Forças Armadas

Marcus Pestana: O falso dilema entre saúde e economia

Nenhum de nós poderia imaginar que o Brasil chegaria a mais de 345 mil mortes. Passamos os EUA em mortes diárias. A razão é simples: a diferença de ritmo na imunização. O SUS resiste heroicamente. A Saúde Suplementar dá respostas aos seus 47 milhões de usuários. Mas o horizonte de vacinação ainda é incerto.

Não havia registro de mortes por desassistência hospitalar. Agora, dada a velocidade de propagação das novas variantes do vírus, formaram-se filas para acesso às UTIs e muitos estão indo à óbito sem conseguir acesso a tratamentos intensivos. Sem falar na ameaça de desabastecimento de medicamentos essenciais como sedativos, anestésicos e anticoagulantes.

Paralelamente, estabeleceu-se a polêmica sobre a compra privada de vacinas, o que quebraria o sentido democrático e epidemiológico de organização das prioridades na fila de imunização.

Desde o início da pandemia, em março de 2020, erramos ao estabelecer um falso dilema entre saúde e economia. Cada um de nós só estará salvo, quando todos estiverem livres do vírus. Inclusive a economia. É natural a dificuldade de governadores e prefeitos para imporem medidas restritivas. Mais uma vez, faltou coordenação e sincronia. A decretação de lockdowns e assemelhados é necessária enquanto não superarmos o atraso na vacinação. Mas, as medidas de distanciamento social têm que ser acompanhadas de apoios compensatórios aos mais pobres e às empresas.

Temos boas notícias no front econômico para a retomada pós-pandemia. Votações importantes ocorreram no Congresso com a aprovação dos novos marcos legais do saneamento e do gás e das novas leis de falência e de licitações. Também o leilão das concessões de 22 aeroportos, agrupados em três lotes (Norte, Centro e Sul), com um ágio de 3.822% e investimentos da ordem de 6 bilhões de reais em trinta anos, foi um sucesso.

Mas nem tudo são flores e céu de brigadeiro na política e na economia. Felizmente a crise militar foi debelada e como disse o ex-ministro da Defesa, Raul Jungmann: “todos prestaram continência à Constituição”. Mas se há notícias boas, há também problemas. Primeiro, a discussão do OGU/2021 virou uma confusão generalizada e demonstrou a Torre de Babel que impera, às vezes, na interlocução entre o Governo e o Parlamento. Por outro lado, o Congresso entrou em abril com diversas propostas legislativas com sinalização equivocada, como por exemplo, o congelamento de preços de medicamentos e planos de saúde.

Ora, a economia de mercado pressupõe competição, sistema de preços relativos orquestrando a alocação de recursos, custos, sustentabilidade, liberdade econômica e regulação seletiva e eficaz. O Brasil para a retomada precisa enfrentar dois problemas fundamentais: o estrangulamento fiscal e a criação de um ambiente de negócios atrativo. Congelamentos geram disfunções como falências, desabastecimento e “mercado negro” e espantam investimentos. A Petrobrás praticou aumentos de 54% na gasolina e 22,7% no gás de cozinha. O óleo de soja aumentou 84,22% e o arroz, 69,01%. Temos que enfrentar corajosamente essa questão cultural, política e ideológica: queremos uma moderna economia de mercado ou vamos sempre cultivar a utopia de um Estado intervencionista e onipresente operando uma economia centralizada? A experiência histórica ensina qual é o melhor caminho.    

*Marcus Pestana, ex-deputado, federal (PSDB-MG)


Cristina Serra: Esquadrão da morte bolsonarista

O Brasil submerge no 'inferno furioso' da pandemia

Nesta semana, o esquadrão da morte bolsonarista conseguiu avanços importantes no Congresso. No Senado, a esperteza de um aliado garantiu a entrada em vigor das normas que facilitarão o acesso a armas e munições. Milícias, hostes militarizadas, criminosos em geral agradecem.

A Câmara aprovou projeto de lei que implode a fila única da vacinação e rasga o princípio da solidariedade social que orientou a criação do Sistema Único de Saúde. Ao permitir que empresas privadas comprem vacinas, institucionaliza a vacina "censitária", por critério de renda, não de vulnerabilidade.

O projeto, que ainda vai ao Senado, atende à mentalidade de capatazia do empresariado, que alega a necessidade de vacinar sua mão de obra. Se tem pouca vacina, que morram os velhos, os doentes, os mais fracos. É cruel assim. É bárbaro assim. Pensamento não muito distante da facção empresarial que se reuniu com o marginal da democracia em repasto noturno: bilionários da Forbes, o dinheiro grosso dos bancos, patrões da mídia e a bolorenta Fiesp.

A essa gente pouca importa que em algumas cidades o número de atestados de óbito já seja maior que o de certidões de nascimento e que possamos chegar ao meio milhão de mortos. Os empresários aplaudiram o genocida. Manifestaram "otimismo" e "tranquilidade" após ouvi-lo.

A falange religiosa do esquadrão, porém, sofreu derrota importante no STF. Foi inquietante assistir à pregação de André Mendonça, da AGU, a favor dos cultos presenciais em igrejas e templos. Com seus olhos vidrados e pausas teatrais, encarnou o pastor, não o representante de instituição laica. Felizmente, a Corte derrubou a pretensão de inspiração teocrática.

Decisão do ministro Barroso, contudo, acrescentou fator de imponderabilidade para os próximos dias ao determinar que o Senado instale a CPI da Covid. Enquanto isso, como disse um conselheiro da OMS, o Brasil submerge no "inferno furioso" da pandemia.


Hélio Schwartsman: O ocaso das CPIs

Elas se tornaram uma sombra daquilo que foram no passado

Parece-me corretíssima a liminar exarada por Luís Roberto Barroso, do STF, que determina a abertura da CPI da Covid-19 no Senado.

Os três requisitos legais para a instalação estão dados: assinatura de 1/3 dos senadores, existência de fato determinado a investigar e prazo de vigência. No mais, a decisão de Barroso está de acordo com a jurisprudência do Supremo, que já mandou abrir outras comissões no passado.

Comissões parlamentares de inquérito, vale lembrar, são um dos instrumentos à disposição das minorias para exercer a função de fiscalização de governos —uma das principais missões das oposições—, daí que nem a Constituição nem os regimentos admitem que seu funcionamento seja obstado pela vontade da maioria e muito menos pela do presidente da Casa.

CPI da Covid-19 é, portanto, muito bem-vinda. Não vejo, porém, como deixar de observar que as CPIs de hoje se tornaram uma sombra daquilo que foram no passado.

Com efeito, nos anos 90, elas nos permitiram acompanhar com lupa grandes escândalos, como no caso da CPI do Orçamento. Mesmo quando tratavam de temas menos explosivos, não raro saíam com recomendações úteis para aperfeiçoamentos legais.

Ocorre, porém, que a política, como tudo na vida, está sujeita às agruras da evolução. Percebendo o potencial de danos das CPIs, as maiorias passaram a trabalhar para contê-los. Um dos muitos caminhos para fazê-lo era ampliar o escopo da investigação e, para cada convocado com potencial de incomodar o governo, convocavam um que poderia criar embaraços à oposição. Com isso, entramos numa dinâmica semelhante à da corrida armamentista entre predadores e presas, o que acabou tirando muito da efetividade das CPIs.

Não diria que elas se tornaram inúteis. Os chiliques de Bolsonaro contra Barroso dão mostra de que ainda assustam. Mas eu não esperaria nada parecido com a CPI do PC Farias que derrubou Collor.


Demétrio Magnoli: Da vacina ao protesto

Se houvesse abundância vacinal e a obrigação de optar, qual delas eu escolheria?

 “Qual vacina devo tomar, doutor?”. Nos EUA, na Europa e até no Brasil, médicos são confrontados com a inédita indagação. Jamais perguntamos a marca da vacina tríplice de nossos filhos ou do imunizante contra a febre amarela. Contudo, com a pandemia de Covid, a população mundial foi exposta a um curso relâmpago de imunologia cujo efeito colateral é a obsessão por comparar vacinas. Por que não selecionar a vacina como escolhemos automóveis ou celulares?

Mike Ryan, da OMS, deu a resposta certa e óbvia: a decisão racional é tomar o primeiro imunizante que lhe for oferecido. O raciocínio justifica-se por duas razões, uma “egoísta”, outra “altruísta”. A primeira: como todas as vacinas aprovadas previnem a imensa maioria dos casos graves, vacinar-se logo é proteger sua própria saúde. A segunda: cada pessoa imunizada contribui na redução da pressão sobre o sistema hospitalar.

Depois de meses de angustiante expectativa sobre o desenlace dos testes de imunizantes, o mundo foi informado de que, no lugar do temido fracasso universal, a ciência operou um pequeno milagre. As vacinas pioneiras, de tecnologia inovadora (Pfizer/BioNTech e Moderna), exibiram taxas de eficácia em torno de 95%. As seguintes, porém, apresentaram taxas menores, entre os 66% da Janssen ou 63% da AstraZeneca/Oxford e os 50% da Coronavac.

Aquilo que, antes, seria celebrado como triunfo, ganhou ares de decepção. Daí a pergunta que atormenta os médicos. A imprensa não prestou o melhor serviço público ao destacar, em manchetes, o número singular que indica a taxa de eficácia geral das vacinas. De um lado, porque há três taxas diferentes de eficácia: contra infecção, morbidade ou mortalidade. De outro, porque os testes de fase 3 não são comparáveis entre si.A Pfizer testou em amostra da população adulta; o Butantan testou a Coronavac entre profissionais de saúde da linha de frente, normalmente expostos a cargas virais maiores. Testes em diferentes países captaram a ação vacinal contra variantes diversas do vírus. Só conseguiremos cotejar imunizantes ao longo dos próximos meses, a partir de experimentos controlados ainda em andamento.

A publicidade ilusória das taxas de eficácia tem implicações negativas. Os EUA renunciaram a direcionar o produto da Janssen, que não exige ultracongelamento, às pequenas cidades, pois a decisão lógica seria fulminada pela (falsa) acusação de discriminação contra os pobres.Na União Europeia, governos acuados pela lentidão na imunização decidiram cobrir seus erros deflagrando uma guerra retórica contra a AstraZeneca.

O francês Macron chegou, ridiculamente, a dizer que a vacina seria “quase ineficaz” para maiores de 65 anos. O bombardeio oportunista prejudicou ainda mais o processo de vacinação, nutrindo resistências ao uso de um dos principais imunizantes disponíveis na região. Inexistem cardápios de vacinas. Os sistemas de saúde aplicam a vacina que está à mão. Mas, e se houvesse abundância vacinal e a obrigação de optar, qual delas eu escolheria?

Na ausência de nítidos motivos imunológicos, minha resposta derivaria de critérios éticos. Na Europa, eu optaria pela AstraZeneca. A associação da farmacêutica com a Universidade de Oxford comprometeu-se a vender seu produto sem lucro durante toda a pandemia, o que merece aplausos. Além disso, o gesto expressaria minha aversão à hipocrisia de Macron e cia.

No Brasil, pelo contrário, eu escolheria a Coronavac, como forma de reconhecer a persistência heroica e a competência do Butantan –e de protestar, solitariamente, contra os escandalosos atrasos da Fiocruz na entrega de doses da AstraZeneca. Felizmente, não terei opção: vacino-me com a primeira que chegar a meu ombro. Será, de qualquer modo, um protesto contra o negacionismo criminoso de Bolsonaro e a estúpida campanha antivacinal de seus acólitos.


Adriana Fernandes: Entre armas e livros, continua sendo melhor apostar na segunda opção

 Entre armas e livros, continua sendo melhor apostar na segunda opção

Reportagem desta semana do Estadão, “Receita diz que só rico lê, e livro pode perder isenção com unificação tributária”, viralizou e levou a uma série de relatos emocionantes nas redes sociais de brasileiros que nasceram em famílias de renda mais baixa e que se viraram para ter acesso à leitura. A discussão sobre o fim da imunidade para livros foi inserida no contexto do projeto de reforma tributária do governo, mas no Brasil de hoje esse é um assunto muito mais político do que de natureza tributária.

Um país que tem o orçamento público capturado por demandas políticas de cunho eleitoreiro. Com governo e parlamentares que não tiveram coragem de fazer cortes importantes nas renúncias tributárias de setores com grande influência em Brasília.

A incoerência fica ainda mais escancarada por um presidente da República que adotou corte de tributos para incentivar a compra de armas e videogames, além de ampliar incentivo para as multinacionais de refrigerantes na Zona Franca de Manaus. Medidas que drenaram a arrecadação em plena pandemia.

A polêmica surgiu porque a Receita, para justificar o projeto que cria a Contribuição Social sobre Bens e Serviços, a CBS, disse que a isenção aos livros pode acabar com a justificativa de que a maior parte é consumida pelas famílias com renda superior a dez salários mínimos. O certo teria sido o projeto retirar o incentivo ao livro e destinar o aumento da arrecadação para uma política de incentivo aos mais pobres. 

A pergunta que muitos se fizeram depois de ler a reportagem foi: por que os livros?

A resposta é complexa e com vários pontos de vista. De um lado, aqueles que defendem o fim da isenção com o argumento de que os mais pobres bancam o consumo dos mais ricos. De outro, os que acham que a medida vai dificultar ainda mais o acesso aos livros pelos mais pobres.

Com a controvérsia instalada, a pesquisadora portuguesa Rita de La Feria, que já fez a reforma em São Tomé e Príncipe, Índia e vários outros países, entrou em campo nas redes sociais em defesa do projeto do governo. “Uma manchete alternativa (e verdadeira) seria: com a reforma tributária, os mais pobres vão deixar de subsidiar o consumo dos mais ricos. Fica a sugestão.”

Rita ainda disparou outro conselho: “Muitos de nós (eu inclusive) têm uma relação emotiva com livros. Mas o sistema tributário não deve refletir emoções, apenas dados.” 

Patrocinador da PEC 45 de reforma tributária, o deputado Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara, alertou que a defesa da isenção aos livros era uma narrativa bonita, mas distorcida num falso dilema de um país em que os pobres financiam os ricos num Estado que não existe para reduzir as desigualdades.

No modelo tributário ideal, esses argumentos são todos muito válidos. O subsídio financeiro, via orçamento, destinado às políticas públicas, sem dúvida, é bem mais eficiente do que o tributário, que banca os ricos - assim como os livros acontece com os produtos da cesta básica. Que, aliás, o projeto da CBS não ataca.

No Brasil de hoje, porém, essa verdade não é tão certa. O setor privado captura dinheiro público por meio de incentivos muito mais robustos do que a isenção dada aos livros. E com impacto muito maior na arrecadação. Um exemplo desse método foram as tentativas frustradas de mudar a tributação de fundos exclusivos de investimentos dos super-ricos. Não tem jeito disso avançar no Congresso. Medida que garantiria hoje muito mais do que os R$ 10 bilhões calculados na última vez que se tentou emplacar a mudança, em 2018.

O enredo é sempre o mesmo. Acaba-se com o incentivo ao livro, mas ficam tantos outros. Defendidos ferozmente por lideranças políticas que não vão deixar que esse modelo tributário tão perfeito na teoria se aplique por aqui na prática. Na hora da votação, sempre tem uma listinha bem grande de exceções.

A briga feroz pelas emendas parlamentares, que divide o governo e se estende há duas semanas, é a maior prova disso. Não houve até agora nenhuma única ação para cortar incentivos ou aumentar tributos dos mais ricos para elevar a arrecadação e diminuir o endividamento público.

É por essas e outras razões que a reforma tributária faz água. Entre armas e livros, continua sendo melhor apostar na segunda opção.


Carlos Pereira: Desgastar o governo via CPI é estratégia esperada e legítima da oposição

Enquanto o impeachment é o instrumento político da maioria, a Comissão Parlamentar de Inquérito é o que resta à minoria para expor as potenciais mazelas da atual gestão

O ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou que o Senado instalasse a CPI da Covid em reação a um mandado de segurança impetrado pelos senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru, ambos do partido Cidadania. Neste sentido, não houve interferência indevida do STF no Legislativo ou ativismo judicial como sugere o presidente Jair Bolsonaro.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), fez uso do argumento do juízo de conveniência e oportunidade ao interpretar como inconveniente a instalação da CPI da Covid em plena pandemia que já matou quase 350 mil pessoas no Brasil. Mas o que foi realmente conveniente ao senador foi a decisão liminar de Barroso, pois permitiu que Pacheco não se desgastasse politicamente com Bolsonaro, que atuou ativamente na sua recente eleição para presidir o Senado. A procrastinação de Pacheco em instalar a CPI sob o argumento de distensionar o ambiente político foi, na realidade, estratégica. Não cabia ao presidente do Senado a inação, pois os requisitos constitucionais para a sua instalação já tinham sido cumpridos pela minoria.

O caminho mais “curto” para a oposição deixar para trás esta condição e virar governo é expor até as vísceras as vulnerabilidades do governo de plantão o mais cedo possível. Sugerir autocontenção ou esperar responsabilidade de quem está na oposição implica aumentar o tempo em que este grupo minoritário continuará nesta posição indesejável.

Enquanto o impeachment, seja do chefe do Executivo ou de ministros da Suprema Corte, é o instrumento político da maioria, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é o que resta à minoria para expor as potenciais mazelas do governo.

CPI e impeachment têm requisitos e seguem ritos procedimentais distintos. Se o governo não consegue implementar impeachment de ministro da Suprema Corte é porque o governo não dispõe de maioria legislativa para tanto e, portanto, essa ameaça simplesmente não é crível.

A composição de todas as comissões no Congresso, sejam elas permanentes ou especiais, como uma comissão parlamentar de inquérito, obedece à regra da proporcionalidade, levando-se em consideração o número de cadeiras ocupadas por partidos na Casa. Portanto, se o presidente da República, que raramente dispõe sozinho de maioria legislativa, monta e gerencia adequadamente uma coalizão majoritária no Congresso, não tem o que temer de uma CPI, pois a preferência do presidente tenderia a sempre prevalecer em qualquer comissão legislativa.

Os receios e potenciais problemas para o presidente Bolsonaro se devem ao fato de ele não dispor, até o momento, de uma coalizão majoritária. O Centrão proporciona apenas uma maior minoria. Ou seja, é uma coalizão fundamentalmente “negativa”, com capacidade de bloquear iniciativas legislativas não desejáveis pelo Palácio do Planalto. Além do mais, os termos de troca e os propósitos de sua coalizão minoritária com o Centrão ainda não estão claros. Não é, portanto, uma coalizão majoritária com poder de gerar governabilidade, mas apenas de sobrevivência.

* Cientista Político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)


João Gabriel de Lima: As cores da ‘Concertación’ brasileira

Que o manifesto propicie uma conversa madura entre liberais, social-democratas e desenvolvimentistas

 “Chile, la alegria ya viene.” Quem assistiu ao filme No, que concorreu ao Oscar de 2013, não esquece o refrão. Ele foi mote de uma campanha histórica. Em 1988, um plebiscito decidiria se o ditador Augusto Pinochet deveria, ou não, continuar em sua cadeira até 1997. A população torpedeou o autocrata com um rotundo “No!”. Foi um raro – e belo – momento em que uma democracia derrubou uma ditadura pelo voto.

O que se seguiu foi igualmente histórico. Socialistas e democratas-cristãos, adversários de décadas, se uniram com o intuito de consolidar a democracia, juntando partidos de esquerda e de direita. O arranjo, conhecido como “Concertación”, durou mais de 20 anos, como lembra o cientista político argentino Andrés Malamud, especialista em América Latina e personagem do minipodcast da semana. O logotipo do movimento era um arco-íris. 

É inevitável pensar na “Concertación” ao ler o Manifesto pela Consciência Democrática, assinado por seis presidenciáveis. Há apelo à convergência e defesa intransigente dos regimes de liberdade. A união de todos, no entanto, não é óbvia. Entre os signatários há tendências políticas de amálgama difícil. 

João DoriaEduardo LeiteJoão Amoêdo e Luiz Henrique Mandetta integram a centro-direita. Em alguma medida, os quatro estiveram com Jair Bolsonaro ou se beneficiaram dos votos de seu eleitorado em 2018. O rompimento implícito no manifesto mostra que o campo “azul” quer se reconstruir bem longe do presidente. Um dos quatro nomes acima poderá representar a tendência liberal em 2022.

Ciro Gomes não pertence ao mesmo clube. Seu programa de governo – que já foi até publicado em livro – é de matriz desenvolvimentista. Ele vai disputar a centro-esquerda com Lula, a quem pediu nesta semana que desse um “passo atrás”. É difícil imaginar Lula cedendo a cabeça de chapa a Ciro, mas o fato mostra que ambos disputam o campo “vermelho”. Ciro evocou o caso argentino, em que Cristina Kirchner, em 2019, topou ser vice de Alberto Fernández, de modo a unificar as diversas alas do peronismo – outro episódio lembrado por Malamud no minipodcast.

Luciano Huck ainda não decidiu se será candidato. Em entrevista recente ao Estadão, um de seus mentores, o ex-governador capixaba Paulo Hartung, situou o apresentador na centro-esquerda. Para ele, Huck partiria em busca do eleitor social-democrata. Um eleitor que gostava do PSDB progressista de Fernando Henrique nos anos 1990 e aprovou o Lula da “Carta ao Povo Brasileiro” – com os ortodoxos Palocci, Meirelles e Marcos Lisboa na equipe econômica. Seria o candidato “lilás”. 

O governo Bolsonaro fracassou em diversas áreas-chave, entre elas a gestão da pandemia – o que levou, inclusive, à determinação de abertura de uma CPI anteontem, com assinaturas de senadores do PSDB ao PT. É natural que enfrente não apenas uma, mas várias oposições, da centro-direita à centro-esquerda.

Se é difícil que as cores de nossa democracia se juntem no tal arco-íris, que o manifesto ao menos sele, como sugere o jornalista Pedro Venceslau no Estadão, um “pacto de não agressão”. Que propicie uma conversa madura entre liberais, social-democratas e desenvolvimentistas – os três grupos que há 30 anos disputam corações e mentes em nosso debate, e que hoje se opõem a Bolsonaro. Num cenário otimista, em 2022 o Brasil começará a emergir dos escombros. Cabe às oposições trazer propostas concretas para reconstruir um país devastado.


Marco Antonio Villa: Democratas, ação!

Se a política criminosa de Bolsonaro persistir, o País pode chegar a julho com meio milhão de óbitos devido à Covid-19

A narrativa — palavra da moda — construída pelos adversários do enfrentamento do projeto criminoso de poder bolsonarista é a de que o presidente da República tem um mandato legítimo. Até aí, ninguém discorda. Porém, isto não dá a ele o direito de confrontar sistematicamente com a Constituição. O voto não é um passaporte para ilegalidades. Tem seus limites estabelecidos constitucionalmente. Argumentam também que ele tem apoio popular. Difícil concordar.

Nas eleições de outubro os seus candidatos perderam nos principais colégios eleitorais. Nas pesquisas de opinião a impopularidade não para de crescer. As tentativas de mobilização de rua fracassaram. Reuniram algumas dezenas de fanáticos. Já o apoio empresarial é a cada dia menor. Os grandes grupos econômicos se afastaram do governo como ficou demonstrado no manifesto de economistas e empresários e por manifestações em entrevistas e eventos. Bolsonaro não tem partido político e nem uma base sólida no Congresso Nacional. No panorama externo o País continua isolado, um Estado-pária, sem apoio de nenhuma nação importante e atacado sistematicamente, especialmente, pelo desastre no campo ambiental.

Se observarmos ainda o plano interno, a economia vive um péssimo momento. No ano passado a recessão foi de 4,1%. A recuperação em “V”, como prometida por Paulo Guedes, não aconteceu como era prevista.

O primeiro semestre já está perdido. Teremos um longo período de crescimento tímido do PIB e o cenário mais viável — se nada for feito — é que a primeira metade desta década já está comprometida, isto quando a década que findou em 31 de dezembro de 2020, fechou como a pior das últimas quatro. Sem o entendimento do que significa este momento da história do capitalismo, o Brasil não vai conseguir retomar o crescimento econômico necessário para o enfrentamento dos grandes problemas nacionais.

Sem ser catastrofista, deve ser agregado a este quadro dramático a pandemia, a mais grave crise sanitária da história do Brasil. O massacre que estamos assistindo passivamente deve atingir no início do próximo mês 400 mil mortos. E se a política criminosa de Bolsonaro persistir, segundo os especialistas, o País pode chegar a julho com meio milhão de óbitos. Bolsonaro não mais governa. Manter o impasse político dá uma sobrevida a ele no Congresso, mas deixa o Brasil despedaçado. É uma ilusão imaginar que Bolsonaro vai mudar. É um genocida e golpista: pensa que está certo. Mas quando o pólo democrático da política brasileira vai agir? Está esperando o quê?


Ricardo Noblat: Sem Exército para chamar de seu, Bolsonaro agora ataca o STF

Um suicida político em ação

Sequer foram cicatrizadas ainda as feridas abertas por sua tentativa de intervir nas Forças Armadas, o presidente Jair Bolsonaro decidiu abrir outras – desta vez com o Supremo Tribunal Federal. Deve haver alguma lógica em ações que só fazem enfraquecê-lo. Se não há, é porque ele é mesmo estúpido.

O ministro Luís Roberto Barroso, em resposta à provocação feita por dois senadores, decidiu que o Senado deve instalar a CPI da Covid, instrumento previsto na Constituição que garante voz à minoria parlamentar. O pedido de CPI respeitou todos os requisitos previstos. E o Supremo assim agiu em outras ocasiões.

Uma delas foi em 2007 quando obrigou a Câmara a instalar a CPI do Apagão Aéreo. Lula era então presidente da República, e Bolsonaro deputado federal. O governo tudo fez para que não houvesse CPI, e Bolsonaro tudo fez para que houvesse. À época, em entrevista, ele disse:

– Por que o governo teme a CPI? Eu não tenho dúvida do superfaturamento de obras em aeroportos. Se quiser me acusar de leviano, eu respondo: ‘Abra a CPI que eu provo lá’.

Bolsonaro não viu interferência descabida do Supremo em outro poder por causa disso. Agora, que o presidente da República é ele, vê, como proclamou ontem:

– Não há dúvida de que há interferência do Supremo em todos os Poderes. No Senado tem pedido de impeachment de ministros do Supremo. Não estou entrando nessa briga. Será que a decisão tem que ser a mesma para o Senado botar em pauta o pedido de impeachment de ministro do Supremo?

O que uma coisa tem a ver com a outra? Nada. Cabe ao Senado, não ao Supremo, pôr em pauta pedido de impeachment de ministros de tribunais superiores. Impossível que Bolsonaro não saiba. Se não sabe, seus assessores jurídicos poderiam esclarecê-lo. Mas não, o que ele quer é criar confusão.

Escolheu Barroso como alvo, assim como na semana passada seu alvo foi o general Edson Leal Pujol, comandante do Exército, que se recusou a deixar que a política entrasse nos quartéis. Para livrar-se dele, Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa. Pujol e os comandantes da Marinha e da Aeronáutica acabaram saindo.

 “Falta-lhe [a Barroso] coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política” – bateu Bolsonaro abaixo da linha da cintura. E o que conseguiu? Que os demais ministros do Supremo se unissem em torno da decisão tomada por Barroso, assim como partidos políticos, governadores de Estado e juristas em geral.

Conseguiu que Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, que engavetou o pedido da CPI da Covid, se apressasse em declarar que respeitará a decisão de Barroso, como se tivesse outra opção. Em entrevista à Folha de S. Paulo, Pacheco prometeu que não mexerá “um milímetro” para barrar a atuação da CPI.

“Uma vez instalada, todas as condições lhe serão dadas para que funcione bem e chegue a conclusões”, afirmou. “É importante que ela cumpra sua finalidade na apuração de responsabilidades”. E foi além ao dizer que Bolsonaro não contribui para o combate à epidemia com seu discurso negacionista:

– Para bom entendedor, um pingo é letra. Quando ele [Bolsonaro] prega qualquer tipo de negacionismo, eu vou criticar o negacionismo e consequentemente estou criticando a fala dele.

Era Pacheco que dizia que, a seu juízo, “e por conveniência”, não era hora de abrir a CPI. Quem o diz agora é Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e aliado de Bolsonaro tanto quanto Pacheco é. Lira trocou “conveniência” por “ocasionalidade” e repetiu o Pacheco de antes da decisão de Barroso:

– A CPI não nasce à toa. Tem de ter um fato determinado e tem de ter as assinaturas. E ela tem de ter a ocasionalidade. Eu comungo da ideia de que esse não é momento de se encontrar culpados, de se apontar o dedo para ninguém.

O momento seria do quê? Segundo Lira, “de se correr atrás de vacina, esteja ela onde estiver, e apontar seringa e agulha no braço dos brasileiros. Esse é o momento. Daqui a dois, três meses, esses culpados estarão morando em outro lugar, estarão apagadas as provas, estarão escondidas as evidências? Não”.

Conversa mole para enganar os trouxas. Ao governo, cabe correr atrás de seringas, agulhas e vacinas para imunizar milhões de brasileiros vítimas da pandemia. Isso não impede que o Senado, desde agora, investigue os escandalosos erros cometidos até aqui e que transformaram o Brasil numa ameaça aos outros países.


Vladimir Safatle: A segunda fase do regime militar

O Brasil acaba de apresentar ao mundo mais uma de suas invenções, a saber, um regime militar sem golpe. Mas devemos ainda falar em regime militar porque temos, inicialmente, a ocupação do Estado pelo aparelho militar e seu ideário

O Brasil tem certa vocação para a invenção. Fomos um país criado a partir de um experimento econômico: o latifúndio escravocrata primário exportador. Em nenhum outro lugar do globo tal experimento foi desenvolvido em tão larga escala. 35% de todos os sujeitos escravizados na África e direcionados às Américas aportaram aqui. Fomos também os responsáveis, no século XIX, pela junção singular entre escravismo e economia integrada ao “liberalismo concorrencial”. Mais próximo, conseguimos criar uma ditadura militar primorosa na arte de durar. A mais longa ditadura militar da América no ciclo que começa nos anos 60, capaz de entender que só duraria se preservasse algum nível de pantomima democrática. Tínhamos eleições, partido de oposição, Congresso em funcionamento na maior parte do tempo, tortura, livros de Marx vendidos nas bancas, corpos desaparecidos, estupros de opositoras, censura. Tudo ao mesmo tempo.

Há de se admirar essa engenharia brasileira do terror de Estado. Ela conseguiu preservar todas as peças do dispositivo empresarial-militar, mesmo durante trinta anos de período pós-ditadura. Ela conseguiu ainda preservar toda a força de terror administrada pelas polícias e suas milícias contra as populações vulneráveis em sua guerra civil cotidiana. Elementos fundamentais do aparato jurídico institucional criado sob ditadura continuaram vigentes. O Brasil mostra como nenhum outro país que desenvolvimento capitalista é outro nome para guerra de espoliação máxima, de medo e de depredação contra uma natureza que não se submete facilmente à condição de propriedade privada.

Dentro dessa tecnologia de poder, o Brasil acaba de apresentar ao mundo mais uma de suas invenção, a saber, um regime militar sem golpe militar. O que temos atualmente é algo muito próximo a um regime militar que não usou golpes militares clássicos para ser implementado. Entenda-se por “clássico” nesse contexto, ocupações de poder feitas através do deslocamento de tropas e uso explícito da violência.

Mas devemos ainda falar em regime militar porque temos, inicialmente, a ocupação do Estado pelo aparelho militar e seu ideário. Por mais que a narrativa vendida seja outra, Jair Bolsonaro é a encarnação direta do ideário militar nacional. Para além dos mais de 7.000 militares na gestão do Estado, desde o Ministério da Saúde, até as Comunicações e a Petrobrás, temos o deslocamento das Forças Armadas para o centro do poder com o intuito de garantir as condições para um processo brutalizado de acumulação primitiva, de espoliação de terras e concentração de renda.

O Brasil assiste a uma nova fase de concentração de renda, e a ameaça de sublevação popular que normalmente acompanha tais momentos, exige das Forças Armadas sua presença direta no Estado, a fim de intensificar a guerra civil contra populações vulneráveis. Essa concentração volta em seus moldes tradicionais, como o colonialismo interno que leva a predação da natureza, escondida sob a capa do desenvolvimento, para espaços cada vez mais amplos. Colonialismo que intensifica os incêndios contra povos originários e florestas.

Processo que, por sua vez, exige a mobilização contínua da perseguição e pressão de setores com potencial de sublevação, no que vemos a utilidade da eterna luta contra o comunismo (o único inimigo que, no século XX, efetivamente foi capaz de usar a guerra contra quem gerencia a guerra civil social). Por fim, as Forças Armadas ocupam o Estado tendo em vista a militarização da vida social, seja através da generalização extensiva de “formações militares” (segundo o projeto de paulatinamente transformar escolas públicas em escolas militares), seja através da organização armada e generalizada de grupos paramilitares de apoio.

Mas isso que nos anos sessenta obrigou a organização de um golpe clássico de Estado foi imposto agora através de uma lógica extremamente astuta de “custo menor”. São sucessões de operações relativamente regionais que, paulatinamente, deslocam o poder para o horizonte gerencial militar, fazendo com que ele avance mesmo que pareça não estar lá. Como já se disse mais de uma vez, uma das maiores astúcias do diabo é levar-nos a acreditar que ele não existe.

Primeiro, era necessário impedir que a eleição de 2018 ocorresse. O custo de uma simples suspensão de eleições presidenciais seria enorme, arcaico, desnecessário. Mas havia algo mais astuto: um tuíte, um simples tuíte das Forças Armadas ameaçando o Poder Judiciário caso o candidato indesejável pudesse concorrer. Além do tuíte, um processo jurídico “contra a corrupção” capaz até mesmo de anexar depoimentos de pessoas que nunca deram depoimento algum. Um processo incensado por setores hegemônicos da imprensa e seus interesses inconfessos pela radicalização do processo de acumulação primitiva da classe trabalhadora espoliada. Assim, a eleição estaria assegurada no bom e velho modelo da República Velha onde os embates já estavam decididos de antemão. Afinal, para que um golpe clássico se a possibilidade de preparar resultados favoráveis está à mão?

Mas a ocupação do Estado exigiria o abandono dos aliados que acreditavam que seriam convidados para sentar à mesa principal da gestão do poder. Como na ditadura militar, quando os civis descobriram que haviam se tornados atores secundários através do veto a Pedro Aleixo ocupar a presidência da República, todos aqueles que pavimentaram esse caminho foram enterrados sob o asfalto que eles mesmos esquentaram. De Eduardo Cunha aos degenerados da Lava Jato, da própria imprensa ao “centro democrático”: todos foram deixados para trás até que acordássemos em um regime militar em pleno século XXI.

Ainda na lógica do “custo menor” havia dois problemas a resolver. O primeiro era a censura. Mas “censura” é, mais uma vez, algo arcaico, custoso e, principalmente, desnecessário. O poder só procura censurar quando teme a força da palavra. Melhor seria operar através de uma “usura” da palavra. Tirar a força da palavra, criar paralisia em seu uso, ao invés de simplesmente censura-la. Uma paralisia criada pela inversão constante de seu significado. Usar “liberdade” para descrever a indiferença em relação ao genocídio de Estado diante da pior pandemia da história recente, usar “ditadura” para descrever exigências mínimas de solidariedade social diante da catástrofe, usar “coragem” quando se quer mostrar o descaso com quem não pode ter acesso ao sistema privado de saúde para sobreviver, usar “doutrinação” onde outros falam de pensamento crítico. Há de se lembrar que era George Orwell quem fazia os habitantes da Eurásia gritarem: “ignorância é força, liberdade é escravidão”.

Se 30% da população participasse dessas estratégias de usura da palavra o processo político estaria paralisado. E não seria difícil contar com esses 30%. Quem conhece a história brasileira sabe que eles nunca faltariam ao seu dever. Enquanto isto, o resto perderia seu tempo a espera de “frentes amplas” que nunca aconteceriam (basta ver quem foi apoiar o candidato do governo nas eleições para a presidência da Câmara) ou discutindo eliminações do BBB na semana em que o Banco Central ganharia sua “autonomia”, ou melhor, sua definitiva servidão aos interesses mais brutais da elite rentista, esses mesmos interesses que são a base da realidade material que sustenta o eixo das formas gerais de espoliação (imaginar que nossa emancipação viria sob formas administradas pela indústria cultural e sua estrutura monopolista articulada aos interesses maiores da elite empresarial ... isso talvez explique o que ocorre quando conceitos como “indústria cultural” são abandonados em prol de práticas que se recusam a problematizar os meios de enunciação).

Mas havia um segundo problema a resolver. Um regime militar não aceita ser deposto. E este ponto volta agora em sua tensão efetiva, principalmente depois da possibilidade de Lula concorrer à presidência novamente. O Brasil conhece atualmente um conflito entre o que poderíamos chamar de “direita oligárquica” (a saber, esse grupo dirigente que deriva das oligarquias locais e seus representantes, a começar pela oligarquia paulista) e uma “extrema-direita popular” (que vem da longa história do fascismo brasileiro). O horizonte convergente de interesses permite a esses dois grupos sentarem-se à mesma mesa quando necessário. Mas tomado o poder, eles também entram em choque, como se mostrou ao longo da história nacional.

deslocamento de Lula para o centro do jogo eleitoral não foi exatamente resultado de uma pressão popular irresistível, de um clamor irrefreável, mas de uma manobra arriscada de setores da direita oligárquica no poder para conter Bolsonaro em sua escalada fascista, como fizeram em junho quando Queiroz foi enfim “encontrado” em um sítio em Atibaia e o primeiro “enquadre” foi dado.

Com a vitória de Bolsonaro pelo controle da Câmara e do Senado e com sua liberdade absoluta de operação, era necessário um segundo enquadre, e ele foi dado através da ressurreição do único político com estatura eleitoral compatível com Bolsonaro e que parecia capaz de fazer, efetivamente, uma aliança de centro no Brasil com alguma estabilidade. Exatamente nesse momento, o poder Judiciário brasileiro “descobriu” que, afinal, o processo contra Lula era uma aberração jurídica e que ele nunca teve direito efetivo de defesa. Lula apareceu como o único capaz de fazer uma efetiva aliança de centro porque os outros fazem apenas acordos entre oligarcas sem muita densidade popular. Já ele opera por uma versão do “sindicalismo de resultados” que parecia poder funcionar no começo desse século. Por isso, falar em “polarização” chega a ser um desrespeito à inteligência nacional. Lula é a última figura capaz de tentar operar políticas de grande aliança no Brasil. Ele é exatamente o contrário de toda e qualquer “polarização”. Seu governo não nos deixa mentir.

No entanto, como foi dito anteriormente, um regime militar não aceita ser deposto. Em manifestações inéditas na vida política nacional, o dia seguinte ao anúncio de possibilidade de Lula concorrer foi marcado por declarações de militares dizendo ver a volta do ex-presidente como algo inaceitável. O que demonstra como caminhamos para um cenário de confronto e tensão. Quando a ditadura militar foi implementada em 1964, o “centro democrático” (sempre ele) se preparava pela eleição nos próximos anos: Juscelino era o nome principal nessa operação. Tal eleição nunca veio. Sessenta anos depois, os militares aprenderam a fazer isso muito melhor. Eles descobriram que o vocabulário da “inexistência” é muito mais sutil, se habilmente manipulado. Há de se estar preparado para isto.

Vladimir Safatle é professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.


Podcast homenageia 80 anos do poeta Capinan

Artista baiano sempre defendeu a democracia e a justiça social em sua carreira

O poeta, escritor e compositor baiano José Carlos Capinan completou 80 anos, com grandes contribuições para a cultura brasileira. Médico, publicitário e jornalista, fez parcerias com Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Roberto Mendes, Paulinho da Viola, Geraldo Azevedo e João Bosco, entre outros.

Ouça o podcast!

Para homenagear esse importante artista brasileiro, o terceiro episódio do podcast da Rádio FAP debate temas como a história da música popular brasileira, tropicalismo, cultura afro-brasileira, direitos autorais e o cenário da pandemia no Brasil. O programa conta com áudios dos canais Vevo e BeAreYou, no Youtube, além de participações especiais da ativista social Raquel Dias e do músico Armandinho.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz, gerente de Comunicação da FAP.


FAP realiza evento on-line com escritor e compositor José Carlos Capinan

Letrista receberá homenagem da fundação, no dia 7 de abril, às 17 horas

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O poeta, escritor e compositor José Carlos Capinan mantém a celebração de seus 80 anos, completados em 19 de fevereiro, marcando a trajetória aliada à força das palavras para mover a cultura, a poesia, a música e a literatura brasileiras. Sempre defendeu a democracia e a justiça social.

Nascido em 1941 em arraial de Três Rios (BA), mas registrado na vizinha cidade litorânea da Esplanada, Capinan ganhou notoriedade pelas letras de músicas que escreveu para compositores nacionalmente conhecidos.

Confira o vídeo!

Entre eles estão Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Jards Macalé, Paulinho da Viola, Geraldo Azevedo, João Bosco, Roberto Mendes, entre outros destacados nomes.

Por causa de sua grande contribuição para o país, Capinan, que também é jornalista, vai receber homenagem da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em evento on-line, no dia 7 de abril (quarta-feira), a partir das 17 horas.

Com o nome “Capinan 80 anos: Vida e poesia. Uma conversa com o poeta, compositor e escritor José Carlos Capinan”, o encontro virtual será transmitido pelo site e canal da FAP no Youtube, assim como no perfil da entidade no Facebook, simultaneamente.

Resistência à ditadura militar

Mais do que qualquer descrição, a palavra resistência é a que mais bem resume Capinan. Em 1964, ano de início da ditadura militar, Capinan chegou a São Paulo (SP), a partir de Salvador (BA), onde já havia se envolvido com teatro e política estudantil.

Em meio à repressão política, colheu sua ascensão como letrista da MPB, criada e projetada a partir de 1965 em festivais. Capinan teve formação ideológica em CPCs (Centros Populares de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes) de Salvador (BA), cidade para a qual, em 1960, ele havia ido estudar direito em universidade da capital baiana. Também foi militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro).

Capinan participou, desde a década de 1960, de todos os eventos culturais mais importantes do país, do movimento tropicalista até os dias de hoje. Ele é do Conselho Editorial da Revista Política Democrática.

A seguir, veja os participantes do evento on-line em homenagem a Capinan.

George Gurgel de Oliveira: da UFBA, da cátedra da Unesco em Sustentabilidade. Conselheiro da FAP e do Museu da Cultura Afro-brasileira da Bahia.

Ivan Alves Filho: historiador, jornalista e documentarista brasileiro.

Luiz Sergio Henriques: ensaísta e tradutor

Martim Cesar Feijó: doutor em comunicação pela ECA-USP e professor de comunicação comparada na FAAP. É autor, entre outros, de O que é política cultural (1983), Formação política de Astrojildo Pereira (1985) e 1932: a guerra civil paulista (1998, em parceria com Noé Gertel).

Raquel Nascimento: Gestora pública, ativista social, gerente de suporte técnico no Projeto Awurê e conselheira da FAP.

Serviço

Capinan 80 anos: Vida e poesia. Uma conversa com o poeta, compositor e escritor José Carlos Capinan

Onde assistir:

Site da FAP: www.fundacaoastrojildo.com.br

Facebook: https://www.facebook.com/facefap

Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCg6pgx07PmKFCNLK5K1HubA