mesmo no seio das Forças Armadas. Basta lembrar o número de expulsões e violências na instituição militar, logo após o golpe.

P. Analisando agora os tempos recentes, há paralelos na história republicana brasileira de algo parecido com esse conjunto de forças que fazem a composição do Governo Bolsonaro?
R. Não vejo. É uma situação absolutamente inusitada e uma situação que produz espanto.

P. O que produz mais espanto ao senhor?
R. Muitas coisas.

P. No terreno dos costumes?
R. Iniciativas retrógradas que colocam o Brasil a não sei quantos decênios para trás. Aliás, de uma forma muito tosca, muito retrógrada mesmo, numa sociedade que avançou muito no terreno dos costumes. Mas que também tem um setor ponderável que se firmou muito numa tradição hoje superada, fora até do entendimento histórico. Aliás, isso ficou muito claro desde antes da vitória do Bolsonaro. Aí não tem surpresa nenhuma. Mas é um recuo que é uma coisa bastante triste.

P. O senhor classificou que é um governo de direita e em certos aspectos de extrema direita. O senhor consegue me dizer qual é essa direita que hoje está no poder?
R. Primeiro, é uma direita com raízes internacionais. Essa direita tem horror a globalização como processo mas ela própria é uma direita globalizada. E essa direita não é igual em todos os lugares. Em cada região ou até em cada país, há um elemento que é mais característico desse avanço. Se você pegar a Europa, é a xenofobia, fator que potencializa essa direita, que dá um lastro a essa direita. A gente sabe qual é a força da xenofobia, a gente conhece os movimentos totalitários ou autoritários do século XX e sabe que esse é um elemento mobilizador muito forte. Num país como o Brasil, para chegar até nós, a xenofobia não existe com essa força da Europa. Não é esse o elemento central. O elemento central é: a questão dos costumes, de uma sociedade muito dividida nesse ponto. A meu ver a questão de gênero, da identidade feminina, que tem nos setores masculinos e não só neles, um impacto muito forte que é preciso considerar. Isso tudo deu muito lastro a uma direita nacional. O ódio ao PT, de que “PT nunca mais”, e é preciso entender isso também. E o quarto fator é o medo e a impotência da população diante da criminalidade. São caldos para o avanço dessa direita.

P. Na sua visão, a questão do feminismo aglutina uma direita contrária ao movimento de mulheres?
R. Sim. A verdade é que há perda do poder, um cisma do poder do macho, seja no interior da família, seja nas relações de trabalho, e essa ideia de que a subordinação da mulher está sendo quebrada – e está sendo quebrada mesmo – tem um impacto muito grande para essa direita. E não é à toa que Bolsonaro saiu na frente bem na faixa masculina da população e levou muito tempo para alcançar uma votação quase equilibrada no setor feminino da sociedade.

P. Gostaria que o senhor fizesse uma análise desse perfil militar no governo.
R. Só observação preliminar. É por isso que a revisão pelos militares do que ocorreu em 1964 e nos anos seguintes seria muito importante. Eles não fizeram essa revisão. Ao contrário do que aconteceu na Argentina, Chile etc. Há algumas diferenças que são significativas, como o fato de que esse grupo militar que assumiu o poder, não assumiu sozinho, mas tem um peso muito grande. E esse peso tende a crescer, porque eles não são loucos e eles enfrentam loucos de todo o tipo. Esse grupo não tem, como tinha em 1964, interesse em interromper um processo formal democrático. E nem mesmo, pelo menos até aqui, tem impedido a liberdade de expressão. Os arreganhos a liberdade de expressão tem ocorrido por parte de setores ligados ao presidente, a própria presidência, aos seus filhos, Olavo de Carvalho e companhia bela. Ataques específicos à Folha de S.Paulo e coisas assim… Nesse quadro, acho que há uma diferença grande com 1964 e há, de fato, um setor militar que está disposto a manter o regime democrático e as liberdades. Está disposto, mas não a qualquer preço. Acho que se você tem uma situação de desordem, de um caos muito grande na sociedade essa linha pode mudar, porque creio, de modo geral, que a posição militar é assim: a ordem vem antes da democracia. Democracia tudo bem, mas se a democracia, no entender deles, estiver comprometendo a ordem, eles não impedirão medidas de exceção. Mas esse não é o quadro de hoje, de jeito nenhum. Tem-se que entender isso se não você entra numa posição de estar em bloco contra tudo e isso não leva a nada ou leva a coisas piores.

P. A sensação é que de 2013 para cá as questões políticas e sociais se agudizaram muito. O que o senhor acha?
R.Sim, acho que as coisas se enrolaram cada vez mais. Para alguém que tenha frieza e não viva no Brasil e está meio distanciado, o que acontece aqui é inusitado, causa muito espanto. Agora, nós estamos vivendo desde 2013 anos inteiramente alucinantes.

P. Historiador gosta mais do passado mas o cenário futuro o senhor vê com que perspectiva?
R. Com bastante preocupação. Com preocupação do mundo, eu diria. E olha que, em geral, sou otimista. Andei falando antes das eleições que estávamos na corda bamba, na beira do abismo e não vejo muitas razões para mudar essa sensação. É triste. Eu já falei várias vezes essa palavra triste e não por acaso, mas porque até para a vida cotidiana você ver problemas muito grandes dentro de nós não é bom, em todos os sentidos. Mas vamos lá, tem-se que viver.


Bolsonaro estimula celebração do golpe militar de 1964; generais pedem prudência

Presidente orienta Forças Armadas a comemorar aniversário do golpe militar de 31 de março

Tânia Monteiro, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro orientou os quartéis a comemorarem a “data histórica” do aniversário do dia 31 de março de 1964, quando um golpe militar derrubou o governo João Goulart e iniciou um regime ditatorial que durou 21 anos.

Generais da reserva que integram o primeiro escalão do Executivo, porém, pedem cautela no tom para evitar ruídos desnecessários diante do clima político acirrado e dos riscos de polêmicas em meio aos debates da reforma da Previdência.

Em um governo que reúne o maior número de militares na Esplanada dos Ministérios desde o período da ditadura (1964-1985) – o que já gerou insatisfação de parlamentares –, a comemoração da data deixou de ser uma agenda “proibida”. Ainda que sem um decreto ou portaria para formalizá-la, a efeméride volta ao calendário de comemorações das Forças Armadas após oito anos. Veja onde estão os oficiais das Forças Armadas no governo no "mapa dos militares".

Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff, ex-militante torturada no regime ditatorial, orientou aos comandantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha a suspensão de qualquer atividade para lembrar a data nas unidades militares.

O Planalto pretende unificar as ordens do dia, textos preparados e lidos separadamente pelos comandantes militares. Pelos primeiros esboços que estão sendo feitos pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, o texto único ressaltará as “lições aprendidas” no período, mas sem qualquer autocrítica aos militares. O período ficou marcado pela morte e tortura de dezenas de militantes políticos que se opuseram ao regime.

O texto também deve destacar o papel das Forças Armadas no contexto atual. De volta ao protagonismo no País, militares são os principais pilares de sustentação do governo Bolsonaro. Por isso, generais da reserva disseram à reportagem que no entendimento da cúpula das Forças Armadas e do próprio presidente, a mensagem precisa ser “suave”. Eles afirmam que não querem nenhum gesto que gere tumulto porque não é hora de fazer alarde e/ou levantar a poeira. O momento, dizem, é de acalmar e focar em reverter os problemas econômicos, como reduzir o número de desempregados.

Investigações. A suspensão da festa em comemoração a 1964 por Dilma coincidiu com a criação da Comissão Nacional da Verdade. O grupo foi criado pela presidente em meio à pressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Estado brasileiro pelo desaparecimento de guerrilheiros na região do Araguaia, e da Justiça Federal, que cobrava a entrega de restos mortais a familiares de vítimas da ditadura.

Embora não tenha avançado nos esclarecimentos dos episódios mais emblemáticos do período, a comissão desagradou aos militares. Na época, segundo relato de oficiais, ficou estabelecido uma espécie de acordo informal com o Exército – comandado à época pelo general Enzo Peri – de que não haveria “perseguição”. Oficiais afirmam que Dilma, na ocasião, chegou a dizer: “Não farei perseguição, mas em compensação não quero exaltação”.

Do outro lado, integrantes da comissão chegaram a demonstrar desconforto com a postura do então ministro da Defesa, Celso Amorim, e dos comandantes das Forças Armadas de, segundo eles, não se esforçarem na busca de informações. O relatório final do grupo foi entregue em dezembro de 2014 e considerado um fiasco por pesquisadores e parentes de desaparecidos políticos.

A partir daí, as comemorações nas unidades militares minguaram. A lembrança da passagem do 31 de março ficou limitada às atividades do Clube Militar, com sede no Rio, formado por oficiais da reserva.

Em janeiro de 2016, o então chefe do Comando Militar do Sul, o atual vice-presidente Hamilton Mourão, deixou o posto com um discurso em que citava a derrubada de Goulart. Ele lembrou que assumiu o cargo em 31 de março de 2014. “31 de março, grande data”, disse. Ao lado dele estava o substituto, general Edson Pujol, hoje comandante do Exército.

Cabeceira. O próprio Bolsonaro já declarou ter como ídolo um dos símbolos do regime militar, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 2015. Ustra foi comandante do DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, onde teriam morrido 45 prisioneiros.

Durante a campanha, o presidente disse que seu livro de cabeceira é A verdade sufocada, uma versão de Ustra para os assassinatos de opositores do regime. Na época da campanha eleitoral, generais chegaram a sugerir que Bolsonaro não repetisse a afirmação.

Ao votar pelo impeachment de Dilma, Bolsonaro citou Ustra no discurso, causando polêmica. “Perderam em 64, perderam agora em 2016. Pela família, pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve, contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo Exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim”, declarou na ocasião em plenário.


O Globo: Ao lado de generais, Bolsonaro defende fala sobre militares e democracia

Presidente realizou transmissão ao vivo com ministro do GSI e porta-voz da Presidência

Daniel Gullino, o Globo

BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro recorreu nesta quinta-feira ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, para defender sua fala de que a democracia e a liberdade "só existem quando as Forças Armadas querem". Bolsonaro realizou uma transmissão ao vivo em uma rede social, ao lado de Heleno e do porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros. Tanto Heleno como Rêgo Barros são generais do Exército.

Bolsonaro disse que sua declaração, feita durante cerimônia da Marinha no Rio de Janeiro, está dando origem às "mais variadas interpretações possíveis", e perguntou a Heleno, descrito como alguém "mais antigo, mais idoso, mais experiente", se ele considerou a frase polêmica.

— É claro que não. Isso não tem nada de polêmico, ao contrário. Suas palavras foram ditas de improviso, para uma tropa qualificada, e foram colocadas exatamente para aqueles que amam a sua pátria, aqueles que vivem diariamente o problema da manutenção da democracia e da liberdade, e exortando para que continuem a fazer o papel que vem fazendo, de serem os guardiões da democracia e da liberdade — afirmou Heleno.

O ministro do GSI disse que houve uma tentativa de distorcer a frase de Bolsonaro e ressaltou que a democracia não é um "presente" das Forças Armadas:

— Tentaram distorcer isso como se fosse um presente das Forças Armadas para os civis. Não é nada disso. As Forças Armadas são, por determinação constitucional e legal, os detentores do emprego legal da violência.

Heleno usou a situação da Venezuela para exemplificar seu ponto de vista e afirmou que o presidente Nicolás Maduro apenas continua no poder porque os militares do país "estão segurando" ele.

Rêgo Barros citou o cientista político americano Samuel Huntington para também defender a atuação dos militares brasileiros:

— O controle civil objetivo, propugnado por Samuel Huntington, advoga que as Forças Armadas devem ser a fortaleza desse controle civil. Naturalmente, as Forças Armadas brasileiras já o são, por defenderem veementemente a democracia.

Segundo o presidente, os militares passarão a ser tratados com "dignidade e respeito", o que, de acordo com ele, não acontecia nos governos anteriores:

— Os militares, diferentemente do que aconteceu nos últimos 20 anos, serão tratados com dignidade e com respeito. Afinal de contas, em todas as pesquisas, geralmente, as Forças Armadas estão em primeiro lugar na aceitação da opinião pública.

Bolsonaro anunciou que pretende fazer transmissões ao vivo todas as quinta-feiras, às 18h30. Duranta a campanha eleitoral, ele também costumava fazer transmissões semanais. A prática foi reduzida durante a transição de governo e havia sido abandonada após a posse. O presidente pediu para a população enviar dúvidas e sugestões:

— Gostaríamos muito que vocês apresentassem propostas, ideias, do que nós poderíamos fazer para atender a população e também, obviamente, deixar a vida de vocês mais fácil.


Luiz Carlos Azedo: Canetada decisiva

Jungmann tem a seu favor a confiança de Temer, boas relações com as Forças Armadas e trânsito junto aos governadores aos quais socorreu nas crises de violência mais problemáticas

Raul Jungmann assumiu o Ministério da Segurança Pública e logo demitiu o diretor da Polícia Federal, Fernando Segóvia. Foi uma demonstração de força, antes que se organizassem resistências às mudanças decorrentes da criação da pasta. Segóvia já estava no pelourinho, por sua atuação desastrada, mas ninguém esperava uma medida tão imediata e de tamanho impacto na estrutura que pretende comandar como ministro extraordinário. O demitido despachava diretamente com o presidente Michel Temer e tem amplo relacionamento político, principalmente junto à cúpula do Senado.

Vários problemas foram resolvidos com a canetada: primeiro, Jungmann assegurou o monopólio da interlocução com Temer; segundo, apaziguou a relação da PF com o ministro Luís Barroso, do Supremo Tribunal Federal, relator de inquérito que investiga o presidente da República; terceiro, limpou a área com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que andava indignada com o diretor da PF por causa das tentativas de monitorar as investigações da Operação Lava-Jato; quarto, aproximou a nova pasta do ministro da Justiça, Torquato Jardim, ao nomear para o lugar de Segóvia o delegado Rogério Garollo, que o assessorava como secretário de Justiça; finalmente, acenou para os delegados da PF que a autonomia na condução das investigações não sofrerá interferência.

Segóvia era um fio desencapado, em quatro meses no cargo abriu várias frentes de conflito. Por ser relacionado com a cúpula do MDB, se movimentou com açodamento na política, o que foi seu maior erro. Sua intenção era mostrar serviço para o Palácio do Planalto, mas acabou virando uma presença incômoda na equipe do governo, como é comum acontecer quando o sujeito começa a ser chamado de macaco em casa de louças. Quando Jungmann tomou posse, a demissão já havia sido decidida. Temer estava sendo responsabilizado pelas ações de Segóvia.

Garollo era o candidato do ex-diretor-geral da Polícia Federal Leandro Daiello à sua própria sucessão. Apesar do apoio do ministro Torquato Jardim, teve a nomeação barrada pela cúpula do MDB, que via em Segóvia um delegado amigo e capaz de dar um freio de arrumação na Operação Lava-Jato. Garollo atuou no Comitê Executivo da Interpol, foi adido em Washington, diretor-executivo, diretor de Administração e Logística, superintendente em Goiás, além de chefe-adjunto em Pernambuco e da Divisão de Passaportes. Também chefiou o grupo de inteligência policial e fiscalização de drogas do estado de São Paulo, o que está em sintonia com a nova prioridade do governo.

A missão

A canetada de Jungmann pode ser comparada a uma tacada de golfe: olhar a trajetória da bola não vai modificar o seu curso. A direção do vento, os acidentes do terreno, a distância a percorrer, o ângulo de sua trajetória inicial, a velocidade, tudo isso tem de ser levado em conta antes da batida do taco na bola. A troca de comando na Polícia Federal determinará o sucesso de sua gestão à frente da nova pasta. Se escolheu a pessoa errada, não terá a menor chance de sucesso, porque o tempo é muito curto e uma nova mudança seria a confissão de fracasso.

Jungmann tem a seu favor a confiança de Temer, boas relações com as Forças Armadas e trânsito junto aos governadores aos quais socorreu nas crises de violência mais problemáticas. Transita bem no Congresso, o que facilitará a aprovação da medida provisória que criou o ministério. Mas não terá vida fácil, seja por causa da complexidade do problema, que exige um ataque eficaz às suas causas, seja devido à oposição, que assumiu a bandeira dos direitos humanos e acusa o governo de golpista e autoritário.

Ontem, seu discurso de posse incendiou os debates nas redes sociais, com esta afirmação polêmica: “Pela frouxidão dos costumes, pela ausência de valores, pela ausência de capacidade de entender o que é lícito e ilícito, passam a consumir drogas. Impressiona-me no Rio de Janeiro, onde vejo as pessoas durante o dia clamarem pela segurança contra o crime. E estão corretas. E, à noite, financiarem esse crime pelo consumo de drogas. Não é possível! São pontas que muitas vezes se ligam e precisam de estratégias diversas para serem devidamente combatidas”.

Dois debates vão esquentar na esteira das ações federais. Um deles é a legalização da produção, comercialização e consumo de maconha, como já acontece em outros países; outro, a legalização do aborto, que tem impacto direto e comprovado nos indicadores de violência e criminalidade, como ocorreu em Nova York. Os políticos, porém, se recusam a enfrentar as duas questões, que são muito polêmicas.


General Eduardo Villas Bôas: "No Brasil, todos os problemas tendem a se transformar em ideologias"

A Editora Insight, do Rio de Janeiro, promoveu o seminário “Brasil: Imperativo Renascer!”, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Levou lá, além do presidente do tribunal, Milton Fernandes de Souza, o presidente do BNDES, o titular da Fundação Getulio Vargas, o embaixador Jório Dauster, o sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos.

Mas a sensação do evento foi o general Eduardo Villas Bôas. De sua cadeira de rodas, tolhido pelos efeitos de uma lamentável moléstia degenerativa, o comandante do Exército brasileiro, de improviso, analisou com destreza e franqueza o momento nacional. O general partiu da análise do que seja o papel das Forças Armadas na atualidade. Mas foi bem além disso.

Villas Bôas examinou como transitam hoje as ideologias. Todo problema no país hoje tende a tornar-se uma ideologia, disse ele. Sem que se chegue à solução teoricamente desejada. Assim, “quanto mais ambientalismo, mais problemas ambientais temos. Quanto mais indigenismo, coitados dos nossos índios, mais são relegados ao abandono. Quanto mais luta contra o preconceito racial, mais racialismo. (...) Quanto mais luta ou quanto mais se discute as questões de gênero, mais preconceito nessa área se verifica e por incrível que pareça, até mesmo, está surgindo no nosso país intolerância religiosa”.

O general saltitou em terreno minado, sem detonar bomba alguma, ao abordar como funciona o imperialismo moderno que galvaniza estereótipos como a campanha mundial contra o desmatamento no Brasil, incorporada aqui inclusive pela esquerda.

“Temos 80% da Amazônia preservada e admitimos levar lições de países que têm 0,3% das suas florestas originais. A média mundial de preservação das florestas mundiais é de 25%, aproximadamente”, registrou, apontando a instrumentalização da ideologia ambiental que, como se sabe, visa proteger o mercado agrícola dos países que, todos somados, não dispõe da área agricultável que o Brasil tem.

 

Leia os principais trechos da palestra do general de Exército Eduardo Villas Bôas:

"Quando houve a queda do muro de Berlim, emblematicamente, marco do fim da Guerra Fria, passou a prevalecer nos países uma visão sistêmica de defesa em que ela deixou de ser uma exclusividade dos militares e passou a exigir a participação de toda a sociedade em seus mais variados segmentos.

Assim, a estrutura de defesa de um país será tão mais robusta quanto mais forte for a participação da área econômica das empresas, da área de ciência e tecnologia, da área acadêmica, do poder político e assim por diante.

Por outro lado, aos militares foi exigido também que eles não se restringissem apenas a se preparar para fazer face ao inimigo. Hoje, a visão consagrada no mundo é a de que as Forças Armadas devem estar em condições de atender qualquer demanda da sociedade. E não há países em que isso não se aplique. Alguém pode dizer, ah!, nos Estados Unidos as Forças Armadas compram esse tipo de atividade, porque lá eles têm a Guarda Nacional, que é praticamente força armada, inclusive as suas unidades são mandadas a participar dos conflitos e ela cumprem esse papel de trabalhar voltada para o território americano.

Falar de defesa no Brasil — e eu pretendo, em linha gerais, traçar algumas considerações sobre a inserção da defesa de um projeto nacional — é difícil, tem pouco apelo, porque não há no país uma percepção de ameaças à soberania e à integridade, nem por partes da população nem por parte das elites dirigentes, diferente, por exemplo, do que ocorre em Israel, ou do que o ocorre no Chile e em tantos outros países. Portanto, um diretor de banco, um reitor de uma universidade, enfim, pessoas dos mais variados setores da sociedade não estão preocupados com ameaça da integridade nacional.

O ministro Jobim, Nelson Jobim, ele dizia que fazia parte de uma geração política em que defesa para eles era repressão e as coisas relativas a isso. Como consequência, esse espaço da defesa foi ocupado inexoravelmente pelos próprios militares e a consequência é que, a consequência foi a grande dificuldade de alocação de recursos adequados para estrutura de defesa. Como se diz no jargão político, defesa não dá voto. Daí a dificuldade, nós nunca vimos, por exemplo, em um debate eleitoral para a Presidência da República, o tema “defesa” ser discutido, aliás não só o tema defesa, outros temas relativos ao Estado, como a política externa, não é embaixador (dirigindo-se ao companheiro de mesa, embaixador Jório Dauster)?

Na última eleição, esses dois temas não foram absolutamente tocados e isso se deve enfim, dentre outros aspectos, nós temos no Brasil, o que poderemos chamar de um passivo geo-histórico, histórico. Nós temos metade do nosso território não ocupado e não integrado à dinâmica do desenvolvimento nacional.

As consequências disso vão além de aspectos concretos, há questões também subjetivas decorrentes, se o território é a base da nacionalidade, vejam que nós não temos na nossa, o sentimento de nação totalmente consolidado. O Brasil foi resultado da criação de um Estado que a partir daí passou a trabalhar para consolidar os aspectos relativos à nacionalidade e isso ainda é incompleto.

O general Heleno costuma dizer que o Brasil é como um superdotado num corpo de adolescente. Ele não tem noção do seu território, não tem a percepção da importância e talvez daí decorra o fato de sermos tão voltados para dentro de nós mesmos. Uma das consequências disso é a nossa dificuldade de assumir uma responsabilidade inexorável que é exercer a liderança na América do Sul. Para exercer a liderança, é necessário primeiro demonstrar capacidade. Segundo, demostrar vontade; e terceiro, ser capaz de inspirar e de mostrar um caminho para o futuro.

Liderança
É muito impressionante quando vemos um militar argentino reclamar de nós, por não assumirmos a liderança na América do Sul. E esse sentimento, as relações militares, com muita frequência expresso, porque os países sul-americanos sabem que a alternativa que eles têm é de se agregar a um grande projeto de desenvolvimento do Brasil, caso contrário serão, estaremos sempre periféricos e não há absolvição para isso.

Nós somos o único grande país não beligerante, poderemos tirar talvez a Austrália, mas todos os demais grandes países são beligerantes. Então, o lado ruim de uma coisa boa, e importante: nos falta esse sentimento de um projeto nacional. E quando vejo essas discussões, em relação à crise que nós vivemos e a busca de caminhos, a minha impressão é que elas são superficiais. Carecem de profundidade e carecem de uma multidisciplinaridade necessária para a mudança da nossa realidade. Em relação a um projeto nacional, o país, o Brasil pela sua dimensão, pelas características que tem, ele não pode prescindir de uma ideologia que lhe dê um caminho, não estou me referindo a ideologia política.

O Brasil foi da década de 1930 à década de 1950 o país do mundo, ou um dos países do mundo que mais cresceu, havia uma ideologia de desenvolvimento, havia um sentido de projeto, havia um ufanismo, os mais velhos vão lembrar da década de 1960 vivendo lá o momento Juscelino, Brasília sendo construída, aterro do Flamengo, aterro de Copacabana, campeão do mundo de futebol, campeão do mundo de basquete, Maria Esther Bueno no tênis, Eder Jofre no boxe, enfim, havia um ufanismo e um otimismo muito grande. Éramos o país do futuro.

Cometemos o erro de, durante a Guerra Fria, permitir que a linha de fratura passasse por dentro e dividisse a nossa sociedade, foi aí que perdemos o sentido de coesão, perdemos essa ideologia do desenvolvimento, sentido de projeto, ficamos um país à deriva. Extremamente perigoso, como disse, pela nossa dimensão, pela nossa estrutura, porque as forças centrífugas estão se fortalecendo e corremos o risco de uma fragmentação, se não uma fragmentação territorial, mas já está a caminho uma fragmentação social. Nesse período, permitimos incorporar ideologias, aliás, dizem que, quando as ideologias ficam velhas, elas se mudam para a América do Sul. E incorporamos tanto ideologias políticas como ideologias sociais que estão nos desfigurando como nação e alterando a nossa identidade.

E há uma tendência no nosso país de todos os problemas serem transformados em ideologias. Quando isso acontece, se perde a visão de resultado e o foco fica sendo na aplicação da ideologia e não no que se pretende buscar como solução.

Isso gera um mais do mesmo, vejam que quanto mais ambientalismo mais problemas ambientais temos. Quanto mais indigenismo, coitados dos nossos índios, mais são relegados ao abandono. Quanto mais luta contra o preconceito racial, mais racialismo. O ministro Aldo Rebelo diz que nós éramos um país de mestiço e estamos nos transformando em país de brancos e pretos. Quanto mais luta ou quanto mais se discute as questões de gênero, mais preconceito nessa área se verifica e por incrível que pareça, até mesmo, está surgindo no nosso país intolerância religiosa.

O que me parece, contudo, é que por trás disso tudo está a nossa falta de disciplina social e a falta de limites que vem desde as carências da nossa educação. Então, essa essência é a causa principal de tudo que tem acontecido, nós perdemos até mesmo, os juristas aqui sabem, conhecem muito melhor do que eu que ínsito da presunção da autoridade, da autoridade presumida.

Nós perdemos até mesmo isso, é autoridade que automaticamente está investindo numa professora quando entra numa sala de aula, é uma autoridade necessária fazer com que aquele universo funcione adequadamente. Autoridades que você reconhece mais como um guarda de trânsito, ou se não, não se reconhece a um motorista de um ônibus, de um coletivo, enfim, então essa falta de limites mostra estar fazendo com que a nossa sociedade vá se desagregando paulatinamente e eu acho muito impressionante a passividade com que assimilamos essas ideologias.

Leonardo Boff
Do ponto de vista político, o frei Leonardo Boff deu uma explicação, muito simples e claro, ele disse que combater o capitalismo com base na luta de classe traz em si um problema, uma desvantagem porque coloca as classes em oposição, mas combater o capitalismo com base nessas ideologias, principalmente no ambientalismo, faz com que todas as classes se coloquem do mesmo lado e entrem em consonância.

Mas a inteligência brasileira não tem percebido é que depois do processo de descolonização — em que os países não têm mais liberdade de ação de exercer seu imperialismo por meio das Forças Armadas no setor — o fazem por meio dessas ideologias, instrumentalizadas pelos organismos internacionais, por organizações não governamentais e assim eu acho curioso que a parcela mais à esquerda do nosso espectro político incorporou totalmente esse novo imperialismo. Imperialismo do final do século XX, do início do século XXI e nós somos de uma passividade incrível, porque temos 80% da Amazônia preservada e admitimos levar lições de países que têm 0,3% das suas florestas originais. A média mundial de preservação das florestas mundiais é de 25%, aproximadamente.

Então, o Brasil não pode e não precisa e não deve aceitar lições de quem quer que seja, como aquele episódio em que a primeira ministra da Noruega cobrou do nosso presidente, em razão de a Noruega ter doado R$ 1 bilhão para a preservação da Amazônia.

Vou contar um episódio pitoresco, eu era comandante militar da Amazônia e indo realizar uma grande operação de fronteira e antes eu determinei que se realizasse uma operação de inteligência. Me liga muito afobado um comandante do Batalhão de Selva de Barcelos dizendo que estava na aldeia ianomâmi Demini e lá encontrou o rei da Noruega. Eu falei, 'ô, coronel, você está com algum problema' — ainda brinquei com ele — 'o senhor fumou tóxico vencido, por que é que o rei da Noruega está na aldeia Demini, área ianomâmi?'. 'General, o rei da Noruega está aqui'.

Eu fui ao ministro, que na época era o ministro Celso Amorin, ministro da Defesa, ele questionou o Itamaraty. Realmente, a visita era decorrente de um acordo sigiloso, o Ministério da Justiça, Funai, Itamaraty, e o rei da Noruega estava na área Ianomâmi. Então a nossa paciência...

Quando estava em votação pelo STF a demarcação da Raposa Terra do Sol lá em Roraima, o príncipe Charles veio à Amazônia, veio ao Brasil, não é? Então, esse assunto, enfim, é um tema que se pode discorrer muito, mas estou apenas usando para exemplificar a nossa passividade. Isso fez com que permitíssemos um déficit de soberania em relação ao nosso território. Vejo que agora o governo quis regulamentar a exploração daquela reserva extrativista lá no Pará e foi, isso gerou imediatamente uma campanha internacional. Então, hoje o Brasil não tem liberdade de ação para uso dos seus recursos naturais. E a Amazônia ela tem a princípio três papéis a cumprir para o Brasil. O primeiro decorre dos recursos naturais que ela tem, o levantamento mais abrangente que eu vi até hoje fala em 23 trilhões de dólares, o segundo diz respeito ao que, do ponto de vista geopolítico, a Amazônia, a Pan-Amazônia abrange nove países e ela, e todas as Amazônias, elas são extremamente semelhantes tanto do que diz respeito ao potencial, quanto no se refere aos problemas que ela apresenta.

Amazônia
E ela, para o Brasil, é uma enorme oportunidade de promovermos a integração e assumirmos a liderança da América do Sul. E terceiro é o grande apelo internacional que a Amazônia apresenta, água, energia renovável, produção de alimentos, mudança climática, biodiversidade, enfim, e por isso ela tem um apelo tão grande perante a opinião pública internacional e de certa forma a Amazônia em relação ao Brasil é vista mais ou menos como o Tibet em relação a Índia, então é uma tarefa urgente que Brasil tem que realizar, porque até hoje nós não temos uma política para Amazônia, não temos um órgão de qualquer natureza, um ministério, uma agencia reguladora, seja lá o que for para coordenar as ações na Amazônia e o que se faz na Amazônia é muito mais baseado, tem muito mais o caráter repressivo do que apoio a sociedade e promoção do desenvolvimento com proteção ambiental. Qualquer ação da Amazônia como diz, tem que ser multidisciplinar, ela tem que conter vetores sociais, ambientais, de conhecimento, de ciência e tecnologia, econômicos e logicamente de defesa e de segurança, então são os papéis que a Amazônia tem para desempenhar.

Dado esse quadro geral, mais com um caráter geopolítico do nosso país, como disse, é difícil tratar de defesa no Brasil e fazer com que a defesa tenha o reconhecimento merecido, e nós tivemos sempre séries orçamentárias muito baixas e mais grave do que isso ainda, vem da imprevisibilidade dos orçamentos, para nós é muito mais importante a regularidade a previsibilidade do que o montante propriamente dito, que nós possamos receber. E eventualmente se vê discussões em função daquele aspecto que eu destaquei, da falta de percepção, da importância da defesa, às vezes até isso atualmente não tem sido comum, mas se discute até mesmo a necessidade de força armada, porque se justifica, como justificar as Forças Armadas? Forças Armadas são instituições permanentes, conforme consagra o artigo 142 da Constituição, que diz que as Forças Armadas são instituições nacionais permanentes vem daquele aspecto da construção da nacionalidade e quando se consolida o sentimento de nação já há ali um embrião da força armada e, quando se adquire independência, a força armada já está presente.

Vejam que esse processo é universal, quase todos os países do mundo têm, como os grandes líderes Wolts, pais da pátria, figura de generais aqui na América do Sul é típico, né? Temos aí San Martín, Bernardo O'Higgins, Bolívar, Artigas e outros, nós não temos porque nosso processo de independência é realmente muito peculiar. Mas é importante então que a defesa seja entendida pelo que podemos chamar de valores, perdão, funções da defesa, isso não é uma condição acadêmica, mas decorre da percepção da realidade.

Numa simplificação, podemos considerar quatro funções, a primeira e a função primordial da defesa é dissuasão, de exercer a capacidade dissuasora, a dissuasão não é um fim em si mesmo ela se insere junto com outros fatores como o poder econômico, como a vontade política, como a ação da diplomacia para que se obtenha a liberdade de ação necessária ao país agir de acordo com os seus interesses exercer a liderança que pretender. Nós temos o exemplo, um contemporâneo, as consequências da perda de capacidade de dissuasão foi o que aconteceu com a Otan em relação à Rússia, o que fez com que a Rússia tivesse liberdade de ação, para agir e fazer o que fez na Ucrânia, por exemplo, e o que está fazendo na Síria. O resultado é que a Otan recomendou aos países membros que elevem de 1,5% para 2% dos Pipas, os gastos com defesa. E a história é repleta de exemplos de países que viveram situações até extremamente graves, catastrófica em função de perda da capacidade de dissuasão. Nós temos a capacidade dissuasória assegurada na América do Sul, mas não ainda internacional, e precisamos fazer, daí a importância dos projetos em andamento, como, por exemplo, submarino nuclear da Marinha, os caças, os gripen da Força Aérea, a força de blindados do Exército, a nossa força de mísseis e foguetes, enfim, tão logo consolidamos esses projetos teremos adquirido essa capacidade de dissuasão, que nos permitirá voltarmos com mais liberdade de ação para dentro de nós mesmos e para a América do Sul.

Defesa
O segundo aspecto, a segunda função da defesa, e as Forças Armadas, aí em especial o Exército, pela capilaridade, eles são guardiões da identidade nacional. Essa, e aí já me referi a esse processo que estamos vivendo, que pode levar a uma perda dessa identidade, nós perdemos a nossa essência e as Forças Armadas pelo processo que me referi, da formação da nacionalidade, elas são de certa forma, guardiões desse, até mesmo dos valores nacionais. Isso tem se refletido, por exemplo, em setores que demandam uma intervenção militar. A pesquisa indicou que 43% da população brasileira pede uma intervenção militar, isso na minha opinião é um termômetro da gravidade do problema que estamos vivendo no país. Uma intervenção militar seria um enorme retrocesso hoje, mas na verdade interpreto também aí como uma identificação da sociedade, os valores que as Forças Armadas expressam, manifestam e representam. E as pesquisas de opinião mostram também que, invariavelmente, as Forças Armadas estão em primeiro lugar no índice de credibilidade perante a sociedade.

O terceiro papel da defesa e das Forças Armadas é contribuir para o desenvolvimento nacional, faz parte da indução do desenvolvimento. Nós temos alguns dados aqui, e a nossa indústria de defesa hoje ela movimenta 3,7 % do PIB, ela gera 60 mil empregos diretos e 240 mil empregos indiretos, o movimento é de mais ou menos R$ 200 bilhões por ano, e todos os países desenvolvidos, nenhum país chegou ao primeiro mundo importando produtos de defesa. E todos eles têm a estrutura de defesa com um forte componente de indução do seu desenvolvimento econômico e também com muita relevância na área de ciência e tecnologia, já que as tecnologias são duais, qualquer tecnologia desenvolvida na área de defesa assistente a outras áreas. Segundo a Fipe, cada real investido em programas de defesa gera um multiplicador de 9,8 em relação ao PIB, então eu vejo que realmente se trata de um grande investimento.

E passando ao último fator, ou a última função da defesa, é a de que as Forças Armadas devem hoje atender às demandas da população, assim é que, como disse, as Forças Armadas hoje não devem se limitar apenas a se preparar para fazer face ao inimigo, ela tem que atender a qualquer necessidade, assim é que, por exemplo, hoje, um dia como hoje o Exército está participando de 58 operações de natureza variadas no território. Temos hoje 3.100 militares atuando, operando nesse momento. E aí nós temos operações de apoio a órgãos governamentais, a área ambiental, a área indígena, na área de saúde, os programas de combate a proliferação dos mosquitos, da zika, chikungunya etc. Temos operações de fronteira permanentemente em realização, temos as operações de garantia da lei e da ordem, como está em andamento aqui no Rio de Janeiro e a que realizamos recentemente no Rio Grande do Norte, aliás em um ano e meio fomos empregados três vezes no Rio Grande do Norte, e nesse espaço de tempo não houve nenhuma modificação estrutural no sistema de segurança pública naquele estado, e nós sabemos que logo seremos chamados a intervir novamente. Temos operações de defesa civil, por exemplo, distribuímos água a 4 milhões de habitantes do polígono da seca no Nordeste, fazemos isso, senhoras e senhores, há 14 anos já. O governo despende, mais ou menos, R$ 1 bilhão por ano nesse programa emergencial, 14 anos, já são lá R$ 14 bilhões, poderiam ter sido empregados em obras estruturais para modificar aquela realidade, e assim, enfim, permanentemente somos empregados.

No ano passado, 2017, tivemos 507 operações, com mais de 130 mil militares sendo empregados. Então vejo que as Forças Armadas exigem sistemas de proteção social particulares, peculiares, para que se tenha sempre uma instituição para ser empregado a qualquer momento, em qualquer local, e por um tempo indefinido.

Então, essas quatro funções da defesa precisam ser inseridas nesse sentido de projeto que nós urgentemente temos que desenvolver. Eu espero que na campanha eleitoral deste ano nós consigamos colocar esses temas em discussão junto com outros temas de Estado, e já estamos até, confesso, trabalhando, fazendo contato com os candidatos já, mais ou menos, consolidados e oferecendo até consultoria e ajuda para que eles trabalhem nesse sentido.

Então esse era um dos aspectos que eu queria apresentar aos senhores, agradeço pela oportunidade e pela paciência de me ouvir.

Muito obrigado."


Hubert Alquéres: Vivandeiras petistas

“O que nós de esquerda devemos perguntar aos militares é a quem eles querem servir: ao povo e à nação ou à facção financista e rentista que assaltou o poder? Que rasgou a Constituição e o pacto social e que destrói, dia a dia, a soberania nacional, entregando de mão beijada para o capital externo nossas empresas – estatais ou não -, nossas riquezas minerais, nossas terras férteis.”

Não se trata, caros leitores, de um manifesto dos anos 50/60, quando a esquerda, contaminada pelo golpismo que permeou a nossa história desde o advento da República, também rondava os quartéis em busca de um “general do povo” e dava sua contribuição negativa para a divisão das Forças Armadas.

A citação é parte de um artigo de José Dirceu publicado recentemente no site Diário do Centro do Mundo e compartilhado nas redes sociais do lulopetismo, propugnando o “diálogo com os militares” para atrai-los para seu projeto de poder.

O apelo a um discurso eivado de um nacionalismo anacrônico presta-se ainda a disputar com o deputado federal Jair Messias Bolsonaro a influência no mundo castrense, dada a pregação “nacionalista” do militar candidato. Não gratuitamente, o PT tem sido pródigo em elogios ao modelo “nacional estatista” do período, do presidente e general, Ernesto Geisel.

A pretendida aproximação com os militares é parte de movimento estratégico mais amplo do PT, na direção de sua bolivarianização. O modelo chavista de “democracia direta” voltou a ser cultivado por Lula. Em entrevista ao jornal espanhol El Mundo declarou que, se eleito, convocará referendo revogatório de medidas adotadas no governo Michel Temer. Para delírio do braço esquerdo do lulopetismo, o caudilho repetiu a ameaça em comício de sua caravana em Minas Gerais.

Na hipótese de um novo governo, dificilmente Lula teria maioria no parlamento para impor seu programa. Como o mensalão e o petrolão inviabilizaram a construção de uma maioria pela via da corrupção, restaria a ele a alternativa de emparedar o Congresso e o Poder Judiciário por meio de consultas populares.

Não há na nossa Constituição a figura do referendo revogatório. Sua aplicação no Brasil implicaria em ruptura constitucional, em o país se enveredar por uma “ditadura popular”, a exemplo da Venezuela de Hugo Chavez e Nicolás Maduro. Mas quem disse que não é essa a ideia?

Ora, as Forças Armadas são um obstáculo a tais planos. Desde a redemocratização dedicam-se exclusivamente a cumprir suas obrigações constitucionais e profissionais, razão pela qual temos o maior período desde o advento da República sem quartelada ou qualquer tipo de intervenção militar na vida política nacional.

Desviá-las de suas funções constitucionais é pré-requisito para o Partido dos Trabalhadores avançar em seu projeto autoritário. É aí que entram em campo as vivandeiras petistas com o objetivo de reintroduzir nos quartéis a polarização “esquerda-direita”. Querem retornar aos tempos da guerra-fria, quando a esquerda, maniqueisticamente, dividia as Forças Armadas em duas correntes: a “entreguista e golpista” e a “nacionalista e democrática”. Sintomaticamente, os termos estão presentes no artigo de José Dirceu.

A história está aí para registrar que o golpismo não foi monopólio da direita. A esquerda também fez suas incursões golpistas, vide 1935.

Na Venezuela, a cooptação dos militares se deu pela sua transformação em uma elite econômica dotada de privilégios e detentora dos principais cargos de direção das principais empresas e dos altos escalões do governo. Hoje, são o principal esteio da ditadura venezuelana. Os estrategistas do PT não ignoram o precedente histórico do modelo chavista, que, de resto, é o mesmo da Coreia do Norte, onde os militares são o principal sustentáculo da ditadura de Kim Jong-Um.

Para atrair os militares, o lulopetismo ressuscita concepções da esquerda que não deram conta da realidade brasileira nos anos 50/60, que dirá agora.

Em pleno século vinte e um, no limiar da Quarta Revolução Industrial e de mudança de paradigmas na economia, pensam o desenvolvimento do país pela via autóctone e de ruptura com o capital externo. O “imperialismo yankee” é visto como o invasor externo que suga as riquezas nacionais. Nessa visão distorcida, a missão das Forças Armadas seria defender o pré-sal, a Amazônia, as empresas nacionais do “polvo imperialista”.

Só que o Brasil não é a Venezuela e nossas instituições castrenses em nada se assemelham às do país de Chavez e Maduro. Temos uma economia diversificada e integrada à economia mundial, uma sociedade bem mais complexa. Nossas Forças Armadas são instituições permanente de Estado e impermeáveis a discursos de quem quer instrumentalizá-las para viabilizar seu projeto de poder.

Os remanescentes da esquerda armada ainda não deglutiram a derrota do passado e agora tentam dividir as Forças Armadas.

Se pensam, com seu canto, atrair os militares para uma aventura, as vivandeiras, de esquerda ou de direita, darão com os burros n’água. Os militares brasileiros parecem estar escolados para embarcar nessa nau de insensatez.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo