Forças Armadas
Janio de Freitas: Justiça com injustiça é impostura
O que já é conhecido na conduta de Moro não suscita suspeita, induz certeza
As duas ações em que Edson Fachin emitiu decisão e Gilmar Mendes proferiu voto, apesar de formalmente separadas, tratam do mesmo tema.Na aparência, a conduta ilegal e persecutória de Sergio Moro nos processos com que retirou o candidato Lula da Silva (39% das preferências) da disputa pela Presidência em 2018, encaminhando a eleição de Bolsonaro (18%). A rigor, o que está na essência das ações judiciais é uma operação de interferências distorcivas no processo eleitoral que comprometeram, por inteiro, a legitimidade de uma eleição presidencial.
Nem Sergio Moro é “caso de suspeição”, nem a ocupação da Presidência por Bolsonaro, mesmo que vista como legal, tem legitimidade.
O que já é conhecido —e falta muito— das violações do Código de Processo Penal, da Lei Orgânica da Magistratura e da própria Constituição na conduta judicial de Sergio Moro não suscita suspeita, que é dúvida: induz certeza. São fatos. Não retidos em memória, mas em diferentes registros comprovadores e consultáveis, muitos de longo conhecimento em tribunais e em parte da população.A torrente desses fatos no voto de Gilmar Mendes sufoca qualquer dúvida sobre sua caracterização: são atos deliberados, planejados, combinados, marginais às normas e à moralidade judicial.
Nessa delinquência de cinco anos, do princípio de 2014 ao fim de 2018, a ação julgada por Edson Fachin refere-se à preliminar de quatro inquéritos contra Lula, entre eles os do apartamento de Guarujá e do sítio de Atibaia. Quando se vê a razão de Fachin para anular essas condenações, fica quase impossível acreditar que tais processos tramitassem por anos. Dessem em condenações por SergioMoro. Até em aumento das penas pelo Tribunal Federal Regional do Rio Grande do Sul, o TRF-4, com base em relatório pouco menos do que ininteligível de um desembargador idem, João Gebran.
Quisesse, ou não, dar uma sentença que preservasse Sergio Moro do processo sobre a suspeição que é certeza, Edson Fachin viu-se com uma constatação indescartável: “não restou provado vínculo” entre os benefícios atribuídos a Lula, tanto na acusação como na condenação, e negócios ou desvios na Petrobras.
Logo, esses processos foram criados e receberam sentença ilegalmente em juízo restrito a desvios na estatal. Convém enfim realçar: a anulação das condenações de Lula por Moro não decorreu, portanto, apenas de incompetência geográfica da 13ª Vara Criminal do Paraná, como tem parecido. Procedeu, também, da violação deliberada de Moro às leis processuais e penais. Com o fim de fazer a prisão de um candidato à Presidência, o que daria a vantagem a outro. Crime, pois não?
Nada se deu sob sigilo nessa delinquência contra as instituições do Estado de Direito e a eleição legal. Muito ao contrário, a construção do escândalo era um componente planejado da operação.Gilmar falou, a propósito, em conluio e consórcio Lava Jato-“mídia”. Não dispensou nem as orientações de um repórter aos dallagnóis. Incontestável, como mais um capítulo eleitoral da imprensa/TV. Mas uma ressalva é de justiça: em meio à enorme pressão pró-Lava Jato, a Folha pode ter pecado de corpo, mas não renegou a velha alma. Os poucos juristas, advogados e comentaristas da casa que apontaram a delinquência e as arbitrariedades da Lava Jato tiveram espaço e liberdade assegurados nestas páginas.
Não é menos justo, em sentido oposto, dizer que os Conselhos Nacionais do Ministério Público e da Justiça, assim como o Supremo Tribunal Federal, souberam sempre o que se passava na Lava Jato. Por experiência no Judiciário e no MP, por informações, por muitos recursos processuais de advogados e pelos poucos trabalhos da “mídia” fora da moda. Ao seu dever fiscalizador preferiram o silêncio e a inação, traindo-se e traindo a Justiça e o Estado de Direito.
Se tudo precisar de recomeço, que seja. Importante é que a Justiça está se despindo de uma impostura, ao tempo mesmo em que se reergue na defesa dos cidadãos e do país sob ataque da doença e do governo, ambos letais.
Elio Gaspari: O novo Lula é o mesmo
Ex-presidente reapareceu com um discurso simples e de essência racional
Para o bem e para o mal, o novo Lula é o mesmo. Numa trapaça da história, enquanto o ex-presidente falava, Eduardo Bolsonaro, o 03, mandava que as pessoas enfiassem as máscaras “no rabo”, e seu pai, delicadamente, colocava-a no rosto.
Lula reapareceu com um discurso simples e de essência racional . Na quarta-feira, o número de mortos bateu a casa dos dois mil, num total de 270.917 (a provável população do Brasil no final do século XVII). A “gripezinha” estava no “finalzinho”, e a “conversinha” da nova onda mostrou-se mais letal que a do ano passado. Lula chamou Bolsonaro de “fanfarrão” e seu governo de “incompetente”: “Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do ministro da Saúde. Tome vacina. Tome vacina, porque a vacina é uma das coisas que pode livrar você da Covid.”
Mais: “O Brasil não é dele e dos milicianos.”
Sem a teimosia delirante do capitão, Lula também tem um pé em sua realidade paralela. Ele fala de uma “Petrobras bem dirigida, como foi no nosso governo”.
A boa gestão no petróleo explicaria “o golpe contra a Dilma, porque é preciso não ter petróleo aqui no Brasil na mão dos brasileiros. É preciso que esteja na mão dos americanos, porque eles têm que ter o estoque para guerra.” Até aí, trata-se de uma opinião, mas Lula foi adiante:
“A Alemanha perdeu a guerra porque não chegou em Baku, na Rússia, para ter acesso à gasolina.”
A Alemanha não chegou a Baku porque foi detida em Stalingrado no início de 1943. A essa altura, os nazistas já haviam sido detidos às portas de Moscou, e os Estados Unidos já haviam entrado na guerra (dezembro de 1941) e quebrado a perna do poder naval japonês na batalha do Midway (junho de 1942). A partir do final de 1942, os alemães passaram a combater numa guerra que não poderiam ganhar, mesmo que tivessem chegado ao petróleo de Baku. Isso para não se falar na bomba atômica, cujo combustível era urânio.
Falando da eleição de 1989, Lula diz: “Não ganhei porque a Globo me roubou”. A edição do seu debate com Fernando Collor foi editada com viés contra Lula, mas foi ao ar depois da transmissão da versão integral, ao vivo. Collor teve 35 milhões de votos, contra 31 milhões de Lula, que só venceu em três estados (RJ, RS e PE).
A agência Lupa checou a fala de Lula e apontou devaneios que custariam caro a Jair Bolsonaro se tivessem partido dele:
“Fachin (reconheceu) que nunca teve crime cometido por mim.”
“FALSO. A decisão do ministro do STF Edson Fachin não cita, em nenhum momento, que o ex-presidente Lula nunca cometeu crimes. Ele apenas considerou que as ações do tríplex de Guarujá (SP), do sítio em Atibaia (SP) e do Instituto Lula não têm relação direta com a Petrobras e não deveriam ter tramitado na Justiça Federal de Curitiba.”
Afora casos como esses, Lula continua ligeiro. Ele já disse que Napoleão foi à China e que Oswaldo Cruz criou a vacina contra a febre amarela. Agora, referiu-se a um artigo de 2004 do juiz Sergio Moro, no qual ele teria escrito que “só a imprensa pode ajudar a condenar as pessoas.” No seu famoso artigo de 2004, Moro não disse isso. Foi preciso, referindo-se à Operação Mãos Limpas italiana:
“Os responsáveis pela operação Mani Pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: para o desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira.”
Lula não precisava ter exagerado.
Bolsonaro na disputa
Com Lula e Bolsonaro disputando uma eleição, os jornalistas e as agências de checagem trabalharão como nunca.
Lula viajou pela sua realidade paralela na quarta-feira, Bolsonaro reagiu na quinta e, como mostrou o repórter Mateus Vargas, contou cinco inverdades em menos de meia hora.
Disse que o número de mortos pela Covid está inflado. Contrariou um boletim do Ministério da Saúde.
Disse que que a Organização Mundial da Saúde condena o lockdown.
Disse que, desde o primeiro momento, tentou comprar vacinas. Anunciou seu veto à CoronaVac e recusou propostas da Pfizer.
Disse que o Supremo Tribunal Federal limitou a ação do governo. O que o STF fez foi garantir as iniciativas dos estados e municípios.
Disse que desde o primeiro momento agiu contra a Covid. Era a “gripezinha“ que provocava a “histeria” dos “maricas”.
Cármen e Nunes Marques
O pedido de vista do ministro Nunes Marques alegrou o Planalto, pois a suspeição de Sergio Moro seria mais uma cereja no bolo de Lula.
À primeira vista, as coisas são assim, mas se a ministra Cármen Lúcia mudar seu voto, acompanhando Gilmar Mendes, a manobra falha e carboniza Nunes Marques. A menos que ele se antecipe, condenando Moro.
STF em chamas
O tiroteio do ministro Marco Aurélio em cima dos colegas Luiz Fux e Alexandre de Moraes mostra que o Supremo Tribunal precisa de uma missão pacificadora. Esse foi o barraco público. Felizmente, aqueles que ocorreram no início da semana, com outras excelências, ficaram no escurinho da Corte.
A tensão decorre, em parte, da suspensão do convívio pessoal, provocado pela pandemia.
Mourão disse tudo
Na sua entrevista aos repórteres Gustavo Uribe e Leandro Colon, o vice-presidente Hamilton Mourão disse tudo:
“É aquela história: o povo é soberano. Se o povo quiser a volta do Lula, paciência. Acho difícil, viu, acho difícil.”
Lula 2022
Lula já avisou:
“Eu sou uma metamorfose ambulante”.
Vazou
No início da semana passada, alguns comissários bem informados já sabiam que o ministro Edson Fachin jogaria sua bomba sobre a política nacional.
Guedes na mesa
Nos últimos dias da semana passada, elevou-se a tensão no Palácio do Planalto. Sempre que isso acontece, sobra para o ministro da Economia.
Paulo Guedes terá dias difíceis, com uma janela de oportunidade. Como ele mesmo já disse, dependendo do desconforto, vai-se embora.
O grande chanceler
Com o Brasil assumindo a liderança do número de mortes diárias por Covid, o ministro Ernesto Araújo realizou seu sonho:
“Talvez seja melhor ser esse pária deixado ao relento, deixado de fora, do que ser um conviva no banquete no cinismo interesseiro dos globalistas, dos corruptos e semicorruptos.”
Mandato curto
Com a execução do vereador Danilo do Mercado (MDB-RJ), assumirá sua cadeira na Câmara de Caxias a suplente Fernanda da Costa, filha do traficante Fernandinho Beira-Mar, encarcerado em Mossoró (RN).
Seu mandato poderá ser curto.
Bernardo Mello Franco: O fantasma da polarização
A volta de Lula reabilitou um fantasma que assombrou a última corrida presidencial: a ideia de um país dividido entre dois extremos. Em 2018, a propaganda de Geraldo Alckmin martelou que era preciso evitar, a qualquer custo, a polarização entre Bolsonaro e PT. As duas forças foram apresentadas como “lados da mesma moeda: a do radicalismo”.
A retórica denunciava o desespero do tucano. O eleitorado do seu partido já havia aderido ao capitão, e ele terminou com menos de 5% dos votos. No segundo turno, os candidatos do PSDB esqueceram o discurso e correram para Bolsonaro. A carona ajudou a eleger João Doria e Eduardo Leite, que agora tentam se descolar da imagem do presidente.
A equivalência entre PT e Bolsonaro sempre foi conversa fiada. O partido de Lula tem muitos defeitos, mas nasceu na luta contra a ditadura e governou pelas regras da democracia. Quando Dilma Rousseff sofreu o impeachment, os petistas entregaram as chaves do palácio e foram para a oposição.
Bolsonaro é um antigo defensor do autoritarismo, da tortura e das milícias. Não moderou o discurso na campanha nem no governo, onde passou a flertar abertamente com um autogolpe.
Polarização não é sinônimo de duelo entre extremos. Como lembra o cientista político Cláudio Couto, PT e PSDB polarizaram seis disputas presidenciais sem que nenhum deles fosse extremista. O professor diz o óbvio. Mesmo assim, há quem insista na falsa simetria.
A deputada Joice Hasselmann, ex-líder de Bolsonaro, agora se apresenta como adversária do “bolsopetismo”. O termo não quer dizer nada, mas virou moda em rodas conservadoras. Na falta de um candidato competitivo, apela-se ao fantasma de 2018.
O retorno de Lula mostrou que não era difícil polarizar com um presidente que nega a ciência e debocha das vítimas da pandemia. Para o petista, bastou aparecer de máscara, defender a vacina e informar que a Terra não é plana.
OS TRÊS PATETAS
Na semana em que o Brasil superou a marca de duas mil mortes diárias pela Covid, os filhos do presidente se destacaram pelas seguintes ações:
Flávio, o Zero Um, comparou medidas para conter a pandemia ao massacre de judeus no Holocausto.
Carlos, o Zero Dois, deu chilique na Câmara Municipal e chamou um colega de “canalha” e “cabeça de balão”.
Eduardo, o Zero Três, divulgou o desenho de um Zé Gotinha miliciano, armado com um fuzil.
HELIO E A FRENTE AMPLA
Com a morte de Helio Fernandes, vai-se uma parte da História do Brasil no século XX. O jornalista resistiu a seguidos apelos para publicar suas memórias. Deixou um único livro, “Recordações de um desterrado em Fernando de Noronha”, além de milhares de artigos no baú da “Tribuna da Imprensa”.
Helio respirava política e trabalhou pela reconciliação de JK e Lacerda quando os dois rivais, que apoiaram o golpe de 1964, viram-se na mira da ditadura que ajudaram a instalar.
A primeira reunião da Frente Ampla ocorreu na casa do jornalista, no Rio, em 22 de agosto de 1966. O movimento foi sufocado pelos militares, e JK e Lacerda morreram sem ver a redemocratização do país. Helio morreu na mesma casa, na madrugada de quarta, aos 100 anos.
Merval Pereira: Política nos quartéis
Caminhamos para uma disputa eleitoral em 2022 com as Forças Armadas sendo utilizadas pelo presidente Bolsonaro como instrumento político, o que não dá certo em lugar nenhum do mundo democrático.
O presidente mistura a incitação de seus militantes contra governadores e o Supremo Tribunal Federal com uma suposta defesa dos militares.
“Vou ficar sozinho nessa briga? O meu exército, que tenho falado o tempo todo, é o povo. Sempre digo que devo lealdade absoluta ao povo brasileiro”, inclusive ao Exército, salientou. “Eu faço o que vocês quiserem. Essa é a minha missão de chefe de Estado”.
Numa irresponsável atitude política, ele tem lançado ao ar em suas lives ameaças e advertências: “Até quando nossa economia vai resistir? Que, se colapsar, vai ser uma desgraça. O que poderemos ter brevemente? Invasão aos supermercados, fogo em ônibus. Greve, piquetes, paralisações. Aonde vamos chegar?", perguntou recentemente.
Qualquer outro poderia ser acusado de estar encorajando populares a atitudes radicais, especialmente um presidente da República, cuja missão é liderar a sociedade diante de uma catástrofe como a pandemia de COVID-19.
Para complicar, Bolsonaro colocou em pauta o Estado de Sítio, medida drástica diante de um perigo iminente de declaração de guerra ou convulsão social. Justamente o que pode acontecer se o presidente da República continuar a incitar a população a não respeitar os atos dos governadores.
Toque de recolher, que alguns Estados como São Paulo estão adotando, e também o Distrito Federal, nada tem a ver com Estado de Sítio, e ele sabe disso, está apenas criando um clima de instabilidade no país, com objetivos evidentes.
A anulação da condenação do ex-presidente Lula por decisão monocrática do ministro Edson Fachin, tornando-o novamente elegível e, em consequência, forte candidato à sucessão presidencial, trouxe de volta os ataques ao Supremo Tribunal Federal nas redes sociais, e a inquietação nos meios militares com a possibilidade de sua eleição.
Nas Forças Armadas – e no Exército em particular -, há muita rejeição a Lula e ao PT, e agora que os processos do ex-presidente voltaram atrás, vai ficar difícil se essa rejeição passar a ser uma arma da retórica de Bolsonaro sobre o Exército.
O presidente já esboçou uma “defesa” do General Villas Boas, muito criticado por ter admitido que o tuíte que soltou na véspera da sessão do Supremo que analisaria um habeas corpus a favor de Lula foi um aviso dos militares, cujos comandantes teriam sido consultados, para que não soltassem Lula.
Não creio que a maioria que votou a favor da manutenção da prisão do ex-presidente o tenha feito com receio de uma reação dos militares, cuja intervenção na decisão da Corte foi rejeitada, naquela ocasião, pelo decano do Supremo, ministro Celso de Melo, num discurso histórico.
Agora, com a decisão de enviar todos os processos de Lula para a Justiça do Distrito Federal, anulando as condenações sem anular as investigações e as provas, voltou o fantasma de Lula a atormentar os militares.
Bolsonaro aproveitou-se disso para sair em defesa do General Villas Boas, como se as críticas fossem uma ofensa pessoal, e não a manifestação democrática de repúdio a uma intervenção indevida. Além das mentiras, o mais grave das declarações de Bolsonaro é ele se referir ao “meu Exército”, um hábito que não é coibido.
Volta e meia Bolsonaro relembra ser o comandante em chefe das Forças Armadas – e realmente é -, como se o status concedido pela Constituição ao presidente da República lhe permitisse usá-las como instrumento político. Infelizmente, os militares não reagem a esse abuso, nem mesmo quando fez comícios em frente ao quartel general do Exército em Brasília, ou quando incentiva ataques ao Congresso e ao STF.
Por reação, imagino que militares de alta patente pudessem sair do ministério, para deixar claro que este não é um governo dos militares.
Essa utilização política das Forças Armadas nada tem a ver com a democracia. Os militares não podem se transformar em uma espada de Dâmocles sobre a política brasileira, escolhendo quem pode ou não pode concorrer à presidência da República. O comandante do Exército, General Pujol, tem razão quando diz que a política não deve entrar nos quartéis. Bolsonaro faz ouvidos moucos.
Luiz Werneck Vianna: 'Desertificação da política é o legado da Lava Jato',
Para cientista político, operação ‘morre’ pelos próprios erros, como ações 'messiânicas' e querer 'salvar o País'
Wilson Tosta, O Estado de S. Paulo
RIO - Depois que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e considerou a 13.ª Vara Federal em Curitiba incompetente para julgá-lo, o cientista político Luiz Werneck Vianna afirmou ao Estadão que a Lava Jato "morreu de morte morrida". Para o professor da PUC-Rio, a ação dos procuradores da força-tarefa e do então juiz Sérgio Moro tinha objetivo "messiânico" – mudar o País pelo Código Penal –, durou demais e deu errado. Vianna descartou ainda a possibilidade de Moro ser candidato à Presidência, e disse que o combate à corrupção será tema "lateral" em 2022.
Que balanço faz desse processo, com a decisão de Fachin?
Demorou muito. Não é a primeira vez que a Justiça tarda e falha. Mas o fato é que a decisão é inatacável do ponto de vista jurídico. A Lava Jato não podia assimilar todos os casos de corrupção que estavam ocorrendo no País. Desde o começo, foi um erro monumental, em que juízes e procuradores jovens, eu diria provincianos, assumiram o papel de salvadores do País. Andaram estudando a operação que transcorreu na Itália (Mãos Limpas) e aplicaram aqui. Fizeram uma leitura descontextualizada da situação italiana. E mobilizaram a mídia como peça de sustentação. Acho que foi um erro.
Mas tudo que o STF está revendo foi aprovado pelo próprio STF. Por que a mudança agora?
Não creio que tenha sido uma manobra conspiratória. A Lava Jato… ela durou demais. Nasceu de uma concepção abstrusa, em que um pequeno núcleo de procuradores e juízes assumiu um papel messiânico, de salvação da política. Querer fazer política pelo Judiciário é um caminho ruim. E foi o que a “República de Curitiba” tentou. Pelo processo formal, os processos não deveriam ser vinculados a Curitiba, mas à Justiça Federal. Houve um erro humano. Desqualificou-se a política, os partidos, e ficamos em um deserto. O legado da “República da Lava Jato” é a desertificação da política.
Qual foi o ponto de virada, no qual se notou que a Lava Jato estava indo além do que poderia?
Foi um processo. Começa com a revisão da política da chamada condução coercitiva. Havia as prisões demoradas, a que eram submetidos os indiciados nas ações, ações cercadas de espetaculosidade. A mídia participou disso, de uma forma inteiramente franca e aberta. Não existiria "República de Curitiba" sem a mídia.
Essas prisões prolongadas muitas vezes foram confirmadas pelo Supremo…
Mas de outras vezes, não. A sociedade também não estava atenta ao que se passava, na medida em que a luta contra a corrupção encontrou guarida na alma popular. Encontrou legitimidade nos anseios escondidos, ocultos, da sociedade.
Os integrantes da Lava Jato atendiam a uma demanda social?
É, eles foram levados à desgraça pelo sucesso. Foi um grande sucesso, não é? Chegou-se até a especular uma candidatura de Moro a presidente da República.
Isso está afastado?
Está. Moro sai desse processo inteiramente desqualificado como juiz. Ele foi parcial.
Que saldo fica?
O saldo primeiro, para mim, é o de que não se deve combinar ação política com ação judiciária. São duas dimensões: a política é uma coisa, a Justiça é outra. Houve essa combinação esdrúxula, e deu no que deu.
Mas isso, de certa forma, continua, não? Porque agora, com a decisão de Fachin, a Justiça também interveio na política...
Ah, continua. Isso agora faz parte do nosso DNA. A política se judicializou no Brasil. Por falta de política, falta de partido. Não se veem medidas judiciais interferindo na questão sanitária brasileira? Na compra de vacina? No lockdown? Isso foi trazido para a política pelos erros da própria política. E agora dificilmente sai.
Quais são as consequências do retorno de Lula à política?
O fato é que, para escapar da polarização extremada, Bolsonaro e Lula, seria preciso que as forças do centro tivessem outra capacidade de interferir nos acontecimentos. Mas o centro está fraco também!
Existe centro na política, com chances de sucesso eleitoral?
Não sei se o centro vai se reconstituir. Ele pode se reconstituir para ter um papel marginal. Penso que, se o PT tiver maior lucidez, não vai ser o protagonista da sucessão. Seria, nessa minha projeção utópica, o construtor de uma frente de centro-esquerda. Ele participaria, evidentemente, ativamente. Agora, sem o papel principal. É possível? Ele não tem história disso. Sempre procurou ser o protagonista. E ficou claro, no discurso de Lula, que isso vai persistir.
Voltando à Lava Jato: a postura messiânica do Ministério Público e da Justiça acabou?
A Lava Jato está acabada. Morreu de morte morrida.
Não foi de morte matada?
Não.
Não foi o STF que matou?
Pode ter sido um golpe de misericórdia, mas estava morta. Passou da conta. Foi um projeto messiânico de salvação do Brasil pela reparação da criminalidade, pela punição, pela extirpação do crime. Isso é uma proposta fora de sentido. Os males do Brasil não são esses. Tem corrupção, sempre teve. É necessário que se combata a corrupção de outra forma, não de uma forma que comprometa todo o tecido político, como se fez. Queriam salvar o País por mecanismos judiciários, pelo Código Penal. Não é por aí.
Em 2022, um candidato com a bandeira do combate à corrupção seria então enfraquecido?
Olha, a bandeira da luta contra a corrupção não fará parte da próxima sucessão eleitoral de forma protagônica. Vai ser um tema adjetivo, lateral.
Folha de S. Paulo: Entenda a militarização do governo Bolsonaro e as ameaças que isso representa
Especialistas avaliam que presença militar na gestão federal desvia as Forças Armadas de seu papel constitucional
Géssica Brandino e Renata Galf, Folha de S. Paulo
Capitão reformado do Exército, o então deputado federal Jair Bolsonaro voltou às frentes militares em busca de apoio para sua candidatura à Presidência da República em 2018. No governo, deu às Forças Armadas um espaço inédito pós-redemocratização, colocando generais em postos-chave para o país.
À ampla presença militar se somam declarações recorrentes tanto por parte de Bolsonaro e seus apoiadores, quanto por parte dos próprios generais que compõem o governo, ora exaltando feitos do período da ditadura e emitindo mensagens dúbias sobre o regime, ora atacando os demais Poderes.
Em recente entrevista à Folha, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, apontou que a militarização do governo civil é um dos sete sintomas de um processo de corrupção da democracia no país.
Entenda como a remilitarização do governo pode corromper a democracia nacional.
Como a participação militar no governo Bolsonaro se compara com a de governos anteriores no pós-ditadura? A Constituição Federal estabelece que cabe às Forças Armadas a defesa do país contra ameaças externas e, por iniciativa dos Poderes da República, da lei e da ordem. Não há previsão de atuação política por seus integrantes.
Oprofessor Alcides Costa Vaz, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e coordenador do Gepsi (Grupo de estudos em política e segurança internacional), diz que a presença dos militares em ministérios foi reduzida com a criação do Ministério da Defesa, em 1999, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Até então, havia três ministérios separados para abrigá-los, o do Exército, o da Marinha e o da Aeronáutica.
As Forças Armadas permaneceram focadas no cumprimento de seus papéis constitucionais, até a instauração da Comissão Nacional da Verdade, criada em 2012 no governo de Dilma Rousseff para investigar crimes do regime militar.
“A partir do momento em que os termos dessa convivência se alteram, esse sentimento contrário à esquerda e uma expressão clara do antipetismo, toda uma perspectiva de natureza ideológica aflorou, se revigorou”, destaca Vaz, que é ex-diretor da Associação Brasileira de Estudos de Defesa.
Já outros especialistas ouvidos pela Folha discordam de que as regras democráticas foram aceitas pela instituição.
Para o professor de ciência política da UFMG, Leonardo Avritzer, autor do livro “Política e Antipolítica: a Crise do Governo Bolsonaro”, o elemento mais grave dessa conjuntura foi a revelação de que um tuíte do general Villas Bôas pressionando o STF em 2018 teve origem de uma reunião da cúpula do Exército.
Outro exemplo citado por ele é a nota do Clube Militar divulgada após a confirmação pela Câmara da prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), em que afirmam que grande parcela da população tem saudades da ditadura. "O Clube Militar representa bem os militares brasileiros? É muito difícil dizer quem representa e quem não representa, mas claro que aquilo ali é uma expressão muito forte daquilo que se pensa [entre os militares]", avalia ele.
"Então o problema é esse, ou seja, os militares brasileiros, pela história deles, pela maneira como eles formam pessoas nas escolas militares e pela maneira como eles se comportam estando no poder, não nos levam a achar que eles são parte da institucionalidade democrática do Brasil", diz Avritzer.
Samuel Vida, advogado e professor de direito da UFBA (Universidade Federal da Bahia), considera que o Brasil nunca chegou a ser uma democracia consolidada e que a militarização, por exemplo, sempre foi uma realidade para determinados grupos, particularmente as populações negras e indígenas
“Se nós analisarmos as políticas de segurança pública no Brasil, assim como se nós analisarmos a gestão dos conflitos no campo, (...) vamos encontrar uma presença militar, no sentido amplo, não só das Forças Armadas, mas também das polícias militarizadas que atuam nos estados e que é muito anterior a essa conjuntura. Ou seja, a militarização da política no Brasil é um fenômeno antigo quando você focaliza nas comunidades indígenas e negras."
ACOMPANHE A SÉRIE DE REPORTAGENS SOBRE O ESTADO DA DEMOCRACIA
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Qual o espaço das Forças Armadas no governo Bolsonaro? Além de escolher como vice o general Hamilton Mourão, Bolsonaro também nomeou generais para ministérios. O general Walter Braga Netto, por exemplo, é o primeiro a comandar a Casa Civil, desde 1981, quando Golbery do Couto e Silva deixou o cargo.
Além dos postos no alto escalão, do início de seu mandato até julho de 2020, Bolsonaro tinha aumentado em 33% a presença de militares da ativa no governo, com mais de 2.500 integrantes em cargos comissionados em 18 órgãos. Dos 21 ministros de Bolsonaro, seis são das Forças Armadas.
Se confirmada a nomeação do general da reserva Joaquim Silva e Luna para a Petrobras, mais de um terço das estatais federais controladas pela União terão comando militar.
Na última quinta-feira (25), o presidente também decidiu que o almirante Flávio Rocha deve acumular a chefia da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e o comando da Secom (Secretaria de Comunicação Social), hoje chefiada pelo empresário Fabio Wajngarten.
Quais são as pautas pró-militares do governo? O presidente Bolsonaro tem sido fiel à promessa de ampliar o armamento no país e não tem feito cortes ao orçamento do Ministério da Defesa como em outras áreas.
No primeiro dia do ano de 2021, por exemplo, ao sancionar com vetos a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que serve como guia para o Orçamento, o governo preservou os principais projetos estratégicos das Forças Armadas, entre eles o de uma Escola Superior de Defesa.
Os militares também foram poupados na reforma da Previdência, preservando privilégios em relação a outros grupos de trabalhadores.
Em outro episódio corporativista, diante da queixa de militares, o presidente voltou atrás dois dias após editar uma norma que acabava com a promoção por critério de antiguidade para o posto de coronel —o último antes da patente de general no Exército.
Quais as consequências da militarização do governo para a democracia? Para Vera Karam, professora de direito constitucional da UFPR e pesquisadora do CNPQ, ao integrar o governo civil os membros das Forças Armadas podem imprimir uma lógica antidemocrática à gestão, sem que haja necessidade de um golpe.
“Esses militares que hoje ocupam postos no governo também se alimentam dessa memória da ditadura militar para justamente imprimir uma racionalidade antidemocrática, de exceção”, diz.
Doutora em filosofia e presidente do Instituto Liberal do Nordeste, Catarina Rochamonte, que é colunista da Folha, diz que a presença notória dos militares, especialmente no Ministério da Saúde, indica que Bolsonaro quer nomear pessoas servis e que há um processo de 'venezuelização' do Brasil.
“Estamos entrando num chavismo à direita, porque na Venezuela a coisa começou assim."
Para Samuel Vida (UFBA), a militarização da política vai além do governo Bolsonaro.
“Não se pode pensar a militarização apenas a partir do momento que o general Pazuello é nomeado para a Saúde, ou outros generais para outros postos. Esse é um fenômeno de agudização, de exacerbação, de uma prática que já vem de longa duração sendo tolerada quando os atingidos são negros e indígenas.”
Como a interferência na gestão da Petrobras e a nomeação de Pazuello para o comando da Saúde, um general da ativa, entre outros episódios, refletem nas Forças Armadas? Professor titular sênior da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) que estuda as Forças Armadas, o cientista político João Roberto Martins Filho afirma que a cobertura da imprensa passou da esperança de que os militares poderiam ter uma atuação técnica e capacidade de tutelar o presidente para a constatação de que isso é impossível.
“A sociedade está mais ou menos farta dessa, vamos dizer, da entrada maciça dos militares no governo e há muito pouca evidência de que eles querem sair”, diz.
Como estratégia para tentar diminuir a vinculação dos integrantes do governo das Forças Armadas, há pressão para que Pazuello adiante sua aposentadoria e passe a reserva —como fez o ministro-chefe da Secretaria de Governo, o general Luiz Eduardo Ramos—, mas ele já sinalizou que não pretende fazer isso.
Quais as consequências da declaração do general Villas Bôas para o relacionamento entre os Poderes? Em recente entrevista para um livro, o general Eduardo Villas Bôas revelou que a cúpula do Exército, então sob o seu comando, articulou um tuíte de alerta ao Supremo antes do julgamento de um habeas corpus que poderia beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018.
Lula acabou tendo o pedido negado pelo plenário do Supremo e, no dia 7 de abril, foi preso e levado para Curitiba. Deixou a prisão 580 dias depois, após o STF derrubar a regra que permitia prisão a partir da condenação em segunda instância.
O professor Vaz classifica como muito grave a revelação de que a cúpula do Exército participou da redação daquela mensagem.
“É o sintoma de uma politização que, neste caso, é nefasta, porque de alguma forma ela fere pressupostos fundamentais. É como você legitimar, em nome de um posicionamento político, a quebra, o rompimento das regras mais estruturais do processo democrático e da convivência e harmonia entre os poderes”, afirma.
João Roberto concorda. “Essa postura de se colocar como um Poder da República, que responde, que dialoga, que pressiona o Poder Judiciário, que julga o Judiciário, que julga os políticos, ela é uma postura extremamente nociva e anticonstitucional. É claríssimo isso. Não está previsto na Constituição”.
Desde que Bolsonaro assumiu a Presidência, a tese de intervenção das Forças Armadas a partir do artigo 142 da Constituição foi evocada em diversos momentos. Apesar de tal interpretação já ter sido rejeitada pelo Supremo, o que sua presença no debate público representa? Em momentos de pressão, Bolsonaro costuma radicalizar o discurso na tentativa de fidelizar a sua base de apoio mais fiel e relaciona a democracia do país à vontade das Forças Armadas.
Em maio de 2020, por exemplo, manifestantes bolsonaristas usaram faixas com uma menção em postagem em rede social pelo presidente ao artigo 142 da Constituição, que trata do papel das Forças Armadas na República, alimentando uma série de discussões.
Apoiadores extremistas do presidente afirmavam que esse trecho da Carta dá respaldo para uma eventual intervenção militar, tese repudiada por instituições como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a Câmara dos Deputados.
Esse trecho da Constituição disciplina o papel dos militares no país. Diz o seguinte: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
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Para especialistas ouvidos pela Folha, falas de generais que integram o governo, assim como a declaração de Villas Bôas, mostram que a visão de um poder moderador tem apoio na instituição.
“O mais preocupante é que eu acho que a maioria dos generais vê as Forças Armadas como um poder moderador. Embora as Forças Armadas não contemplem um golpe de estado tradicional, elas partem da ideia de que são mais capazes que os civis de resolver os problemas para o país”, diz João Roberto.
Samuel Vida também acredita que haja uma legitimação crescente de que militares são adequados para resolver problemas.
“A gente sabe que o treinamento militar para resolver problemas é todo dirigido pela lógica da violência. A democracia exige exatamente outro tipo de lógica, do diálogo, da tolerância, da escuta do outro, da negociação, da busca por alternativas.”
Em 2020, o número total de policiais e militares eleitos aumentou em todo o Brasil. A quantidade de comandantes de cidades com origem em forças de segurança cresceu 39% em 2020 na comparação com a eleição municipal de 2016.
Alcides Vaz completa que faz parte do etos militar a visão de guardião da pátria, pelas funções onstitucionais que exercem, mas há uma extrapolação nefasta quando lideranças das Forças Armadas julgam ter credibilidade e legitimidade para dizer o que é bom ou não para o país.
“Essa sensação com que a gente convive agora: há ou não há um espectro de uma intervenção militar; Quando isso ocorre num governo de uma pessoa que fala abertamente disso, que decanta isso, de fato são fundamentadas as razões de preocupação sim”, diz.
O apoio de militares ao governo de Jair Bolsonaro deve continuar em 2022? Até o momento, a previsão é a de que esse apoio será mantido no pleito no qual o presidente buscará a reeleição. Embora não esteja claro o que pode acontecer caso Bolsonaro perca as eleições, a análise de especialistas é que, caso isso ocorra, as Forças Armadas devem voltar aos seus deveres constitucionais.
MINISTROS MILITARES DE BOLSONARO
Origem nas Forças Armadas
Casa Civil
Walter Souza Braga Netto, general da reserva do Exército
Secretaria de Governo
Luiz Eduardo Ramos, general da reserva do Exército
Gabinete de Segurança Institucional
Augusto Heleno, general da reserva do Exército
Defesa
Fernando Azevedo e Silva, general da reserva do Exército
Saúde
Eduardo Pazuello, general do Exército
Ciência e Tecnologia
Marcos Pontes, tenente-coronel da reserva da Aeronáutica
Minas e Energia
Bento Albuquerque, almirante da Marinha
Infraestrutura
Tarcísio de Freitas, capitão da reserva do Exército
Controladoria-Geral da União
Wagner Rosário, capitão da reserva do Exército
Bruno Boghossian: Política, vaidade e perversidade de Bolsonaro custam vidas ao país
Presidente trata pandemia como jogo pelo poder e usa governo para buscar glórias individuais
Jair Bolsonaro nunca escondeu as razões de sua campanha para sabotar o combate ao coronavírus. Ainda nas primeiras semanas da pandemia, o presidente foi ao ataque contra governadores que implantaram medidas de restrição para conter a doença e disse estar no meio do que chamou de "luta pelo poder".
"É essa a preocupação que eu tenho. Se a economia afundar, afunda o Brasil. Se afundar a economia, acaba com meu governo", disse à rádio Bandeirantes, em março de 2020.
Quase nada mudou desde então. Enquanto brasileiros morrem aos milhares a cada semana, o presidente continua tratando a pandemia como um jogo político. Na sexta (26), em visita ao Ceará, Bolsonaro disse que "o povo não consegue mais ficar dentro de casa" e culpou seus adversários ("esses que fecham tudo e destroem empregos").
Essa politicagem barata é alimentada pela vaidade doentia do presidente. Bolsonaro foi capaz de transformar um assunto crítico como a busca pela vacina numa contenda particular: para desviar os holofotes do rival João Doria, ele adiou a compra da Coronavac e até comemorou o suicídio de um voluntário dos testes do imunizante.
A mesma lógica submete o país ao messianismo mortífero de Bolsonaro. Em busca de glória, o presidente mobiliza a máquina do governo para fabricar curas milagrosas que possam levar seu nome. Assim, desperdiça tempo e dinheiro atrás da cloroquina e do spray nasal israelense —ambos sem eficácia comprovada.
Além do político e da vaidade, os brasileiros também são reféns da perversidade delirante do capitão. Bolsonaro é um dos únicos líderes do mundo que produzem aglomerações inúteis e investem contra medidas básicas de proteção.
Na última semana, ele voltou a fazer propaganda de supostos "efeitos colaterais" do uso de máscaras, com base numa enquete alemã de baixo rigor científico. Autoridades sanitárias, porém, insistem que o equipamento de proteção é essencial. As atitudes de Bolsonaro custam vidas.
Hélio Schwartsman: Pazuello, o verdadeiro mito
Qual é o general que consegue infligir mais de mil baixas por dia ao longo de mais de um mês sem disparar um único tiro?
A palavra “ironia” vem do grego “eironeía”, com o significado de “dissimulação”, “falsa ignorância”. O termo parece ter origem no teatro. “Eíron” é um personagem-estereótipo recorrente nas comédias gregas que, valendo-se da modéstia e até da autodepreciação, sempre desmascara “alazón”, que faz as vezes do impostor ou do fanfarrão.
Modernamente, a ironia costuma ser definida como o artifício retórico que embaralha os significados reais e aparentes das coisas para provar uma tese, enfatizar um argumento ou apenas para fazer rir.
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Estão pegando pesado com o Eduardo Pazuello, tentando desmerecer suas capacidades logísticas só porque ele deixou faltar oxigênio em Manaus, mandou as vacinas do Amazonas para o Amapá e as do Amapá para o Amazonas e se esqueceu de comprar imunizantes, seringas e agulhas para a campanha de inoculação contra a Covid-19, para a qual outros países se preparam desde o início da pandemia.
Esses críticos se esquecem de que o ministro Pazuello é um general do Exército, e, como qualquer criança sabe, exércitos existem para matar pessoas. Sob essa chave interpretativa, o que parecia fracasso torna-se um retumbante sucesso. Qual, afinal, é o general que consegue infligir mais de mil baixas por dia ao longo de mais de um mês sem disparar um único tiro? Pazuello é que é o verdadeiro mito. O outro é um mero amador.
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“É simples assim. Um manda e o outro obedece”, obtemperou com sabedoria o general após ter sido desautorizado pelo capitão (reformado) no episódio da compra de vacinas do Instituto Butantan.
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Um terceiro personagem arquetípico das comédias gregas é “bomolóchos”, que é mais ou menos o nosso bufão.
Janio de Freitas: Estapafúrdio produzido por Bolsonaro e apoiado por generais tem a ver com intenções definidas
Intenções inconfessas que enlaçam as atitudes do presidente têm corrido sem dificuldade
A incógnita mais expressiva, dentre as muitas atuais, é simples como formulação e inalcançável na resposta. Dado que estão explicitados os indícios de golpismo e a incompetência espetaculosa dos militares no governo, o que fará o Exército na possível transformação da pandemia em tragédia de massa, um país sufocado pela peste, carente de tudo menos de morte?
A marca de um ano exato do primeiro caso de Covid-19 no Brasil encontrou os estados em desespero com o recorde de casos e a ausência de leitos, vacinas, pessoal e outros recursos. Uma antevisão das previsões e alertas que as vozes mais competentes estão fazendo, inclusive a Organização Mundial da Saúde, caso persista o incentivo de Bolsonaro e do seu governo à calamidade.
O já célebre depoimento do general Eduardo Villas Bôas sobre a ameaça que fez ao Supremo, em nome do Exército, é claro na desmistificação da conversão desses militares ao Estado constitucional de Direito e à democracia.
Ressalva a fazer-se é a ausência até de mera informação aos comandos da Marinha e da FAB sobre a ameaça, como dito pelo entrevistado. Risco de discordância, é claro. E isso, não sendo certeza, pode ser indício de promissora evolução na Marinha e na FAB, oficialidades muito mais dotadas de preparo geral, para civilizar-se, do que no Exército.
Já é bem difundida a impressão, ou a convicção, de que todo o estapafúrdio produzido por Bolsonaro e apoiado pelos generais tem a ver com intenções definidas. Há bastante coerência nos atos amalucados, que são bem aceitos pelos generais também por uma comunhão não declarada nem gratuita.
A propaganda do falso tratamento com cloroquina cedo se mostrou como objetivo. Não só para desacreditar as recomendações científicas. Também para ações de governo que custaram milhões ao dinheiro público —e aí estava o Exército a fabricar quantidades montanhosas da droga enganadora.
O próprio Ministério da Saúde, o mais militarizado setor civil da administração pública, foi posto como indutor da droga ineficaz. Bolsonaro continua condenando as máscaras e estimulando aglomerações. E, sobre tudo o mais, a sabotagem a vacinas excedeu a incompetência. É muito mais e muito pior.
Por trás disso houve e há algo. Esse desatino não resistiria, para chegar à dimensão que alcançou, sem um propósito a sustentá-lo.
Não faz sentido o envolvimento, sem motivações especiais, de um governante em propaganda de remédio e em combate ao conhecimento científico provado e comprovado. Com esse meio de disseminar a morte, porém, combina-se um outro de fim idêntico.
No seu primeiro ato pela difusão da posse de arma, Bolsonaro alegou direito da cidadania de se defender. Sucessivos agravamentos dessa facilitação à criminalidade chegaram, agora, ao desmentido definitivo do propósito apresentado por Bolsonaro: novos decretos permitem até 15 armas para o cidadão comum, 30 armas para quem se apresente como caçador, 60 armas para quem se registre como atirador, munição a granel. Arsenais sem relação alguma com defesa pessoal. Mas não sem objetivo de quem os libera e dos militares, em especial do Exército, que dão o apoio.
As intenções inconfessas que enlaçam as atitudes de Bolsonaro, em temas como a pandemia e o armamento de civis, têm corrido sem dificuldade. Mas alguma coisa mudou nas últimas semanas. O Supremo mudou. Por quanto tempo e se para ser supremo sem temor e sem prazo, no momento, importa menos. Aproveite-se enquanto dure, que a necessidade do país é extrema.
Quando quatro ministros do STF decidiram trabalhar nas férias de dezembro e janeiro, a boa novidade foi noticiada como precaução contra propensões do recém-eleito presidente Luiz Fux. Revelou-se muito mais do que isso.
De Ricardo Lewandowski vieram, e continuam vindo, decisões que enfrentam desvios na política antivacinas do governo, o mesmo quanto às mais recentes revelações de ordinarices judiciais, políticas e policiais na Lava Jato, e outras de mesmo peso.
Alexandre de Moraes encarou, e não tem cedido nem milímetros, as ameaças ao Supremo, as patifarias nas redes, os indícios que recaem na Presidência da República.
Rosa Weber deu ao governo cinco dias, expirados ontem, para justificar o pacote das armas. Edson Fachin tomou a defesa verbal do Estado de Direito. E vai o Supremo por aí, ou parte dele, mudado, posto de pé e cabeça erguida.
Os negociantes do Congresso continuam negociando. O poder econômico, idem. Se a defesa da democracia não vier do Supremo, talvez só tenhamos resposta para a incógnita de Bolsonaro sob a forma de fato consumado. E a pandemia, como se agrava aqui, facilita.
O Globo: Bolsonaro dobra presença de militares em cargos estratégicos no governo
Em setembro de 2020, 342 egressos das Forças Armadas ocupavam cargos comissionados nas maiores faixas de remuneração da máquina federal, em postos de coordenação, diretoria, secretaria ou de ministro
Maiá Menezes, Bernardo Mello e Marlen Couto, O Globo
RIO — Em paralelo a crises vividas pelo presidente Jair Bolsonaro, a presença de militares em funções de comando nos ministérios praticamente dobrou nos últimos dois anos. Em setembro de 2020, 342 egressos das Forças Armadas ocupavam cargos comissionados nas maiores faixas de remuneração da máquina federal, em postos de coordenação, diretoria, secretaria ou de ministro. Em janeiro de 2019, início do governo, eram 188 militares nessas funções. Dois movimentos feitos pelo governo nos últimos dias vão aprofundar a participação: o general Joaquim Silva e Luna foi indicado para a presidência da Petrobras, enquanto o almirante Flávio Rocha deve ser o novo chefe da Secretaria Especial de Comunicação (Secom).
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Os dados foram obtidos em levantamento dos gabinetes do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e da deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) e atualizados pelo GLOBO. Além do Ministério da Defesa, que habitualmente abriga membros de Exército, Marinha e Aeronáutica, pastas como Saúde e Meio Ambiente registram avanços significativos. Para especialistas, o salto ignora a necessidade de experiência prévia em áreas sensíveis, como o combate à pandemia da Covid-19 e o controle do desmatamento, e expõe a dificuldade de Bolsonaro em articular uma base.
Ao longo das gestões de Dilma Rousseff e Michel Temer, o percentual de ocupação desses cargos não passou de 2,5%. No governo Bolsonaro, em setembro, havia presença militar em 6,5% dos postos com remuneração bruta entre R$ 6 mil e R$ 16,9 mil. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), há, ao todo, 6,1 mil militares em funções civis no governo federal — em 2017, havia 3 mil.
Ordens cumpridas
Para o cientista político Maurício Santoro, da Uerj, a ampliação do espaço de militares, inicialmente ligada à tentativa de criar uma imagem “técnica” do governo, passou a obedecer uma lógica de crises.
— Os militares passaram a assumir as tarefas ideologicamente controversas. Assumiram a Saúde porque o presidente não encontrava médicos dispostos a implementar uma visão negacionista. Entraram no Ibama, onde Bolsonaro tinha problemas com sua política ambiental. Também é o que ocorre, em parte, na Petrobras — diz Santoro.
A mudança na petroleira, após insatisfação de Bolsonaro com o aumento do preço dos combustíveis, é citada pelo cientista político Christian Lynch como exemplo de uso dos militares como “interventores”. Atuar para conter a subida de preços é uma medida simpática aos caminhoneiros, base eleitoral do presidente.
— Bolsonaro tenta dar uma impressão ordeira para seu eleitorado, mas o que importa mesmo a ele é que cumpram suas ordens em assuntos que podem afetar sua reeleição. Por isso, se cerca dos militares que compartilham deste projeto político — afirmou.PUBLICIDADE
No conselho de administração da Petrobras, no qual Silva e Luna também deve ingressar, há dois militares indicados por Bolsonaro. A participação também ocorre em estatais como Eletrobras e Correios, nas quais há promessa de privatização — esta última é presidida por um militar.
Após um primeiro ano de governo marcado por quedas de popularidade e pelo avanço de investigações contra a família de Bolsonaro, a Presidência da República teve o maior incremento entre todos os órgãos, com nomeações de 34 militares para postos estratégicos. O principal deles foi a chefia da Casa Civil, assumida pelo general Braga Netto em fevereiro de 2020. Flávio Rocha, nomeado secretário de Assunto Estratégicos na mesma época, agora é cotado para a Secom. O Ministério do Meio Ambiente, criticado em meio a recordes de queimadas, teve nomeações de militares nas superintendências do Ibama no Amazonas, Amapá, Pará, Mato Grosso do Sul e Rio. A presença cresceu até agosto de 2019 e voltou a subir no início de 2020, na sequência do período mais crítico na Amazônia.
— Em geral, essas pessoas ocupam cargos de altíssimo nível, sem entender sua especialidade. Conforme a crise cresceu, aumentou-se o número de militares na Saúde — exemplificou a deputada Tabata Amaral.
A pasta da Saúde é hoje a terceira área com mais militares no governo, atrás apenas da Defesa e da Presidência. O ministro Eduardo Pazuello, general da ativa, nomeou 21 dos 30 militares nesses postos. Para Gonzalo Vecina, ex-presidente da Anvisa e professor de Saúde Pública da USP, eles carecem de “domínio total”da área de atuação.
— Há também uma lógica de comando em que falta espaço para o diálogo, sempre essencial na Saúde — afirma.
Entre os militares do time de Pazuello, há exemplos de descumprimento de medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) contra a Covid-19. O major da reserva Angelo Martins Denicoli, nomeado no fim de maio como Diretor de Monitoramento e Avaliação do SUS, fez publicações encorajando o uso da cloroquina, remédio sem comprovação científica contra o coronavírus. Denicoli tem formação em Educação Física, MBA em Economia e Gestão e atuou na Comissão de Desportos do Exército.
“Campo desconhecido”
Pazuello também nomeou três coordenadores distritais de Saúde Indígena que não informam, em seus currículos, experiência na área: o capitão da reserva Gildo Henrique de Azeredo, no Distrito Especial de Saúde Indígena (DSEI) Xavante; o capitão Eloy Ângelo dos Santos Bernal, no DSEI Porto Velho; e Joe Saccenti Junior, coronel da reserva, à frente do DSEI Mato Grosso do Sul. O trio está subordinado ao secretário especial de Saúde Indígena, o coronel da reserva Robson Santos da Silva, nomeado por Luiz Henrique Mandetta, e que se apresentava como consultor em educação a distância.
— Mais importante até do que a formação é a experiência em gestão na área de Saúde, o que não se vê nesses militares. No caso da Saúde Indígena, não estão conseguindo aplicar todas as doses de vacina destinadas às aldeias. Falta compreensão das políticas públicas — afirmou o infectologista Julio Croda, ex-diretor de Vigilância em Saúde.
O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão enxerga “incompatibilidade” na trajetória dos militares.
— O departamento de Monitoramento do SUS acompanha indicadores de saúde muito específicos. Já a Atenção Especializada atua em transplantes, com hospitais de excelência e tratamentos como hemodiálise. Os escolhidos foram nomeados para um campo desconhecido para eles.
O Ministério da Saúde disse adotar “critérios técnicos” para as nomeações e que conta com “um corpo técnico de servidores qualificados que mantêm a normalidade das atividades da pasta”. (Colaborou Raphaela Ribas)
Merval Pereira: Os extremos se encontram
O conselheiro da Petrobras Marcelo Mesquita, em entrevista à GloboNews, fez um comentário lateral sobre a crise na estatal, com a tentativa do governo Bolsonaro de controlar os preços dos combustíveis, que se torna fundamental quando se olha o quadro de maneira mais abrangente. Disse ele que “se fosse o PT, nós sabemos que teríamos esse problema há dois anos”, referindo-se à política do governo Dilma Rousseff na mesma direção.
Não é à toa que o PT está defendendo a intervenção do governo, e até mesmo o ex-ministro Aloizio Mercadante elogiou o general Joaquim Silva e Luna como “um militar nacionalista”. Há muitos pontos de contato entre visões de mundo autoritárias. Lula deu uma entrevista recente apoiando Bolsonaro quando ele critica o jornalismo profissional. Os dois se sentem atingidos pelas críticas e denúncias.
Tanto Bolsonaro quanto o PT consideram que o indutor do crescimento nacional é o governo e usam as estatais com tal objetivo, mesmo que já tenha sido provado na prática que o resultado é nulo. Mesquita lembrou que a Petrobras teve que pagar US$ 3 bilhões para encerrar uma ação de investidores internacionais (class action), quando o governo Dilma segurou o preço dos combustíveis com o intuito de conter a inflação.
Noutros governos, como o de Fernando Henrique Cardoso, houve essa tentativa, frustrada, uma das vezes quando o ex-ministro José Serra era candidato à Presidência em 2002 e queria que o ministro da Fazenda, Pedro Malan, segurasse os aumentos de combustíveis durante a campanha.
Agora o presidente Bolsonaro anuncia que vai “colocar o dedo” na eletricidade, o que geralmente dá choque nos governantes que tentam. Também a ex-presidente Dilma controlou o preço da eletricidade na canetada, e o resultado foi que, mais adiante, o repasse teve que ser feito de maneira mais acentuada, e até hoje a Eletrobras ainda sofre com o rombo provocado naquele tempo.
Na medida provisória que permite ao BNDES estudar a privatização da estatal de energia — o que parece mais um gesto simbólico do que realidade —, há o sistema de capitalização com a intenção desfazer o rombo nas tarifas das usinas da Eletrobras da época de Dilma. Com isso, a empresa pode vir a recuperar sua capacidade de investimento. Mas técnicos admitem que um impacto para cima nas tarifas haverá, seja ela privatizada ou não.
As trapaças da sorte levaram a que tanto Bolsonaro quanto o PT tivessem inimigos comuns, como o ex-ministro Sergio Moro, e métodos semelhantes para tentar se livrar das acusações de corrupção que atingem Lula e Flávio Bolsonaro. O caminho da anulação de provas, ou de julgamentos, leva ao mesmo objetivo: conseguir nos tribunais superiores (STJ e STF) a alforria dos seus.
A razão pela qual a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou as provas contra o hoje senador Flávio Bolsonaro, uma justificativa insuficiente do juiz de primeira instância para autorizar quebra de sigilo, é uma tecnicalidade semelhante à que levou à anulação do processo conhecido como Castelo de Areia, que envolvia empresários e políticos: a investigação se originou numa denúncia anônima.
Mas, quando se quer beneficiar alguém, aceitam-se até provas ilícitas, como no processo que julga uma denúncia de parcialidade contra o então juiz Sergio Moro. A decisão da 2ª Turma do Supremo, que deve ser contra ele, vai anular a condenação do ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá e poderá levar de roldão todos os demais julgamentos em que ele foi condenado. E até outras condenações de réus da Lava-Jato.
Assim como a anulação das provas pode levar a investigação contra Flávio Bolsonaro à estaca zero. É possível ampliar o entendimento da lei, como a Operação Lava-Jato fez durante cinco anos, com bons resultados. Mas também usar provas ilegais, como os diálogos entre os procuradores e o então juiz Moro, para absolver condenados. Mesmo que, sabendo da discutível utilização dessas provas, elas não apareçam nos votos dos ministros da 2ª Turma do STF, elas já foram divulgadas largamente para criar um clima contrário ao juiz. O mesmo que acusam os procuradores e o próprio Moro de ter feito. Desde que Bolsonaro partiu para a confrontação com Moro, surgiu um campo enorme de interesses comuns entre Lula e ele.
Mariliz Pereira Jorge: Instituições barram ímpetos golpistas do presidente, mas não de seus seguidores
Ataques de Bolsonaro a seus opositores empoderaram essa muito gente cafona e, certamente, desocupada
Depois do decreto que pretende flexibilizar o acesso às armas e que só tem o intuito de abastecer milícias bolsonaristas, temos mais um capítulo de “como as democracias morrem”. Um grupo criou uma tal Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil, que nada tem com a OAB, mas com o compromisso de intimidar críticos ao governo.
Por meio de um comunicado nas redes sociais, ameaça processar “todos” que ofenderem Bolsonaro, sua família e integrantes da administração: “vamos derrotar o mal”. O “mal”, como sabemos, é a liberdade de expressão garantida pela Constituição, que dá aos brasileiros o direito de fiscalizar, questionar, desaprovar e esculhambar até o ocupante do cargo mais importante do país.
Os ataques de Bolsonaro a seus opositores empoderaram essa muito gente cafona e, certamente, desocupada, que pretende promover uma cruzada contra políticos de oposição, artistas, professores e, claro, jornalistas, os que estão em primeiro plano na mira da seita criada pelo presidente.
Se o ministro da Justiça usa sua caneta para perseguir profissionais como está fazendo com meus colegas Ruy Castro e Hélio Schwartsman, por que um grupo de gente ressentida e ignorante, mas com diploma de advogado, não faria o mesmo? Sigamos o mestre, devem pensar.
Pode parecer meia dúzia de aloprados, mas é exatamente como têm sido tratados grupos envolvidos em manifestações pró-golpe militar e em disparos de fake news. As instituições, por enquanto, têm barrado os ímpetos golpistas do presidente, mas não podemos dizer o mesmo sobre seus seguidores. Somos testemunhas do como a democracia vem sendo corroída pelas bordas —e por gente aparentemente insignificante.
Sempre bom lembrar do vice-presidente Pedro Aleixo, em 1968, que foi a única voz discordante da atrocidade do AI-5. “O problema é o guarda da esquina.” Como sabemos, este governo está cercado cada vez mais de gente assim, em cada esquina do país.