Folha de S. Paulo
Maria Herminia Tavares de Almeida: Onde mora o perigo
A democracia brasileira corre risco e a ameaça nas eleições vem da extrema direita
A centro-direita se despedaçou. O PSDB perdeu a capacidade de reunir em torno de seu candidato a grande parcela do eleitorado dessa vertente. A cada dia fica mais provável que a disputa se dará entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro.
A migração dos eleitores rumo aos dois candidatos vem dando embalo à interpretação de que caminhamos para um enfrentamento entre forças políticas extremistas, nenhuma delas comprometida com instituições e valores democráticos. Há quem descreva a situação como um embate catastrófico entre duas formas de populismo.
Haddad e Bolsonaro, para além de suas abissais diferenças, seriam igualmente nefastos para a estabilidade e a permanência de democracia. Ela estaria ameaçada qualquer que fosse o resultado das urnas, pois seriam grandes as chances de que sucumbisse a uma variante de chavismo ou a um governo de extrema direita sob permanente tutela militar.
Essa versão do dilema político que nos aflige rende imagens fortes para o horário eleitoral e muita fúria no Facebook. Mas é difícil sustentá-la à luz da experiência dos últimos 30 anos de democracia plena.
Cabe debitar ao PT muitos dos malfeitos que levaram o país à crise presente: a cegueira diante das condições externas que nos permitiram passar quase ilesos pela crise mundial de 2008; o descompromisso com o controle da inflação e com a responsabilidade fiscal; o desenho canhestro e o descontrole na execução de programas sociais em si positivos –como o Fies, o Ciência sem Fronteiras, entre outros.
Por último, porém não menos importante, como atestam o mensalão e o petrolão, há os extremos a que o partido levou as práticas ilícitas de caixa dois, prevaricação, conluio com grandes empresas e corrupção --comuns, de resto, a quase todos as siglas brasileiras.
São verdades inconvenientes que as lideranças petistas insistem em negar. Nesta campanha, traz também muita inquietação a proposta de governo que parece ter sido feita por uma legenda que se preparava para perder e virar oposição e não para enfrentar as responsabilidades de gerir o país.
Isso posto, é impossível ignorar o imenso e bem-sucedido esforço de inclusão promovido pelos governos petistas, que transformou a paisagem social brasileira e trouxe ganhos que vieram para ficar, apesar da profunda crise econômica.
É míope quem atribui o extenso e duradouro apoio a Lula entre a maioria dos pobres à mera ilusão produzida por um prestigitador populista. Tem motivos bem racionais para gostar de Lula o eleitor do município onde a eletricidade só chegou na última década do século passado, com o Luz para Todos, e cujo filho foi o primeiro negro da família a entrar na universidade, graças ao Prouni e à política de cotas, assim como aquele que passou a trabalhar com carteira assinada ou tem a proteção mínima do Bolsa Família.
Da mesma forma, desde a sua fundação, o PT apostou tudo na disputa pelo poder pela via eleitoral –e só por ela. Adotou assim estratégia característica dos partidos reformistas de tipo social-democrata ao redor do mundo.
Derrotado em 1989, 1994 e 1998, aceitou os resultados sem contestá-los. Ao ascender ao Planalto, a agremiação consolidou uma liderança moderada de centro-esquerda e governou rigorosamente dentro das regras democráticas. Não procurou calar a imprensa que lhe fazia oposição, nem controlar o Judiciário que exerceu com liberdade sua vocação antimajoritária.
Não tratou de alterar as instituições em benefício próprio nem quando seus opositores apostaram que Lula tentaria, à semelhança de Chávez, Morales e congêneres, abolir os limites à reeleição. Apeado da Presidência, com dirigentes condenados e presos em consequência da Lava Jato, o partido buscou a via judicial para contestar as penas recebidas e investiu forte nas eleições, reafirmando-as, assim, como a única forma legítima de conquistar o governo.
Nesta hora, a democracia corre risco, mas o perigo vem da extrema-direita.
*Maria Herminia Tavares de Almeida, professora titular aposentada de Ciência Política da USP e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Bruno Boghossian: Primeiro soluço de Bolsonaro é sinal de resistência na reta final
Ainda é cedo para dizer se onda a favor do candidato vai refluir até a eleição
A penúltima semana da corrida presidencial começou com um soluço inédito da candidatura de Jair Bolsonaro. O novo levantamento do Ibope mostrou o deputado ainda na liderança, mas estacionado pela primeira vez desde o início oficial da campanha e com rejeição em alta.
Embora o retrato seja insuficiente para apontar os rumos da reta final da eleição, os números destacam vestígios de uma resistência ao deputado depois de sua disparada.
Bolsonaro sustentou 28% dos votos, mas viu subir para 46% o percentual de eleitores que dizem não votar nele. Os indícios mais perigosos para o candidato, porém, são projeções de segundo turno que sugerem um fluxo contrário a seu nome.
O candidato do PSL estava tecnicamente empatado com seus principais opositores nessas simulações. Agora, perde para Ciro Gomes (PDT) por 11 pontos, para Fernando Haddad (PT) por 6 e para Geraldo Alckmin(PSDB) por 5. Empata apenas com Marina Silva (Rede).
É cedo para dizer se a onda de Bolsonaro foi prematura demais, a ponto de provocar uma reação contrária igualmente vigorosa. É preciso saber se os ventos voltarão a soprar com força —e em qual direção.
De todo modo, Bolsonaro parece ter cristalizado uma fatia significativa de eleitores em torno de sua campanha. Ainda não há sinais de que eles pretendem abandoná-lo.
A provável explicação para o retrato exibido pelo Ibope é a formação de mobilizações contrárias ao candidato do PSL e a sucessão de ataques a ele na propaganda eleitoral.
A dura campanha de Alckmin contra o deputado não fez o tucano crescer, mas pode ter travado o crescimento do adversário. Quem se beneficia, por enquanto, é Haddad —que continua crescendo e chegou a 22%.
Nos últimos dias, o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) flertou com Bolsonaro e afirmou que os ataques ao candidato do PSL eram um erro. Semanas antes, Alckmin havia dito que faria “o possível” para evitar a vitória do rival. Parece que o paulista assumiu o papel de kamikaze.
Celso Rocha de Barros: Paulo Guedes é o preço da piada Bolsonaro
Mudança no Imposto de Renda talvez tenha passado despercebida para bolsonaristas
Chegou a hora de saber se você, que se divertiu com todo o lado "politicamente incorreto" de Bolsonaro, está disposto a perder dinheiro para continuar ouvindo a piada.
Na semana passada, Paulo Guedes, guru econômico de Bolsonaro, apresentou a um grupo de empresários sua proposta para reformar os impostos brasileiros. Não era para os empresários terem contado para ninguém (o que é meio suspeito), mas a Folha descobriu a história.
Causou escândalo a proposta de criação de uma nova CPMF, que o tuiteiro @oobservadorbr chamou de "Imposto Ipiranga". Bolsonaro desautorizou Guedes e negou que vá criar o Imposto Ipiranga.
Mas Bolsonaro defendeu outra proposta de Guedes, a mudança no Imposto de Renda.
E aqui tem um negócio que talvez tenha passado despercebido para os bolsonaristas.
Guedes defende uma alíquota de imposto de renda igual para todo mundo que não for isento: 20%. Sozinho, esse número já sugere que os ricos se deram bem nessa (atualmente pagam 27%). Em entrevista ao O Estado de S. Paulo, o economista Sergio Gobetti estimou que a proposta deve beneficiar os 11% mais ricos do Brasil.
Esse é o segmento em que Bolsonaro vai melhor nas pesquisas: os mais ricos e boa parte do que costumamos chamar de "classe média". Inclui os oficiais do exército, por exemplo.
Ora, então os bolsonaristas mais entusiasmados vão lucrar com a proposta de seu candidato, certo?
Depende se ele é rico.
O economista Carlos Góes, do site Mercado Popular, notou algo que não recebeu muita atenção. A proposta de alíquota única elimina as isenções para saúde e educação (entre outras) que são usadas sobretudo pelo pessoal da classe média para cima.
Não sou especialista, talvez isso seja uma boa ideia.
Mas garanto que não é o que esperam os bolsonaristas mais entusiasmados. Muito menos os oficiais do Exército.
Se eu entendi direito, na proposta de Guedes, eles pagarão mais imposto de renda, a não ser que sejam tão ricos que essas isenções de saúde e educação não façam muita diferença.
Mas será que os bolsonaristas que perderiam a capacidade de pagar escola particular e plano de saúde não poderiam se salvar recorrendo aos serviços públicos?
Aí o problema é outro: Guedes não tem ideia do que vai fazer para o governo não quebrar.
Em sabatina na Globonews Guedes defendeu zerar o déficit público em um ano, com um trilhão de reais que conseguiria vendendo todas as estatais e todos os terrenos do governo federal.
Esse número redondo, como vocês já devem ter imaginado, foi produzido pelo International Institute of Tirei um Número da Cueca Aqui Agora.
Nos cálculos da economista Zeina Latiff, o valor da participação do governo nas estatais é bem menor, cerca de 140 bilhões. E não, não dá para vender todas as estatais em um ano, isso é coisa de cracudo desesperado por pedra.
E os terrenos da União incluem os que têm prédios do governo em cima. Já avisaram os militares que, se depender do Guedes, eles vão ficar sem teto e vão pagar mais impostos? Os caras vão acabar votando no Boulos.
E isso tudo é porque ainda nem começamos a discutir o que Bolsonaro pretende fazer com os pobres. O general vai pagar mais imposto, mas a mãe do soldado, essa sim está ferrada se Bolsonaro vencer.
PS: certa mesmo estava a charge do Bennet na última quinta-feira.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Bruno Boghossian: Medo de revanche freia aproximação de partidos com PT no 2º turno
Haddad planeja 'frente democrática', mas siglas temem vingança por Dilma e Lula
Se quiser o apoio de políticos de centro e de direita no segundo turno, Fernando Haddad precisará escrever uma “Carta ao golpista brasileiro”. Os partidos que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff desconfiam dos sinais emitidos pelo PT nesta eleição e temem que um governo da sigla seja “revanchista”.
Legendas que ficarão pelo caminho no dia 7 de outubro estão em cima do muro. Embora suas bases sejam majoritariamente simpáticas a Jair Bolsonaro, alguns dirigentes rechaçam o discurso radical do candidato do PSL. Os petistas querem atrair essa ala com apelos à criação de uma “frente democrática”.
O velho establishment político dá um passo atrás. O receio do grupo é que o PT —ferido pela prisão de Lula e pela queda de Dilma— saia em busca de vingança. Os caciques creem que o partido poderia concentrar o poder, implementar uma agenda inflexível e dinamitar medidas tomadas nos últimos anos.
Em campanha, Haddad lança mensagens ambíguas. “Vamos fazer um acerto de contas sem revanchismo, sem ódio. Queremos que o povo brasileiro mande no Brasil. Eles têm que aprender a respeitar o resultado das urnas. O povo vai se lembrar de tudo o que aconteceu”, disse na sexta-feira (21), em Minas Gerais.
Nos bastidores, a disposição é mais apaziguadora. Haddad sabe que precisará de força política para enfrentar a popularidade de Bolsonaro e a aversão ao PT. O candidato já fez acenos de moderação em seu programa de governo e abraçou dirigentes do MDB, mas precisará erguer pontes mais concretas
Ainda que Haddad pareça um petista suave, o discurso raivoso de dirigentes do partido deixa apreensivos os possíveis aliados. Além disso, o centrão aproveita a hesitação de seus quadros para ampliar a fatura de um apoio no segundo turno.
Um eventual acordo só sairia com o aval da cela da PF em Curitiba. Há quase um ano, um Lula visionário abriu caminho para a reconciliação: “Estou perdoando os golpistas que fizeram essa desgraça no país”.
Demétrio Magnoli: Meu lugar na fila
Proteger interesses gerais paga menos dividendos que promover interesses de grupos
Daqui a três meses, no 13 de dezembro, dia do AI-5, em 1968, e do golpe de Jaruzelski na Polônia, em 1981, completo 60. Dizem, para me animar, que terei descontos em peças e shows, vagas reservadas em estacionamentos e filas prioritárias nos aeroportos, supermercados e bancos.
No caso dos bancos, não vale a pena. As empresas que descobriram uma oportunidade nas bondades distribuídas pelo Estado contratam idosos para realizar operações bancárias, tornando mais demorada a fila preferencial. Quanto ao resto, decidi que passo. As políticas de privilégios envenenam a democracia. Não serei um idoso oficial enquanto conservar capacidades físicas normais.
Com exceção de um, meus amigos idosos converteram-se em idosos oficiais. Uma, que corre maratonas em montanhas, tirou carteira de idosa para estacionar bem pertinho da entrada do shopping. A vantagem pessoal tem imenso poder de sedução, principalmente se parece não causar dano a ninguém. Aparências enganam: a meia-entrada, para ficar num único exemplo, é financiada pela elevação universal dos preços dos ingressos. A sociedade em geral paga o desconto garantido por lei a estudantes e idosos, inclusive os abastados.
Pondé registrou, com razão, que um indivíduo “negro”, presumido descendente de escravos, “assimilará essa consciência histórica da culpa como ganho imediato objetivo: cotas nas universidades ou concursos públicos”. A cota de um implica a negação de vaga a outro, que obteve nota superior e pode até ser mais pobre. Mas não se tem notícia de números significativos de candidatos recusando o direito (ou privilégio?) de inscrição para vagas reservadas a cotistas. A lei vale mais que a ética —se, claro, gera ganhos pessoais palpáveis.
A lei legitima, absolve, aplaca a consciência. Procuradores e juízes, esses anjos vingadores do Brasil que tem raiva, justificam seu auxílio-moradia, uma escandalosa política de transferência regressiva de renda, invocando a legalidade. Luiz Fux sentou-se sobre um processo que questionava o privilégio, agindo como sindicalista. O auxílio-moradia é incomparavelmente pior que a carteira de idoso utilizada por nadadores, surfistas, tenistas, triatletas de 60 anos.
Mas por que se produzem ou se perenizam tantas “leis de meia-entrada”? A resposta encontra-se num calcanhar de Aquiles da democracia representativa: a proteção dos interesses gerais, difusos, paga menos dividendos eleitorais que a promoção de interesses específicos, de grupos.
O nome do jogo é corporativismo. Federações empresariais fazem campanha para candidatos que acenam com tarifas protecionistas ou subsídios do BNDES. Sindicatos de trabalhadores e empresários perfilam ao lado dos políticos que acenam com o retorno da contribuição sindical compulsória. As entidades do funcionalismo público marcham com os oponentes da reforma previdenciária.
As igrejas ajudam a formar as “bancadas de Deus” que asseguram isenções tributárias aos porta-vozes terrenos da palavra divina. As ONGs racialistas evitam lançar a pecha de “racista” sobre os que prometem eternizar as políticas de cotas aprovadas originalmente como medidas temporárias.
O “povo”, no idioma da política corporativa, é uma coleção de grupos de interesse. A nação, deduz-se, é um pacto de armistício entre eles. As versões extremas do corporativismo conduzem a sangrentos conflitos étnicos (Biafra, Ruanda), a ditaduras ordenadoras (Salazar, Vargas) ou, nas democracias, simplesmente ao colapso fiscal (Grécia).
O lulismo radicalizou os traços corporativos da tradição política brasileira. A fragmentação partidária atual é uma moldura perfeita para a manutenção dos privilégios de grupo. No aeroporto, à minha direita, uma dúzia de lépidos idosos oficiais somam-se à fila preferencial. Rumamos a uma tragédia grega, qualquer que seja o eleito?
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Folha de S. Paulo: Em carta, FHC pede união contra candidatos radicais para evitar agravamento da crise
Em poucas ocasiões vi condições políticas e sociais tão desafiadoras quanto as atuais, diz ex-presidente
Leia a integra da carta no final
SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) divulgou nesta quinta-feira (20) uma carta aberta na qual pede a união dos candidatos “que não se aliam a visões radicais”.
Sem citar nomes, pediu um acordo de apoio a quem “melhores condições de êxito eleitoral tiver” —caso contrário a “crise tenderá certamente a se agravar”.
A carta tem como alvos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), embora não citados nominalmente. O ex-presidente não especifica quem seriam os candidatos moderados, mas deduz-se que incluam Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede), Henrique Meirelles (MDB), Alvaro Dias (Podemos) e possivelmente Ciro Gomes (PDT).
O ex-presidente, na carta, não é explícito no pedido de apoio a Alckmin, de seu partido. Mas pouco depois de divulgar o texto reafirmou no Twitter o apoio a ele.
“Enviei carta aos eleitores pedindo sensatez e aliança dos candidatos não radicais. Quem veste o figurino é o Alckmin, só que não se convida para um encontro dizendo ‘só com este eu falo’”.
Segundo FHC, ante a dramaticidade do quadro atual, ou se busca a coesão política, “com coragem para falar o que já se sabe e a sensatez para juntar os mais capazes para evitar que o barco naufrague”, ou o “remendo eleitoral da escolha de um salvador da pátria ou de um demagogo, mesmo que bem intencionado, nos levará ao aprofundamento da crise econômica, social e política”.
Embora tenha quase metade do tempo de propaganda eleitoral na TV, Alckmin está estagnado nas pesquisas, com apenas 9%, como mostrou o Datafolha nesta quinta (20).
Na frente dele estão Bolsonaro (28%), Haddad (16%) e o pedetista Ciro Gomes (13%).
Em relação aos dois primeiros candidatos, sobretudo, FHC percebe uma radicalização dos sentimentos políticos.
“A gravidade de uma facada com intenções assassinas haver ferido o candidato que está à frente nas pesquisas eleitorais deveria servir como um grito de alerta: basta de pregar o ódio, tantas vezes estimulado pela própria vítima do atentado”, escreveu sobre Bolsonaro.
O capitão reformado sofreu um ataque no dia 6 de setembro durante ato de campanha em Juiz de Fora (MG) e segue internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Embora ausente de debates na TV e atividades de campanha, apresenta tendência de crescimento nas pesquisas.
FHC diz ainda que o fato de o primeiro colocado nas pesquisas (Bolsonaro) ter como principal opositor (Haddad) quem representa um líder preso por acusações de corrupção (Lula) “mostra o ponto a que chegamos”.
Haddad foi oficializado candidato do PT no dia 11 de setembro, após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser barrado pela Justiça Eleitoral, com base na Lei da Ficha Limpa. Lula está preso desde abril em Curitiba, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.
Em entrevista à Folha publicada no dia 2, o ex-presidente tucano afirmou que Bolsonaro antecipou a tradicional disputa entre PT e PSDB para o primeiro turno.
“Aceitando que o sentimento bolsonarista vai se manter, para ir para o segundo turno é PT e PSDB. Tradicionalmente, a disputa ia ser PT e PSDB no segundo turno. Agora, eu acho que será para ver quem vai para o segundo turno”, declarou na entrevista.
Na carta divulgada nesta quinta, ele afirma que o quadro atual é dramático, “mas ainda há tempo para deter a marcha da insensatez”.
Citando como exemplo a campanha das Diretas Já, defende que nem o partidarismo, muito menos o personalismo devolverão rumo ao desenvolvimento social e econômico.
“É preciso revalorizar a virtude da tolerância à política, requisito para que a democracia funcione. Qualquer dos polos da radicalização atual que seja vencedor terá enormes dificuldades para obter a coesão nacional suficiente e necessária para adoção das medidas que levem à superação da crise”, afirmou.
Pelo descalabro atual, reconhece o ex-presidente, também são responsáveis os partidos.
FHC cita que as agremiações lançaram-se com voracidade ao butim do Estado, enredaram-se na corrupção, desviaram recursos para os cofres partidários e suas campanhas. “É um fato a desmoralização do sistema político inteiro, mesmo que nem todos hajam participado da sanha devastadora de recursos públicos”, escreveu.
A crítica parece endereçada sobretudo PT e seus casos de corrupção desvelados pela Lava Jato, mas o PSDB não sai ileso. O Ministério Público de São Paulo, por exemplo, ajuizou no início do mês uma ação de improbidade administrativa contra Alckmin (PSDB), alegando uso de caixa dois em sua campanha em 2014.
“Somos todos responsáveis por evitar esse caminho”, diz FHC no fim da carta, ao conclamar que é hora de juntar forças e escolher bem.
“É isto o que está em jogo: o povo e o país. A nação é o que importa neste momento decisivo.”
LEIA A ÍNTEGRA
Carta aos eleitores e eleitoras
Fenando Henrique Cardoso
Em poucas semanas escolheremos os candidatos que passarão ao segundo turno. Em minha já longa vida recordo-me de poucos momentos tão decisivos para o futuro do Brasil em que as soluções dos grandes desafios dependeram do povo. Que hoje dependam, é mérito do próprio povo e de dirigentes políticos que lutaram contra o autoritarismo nas ruas e no Congresso e criaram as condições para a promulgação, há trinta anos, da Constituição que nos rege.
Em plena vigência do estado de direito nosso primeiro compromisso há de ser com a continuidade da democracia. Ganhe quem ganhar, o povo terá decidido soberanamente o vencedor e ponto final.
A democracia para mim é um valor pétreo. Mas ela não opera no vazio. Em poucas ocasiões vi condições políticas e sociais tão desafiadoras quanto as atuais. Fui ministro de um governo fruto de outro impeachment, processo sempre traumático. Na época, a inflação beirava 1000 por cento ao ano. O presidente Itamar Franco percebeu que a coesão política era essencial para enfrentar os problemas. Formou um ministério com políticos de vários partidos, incluída a oposição ao seu governo, tal era sua angústia com o possível despedaçamento do país. Com meu apoio e de muitas outras pessoas, lançou-se a estabilizar a economia. Criara as bases políticas para tanto.
Agora, a fragmentação social e política é maior ainda. Tanto porque as economias contemporâneas criam novas ocupações, mas destroem muitas outras, gerando angústia e medo do futuro, como porque as conexões entre as pessoas se multiplicaram. Ao lado das mídias tradicionais, as “mídias sociais” permitem a cada pessoa participar diretamente da rede de informações (verdadeiras e falsas) que formam a opinião pública. Sem mídia livre não há democracia.
Mudanças bruscas de escolhas eleitorais são possíveis, para o bem ou para o mal, a depender da ação de cada um de nós.
Nas escolhas que faremos o pano de fundo é sombrio. Desatinos de política econômica, herdados pelo atual governo, levaram a uma situação na qual há cerca de treze milhões de desempregados e um déficit público acumulado, sem contar os juros, de quase R$ 400 bilhões só nos últimos quatro anos, aos quais se somarão mais de R$ 100 bilhões em 2018. Essa sequência de déficits primários levou a dívida pública do governo federal a quase R$ 4 trilhões e a dívida pública total a mais de R$ 5 trilhões, cerca de 80% do PIB este ano, a despeito da redução da taxa de juros básica nos últimos dois anos. A situação fiscal da União é precária e a de vários Estados, dramática.
Como o novo governo terá gastos obrigatórios (principalmente salários do funcionalismo e benefícios da previdência) que já consomem cerca de 80% das receitas da União, além de uma conta de juros estimada em R$ 380 bilhões em 2019, o quadro fiscal da União tende a se agravar. O agravamento colocará em perigo o controle da inflação e forçará a elevação da taxa de juros. Sem a reversão desse círculo vicioso o país, mais cedo que tarde, mergulhará em uma crise econômica ainda mais profunda.
Diante de tão dramática situação, os candidatos à Presidência deveriam se recordar do que prometeu Churchill aos ingleses na guerra: sangue, suor e lágrimas. Poucos têm coragem e condição política para isso. No geral, acenam com promessas que não se realizarão com soluções simplistas, que não resolvem as questões desafiadoras. É necessária uma clara definição de rumo, a começar pelo compromisso com o ajuste inadiável das contas públicas. São medidas que exigem explicação ao povo e tempo para que seus benefícios sejam sentidos. A primeira dessas medidas é uma lei da Previdência que elimine privilégios e assegure o equilíbrio do sistema em face do envelhecimento da população brasileira. A fixação de idades mínimas para a aposentadoria é inadiável. Ou os homens públicos em geral e os candidatos em particular dizem a verdade e mostram a insensatez das promessas enganadoras ou, ganhe quem ganhar, o pião continuará a girar sem sair do lugar, sobre um terreno que está afundando.
Ante a dramaticidade do quadro atual, ou se busca a coesão política, com coragem para falar o que já se sabe e a sensatez para juntar os mais capazes para evitar que o barco naufrague, ou o remendo eleitoral da escolha de um salvador da Pátria ou de um demagogo, mesmo que bem intencionado, nos levará ao aprofundamento da crise econômica, social e política.
Os partidos têm responsabilidade nessa crise. Nos últimos anos, lançaram-se com voracidade crescente ao butim do Estado, enredando-se na corrupção, não apenas individual, mas institucional: nomeando agentes políticos para, em conivência com chefes de empresas, privadas e públicas, desviarem recursos para os cofres partidários e suas campanhas. É um fato a desmoralização do sistema político inteiro, mesmo que nem todos hajam participado da sanha devastadora de recursos públicos. A proliferação dos partidos (mais de 20 na Câmara Federal e muitos outros na fila para serem registrados) acelerou o “dá-cá, toma-lá” e levou de roldão o sistema eleitoral-partidário que montamos na Constituição de 1988. Ou se restabelece a confiança nos partidos e na política ou nada de duradouro será feito.
É neste quadro preocupante que se vê a radicalização dos sentimentos políticos. A gravidade de uma facada com intenções assassinas haver ferido o candidato que está à frente nas pesquisas eleitorais deveria servir como um grito de alerta: basta de pregar o ódio, tantas vezes estimulado pela própria vítima do atentado. O fato de ser este o candidato à frente das pesquisas e ter ele como principal opositor quem representa um líder preso por acusações de corrupção mostra o ponto a que chegamos.
Ainda há tempo para deter a marcha da insensatez. Como nas Diretas-já, não é o partidarismo, nem muito menos o personalismo, que devolverá rumo ao desenvolvimento social e econômico. É preciso revalorizar a virtude da tolerância à política, requisito para que a democracia funcione. Qualquer dos polos da radicalização atual que seja vencedor terá enormes dificuldades para obter a coesão nacional suficiente e necessária para adoção das medidas que levem à superação da crise. As promessas que têm sido feitas são irrealizáveis. As demandas do povo se transformarão em insatisfação ainda maior, num quadro de violência crescente e expansão do crime organizado.
Sem que haja escolha de uma liderança serena que saiba ouvir, que seja honesto, que tenha experiência e capacidade política para pacificar e governar o país; sem que a sociedade civil volte a atuar como tal e não como massa de manobra de partidos; sem que os candidatos que não apostam em soluções extremas se reúnam e decidam apoiar quem melhores condições de êxito eleitoral tiver, a crise tenderá certamente a se agravar. Os maiores interessados nesse encontro e nessa convergência devem ser os próprios candidatos que não se aliam às visões radicais que opõem “eles” contra ”nós”.
Não é de estagnação econômica, regressão política e social que o Brasil precisa. Somos todos responsáveis para evitar esse descaminho. É hora de juntar forças e escolher bem, antes que os acontecimentos nos levem para uma perigosa radicalização. Pensemos no país e não apenas nos partidos, neste ou naquele candidato. Caso contrário, será impossível mudar para melhor a vida do povo. É isto o que está em jogo: o povo e o país. A Nação é o que importa neste momento decisivo.
Steven Levitsky: A erosão das normas democráticas
A polarização nublou as percepções na eleição à Presidência no Brasil
Uma boa Constituição não basta para fazer que a democracia funcione. A democracia depende de normas não escritas. Duas são especialmente importantes. A primeira é a tolerância mútua, ou a aceitação da legitimidade dos oponentes. Isso significa que, não importa o quanto possamos desgostar de nossos rivais em outros partidos, reconhecemos que eles são cidadãos leais, com direito legítimo a governar. Em outras palavras, não tratamos os rivais como inimigos.
A segunda norma é a indulgência. Indulgência significa abrir mão de exercer um direito legal. É um ato de autocontrole, uma subutilização do poder.
A indulgência é essencial para a democracia. Os políticos têm a capacidade de usar a letra de qualquer Constituição para subverter seu espírito, transformando instituições em destrutivas armas partidárias. Apontar juízes parciais. Conduzir impeachments em base partidária. Excluir candidatos de um pleito por conta de minúcias legais. O professor de direito Mark Tushnet define o método como “jogo duro constitucional”.
Observe qualquer democracia em colapso e verá uma abundância de jogo duro constitucional: Espanha e Alemanha na década de 1930; a Argentina de Perón; a Venezuela na era Chávez; Turquia, Hungria, Bolívia e Equador hoje em dia.
O que impede que uma democracia seja arruinada pelo jogo duro constitucional é a indulgência. É o compromisso dos políticos de exercerem de maneira contida as suas prerrogativas institucionais, sem utilizá-las irresponsavelmente como armas partidárias.
As normas de tolerância mútua e indulgência são as grades de proteção informais da democracia. São elas que impedem que a competição política degringole para o tipo de disputa partidária impiedosa que destruiu as democracias da Europa na década de 1930 e as da América do Sul nas décadas de 1960 e 1970.
A democracia brasileira contava com essas grades de proteção informais, entre 1994 e 2014. O PT e o PSDB competiam vigorosamente, mas aceitavam um ao outro como legítimos. Não se tratavam como inimigos. E os políticos exercitavam a indulgência. Não houve interferência na composição dos tribunais, como aconteceu na Argentina de Kirchner ou na Venezuela de Chávez; não houve impeachments em estilo paraguaio; nem legalização de tentativas dúbias de reeleição por judiciários amistosos, como na Bolívia e Nicarágua.
Mas muita coisa mudou nos cinco últimos anos. À medida que a política se polarizava, a tolerância mútua desaparecia. Muita gente na direita agora vê o PT como ameaça existencial —uma força chavista determinada a se perpetuar no poder. E muitos petistas agora veem seus oponentes como golpistas ou até “fascistas”.
A erosão da tolerância mútua encoraja o jogo duro constitucional. Quando vemos os rivais como ameaça à nossa existência, como chavistas ou golpistas, nos sentimos tentados a usar quaisquer meios necessários para derrotá-los.
É exatamente isso que está acontecendo agora. O Brasil viu um recuo acentuado na indulgência. O impeachment de Dilma não foi um golpe —foi inteiramente legal. Mas representou um caso claro de jogo duro constitucional. Dilma também se engajou em jogo duro constitucional. A indicação de Lula como chefe de sua Casa Civil, para protegê-lo contra processos, é um exemplo.
A exclusão de Lula da corrida presidencial também foi inteiramente legal. Mas os juízes aceleraram o caso, levando a lei aos seus limites. Lula não precisava ter sido condenado antes da eleição. Mesmo que essas ações sejam consideradas como justificáveis, as consequências são perturbadoras: os petistas acreditam ter sido tirados do poder ilegitimamente em 2016 e impedidos ilegitimamente de recuperá-lo em 2018.
No Brasil atual, setores importantes da esquerda e da direita veem uns aos outros como inimigos perigosos. Essa intolerância mútua coloca a democracia em perigo. Quando a política fica polarizada a ponto de vermos rivais como ameaça à nossa existência, o que tornaria sua eleição intolerável, começamos a justificar o uso de meios extraordinários —violência, fraude eleitoral, golpes —a fim de derrotá-los.
De fato, a crença de que o PT é chavista levou muita gente na direita a considerar medidas irresponsáveis. Como, por exemplo, votar em Bolsonaro, o candidato verdadeiramente autoritário que está na disputa, para derrotá-lo. A tolerância quanto a líderes e ações antidemocráticas, em nome de derrotar rivais odiados, ajudou a matar a democracia na Alemanha e Espanha na década de 1930, no Chile em 1973, e na Venezuela no começo da década de 2000.
A polarização nublou as percepções. Nem o PSDB nem o PT são uma ameaça à democracia. Os dois partidos deveriam ser rivais acalorados, mas não inimigos temidos. A verdadeira ameaça é Bolsonaro, e a tentação de apoiá-lo, gerada pelo medo. A centro-direita e a centro-esquerda do Brasil precisam perceber a gravidade da situação antes que seja tarde.
Tradução de Paulo Migliacci
*Steven Levitsky é cientista político, autor do livro "Como as Democracias Morrem"
Bruno Boghossian: Haddad antecipa caça aos fantasmas do PT para segurar rejeição
Foram necessárias sete perguntas em quatro minutos até que Fernando Haddad desse sua declaração mais enfática até agora sobre a possibilidade de um indulto que poderia tirar Lula da prisão. “Não. A resposta é não”, afirmou.
Uma semana após assumir a candidatura do PT, Haddad tenta afastar um dos principais fantasmas que pairam sobre sua campanha. Em entrevista à CBN, disse que Lula não quer ser solto por medida excepcional, desautorizou petistas que defendem esse perdão ao ex-presidente, reclamou do debate sobre o assunto e sentenciou: “Não ao indulto”.
Haddad caminhava sobre uma corda bamba. Lula assombra parte dos eleitores, mas é tratado como espírito divino por outros. Ao refutar uma manobra aberta para libertar o padrinho, o candidato indica que a preocupação com o crescimento do antipetismo começa a falar mais alto.
O crescimento de Jair Bolsonaro e a tentativa do candidato do PSL de turbinar o sentimento de medo da volta do PT obrigaram Haddad a emitir sinais antecipados de moderação. Além da declaração contra o indulto, o petista ensaia correções na cartilha econômica defendida pelo partido nos últimos meses.
Há dois dias, o candidato rebateu opiniões do economista Marcio Pochmann, do PT, que contestava a urgência de uma reforma no sistema de aposentadorias. Haddad reconheceu a gravidade do buraco das contas públicas e admitiu discutir mudanças na Previdência.
Em ambos os casos, o petista faz acenos contidos. Declara que não vai tirar Lula da cadeia, mas diz que o ex-presidente será inocentado e solto. Na economia, tenta amenizar os receios do mercado financeiro com o PT, embora tenha evitado encontros públicos com grandes investidores.
Movimentos calculados em direção ao centro do espectro político são comuns, principalmente no segundo turno. O acirramento da disputa precipitou os passos de Haddad. Bolsonaro ainda guarda esta carta na manga, embora não se saiba se ele pretende utilizá-la.
Nelson de Sá: 'Eleitor-chave', mulheres ampliam mobilização digital contra Bolsonaro
'Crio dois filhos sozinha. Fui criada por minha mãe e avó. Não somos criminosas. #elenao', posta Sheherazade
Acima, post da atriz Letícia Colin, de "Segundo Sol", com imagem da artista plástica Mana Queiroz Bernardes
No rastro da página de Facebook Mulheres Unidas contra Bolsonaro, celebridades como Sasha, filha de Xuxa, e um sem-número de atrizes de televisão, entre elas Bruna Marquezine, Claudia Raia, Deborah Secco, Maria Ribeiro e Fernanda Paes Leme, vêm se pronunciando desde domingo com a hashtag #elenao por plataformas de mídia social.
Como noticiado por F5 e outros, Sasha, no Insta Stories, que compartilha imagens que somem em 24 horas, divulgou um Guia Anti-Bolsonaro.
E a apresentadora Raquel Sheherazade, do SBT, conservadora como o candidato, reagiu à declaração do vice, general Hamilton Mourão, de que famílias pobres “sem pai e avô, mas com mãe e avó”, são “fábricas de desajustados” que fornecem mão de obra ao narcotráfico. Dela, por Twitter:
“Sou mulher. Crio dois filhos sozinha. Fui criada por minha mãe e minha avó. Não. Não somos criminosas. Somos HEROÍNAS! #elenao.”
No Washington Post, longa análise, destacando as declarações do próprio Bolsonaro e a resistência do voto feminino a ele nas pesquisas, encerrou dizendo que “as mulheres estão prestes a ser o eleitor-chave” no Brasil.
CONTRADIÇÕES E MITOS
Em perfil de página inteira, o Financial Times escreve desde Eldorado, cidade paulista onde Bolsonaro cresceu, que “Contradições expõem líder da eleição no Brasil”. Entre as “muitas contradições”, destaca que “Mr. Bolsonaro agora reivindica ser um liberal econômico apesar de ter dito que FHC devia enfrentar pelotão de fuzilamento por privatizar estatais”.
O jornal também questiona “mitos” militares que o próprio Bolsonaro espalhou, a começar da história de que, aos 15, participou do combate à guerrilha na região.
‘SORBET DE CHAYOTTE’
Um dia antes do novo Ibope, como relatou o serviço brasileiro da Rádio França Internacional, Alckmin, “sem jogar a tolha e se esforçando para manter discurso otimista, afirmou a correspondentes que Bolsonaro é ‘o passaporte para o retorno do PT’ e tentou colocar os adversários do mesmo lado”.
O jornal Le Monde noticiou a entrevista sob o título “No Brasil, o ‘candidato do establishment’ ultrapassado pela extrema direita” e iniciou o texto lembrando o apelido “sorbet de chayotte”, picolé de chuchu.
SAINDO DA SOMBRA
Também antes da pesquisa, a Rádio França original produziu um longo perfil de Fernando Haddad, “o candidato de Lula, um intelectual que sai da sombra” do líder. Destacou, de professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, Science Po, que ele foi “um dos esteios dos governos do PT”.
E o inglês Guardian o entrevistou sob enunciado que envelheceu em poucas horas: “Haddad quer ser o novo Lula – mas alguém sabe quem ele é?”.
‘CRESCEU 11 PONTOS’
Com o gráfico acima, o apresentador William Bonner, que entrevistou o candidato na sexta, abrindo o Jornal Nacional de terça dizendo:
"Fernando Haddad, do PT, cresceu 11 pontos percentuais desde a última pesquisa, na semana passada."
Nelson de Sá é jornalista, foi editor da Ilustrada.
Bruno Boghossian: Ataque de Bolsonaro a processo eleitoral é movimento irresponsável
Há duas maneiras de interpretar a declaração infundada de Jair Bolsonaro sobre a possibilidade de fraude na disputa presidencial: ou o candidato quer acirrar a mobilização do eleitorado contra seus rivais do PT, ou quer deixar uma porta aberta para contestar o resultado das urnas se for derrotado. Nos dois casos, a estratégia é irresponsável.
O líder das pesquisas decidiu estimular a corrosão da confiança dos eleitores na democracia. Ao dizer que petistas podem fraudar o processo de votação, sem evidências concretas para amparar essa suspeita, o deputado do PSL toma emprestada a linguagem de políticos personalistas e populistas.
Na primeira hipótese, Bolsonaro estaria usando uma ferramenta retórica para incitar o medo entre os eleitores. Identificado como adversário ferrenho do PT, buscaria aglutinar ainda mais o voto antipetista em torno de sua figura com o discurso do medo da vitória do partido.
A acusação desmotivada não pode ser encarada como mera tática de campanha. Sem provas, a desconfiança sobre a urna eletrônica e sobre o processo democrático pode ter efeitos duradouros sobre o eleitorado —mesmo que ele seja vitorioso.
No cenário mais grave, Bolsonaro estaria preparando o terreno para atacar a própria eleição. Se for derrotado, o candidato abrirá um terceiro turno na Justiça ou convocará seus apoiadores às ruas para protestar não apenas contra os eleitos, mas contra todas as instituições que deram sustentação à votação?
Candidato a vice, Hamilton Mourão tentou contemporizar. “Temos de relevar o que ele disse. O homem quase morreu há uma semana. O cara está fragilizado”, afirmou. Faltou dizer que ele mesmo já arrancou aplausos em palestras ao surfar na contestação às urnas eletrônicas.
Dizer que a democracia não funciona é a maneira mais eficaz de alimentar o clamor por soluções autoritárias. Questionar desde já a legitimidade da eleição é o tipo de ataque que busca apagar, com antecedência, as regras do jogo.
Pablo Ortellado: Um passo atrás
Candidatura de Jair Bolsonaro produz declarações preocupantes
As últimas pesquisas têm indicado que Jair Bolsonaro deve mesmo estar no segundo turno. A consolidação de sua liderança acontece no momento em que a candidatura produz declarações preocupantes, que colocam outra vez em xeque os pilares da democracia.
Em vídeo recentemente divulgado, Bolsonaro reafirmou sua posição de que não reconhecerá a eventual vitória de um adversário. Um pouco antes, o general Mourão, vice em sua chapa, declarou que considera legítimas tanto a possibilidade de autogolpe quanto a de uma revisão da Constituição realizada por constituintes não eleitos.
A ameaça é tão grave que é preciso um compromisso dos principais atores em defesa das instituições democráticas. Para começar, precisam reconhecer a legitimidade do adversário.
A direita, de um lado, tem tratado Lula e Bolsonaro como expressões diferentes do mesmo fenômeno populista que não respeitaria as regras da democracia liberal —isso, a despeito dos governos petistas terem observado rigorosamente esses limites (má gestão econômica e corrupção são problemas de outra natureza).
Já a esquerda tem tratado Alckmin e Marina como se fossem golpistas e, portanto, diferindo apenas em grau da orientação antidemocrática de Bolsonaro —embora Alckmin, Marina e seus partidos jamais tenham atentado contra a legitimidade do sistema de direitos humanos ou colocado em xeque a representação democrática.
O PSDB começou um processo de autorrevisão que se expressou na entrevista de Tasso Jereissati ao O Estado de S. Paulo, na semana passada, na qual o presidente do PSDB avalia como equivocada a estratégia de contestar o resultado das eleições de 2014. A revisão não se estende ao apoio ao impeachment, mas parece um primeiro passo.
O PT, por sua vez, ainda não fez a autocrítica sobre os desvios na Petrobras, limitando-se a dizer que os outros partidos também se envolveram em desvios. Essa postura definitivamente não é autocrítica o suficiente e é o principal motivo que faz com que grandes contingentes de brasileiros odeiem o partido e prefiram votar em Bolsonaro.
Analistas da esquerda têm insistido na tese de que a democracia tem regras não escritas que precisam ser tão respeitadas quanto as escritas e que essa autolimitação foi rompida quando o instituto do impeachment foi utilizado de maneira abusiva para reverter o resultado eleitoral de 2014.
Esse princípio, porém, deveria valer também para a esquerda. Os candidatos deste campo têm que deixar claro, por exemplo, que pretendem respeitar as regras não escritas assumindo, por exemplo, o compromisso de não fazer uso abusivo do instituto do indulto para tirar Lula da cadeia.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
Folha de S. Paulo: Presidenciáveis repetem erros que geraram a crise, diz economista
Para José Alexandre Scheinkman, crise fiscal que assola o país vem sendo ignorada na campanha
Por Érica Fraga
A opinião é do economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, 70, professor da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Entre os presidenciáveis cujas ideias são criticadas pelo pesquisador, está Ciro Gomes (PDT), a quem Scheinkman assessorou no pleito de 2002.
Na época, a contribuição culminou na elaboração da chamada "Agenda Perdida", compilação de ideias de vários especialistas, que teve pontos adotados pelo governo Lula.
Entre as propostas atuais de Ciro que Scheinkman considera equivocadas está a recriação de um imposto sobre movimentações financeiras.
"Essa taxa, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia", diz.
Ele também criticou a promessa de Jair Bolsonaro (PSL) de resolver o déficit fiscal no próximo ano, por considerá-la inviável. Para o economista, a eleição do capitão reformado representaria um formidável retrocesso para o Brasil.
Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) são, na opinião do economista, os candidatos mais cientes das medidas que precisam ser adotadas para resolver a crise fiscal brasileira.
Em 2016, o sr. disse à Folha que a repetição de erros cometidos pelo Brasil o fazia lembrar o filme "Feitiço do tempo", em que um homem vive o mesmo dia várias vezes. Ainda tem essa impressão?
Sim. As propostas da campanha presidencial mostram que alguns candidatos estão prometendo repetir os mesmos erros do passado, como a ideia de que o Estado precisa proteger a economia. Políticas assim criaram uma série de problemas, mas acho que as pessoas esquecem.
O Plano Real foi muito importante. Mas a verdade é que só acabar com a inflação não foi a chave mágica para o Brasil crescer. E o nosso desafio é a questão da produtividade. Nós fazemos as coisas pior do que os outros países, e cada vez pior.
Por que o país não avançou?
O governo precisa criar o ambiente para que as firmas aumentem sua produtividade. Acho que, em parte, isso não aconteceu exatamente pelo que a gente falou sobre o filme, vamos voltando aos mesmos problemas.
O país tinha, de uma certa maneira, equacionado seu problema fiscal no final do Plano Real, mas a partir principalmente do segundo governo Lula —e certamente do primeiro governo Dilma [Rousseff] em diante—, a gente retomou o caminho de tentar resolver todos os nossos problemas gastando mais do que arrecadava. E, quando você escuta os detalhes dos programas de alguns candidatos, eles também falam em gastar mais.
Deixe-me colocar de outra maneira. Acho que existe uma crise fiscal importante no Brasil e acho que, na discussão da eleição, essa crise fiscal está sendo ignorada em vários graus pelos diferentes candidatos. Ou, então, eles apresentam soluções mágicas, como a de que vão acabar com o déficit fiscal no ano que vem, coisa que você sabe que não vai acontecer.
O sr. vê esse problema em todos os programas dos candidatos que lideram as pesquisas?
Acho que as assessorias econômicas de Alckmin e Marina estão mais conscientes do que é preciso fazer. Não adianta só falar do problema fiscal; outros candidatos também falam, mas é preciso ter ideia do que pode ser feito.
Há promessa de que, no ano que vem, acabam todos os nossos problemas porque vão vender todas as estatais, o que obviamente não é uma coisa possível porque enfrentaria resistência no Congresso, ou de resolver o déficit da Previdência instituindo o sistema de capitalização.
Que questões mais urgentes o sr. acha que Alckmin e Marina entendem melhor?
A reforma da Previdência não vai poder ser muito diferente do que foi proposto pelo governo [de Michel] Temer. Obviamente, há detalhes que podem ser alterados, mas é necessário instituir uma idade mínima para a aposentadoria porque há um problema demográfico.
Precisamos decidir o que fazer a respeito das diferenças em relação a mulheres e homens. O Brasil é um dos poucos países que fazem essa diferenciação. Evidentemente, as pessoas reconhecem que a mulher tem muitas tarefas fora do trabalho, mas a contrapartida disso é que vivem mais do que os homens.
E há o problema dos regimes especiais que, essencialmente, se referem a uma parte do funcionalismo público que tem uma aposentadoria não compatível com a riqueza do Estado brasileiro.
Por que a recuperação da economia tem sido decepcionante, apesar de algumas mudanças feitas pela gestão Temer?
Algumas medidas terão efeito de mais longo prazo, como a reforma trabalhista. A condução da política monetária mudou muito. Vínhamos de um Banco Central conduzido de forma muito política e mudamos para um que teve realmente independência. Baixamos nosso patamar de inflação e os juros reais. Isso vai ajudar o processo de investimento.
O teto dos gastos é um negócio interessante porque supostamente é uma alavanca para certas reformas fiscais e, infelizmente, ele aconteceu, mas as reformas fiscais necessárias para sustentá-lo não ocorreram. No curto prazo, o teto teve um efeito negativo sobre investimentos, porque é a única coisa flexível do lado do gasto.
Vai ser inevitável aumentar impostos?
Esse é outro problema. Várias das propostas [das campanhas] têm pautas como imposto sobre o cheque. Na época do Plano Real, o Estado brasileiro coletava [em impostos] o equivalente a 24% do PIB (Produto Interno Bruto). Hoje, a carga tributária é 33% do PIB. A pergunta para esses candidatos é: aumentamos nove pontos do PIB em impostos, que problemas do Brasil resolvemos com isso? Um terço da carga tributária, sem ter o que mostrar. Aí, você fica propondo mais impostos.
Alguns dos pontos que o sr. critica são defendidos pelo candidato Ciro Gomes. As propostas dele hoje estão muito distantes da "Agenda Perdida"?
Eu leio as coisas no jornal, o que dizem os economistas ligados à campanha. Não tenho nenhum contato com o Ciro. Então, é difícil eu julgar.
Acho que, evidentemente, as políticas sociais do Bolsonaro representariam um formidável retrocesso e o seu histórico como parlamentar contradiz o seu discurso econômico atual.
Mas vou falar do exemplo da capitalização da Previdência. Não há nada de errado com você visar a isso. Mas não resolve o problema atual ou talvez o faça ainda mais agudo. As pensões das pessoas que já ganharam com base no sistema antigo são pagas com a contribuição dos empregados atuais. Se a previdência for capitalizada, essas pessoas não vão contribuir mais.
Parte do que nós discutimos na Agenda é que são necessários impostos que não distorçam a economia mais ainda. A taxa sobre movimentação financeira, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia. Então, evidentemente, isso vai completamente contra o tipo de proposta que eu fiz na agenda.
Quanto à capitalização da Previdência, não foi só o Ciro que falou isso. De uma certa maneira, é falta de uma pessoa fazer as contas que são necessárias para entender o problema.
Por que a eleição de Bolsonaro seria um retrocesso?
O Brasil, de fato, precisa de uma nova política de segurança e fracassou nessa agenda com governos de vários matizes. Agora, um dos problemas graves que temos é que a polícia mata muito. Então, dar uma licença para a polícia matar com mais facilidade não vai resolver nosso problema de criminalidade.
Outra coisa que me preocupa nesse discurso é o seguinte: o Brasil teve políticas discriminatórias contra certos grupos e ainda hoje, quando você tenta explicar os salários das pessoas, depois de corrigir por educação, onde eles moram etc., raça ainda conta. Então, você precisa ter certas políticas de afirmação enquanto a universidade for gratuita.
Como resolver o problema do atraso da produtividade que já era urgente há décadas e só se torna pior?
Temos de melhorar muito a infraestrutura do país. A gente poderia ter um sistema em que o setor privado contribuísse mais, mas, para isso, é preciso criar um arcabouço jurídico que o deixe à vontade.
Outra maneira é se integrar mais à economia mundial. Vários avanços tecnológicos entram no setor produtivo através da compra de insumos, bens de capital, de parcerias, etc. Em relação ao PIB, o Brasil comercializa muito pouco com o resto do mundo.
Uma grande dificuldade é que há setores que se beneficiam muito desse fechamento. Um exemplo claro é a indústria automobilística, que consegue vender carros caros —em relação à qualidade— no Brasil porque não tem concorrência.
O outro problema é nosso sistema de impostos. Tentar entender a legislação de ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços] é impossível. Além disso, o sistema tributário atual beneficia muito as firmas pequenas, em geral menos eficientes.
Agora, qualquer reforma vai encontrar resistência. Algumas são legítimas. Acho legítimo, por exemplo, que, se uma abertura econômica afetar o emprego em certas áreas, a gente pense num programa que ajude esses trabalhadores até que ocorra uma realocação.
Agora, isso não quer dizer que você tem de pegar um empresário e dizer: 'Olha, você se beneficiou desse programa por 20 anos. Agora terá mais de 10 anos de proteção antes de perdê-lo'. Isso é um absurdo, né?
José Alexandre Scheinkman, 70, Doutor em economia pela Universidade de Rochester, é professor de economia da Universidade Columbia, em Nova York, e professor emérito da Universidade de Princeton, também nos EUA. Atua ainda como pesquisador associado do centro de pesquisa americano Nber