Folha de S. Paulo

Celso Rocha de Barros: Os bolsonaristas querem dar um golpe

Resta perguntar como chegamos ao ponto de essa proposta liderar as pesquisas

Bom, é isso, amigo. Se você quiser eleger Bolsonaro, aproveite, porque deve ser seu último voto. Depois da última semana, não há mais dúvida de que o plano dos bolsonaristas é dar um golpe. Golpe mesmo, golpe raiz, não esses golpes Nutella de hoje em dia.

Sejamos honestos, nunca houve motivo para suspeitar que Jair Bolsonaro fosse um democrata.
Nunca vi uma entrevista em que Bolsonaro prometesse reconhecer o resultado da eleição em caso de derrota. O que vi várias vezes foi discurso picareta sobre urnas eletrônicas.
Bolsonaro defendeu a ampliação do número de membros do Supremo Tribunal Federal, o que é a página 2 do manual do ditador. Chávez fez, a ditadura militar fez, todo ditador faz. Afinal, a Constituição é o que o Supremo disser que é: se você encher o Supremo de puxa-sacos, a Constituição passa a ser o que você quiser. Daí em diante, você é ditador.

Bolsonaro escolheu como companheiro de chapa Hamilton Mourão. Em entrevista recente à GloboNews, Mourão defendeu que o presidente da República (qualquer presidente? Um eventual presidente Boulos?) tem o direito de dar um "autogolpe" se perceber que há uma situação de anarquia.

Na verdade, ninguém tem mais condições de criar anarquia do que o próprio presidente da República. Por esse motivo, nenhum país sensato deixa que o presidente vire ditador se achar que há anarquia demais.

O mesmo Mourão agora defendeu que se faça uma nova Constituição sem essa frescura de envolver gente eleita pela população.

A Constituição seria feita por uma comissão de notáveis; "notável" é como ditador chama os próprios puxa-sacos.

Segundo o plano de Mourão, essa Constituição depois teria que ser aprovada por referendo. Nada contra referendos, mas, se você segue o noticiário sobre a Venezuela, já viu para onde isso vai. Quando fizerem o referendo, a oposição já vai ter sido atacada e enfraquecida, e a população vai votar com medo. É a página 3 do manual do ditador.

Enfim, é isso. Se você for a favor disso tudo, vote no Bolsonaro. Se não for, vote em outra pessoa.

Resta perguntar: como chegamos no ponto em que a proposta de matar a democracia lidera as pesquisas com cerca de um quarto das intenções de voto?

Nos últimos anos, a opinião pública brasileira ganhou muito poder. A Lava Jato mostrou à população que a corrupção era generalizada. As redes sociais tornaram possível expressar essa indignação com ferocidade.

O lado bom disso tudo é evidente. Políticos têm mesmo que viver meio assustados com a população.

O lado ruim é que não tem sido fácil governar o país, porque o momento exige que se faça muita coisa que é impopular.

O plano dos bolsonaristas é pegar a sua raiva contra tudo que está aí e apontá-la contra a democracia. Sem democracia, governar volta a ser fácil, porque o governo nunca mais vai ter que se importar com você ou sua rede social.

Esse truque está na página 1 do manual do ditador. E quando você não puder mais reclamar, não puder mais fazer impeachment, não puder mais xingar no Facebook ou fazer passeata, aí entra em cena Paulo Guedes com seu programa de ajuste muito mais radical do que o de qualquer outro candidato. E aí, pode ter certeza, você não vai ter dinheiro para comprar arma nenhuma, mesmo se as lojas já puderem vendê-las.

 

*Celso Rocha de Barros é servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Samuel Pessôa: O candidato do PT

Há problema quando não aprendemos com os erros das decisões passadas

Acabou o suspense. O Partido dos Trabalhadores tem seu candidato.

Em entrevista à Globonews no dia 6 de setembro, Fernando Haddad reconheceu alguns erros de Dilma que resultariam em uma pequena crise. A severidade da recessão em 2015-2016, porém, foi consequência de o PSDB não ter aceitado o resultado eleitoral.

A tese é quase divertida. Fica o desafio de um trabalho estatisticamente sério que mostre que a conjectura vai além de conversa de botequim.

O candidato parece ignorar o desastre fiscal do governo, que levou a dívida pública a passar de 50% para 70% do PIB em apenas três anos.

O que preocupa mais é a dificuldade de aprendizado. Lula não errou. Os empréstimos do BNDES, a reconstrução da indústria naval, a mudança do marco regulatório do petróleo, a construção das refinarias, e inúmeras outras medidas não foram erradas.

Recente estudo de Ricardo Barboza e Gabriel Vasconcelos documenta que cada R$ 1 emprestado pelo BNDES gerou R$ 0,50 de investimento.

Qualquer avaliação de custo e benefício das atividades dos BNDES no período petista começa com um desperdício de 50%. Para que a perda não seja inaceitável, nos outros 50% o ganho social do investimento, em excesso ao ganho privado, teria de ser surpreendentemente elevado para que as ações do banco não entrem na lista dos imensos desperdícios da década passada.

Eugênio Gudin em coluna para O Globo em 12 de maio de 1961, citando discursos do deputado Raul Gois, escreveu:

"Cita o ilustre deputado: 'Um navio de 10 mil toneladas, a ser construído em Jacuecanga, foi contratado por Cr$ 1.495.000.000,00, preço este que, devido aos favores contidos no contrato, já hoje ultrapassa a cifra de Cr$ 1.680.000.000,00. E um navio de 10 mil toneladas custa hoje, nos mercados internacionais, com a mesma especificação e a mesma velocidade do 'nacional', US$ 3.400.000,00, ou seja, em moeda brasileira, ao câmbio livre (não ao câmbio de custo) Cr$ 680.000.000,00, isto é, um bilhão de cruzeiros a menos que o navio 'dito nacional' ou construído no Brasil'."

Continua o texto de Gudin: "O Brasil está sofrendo por falta de transporte marítimo e não pelo fato de os navios serem construídos aqui, no Japão ou na China. Ora, o problema do transporte marítimo pode ser equacionado, resumidamente, em poucas palavras: Os navios gastam 50% do tempo nos portos; 27% do tempo em reparações e apenas 20% navegando. As tripulações são quase o dobro das dos navios de outras nacionalidades".

"Pois bem, esse problema, sem dúvida árduo e de penosa solução, resolve-se por uma mágica do Sr. Kubitschek, construindo navios no País pelo dobro ou o triplo do preço."

Não há problema se as discordâncias no debate público ocorrem, pois uns desejam enfrentar o problema fiscal por meio de elevação de receita e outros de queda de gasto. Norberto Bobbio já mostrou que esse é o debate natural e necessário em sociedades democráticas.

O problema ocorre quando não aprendemos com os erros das decisões passadas. Não à toa, repetimos o fracasso da indústria naval nos anos 1950, nos anos 1970 e agora nos anos 2000. Em todos os casos, o resultado foi um monte de estaleiros quebrados e pesada conta para os contribuintes.

Mestre Bobbio ficaria ainda mais espantado com a dificuldade dos economistas de "esquerda" com a aritmética.

Coluna de Alexandre Schwartsman, na quarta-feira (12) neste espaço,documenta as dificuldades do assessor econômico do PT, Marcio Pochmann, com os números e as quatro operações.

*Samuel Pessoa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.


André Singer: Líderes em transição

Caberá a Haddad conduzir, por tempo indefinido, os rumos da nau lulista 

As consequências do ataque a faca sofrido por Jair Bolsonaro em Juiz de Fora (MG), às vésperas do Dia da Pátria, e a oficialização de Fernando Haddad na condição de postulante presidencial do PT, uma semana mais tarde, colocaram novos personagens no primeiro plano da política nacional.

A rápida utilização do atentado pelos bolsonaristas, com um vídeo dramático gravado no leito de UTI mineira pouco depois de o candidato ser submetido a extensa cirurgia, prenunciava uma onda eleitoral a favor da vítima. Transferido para o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, cogitava-se até sua vitória em um turno só.

O Datafolha publicado nesta sexta (14), contudo, mostra um crescimento de 22% para 26%, insuficiente para vencer de imediato. O levantamento traz, por outro lado, a constatação de que 75% dos que preferem o candidato da extrema direita estão totalmente decididos a votar nele. Aparentemente, o sufrágio no antipetista cristalizou num patamar capaz de levá-lo à segunda rodada.

Ocorre que na última quarta (12) o capitão reformado teve que ser submetido a uma segunda operação em caráter de emergência. Apesar do sucesso da nova intervenção, no momento em que estas linhas são escritas o quadro descrito por médicos aponta ser improvável a liderança direitista retomar a campanha antes do decisivo 7 de outubro.

Os holofotes, então, voltaram-se, de imediato, para o seu vice, Hamilton Mourão. Enquanto Bolsonaro estiver afastado, o general da reserva passa a ter inédito protagonismo. Possuidor de ideias e estilo próprio, o ex-comandante militar do Sul fica na berlinda.

Do outro lado da cerca, Lula, depois de levar a espera ao limite, oficializou na última terça, 11 de setembro, data cheia de simbolismos, a candidatura de Fernando Haddad à Presidência da República.

Embora obscurecida pela tragédia que se abatera sobre o adversário, a cerimônia de transmissão de responsabilidades, realizada diante da Polícia Federal em Curitiba, onde o ex-presidente se encontra preso, permitiu entrever o peso depositado sobre os ombros do ex-prefeito paulistano.

Detido há cinco meses, Lula conseguiu manter vivo o fenômeno do lulismo: cerca de 40% do eleitorado, fortemente concentrado entre os mais pobres, gostaria de recolocá-lo no Palácio do Planalto.

Agora caberá a Haddad, que chegou rapidamente a 13% das preferências, conduzir, por tempo indefinido, os rumos da nau lulista. As decisões que vai tomar enquanto estiver no topo do edifício construído por Lula serão muito importantes para o Brasil.

O enredo da crise, com essa troca de atores no centro do palco, pode tomar giros bastante imprevisíveis.

*André Singer é professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.


Demétrio Magnoli: O lulismo tardio é um caudilhismo singular, com traços milenaristas

“Hoje estou transmitindo a você a enorme responsabilidade de retomar o processo de transformação do Brasil, em benefício do povo”. A carta de Lula foi publicada no site do PT sob uma foto na qual ele aparece junto com Haddad.

À primeira vista, texto e imagem dizem a mesma coisa: a prosa inconfundível do caudilho que sagra um sucessor. Uma segunda leitura evidencia que, no fundo, escorrem em rumos opostos. A foto organiza-se no registro da seta do tempo: o tempo linear, que se desenrola no sentido do futuro. O texto, pelo contrário, organiza-se no registro do tempo cíclico: o tempo circular, de eterno retorno. A divergência entre uma e outro reflete as dificuldades da invenção do que se pode chamar lulismo tardio.

Na foto, Lula aponta o indicador esquerdo em direção a um ponto no infinito, para o qual Haddad olha fixamente. Seta do tempo: o mestre indica o lugar exato do futuro a seu discípulo, herdeiro e sucessor. A ideia da transmissão está condensada aí. É como se um dom pessoal se estendesse de um corpo a outro, como nas sucessões dinásticas do passado, de tal modo que o receptor se converte no corpo substituto do doador.

Nisso, não há genuína novidade. A carta, porém, não ordena que Haddad conduza o povo ao futuro, mas ao passado. “Você vai me representar nessa caminhada de volta à Presidência da República, para realizar novamente o governo do povo e da esperança”. Ciclo do tempo: o mestre faz do discípulo um instrumento de restauração de um passado glorioso, uma era perdida de ouro, leite e mel. Haddad não é, neste registro, nem mesmo um sucessor. É, única e exclusivamente, a máscara do próprio Lula.

“Tudo que lhe peço, querido amigo, é que cuide com muito carinho das pessoas, como eu gostaria de estar cuidando”. Abaixo da gosma paternalista, repousa a mensagem que, de fato, importa. Haddad deve mimetizar Lula —ou, melhor ainda, ser Lula. Jamais, na nossa história política, nem mes mo no caso de Dilma, a personalidade de um candidato foi tão completamente anulada. O paralelo possível, muito imperfeito, é com o peronista Héctor Cámpora. Indicado por Perón como seu “delegado pessoal” para representá-lo nas eleições de março de 1973, Cámpora presidiu a Argentina por escassos meses, até renunciar em julho, propiciando novas eleições e o retorno do caudilho ao poder.

O Lula oposicionista de 2002 prometia o novo, o futuro. O poderoso Lula de 2010, representado por Dilma, uma sucessora escolhida para ser efêmera, prometia o presente perpétuo. O Lula tardio de 2018, criminalmente condenado e eleitoralmente vetado, mergulha no lago dos mitos para prometer a reconstituição do tempo anterior à catástrofe.

Na “carta de transmissão”, o lulismo reescreve a história recente, produzindo um conto infantil. Nessa narrativa, uma era de ouro (o governo Lula) é interrompida por um evento cataclísmico (o impeachment), que provoca a descida ao abismo (o governo Temer). O voto em Haddad propiciaria a redenção —isto é, a restauração de um mundo perdido.

Na narrativa do lulismo tardio, um passe de mágica transforma a história em conto infantil: a abolição dos seis anos dilmistas. A “carta de transmissão” formulada como roteiro sintético de campanha, não menciona o nome da sucessora de Lula. Sem ela, eliminam-se os nexos que ligam a bolha de fartura (governo Lula) ao desastre fiscal (governo Dilma) e à depressão econômica (governo Temer). Por essa via, instaura-se a gramática do discurso mítico: a seta do tempo dá lugar ao ciclo do tempo.

O lulismo tardio é um caudilhismo singular, com traços milenaristas. “Que Deus te ilumine nessa caminhada”: orientado pelo indicador de Lula, iluminado pelo holofote divino, Haddad mostrará ao povo o caminho do retorno. O partido que nasceu cultuando a política depende, hoje, da negação sistemática do discurso político.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Bruno Boghossian: Vice de Bolsonaro, general Mourão sugere atropelar regras do jogo

Ao propor Constituição sem Constituinte, militar despreza princípio democrático

Parece que o general Hamilton Mourão não é muito fã da democracia. Dias depois de afirmar que as Forças Armadas deveriam intervir no país em casos extremos, o candidato a vice de Jair Bolsonaro agora sugere atropelar as regras do jogo para mudar a Constituição.

“Fazemos um conselho de notáveis e, depois, submetemos a plebiscito. Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo”, disse o militar da reserva, nesta quinta (13).

A carreira militar proporcionou a Mourão uma formação política, mas ele prefere ignorar alguns princípios básicos. Ele fala como se governantes iluminados pudessem desprezar o poder constituinte para rasgar e refazer as principais normas do país.

Nem Hugo Chávez pegou tantos atalhos. Em 2009, ele submeteu uma reforma da Constituição à Assembleia Nacional, controlada por seus aliados. Depois, fez um referendo para validar as mudanças. Acabou com limites de mandato e abriu caminho para a reeleição irrestrita. Seu grupo está no poder há quase 20 anos.

A ideia de Mourão é mais atrevida porque elimina o crivo de outros poderes. Os políticos estão em baixa, mas ao menos são escolhidos por uma sociedade plural. Os tais “notáveis” de Mourão seriam nomeados por um governo e, portanto, trabalhariam sob encomenda.

O plebiscito citado pelo general não dá mais legitimidade ao projeto. Só reveste de demagogia a vontade de queimar etapas. O PT também tenta encurtar caminhos ao propor que presidentes possam convocar consultas populares. Hoje, só o Congresso tem essa competência.

Mourão diz que a sugestão é sua, não de Bolsonaro. O vice assumiu protagonismo na campanha desde o atentado sofrido pelo titular —incomodando até a família do candidato.

O general já afirmou que o AI-5, que cassou centenas de políticos, “nem foi tão usado” e que um presidente pode convocar as Forças Armadas e dar um “autogolpe” em situação de “anarquia”. Se Bolsonaro for eleito, Mourão dormirá com a corneta sob o travesseiro no Palácio do Jaburu?


Gaudêncio Torquato: Nossa democracia não está morrendo

Ascensão de candidato autoritário faz parte do jogo

As democracias estão morrendo devagar. Líderes eleitos não se comprometem com os valores democráticos, como Donald Trump, o primeiro presidente dos EUA "com inclinações autoritárias" escolhido em cem anos, e pode ocorrer o mesmo no Brasil com eventual vitória do capitão da reserva Jair Bolsonaro, "candidato que tem palavras e comportamentos que não se adequam à democracia". São palavras de Steven Levitsky, em recente entrevista ao jornal O Globo. Ele e Daniel Ziblatt, ambos professores de Harvard, são autores do livro "How Democracies Die" ("Como as Democracias Morrem").

A hipótese corresponde efetivamente ao que se enxerga na moldura democrática internacional ou se trata de um fenômeno cíclico, cuja emergência ocorre ao longo da história das nações? A eleição de figuras polêmicas, de índole conservadora e com propensão autoritária, não faz parte do jogo democrático?

No caso brasileiro, vale lembrar que nossa incipiente democracia, ao longo da história, entremeou ciclos autoritários e democráticos.

A primeira Constituição, a de 1891, abrigava princípios libertários, com direitos individuais preservados até 1930, quando se abriu o ciclo ditatorial de Vargas, cujos desajustes conduziram à centralização autoritária expressa na Constituição de 1937.

Os anos de arbítrio se estenderam até 1945, quando o país ganhou a Carta Magna de 1946, reabrindo as portas da democracia. Sua vigência se deu até o golpe militar de 1964, que durou 21 anos, terminando em 1985. Em 1988, inaugura-se o ciclo da redemocratização, e o país fortalece o escopo da cidadania com a Constituição mais avançada de sua história.

Portanto, a intermitência entre liberdades e opressão, autoritarismo e democracia, ao que se constata, faz parte do abecedário político da maioria dos países da América Latina, que não possuem instituições capazes de representar os múltiplos interesses da sociedade organizada e de assegurar a consolidação democrática.

As crises econômicas, por seu lado, têm contribuído para agravar a governabilidade, gerando instabilidades cíclicas. Dessa forma, os sistemas democráticos do continente, que o cientista político argentino Guilherme O'Donnell designa de democracia delegativa, acabam se fragilizando.

Urge lembrar que até a velha Europa vê fenecer suas frentes democráticas, seja em função da crise propiciada pela globalização econômica, seja pelo arrefecimento dos mecanismos clássicos da política --crise das ideologias, dos partidos, dos Parlamentos, das oposições.

Ante essa moldura, o que esperar da democracia brasileira se não uma gangorra no sistema de mandos e comandos? Se o lulopetismo fez ou não bem ao país, que passe pelo teste das urnas. Se o bolsonarismo, com sua defesa autoritária, fará um bom governo caso seu ícone se eleja, é uma questão a ser respondida pelo eleitor. Esse é o jogo democrático. Sob essa crença, a democracia brasileira não está morrendo.

*Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP e consultor político


Folha de S. Paulo: Vice de Bolsonaro defende nova Constituição sem Constituinte

Para Mourão, Constituição atual, de 1988, deu início à crise pela qual passa o país

Estelita Hass, Carazzai Rodrigo Vizeu,da Folha de S. Paulo

CURITIBA E SÃO PAULO - Candidato a vice de Jair Bolsonaro (PSL), o general Hamilton Mourão (PRTB) defendeu nesta quinta-feira (13) que o país faça uma nova Constituição, mais enxuta e focada em "princípios e valores imutáveis", mas não necessariamente por meio de uma Assembleia Constituinte.

Para ele, o processo ideal envolveria uma comissão de notáveis, que depois submeteria o texto a um plebiscito, para aprovação popular —algo que, atualmente, não se enquadra nas hipóteses previstas em lei.

"Essa é a minha visão, a minha opinião", disse, destacando que essa não é a proposta da candidatura, nem de Bolsonaro. "Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo."

Atualmente, a única forma de se alterar a Constituição é por meio de uma emenda constitucional, que precisa ser aprovada por três quintos do Congresso. O candidato a vice não deu detalhes de como seria formada a comissão de notáveis, mas a proposta só seria possível, dentro da lei, se o Congresso assim o aprovasse.

Mourão, que deu uma palestra a empresários em Curitiba, defendeu que a ideia não é antidemocrática, e disse que já houve Constituições no Brasil que vigoraram sem terem passado pelo Congresso.

"Não em ditadura; em período democrático. A Constituição de 1946, lembra como ela foi feita", afirmou.

De acordo com o constitucionalista Luiz Guilherme Arcaro Conci, professor da PUC-SP, porém, a Constituição de 1946, a que se referiu o candidato, foi, sim, feita pelo Congresso.

Questionado posteriormente pela Folha, Mourão afirmou que pode ter se confundido ao citar a Constituição de 1946.

Os textos que não passaram por representantes eleitos pela população foram os de 1824, 1937 e 1969, que não coincidem com regimes democráticos no Brasil.

Para Mourão, a atual Constituição, de 1988, deu início à crise pela qual passa o país.

"Tudo virou matéria constitucional. A partir dela, surgiram inúmeras despesas. A conta está chegando, está caindo no nosso colo. Chegou o momento em que temos que tomar uma decisão a respeito", afirmou.

Mourão, porém, reconheceu que a edição de uma nova Constituição é algo "muito difícil de se conseguir" nesse momento no Brasil.

O general ainda rechaçou a possibilidade de intervenção militar no Brasil, e disse que a democracia precisa ser "afirmada como um valor fundamental do nosso país".

"Por pior que seja esse sistema, ele ainda é o melhor de todos", declarou.


Fernando Canzian: Na contramão do mundo, Brasil se endivida para ampliar sua crise

Dez anos depois da Grande Recessão, patinamos em meio a gastos insustentáveis

Na sequência da quebra do Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008, estava em Nova York para acompanhar os efeitos da maior falência corporativa dos EUA, que pulverizou o banco com 158 anos e 25 mil funcionários.

Logo estaria claro que a crise, chamada depois de Grande Recessão, duraria anos. Na chegada, olhava para cima, via os prédios de Citibank, Merrill Lynch e Bank of America e pensava: “Quebrados”.

Em questão de dias, a crise iria de Wall Street para a Main Street (a rua principal, da economia real) e arrastaria gigantes como General Motors, Ford, General Electric e centenas de empresas.

O trabalho nos EUA duraria quase dois anos, e a crise, mais uns três para arrefecer. Antes, ela varreria boa parte da Europa, sobretudo os países do Sul, como Portugal, Espanha, Itália e Grécia.

Com a chegada do euro em janeiro de 2002, essas economias se endividaram para valer com a garantia do Banco Central Europeu e viveram, assim como os americanos faziam há muito tempo, além de suas possibilidades.

Antes da crise, enquanto nos EUA comprava-se imóveis financiados sem parar e empacotava-se essas dívidas em produtos financeiros vendidos ao redor do mundo (tendo como garantia o pagamentos dos empréstimos), os europeus se endividaram para ampliar suas empresas e infraestrutura. E as famílias, para aumentar seu padrão de vida em velocidade alucinante.

A crise de 2008, que agora completa dez anos, foi, portanto, uma crise relativamente simples de entender. Apesar de cifras nos trilhões e de siglas e nomes complicados como Tarp, CPP, CDO e “subprime”, ela pode ser resumida em uma palavra: endividamento.

Bancos, empresas e famílias estavam extremamente endividados até 2008 e demandariam a maior operação conjunta da história dos principais bancos centrais do mundo (Federal Reserve e Banco Central Europeu à frente) para salvá-los.

Eles não só baixaram suas taxas de juros a níveis negativos (abaixo da inflação) como injetaram trilhões de dólares nos mercados comprando títulos de empresas e governos em dificuldades.

Foi isso o que salvou o mundo de uma depressão: os governos se endividaram para socorrer empresas e bancos.

Já as famílias tiveram o efeito colateral positivo de não perderem mais empregos do que já vinham perdendo. E o negativo de, ao longo dos próximos muitos anos, terem de sustentar esse endividamento público com seus impostos.

Dez anos depois do início daquele desastre global, o mundo cresce de novo e, nos EUA, a discussão agora é se a economia não está quente demais. A ponto de engendrar uma nova crise a partir de mais endividamento de empresas e famílias.

Em tese, esse não é um problema difícil de resolver. E os bancos centrais de EUA e União Europeia já estão preparados para elevar os juros mais rapidamente e esfriar um pouco as coisas, antes que uma nova bolha de consumo e dívidas se forme.

Infelizmente para o Brasil, esse processo se dá em um momento muito ruim, quando constatamos que perdemos mais uma década em meio a crises e baixo crescimento.

E que temos pela frente uma série de ajustes a serem feitos justamente quando os países ricos precisarão esfriar um pouco, dificultando nossa vida.

Assim como ocorreu no mundo desenvolvido, nossa crise atual também é de endividamento, mas público. Hoje, o Brasil opera com um déficit fiscal de cerca de 8,5% e uma dívida de 77% como proporção do PIB.

Nosso endividamento se aproxima rapidamente da média dos países europeus. Mas, ao contrário do Brasil, eles não só já deixaram a crise para trás como têm hoje superavit em suas contas (casos de Espanha, Portugal e Itália).

Pior: no Brasil, boa parte do aumento da dívida e do déficit não ocorre para nos livrar de uma crise. Mas para nos afundar ainda mais nela, pagando salários altos a algumas castas de servidores e cobrindo um sistema previdenciário em que as contas já não fecham mais.

Se você nunca viu, não deixe de assistir a esse vídeo impagável dos ingleses John Bird e John Fortune da época da crise do “subprime” nos EUA. Menos de nove minutos para entender tudo.

* Fernando Canzian é jornalista, autor de "Desastre Global - Um Ano na Pior Crise desde 1929". Vencedor de quatro prêmios Esso.


Matias Spektor: Haddad confronta dilema externo

Para estratégia vingar, ex-prefeito teria de rasgar a plataforma de política externa do PT

Fernando Haddad começou a testar o modelo de relações exteriores inventado pela campanha presidencial de Lula em 2002: para reverter a ojeriza de bancos de investimento e agências de rating, o líder da chapa faria um compromisso com o mercado.

A estratégia começou há três semanas, quando Haddad vazou as primeiras notícias à imprensa de suas conversas reservadas com grandes bancos internacionais. Na terça (11), Kennedy Alencar plantou o nome de Marcos Lisboa para ministro da Fazenda. Nesta quarta (12), a Bloomberg publicou texto elogioso às supostas credenciais do candidato junto ao mercado financeiro.

Ciente da relação umbilical entre expectativas de mercado e postura geopolítica, Haddad ainda começou a repetir que, diferentemente do que dizem Gleisi Hoffmann e a burocracia de seu partido, Venezuela e Nicarágua estão longe ser democracias.

Para essa estratégia vingar, Haddad teria de rasgar a plataforma de política externa do PT. Ele tiraria do barco os economistas da Unicamp que o assessoram e nomearia uma figura pró-mercado para liderar a equipe. Essa pessoa montaria uma agenda pública de reuniões com investidores estrangeiros, funcionários do governo americano e técnicos graúdos do FMI (Fundo Monetário Internacional).

Além disso, Haddad enviaria um emissário a Buenos Aires para tirar foto com o chefe de gabinete de Mauricio Macri. Ao sair da Casa Rosada, o assessor diria à imprensa que seu candidato fará tudo para evitar uma crise de confiança capaz de desatar a crise de economias emergentes, para a qual o Fundo começou a alertar há menos de uma semana.

Foi isso que Lula fez com disciplina entre maio e outubro de 2002. Mobilizou dois operadores graúdos —Antonio Palocci e José Dirceu— e, com isso, obteve o apoio da embaixada americana.

À época, Lula precisou desautorizar ou silenciar aqueles que, dentro do PT, davam pitacos alternativos a observadores estrangeiros, como o candidato ao Senado Aloizio Mercadante.

A alternativa de Haddad é usar o modelo Dilma em 2014: manter a rota atual com obstinação, deixando intactas as teses esdrúxulas do partido sobre situação fiscal do país. Nesse mundo, ele continuaria dizendo que reverterá as reformas de Temer e que irá mesmo convocar um plebiscito popular sobre capital estrangeiro no pré-sal.

Qual escolha Haddad fará é impossível de prever. Aquela feita por Lula no passado é a mais custosa, mas também a única que permitiria a ele, ganhando a eleição, assumir o governo tendo algum chão.

Seja qual for a alternativa escolhida, ela definirá o risco político global do Brasil durante este ciclo eleitoral.

*Matias Spektor é professor de relações internacionais na FGV.


Folha de S. Paulo: Minucioso, livro "Medo" descreve governo Trump como bomba-relógio

Em nova obra, Bob Woodward narra pensamentos alheios e retrata presidente como ignorante

Por Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo

Se Donald Trump não tivesse um grave déficit de atenção e uma péssima memória, nós estaríamos na Terceira Guerra Mundial. É isso que se depreende do livro "Fear:Trump in the White House" ("Medo:Trump na Casa Branca"), do jornalista Bob Woodward, lançado nesta terça (11) nos EUA e que chega em outubro ao Brasil pela editora Todavia.

No livro, Woodward relata o esforço concentrado de alguns assessores do presidente dos EUA para salvá-lo de si mesmo e impedir que faça grandes bobagens, tais como: sair do acordo comercial com a Coreia do Sul, sair da Otan (a aliança militar encabeçada pelos EUA), assassinar o ditador Bashar al-Assad, da Síria, tuitar mandando todos os soldados americanos saírem da Coreia do Sul, sob pena de deflagrar um ataque de Pyongyang.

Algumas vezes, é bom dizer, eles fracassam —vide a reação de Trump aos protestos em Charlottesville, em que ele igualou manifestantes contrários ao racismo a neonazistas. Ou a tentativa infrutífera de impedir que Trump fique cinco horas por dia assistindo ao noticiário na TV e que use o Twitter como megafone.

Mas, segundo o livro, a incapacidade de Trump de prestar atenção —não lê nem ouve briefings de segurança, esquece ordens que deu, volta atrás em decisões— é que acaba impedindo o presidente de fazer estragos maiores.

Gary Cohn, que foi o principal assessor econômico de Trump, e Rob Porter, ex-secretário pessoal do presidente, rotineiramente retiravam da mesa do republicano documentos com ordens que ele decidia intempestivamente.

Na maioria das vezes, Trump nem reparava no sumiço e nunca mais falava no assunto. Os dois também filtravam que tipo de informação podia chegar até Trump. Era um "golpe de Estado administrativo".

Porter e Cohn, os personagens que mais aparecem no livro, já vieram a público criticar a obra, mas de forma pouco específica. Porter nega que documentos tenham sido "roubados" da mesa de Trump e que ele tenha tentado "proteger" o presidente de certos pontos de vista considerados nocivos, e Cohn diz que o livro não retrata sua experiência no governo.

Woodward também cita em detalhes diálogos surrealistas entre Trump e os assessores.

Ouvindo Gary Cohn falar que as taxas de juros, que estavam baixas e iam começar a subir, Trump teria sugerido:

"Vamos pegar um monte de dinheiro emprestado agora, esperar, vender depois e ganhar um monte de dinheiro".

Cohn, segundo o livro, ficou "chocado com a falta de compreensão básica de Trump" e tentou explicar que, dessa maneira, aumentaria o déficit do governo.

Ao que Trump teria retorquido, ignorando como se produz inflação: "Como assim? É só imprimir dinheiro".

Conflitos de Trump com aliados
O livro também relata o processo de contratação de Trump —anunciar pelo Twitter o novo ministro ou secretário antes de ele aceitar e se orientar por fatores estéticos. Não gostou, por exemplo, se seu ex-conselheiro de Segurança Nacional H.R. McMaster porque estava vestido como "vendedor de cerveja" e de John Bolton, o atual, por causa de seu bigode.

Não fosse o autor o respeitado Bob Woodward, o leitor poderia achar que ele instalou microfones em todos os participantes. Foi Woodward que revelou, ao lado de Carl Bernstein, o escândalo de escutas Watergate, que levou à renúncia de Richard Nixon em 1974 (a investigação é relatada no livro "Todos os Homens do Presidente", que no Brasil é publicado pelo selo Três Estrelas, do Grupo Folha).

O nível de detalhes em "Fear" é impressionante, além de ele tentar relatar o que os personagens sentiram a cada momento. Para os críticos, é o chamado "jornalismo mãe Dinah", de poderes mediúnicos.

Woodward diz que faz as entrevistas em "deep background" (pode-se usar toda a informação, desde que não se identifique a fonte) e afirma ter "centenas de horas de entrevistas com participantes e testemunhas desses acontecimentos". Ele usou o mesmo método em seus outros livros sobre presidentes —Barack Obama, Bill Clinton e George W. Bush, o que mostra impressionante acesso ao poder.

Em Washington, a "lei de Woodward" costuma ser respeitada: se não quiser ser destruído, sente para falar com Woodward e dê sua versão dos fatos, senão outros darão.


Folha de S. Paulo: Sentimento de medo abre espaço para narrativas autoritárias no país, diz FHC

Ex-presidente tratou de corrupção e moralidade na política em evento em São Paulo

Marco Rodrigo Almeida, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Há no país um sentimento de medo que abre espaço para narrativas autoritárias, disse Fernando Henrique Cardoso nesta terça-feira (11) em São Paulo.

“Essa narrativa vai ganhar? Não sei. Depende das outras narrativas na disputa. Não quero entrar nessas especificidades.”

Sem citar nomes, o ex-presidente fez alguns comentários a respeito da corrida eleitoral durante palestra no evento Thomson Reuters Risk Summit, na capital paulista. O tema da conversa foi moralidade na política e combate à corrupção.

“Acusações de corrupção sempre houve na política. A indistinção do público e do privado é um traço cultural no país. Poder que não abusa não é poder, se dizia antigamente.”

Agora, diz ele, instituições e sociedade passam por transformações que a classe política ainda não compreendeu.

“A Constituição de 1988 conferiu independência ao Ministério Público. Desde então seus membros se capacitaram para servir a sociedade. E a partir desse trabalho as pessoas perceberam que as bases partidárias não eram saudáveis.”

Sobretudo com a Lava Jato revelou-se uma relação promíscua entre empresários, partidos e políticos, um “sistema de financiamento que se mostrou corrupto”.

“Vivemos um a fase desagradável, a população já não sabe mais em quem acreditar. E vivemos uma situação paradoxal. Os políticos presos continuam populares. Isso mostra que há um respaldo que vai além da classe política”

FHC também comentou as mudanças em curso nas democracias representativas. Antes, avaliou, os partidos espelhavam os interesses de classes e grupos sociais. Com a fragmentação da sociedade, esse vínculo quebrou-se, e as pessoas passaram a ter maior identificação com causas específicas ou movimentos sociais.

“Isso ocorre no mundo inteiro. Tradicionalmente Trump não seria presidente dos Estados Unidos, mas ele conseguiu expressar um sentimento de exclusão e derrota de uma parcela da sociedade. Mas algumas coisas dá para prever. Estava na França na eleição. Previ a vitória de Macron. Mas aqui não ganharia, é muito racional.”

O mundo político é imprevisível, define FHC, e essa é sua beleza e sua tragédia.

“Quem poderia imaginar que um candidato à Presidência seria esfaqueado? Ninguém sabe qual será a consequência disso.”

O ex-presidente disse que os candidatos precisam se esforçar para explicar a população as medidas impopulares de que o país necessita, como a reforma da Previdência.

Deu como exemplo sua experiência como ministro da Fazenda, cargo em que foi parar, disse em tom de gracejo, por um engano do então presidente Itamar Franco, uma vez que pouco sabia de economia.

Na elaboração do Plano Real, que derrotaria a inflação, o grande inimigo nacional na ocasião, contou ter montado uma equipe com os melhores quadros e ter buscado um canal de comunicação com diversos setores: empresários, acadêmicos, sindicatos - “até com Lula”.

Uma vez, relembrou, foi aos estúdios do SBT contar a Silvio Santos os fundamentos da nova moeda. Depois de pedir que o então ministro repetisse a explanação três, quatro vezes, o apresentador disse que faria uma adaptação do que ouviu para seu público, cuja idade mental seria de 12 anos.

Segundo FHC, Silvio Santos fez uma explicação brilhante —um exemplo que deveria ser seguido por todo político.

“Hoje os jornalistas perguntam os candidatos o que farão em relação ao teto de gastos. Eles não farão nadam, pois não há verba para gastar. E se fizerem dívida, aumenta a inflação.”


Folha de S. Paulo: Dilma lidera gastos entre candidatos para o Senado

Valor supera até mesmo campanhas de presidenciáveis como Marina, Ciro e Bolsonaro

Por Artur Rodrigues, da Folha de S. Paulo

"Focada em denunciar o "golpe" —como ela chama seu impeachment—, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) tem a campanha mais cara entre os candidatos ao Senado no país até o momento.

A petista, que disputa uma vaga por Minas Gerais, gastou R$ 3,06 milhões. O levantamento com dados do Tribunal Superior Eleitoral foi feito na última segunda (10) e inclui os 357 candidatos ao Senado.

O valor supera até mesmo despesas de campanhas de presidenciáveis como Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro (PSL).

Dilma foi afastada em 2016, mas não perdeu direitos políticos e hoje lidera a disputa ao Senado em Minas. A petista tem 26% das intenções de voto, segundo o Datafolha.

Apenas 0,5% do valor arrecadado por Dilma vem de fonte privada --no caso, financiamento coletivo. O PT é responsável por todo o resto.

A campanha de Dilma até agora representa mais da metade de todo o gasto em campanhas petistas ao Senado —R$ 5,6 milhões. Segundo a equipe da candidata, a soma deve crescer ainda e bater o teto de R$ 4,2 milhões, uma vez que a campanha serve como plataforma para ecoar ideias defendidas pelo partido, entre elas a de que o impeachment foi um golpe parlamentar.

"A eleição dela é prioridade para o PT porque foi vítima do golpe de Estado e tem a oportunidade de denunciar aos eleitores os desmandos do governo Temer", diz a assessoria da candidata.

As peças publicitárias da petista acusam o governo Michel Temer (MDB) de ser entreguista, elitista e machista.

Outra propaganda narrada pela própria Dilma critica a prisão de Lula, comparando-o com Nelson Mandela e Martin Luther King. No mesmo vídeo, coberto com imagens da advogada Janaína Paschoal agitando uma bandeira do Brasil, Dilma não usa a palavra presidenta, como gostava de ser chamada. "Deixamos Lula ser preso e eu, uma presidente honesta, ser ilegalmente destituída", diz a petista.

Além de investir em campanhas para TV, Dilma tem rodado Minas dando entrevistas e participando de eventos. A repercussão, algumas vezes, ultrapassa o estado, graças a gafes da ex-presidente.

Na segunda (10), em Belo Horizonte, ela causou gargalhadas na plateia ao errar três vezes o nome da ex-BBB Mara Telles, candidata a deputada estadual pelo PC do B.

Deslizes à parte, Dilma mantém situação confortável na disputa. Ela está 15 pontos percentuais acima do segundo colocado, o jornalista Carlos Viana (PHS), com 11%.

A segunda campanha ao Senado mais cara do Brasil é de um concorrente direto de Dilma: Rodrigo Pacheco, do DEM. Ele gastou até agora R$ 2,72 milhões.

No topo da lista de campanhas mais caras ao Senado, Dilma tem a companhia vários políticos ligados a Temer. Entre eles, o líder do governo na Câmara, André Moura, do PSC de Sergipe, e o ex-ministro da Educação Mendonça Filho, do DEM de Pernambuco.

Para presidente, a campanha mais cara até aqui é a de Henrique Meirelles (MDB) com R$ 39,2 milhões em gastos. Depois, vêm Lula R$ 19,7 milhões, e Geraldo Alckmin (PSDB), com R$ 9,3 milhões.

Em primeiro na corrida presidencial, Bolsonaro gastou R$ 825,6 mil. Marina e Ciro também têm gastos mais modestos: R$ 1,8 milhão e R$ 1,4 milhão, respectivamente.